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TÍTULO V DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS CAPÍTULO I DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO ULTRAJE A CULTO E IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE ATO A ELE RELATIVO Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena — detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência. • Objetos jurídicos A liberdade de crença e o exercício dos cultos religiosos, que não contrariem a ordem pública e os bons costumes (CF, art. 5º, VI). • Tipos penais 1º) escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; 2º) impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; 3º) vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. ESCÁRNIO POR MOTIVO DE RELIGIÃO • Motivação É necessário que a zombaria seja motivada por crença ou pelo exercício de função religiosa. • Publicidade da conduta A zombaria deve ser praticada na presença de várias pessoas ou com a utilização de meios que a divulguem (imprensa, p. ex.). Exige-se, pois, a publicidade do ato. • Presença do ofendido Não é necessária. • Determinação pessoal da ofensa A ofensa deve ser dirigida a pessoa determinada e não a grupos religiosos. Dessa forma, a zombaria dirigida a umbandistas ou a católicos em geral não configura o crime. Do mesmo modo, se destinada a padres ou pastores em geral. É preciso que seja formulada contra crente ou ministro em particular. IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE CULTO RELIGIOSO • Simples oração particular Não caracteriza a prática de culto religioso. • Proteção estatal Culto religioso, para a configuração do crime, é aquele protegido pela tutela estatal, ou seja, o que não atente contra a moral e os bons costumes (CF, art. 5º, VI) e conte com número razoável de adeptos. É necessário que se trate de religião admitida pelo Estado. • Distinção penal entre religiões Inexiste. • Interrupção da cerimônia Não é necessária. Abreviação do ato: configura o crime (RT, 533:349). • Disparo de arma de fogo na frente da capela Constitui o crime (RT, 419:293). Veja, entretanto, que disparo de arma de fogo constitui crime de maior gravidade (art. 15 da Lei n. 10.826, de 22-12-2003, Estatuto do Desarmamento). • Entrar na igreja embriagado e de “short” no momento da missa Configura o crime (RT, 491:318). • Altos brados durante casamento Constituem o delito (JTACrimSP, 57:322). • Simples alarido Não configura o crime (RT, 324:303). • Palavrões durante a missa Constituem crime (RT, 491:318). • Desrespeito ao orador Configura o delito (RT, 405:291). • Direcionar possantes alto-falantes para o prédio de igreja Configura o delito (TACrimSP, ACrim 560.379, RJDTACrimSP, 6:128). • Fazer uso de estampidos de bombas juninas para perturbar orações e cânticos Configura o crime (TACrimSP, ACrim 560.379, RJDTACrimSP, 6:128). • Pôr em funcionamento defronte à igreja veículo a motor provocando altíssimos ruídos e fumaça Constitui o delito (TACrimSP, ACrim 560.379, RJDTACrimSP, 6:128). VILIPÊNDIO PÚBLICO DE ATO OU OBJETO DE CULTO • Publicidade do vilipêndio É exigida. • Abrangência do ato Incide sobre a cerimônia e a prática religiosas. • Proteção legal Objeto de culto religioso são todos os consagrados ao culto. Qualquer bem corpóreo inerente ao serviço do culto está abrangido pela definição legal. Assim, não apenas os objetos de devoção religiosa, como as imagens e relíquias, mas também os que se destinam à manifestação do culto, como os altares, púlpitos, cálices, paramentos, merecem a proteção legal. • Consagração É preciso que os objetos estejam consagrados, ou seja, já tenham sido reconhecidos como sagrados pela religião ou tenham sido utilizados nos atos religiosos. Os paramentos expostos numa loja, ainda não usados, não constituem objeto material do crime. • Cruzeiro (cruz de madeira) Sua derrubada configura o delito (JTACrimSP, 70:280). CARACTERÍSTICAS DOS TIPOS • Sujeito ativo Qualquer pessoa. • Sujeitos passivos Principal: o Estado. Secundário: a pessoa que sofre diretamente