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1 ©2019 by Fábio Henriques POST-A-POST V1.0 Uma Coletânea de Publicações de Fábio Henriques Mixagem Sem Segredos: O Grupo https://www.facebook.com/groups/744276519018138/ 16 BITS É POUCO MESMO? ............................. 213 A COISA MAIS BONITA DO ÁUDIO ............... 192 A Controvérsia do Summing Amp................. 25 A COR NÃO EXISTE........................................... 235 A TEORIA DO ÁUDIO, A MANIÇOBA E O JUMBO ............................................................ 252 A VERDADE SOBRE O PZM .............................. 196 A verdade sobre o Subkick .......................... 270 ALL ALONG THE WATCHTOWER ..................... 211 Apps de medição de áudio prestam? ...... 151 ARTE, TÉCNICA, PRÁTICA E TEORIA .............. 254 Às Vezes O Bom Senso Engana 1 ................ 147 Às Vezes o Bom Senso Engana 2 ................ 150 ÁUDIO DE ALTA DEFINIÇÃO – O APITO EM 30kHZ .............................................................. 141 Áudio de Alta Definição Existe? .................... 38 Áudio na Contramão - Os Meios e os Fins 166 Áudio Não Tem Muita Lógica ....................... 162 CABOS BNC? ..................................................... 241 Caçando Mitos - O "sonzão" do equipamento vintage.............................................................. 73 Caçando Mitos (Parte 1) .................................. 26 CANTINHO DO ABSURDO ............................... 158 CHEGA DE 1176s............................................... 214 Coitados dos Dinâmicos ................................ 173 COMO CONSEGUIR BOAS MIXAGENS PARTE 1 ....................................................................... 237 COMO CONSEGUIR UMA MIX QUE SOA BEM EM QUALQUER LUGAR? .............................. 138 COMO CONTROLAR O VOLUME DE MINHA MIX? ................................................................ 219 COMO É O SUPORTE DA AVID ....................... 170 COMO ESCOLHER O QUE USAR NA MIX? ..... 83 COMO REALMENTE FUNCIONA UM EMT140 ......................................................................... 155 COMO TEM LOROTA NO ÁUDIO ................... 152 Comparando Áudios .......................................... 3 Compressor no master? ................................. 243 CONVERSÃO ANALÓGICO – DIGITAL ........... 88 Convolução, o processamento do século 21 ......................................................................... 174 CUIDADO COM A EXIGÊNCIA SELETIVA ..... 260 Cuidado com o que aprende! ..................... 161 CUIDADO COM VR ! ........................................ 168 Desenvolvimento Histórico Da Referência de Afinação ........................................................ 188 DESVENDANDO OS SEGREDOS DO HCOMP ......................................................................... 265 DESVENDANDO OS SEGREDOS DO RVOX .. 261 DEZ DICAS PARA MELHORAR SUA MIXAGEM ......................................................................... 156 DRIVE (distorção) DE CONSOLE OU "Corrigindo problemas que não existem" ......................................................................... 163 Dunkirk: A Guerra e a Guerra ...................... 167 E QUANDO QUEREM QUE VOCÊ SEJA OUTRO? .......................................................... 137 E você pensava que isso era exclusividade do áudio? ...................................................... 229 Equalizador Acústico? .................................... 142 EQUALIZADORES SEM SEGREDOS 3: ............. 206 EQUALIZADORES SEM SEGREDOS I ............... 202 EQUALIZADORES SEM SEGREDOS II: ............. 204 Equipamentos Mega-caros? Pra quê? ...... 159 EXEMPLO PRÁTICO DE COMPRESSÃO PARALELA E SEU RESULTADO ..................... 269 FAZ SENTIDO "AMACIAR" HEADPHONES? ... 194 FORMATO DE PONTO FLUTUANTE (FLOATING POINT) ..................................... 103 Gravação de Voz - Fabio Henriques ......... 222 Gravadores Analógicos de Fita Magnética . 9 Gravando Ambiente de Verdade ................ 70 INTERFACE É TUDO IGUAL? ............................. 208 Kate Perry ........................................................... 