a ação. • Elementos subjetivos dos tipos O primeiro é o dolo. Na primeira figura, além do dolo, é necessário o fim especial de agir, consistente em proceder “por motivo de crença ou função religiosa”. Na segunda figura basta o dolo eventual, sendo irrelevante a finalidade (RT, 419:293 e 491:318). A terceira figura típica exige o fim específico de agir, que consiste no propósito de vilipendiar, ou seja, de ofender o sentimento religioso, ultrajando-o. • Momento consumativo e tentativa Consuma-se o crime, na primeira forma típica, com o escárnio, independentemente do alcance de outro resultado visado. Na forma escrita, o delito admite a figura da tentativa; na forma verbal, não. Com relação ao impedimento ou perturbação, o delito atinge a consumação com a produção desses resultados, admitindo a tentativa. No tocante à última figura típica, o delito se consuma com o efetivo vilipêndio, admitindo a forma tentada quando o delito é material; quando formal, não. • Tipo qualificado (parágrafo único) A violência é a física, exercida contra a pessoa ou coisa (JTACrimSP, 70:279). • Doutrina MAGALHÃES NORONHA, Direito penal, 1979, v. 3, p. 81-6; HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 1959, v. 8, p. 57-75; H. C. FRAGOSO, Lições de direito penal, 1977, Parte Especial, v. 2, p. 272-4; ARTHUR COGAN, Crimes contra o sentimento religioso, Justitia, São Paulo, 96:99-100, jan./mar. 1977; Comissão de Redação, Ultraje a culto religioso, in Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977, v. 75, p. 406. CAPÍTULO II DOS CRIMES CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS IMPEDIMENTO OU PERTURBAÇÃO DE CERIMÔNIA FUNERÁRIA Art. 209. Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária: Pena — detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, ou multa. Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência. • Objeto jurídico O sentimento de respeito aos mortos. • Sujeito ativo Qualquer pessoa. • Sujeito passivo A coletividade. • Conduta típica Consiste em impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária. • Cerimônia funerária e enterro Abrangem a translação de uma sepultura para outra, o velório, a câmara ardente, a cremação autorizada, o amortalhamento etc. • Elementos subjetivos do tipo O primeiro é o dolo, contido na vontade livre e consciente de impedir ou perturbar enterro ou cerimônia fúnebre. Exige-se um segundo, consistente na finalidade de transgredir o sentimento de respeito devido aos mortos. Contra, no sentido da suficiência do dolo eventual: RT, 410:313. • Momento consumativo Ocorre com o efetivo impedimento ou perturbação do enterro ou cerimônia fúnebre. • Tentativa É admissível. • Tipo qualificado (parágrafo único) Trata-se de violência física, exercida contra pessoa ou coisa. Se empregada contra o cadáver, estaremos diante de concurso de crimes, configurando-se, conforme o caso, o delito previsto nos arts. 211 ou 212 do Código Penal. • Doutrina MAGALHÃES NORONHA, Direito penal, 1979, v. 3, p. 87-8; HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 1959, v. 8, p. 79-80; H. C. FRAGOSO, Lições de direito penal, 1977, Parte Especial, v. 2, p. 277. VIOLAÇÃO DE SEPULTURA Art. 210. Violar ou profanar sepultura ou urna funerária: Pena — reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. • Objeto jurídico O sentimento de respeito aos mortos (RJTJSP, 21:459). • Sujeito ativo Qualquer pessoa. • Sujeito passivo A coletividade. • Condutas típicas Consistem em o sujeito violar ou profanar sepultura ou urna funerária. • Sepultura Abrange não apenas a cova, como também todo o lugar onde o cadáver está enterrado. Compreende o túmulo (construção acima da cova), os ornamentos, inscrições e objetos ligados permanentemente ao local onde se encontra o cadáver. • Ausência de cadáver A sepulturavazia ou o monumento erigido à memória de alguém, que não contenham sequer partes de um cadáver, não constituem objeto material do delito. • Restos mortais Não há necessidade de que sejam removidos do local onde se encontrem. Basta que, na violação, seja o cadáver exposto ao tempo, alterando-se a sepultura ou urna, de forma a modificar sua destinação. Tratando-se de vala comum, a remoção da terra, expondo o cadáver, configura o crime. • Furto O simples ato de subtração de objetos que estejam sobre a sepultura ou urna, sem que ocorra violação ou profanação, constitui crime de furto. Nesse sentido: RT, 598:313. Contra, no sentido de só haver o crime dos arts. 210 ou 211 do Código Penal: RT, 608:305. • Derrubar cruz Configura o delito (RT, 238:621). • Derrubar enfeite religioso Constitui o delito (RT, 238:621). • Lançar bebida alcoólica sobre símbolo funerário Constitui o crime (RT, 238:621). • Elementos subjetivos do tipo O crime somente é punível a título de dolo. Na modalidade de violação, consiste na vontade livre e consciente de devassar, abrir sepultura ou urna funerária. Não se exige qualquer fim especial do agente (lucro, vontade de rever o ente querido ou a curiosidade mórbida). Nesse sentido: RT, 443:435. Já a profanação exige especial finalidade, que consiste na intenção de ultrajar, macular a sepultura ou urna funerária. Ausente tal propósito, não há profanação. • Momento consumativo Consuma-se o crime com a efetiva violação ou profanação da sepultura ou urna funerária. Nesse sentido: RT, 467:339. • Tentativa Admite-se. Há que se observar, todavia, o caso concreto, pois na prática a tentativa de violação poderá constituir-se profanação, na forma consumada. • Concurso de crimes Se o fim do agente for a subtração ou vilipêndio de cadáver, a hipótese será a dos arts. 211 ou 212 do Código Penal. Quando a finalidade for a de subtrair algum objeto que esteja na sepultura ou urna funerária, teremos o concurso do crime previsto no art. 210 com o furto (concurso material). • Exclusão de ilicitude A exumação determinada pela autoridade competente e a mudança de restos mortais de uma sepultura para outra, com a observância das formalidades legais, não constituem crime. São hipóteses de estrito cumprimento do dever legal e de exercício regular de direito. • Doutrina MAGALHÃES NORONHA, Direito penal, 1979, v. 3, p. 89-91; HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 1959, v. 8, p. 80-2; H. C. FRAGOSO, Lições de direito penal, 1977, Parte Especial, v. 2, p. 278-9; HUGO NIGRO MAZZILLI, Violação de sepultura, RT, 608:275-90, jun. 1986. DESTRUIÇÃO, SUBTRAÇÃO OU OCULTAÇÃO DE CADÁVER Art. 211. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena — reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. • Objeto jurídico Sentimento de respeito aos mortos. • Sujeito ativo Qualquer pessoa. • Sujeito passivo A coletividade (crime vago). • Condutas típicas Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele. • Ocultação Somente ocorre antes do sepultamento do cadáver, ou seja, quando este ainda não estiver em seu lugar definitivo, após o que o crime previsto só pode ser cometido por destruição ou subtração. • Atropelar a vítima, matando-a, e abandonar o cadáver em lugar ermo Configura a ocultação (RT, 593:317). Abandono em terreno baldio (RJTJSP, 91:439; RT, 537:302). • Cadáver O conceito exclui o esqueleto, as cinzas humanas ou restos em decomposição. Nesse sentido: RT, 479:303. • Natimorto e feto O natimorto está abrangido pelo conceito legal de cadáver, por inspirar o mesmo sentimento de respeito devido aos mortos, ao contrário do que acontece em relação ao feto que ainda não tenha atingido a maturidade necessária para sua expulsão. Há, a respeito, três orientações: 1ª) somente se considera cadáver aquele que possui vida extrauterina: RT, 478:308, 463:339 e 488:327; RJTJSP, 13:447 e 88:382; 2ª) é considerado cadáver o natimorto que foi expulso no termo da gravidez (nossa posição): RT, 488:327, 526:328 e 556:318; RJTJSP, 72:351 e 13:447; 3ª) o feto de mais de seis meses é considerado cadáver; por ser viável: RT, 450:366 e 526:328; TJSP, RCrim 71.771, RJTJSP, 125:465; JTJ, 164:290; RT, 733:563. Feto de três meses de concepção: inexistência de crime (RT, 733:563). • Enterrar a vítima viva Não há crime de ocultação de cadáver e sim homicídio qualificado por asfixia (soterramento): RJTJRS, 113:101. • Múmia Não é considerada cadáver, por não inspirar o sentimento de respeito aos mortos. • Subtração de cadáver O cadáver não pode, em regra, ser objeto material do crime de furto, pois não possui valor patrimonial, salvo na hipótese de sua utilização para fins científicos, quando passa a integrar o patrimônio da entidade que o possui. Nesse sentido: RT, 619:291. • Rompimento de urna funerária para subtração de prótese dentária, incrustações e pinos de ouro de cadáver Não há furto e sim o delito do art. 211 do Código Penal. Nesse sentido: RT, 619:291. • Partes do cadáver São protegidas pela lei penal. É necessário, porém, que sejam partes de um corpo sem vida, não se configurando o crime se a ação recair sobre partes retiradas de um corpo vivo (partes amputadas de uma pessoa, p. ex.). • Elemento subjetivo do tipo É o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele. Não se exige qualquer finalidade especial (fim de lucro, vingança, ocultação de vestígios de crime etc.). Tratando-se de mero sepultamento com infração das disposições legais, ausente o elemento subjetivo, a hipótese será de infração do art. 67 da Lei das Contravenções Penais. • Momento consumativo Ocorre com a destruição, total ou parcial, do cadáver, com a subtração (tirada do corpo de sua esfera de vigilância ou proteção) ou com o seu desaparecimento, ainda que temporário, na hipótese de ocultação. • Tentativa É admissível (RT, 606:361). • Retirada e transplante de partes de cadáver para fins terapêuticos e científicos De acordo com a Lei n. 8.489, de 18 de novembro de 1992, mediante manifestação expressa de vontade do disponente (quando ainda em vida), poderão ser retiradas partes do corpo sem vida, para fins terapêuticos, desde que a doação seja gratuita (art. 3º, I). Na ausência de documento de anuência do disponente, a retirada de órgãos pode ser realizada desde que não haja manifestação em contrário por parte do cônjuge, ascendente ou descendente (art. 3º, II). Retirada a parte destinada a transplante, o cadáver será recomposto e entregue aos responsáveis para sepultamento (art. 4º). A não observância do disposto no art. 4º constitui crime do art. 211 do CP (art. 4º, parágrafo único, da lei especial). • Doutrina MAGALHÃES NORONHA, Direito penal, 1979, v. 3, p. 92-4; HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 1959, v. 8, p. 82-4; H. C. FRAGOSO, Lições de direito penal, 1977, Parte Especial, v. 2, p. 279-80; C. R. (Comissão de Redação), Destruição de cadáver, in Enciclopédia Saraiva do Direito, 1977, v. 24, p. 291. VILIPÊNDIO A CADÁVER Art. 212. Vilipendiar cadáver ou suas cinzas: Pena — detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. • Objeto jurídico Sentimento de respeito aos mortos. • Sujeito ativo Qualquer pessoa (crime comum). • Sujeito passivo A coletividade. • Conduta típica Consiste em vilipendiar cadáver ou suas cinzas. • Partes do cadáver Embora a lei penal não disponha expressamente, entendemos que também são tuteladas. Protegendo o menos, que são as cinzas, não se pode excluir da tutela penal o mais, que seriam as partes de um cadáver. • Finalidade científica Também os esqueletos e o cadáver exposto para fins de estudos científicos estão abrangidos pela tutela penal. • Elementos subjetivos dos tipos O primeiro é o dolo, exigindo-se especial finalidade do agente, consistente no propósito de ultrajar ou profanar o cadáver ou suas cinzas. Nesse sentido: RT, 532:368. • Consumação e tentativa Consuma-se o crime com o efetivo vilipêndio. Admite-se tentativa, à exceção do delito cometido mediante ofensa verbal. • Finalidade didática Conduzà atipicidade do fato (RTJ, 79:102). • Doutrina MAGALHÃES NORONHA, Direito penal, 1979, v. 3, p. 95-7; HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, 1959, v. 8, p. 84-5; H. C. FRAGOSO, Lições de direito penal, 1977, Parte Especial, v. 2, p. 281.
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