193 LUFS ...................................................................... 271 Mais Hz ou mais Bytes? .................................... 98 MAIS SOBRE O SUMMING DO MASTER BUS 124 MASTERIZAR É ISSO? ........................................ 255 MASTERIZAR EM ANALÓGICO? ..................... 101 MINÚCIAS DO ÁUDIO ...................................... 105 MIXAGEM SEM SEGREDOS: O LIVRO – Capítulo 1 ...................................................... 128 MIXANDO DE FONES ........................................ 172 MIXAR NÃO SE ENSINA, SÓ SE APRENDE (Mixerman) ................................................... 127 NÃO CUSTA ALERTAR DE NOVO ................... 201 NÃO SUBESTIME A VOZ GUIA ........................ 191 NINGUÉM VAI SABER QUE VOCÊ EXISTE ..... 169 https://www.facebook.com/groups/744276519018138/ 2 ©2019 by Fábio Henriques NOVA TECNOLOGIA DE CORDAS DE GUITARRA ...................................................... 154 O Áudio e os UFOs ........................................... 115 O BRUFFLE ........................................................... 126 O CASO EMBLEMÁTICO DO SOLZINHO DO ADAT ............................................................... 239 O Compressor Sou Eu? ................................... 160 O CONTROLE DO VOLUME DO MASTER ...... 133 O Equalizador É Você ....................................... 72 O Melhor Equipamento do Mundo é o Seu 23 O MUNDO É MUITO MAIOR DO QUE A GENTE PENSA ............................................................. 264 O PROCESSO INVERSO .................................... 144 O QUE EU GANHO GRAVANDO EM 96kHz ? ......................................................................... 217 O QUE EU GANHO USANDO UM SUMMING AMP? .............................................................. 221 O QUE IMPORTA É O RESULTADO?................ 216 O QUE SERIA BOM EU SABER PRA ME AJUDAR A SER UM BOM MIXADOR ............................ 97 O SOM DOS "GRINGOS" ................................. 210 O VERDADEIRO PROBLEMA DO 16 BITS ....... 123 Otimizando Sua Mixagem (Parte 3) .............. 53 Otimizando Sua Mixagem (Parte 4) .............. 58 Otimizando Sua Mixagem (Parte 5) .............. 63 Otimizando Sua Mixagem Parte 1 ................. 44 OTIMIZANDO SUA MIXAGEM PARTE 2 – O CAMINHO DAS PEDRAS ................................ 49 Otimizando sua Mixagem Parte 6 ................. 78 OUVIR A MIX EM DIVERSOS LUGARES - BOM ou RUIM? ........................................................ 100 PARA ENTENDER A LEI DE PAN (Pan Law) ... 195 PARA ENTENDER FASE DE VEZ ........................ 244 PARA ENTENDER FASE DE VEZ PARTE 2 ......... 246 PARA ENTENDER FASE PARTE 3 ...................... 248 PARA ENTENDER FASE PARTE 4 ...................... 249 PARA TIRAR AS DÚVIDAS SOBRE COMPRESSÃO PARALELA ........................... 242 Pelo que estou pagando ao comprar um simulador de fita? ....................................... 267 POR QUE ALGUNS COMPRESSORES POSSUEM UM HPF NO SIDE CHAIN? ........................... 230 Por que gravar em 48kHz ? ........................... 199 Por Que Meu CD não Aparece no Media Player (ou no Itunes) ? ................................. 16 POR QUE NÃO PRECISO GRAVAR EM 32 BITS? ......................................................................... 236 POR QUE NÃO VOU FICAR RICO COM ÁUDIO ......................................................................... 136 Por que o equipamento não importa: ......... 35 POR QUE O MIXADOR MEXE NO MEU SOM???? .......................................................145 PRA ENTENDER FASE Parte 5 ........................... 251 PRA QUÊ MASTERIZAR? .................................... 231 Pra que serve um engenheiro de gravação ......................................................................... 122 Primeira Equação Irônica de Henriques : . 114 QUAL O EQUIPAMENTO MAIS DIFÍCIL DE TRABALHAR? ................................................. 164 Qual o Equipamento Mais Importante do Estúdio? ............................................................ 15 Quem manda na sua mix? ........................... 135 REFERÊNCIAS E O REVERB DA VOZ ................. 82 REVERB DO MASTER DO GRUPO OU DE CADA ELEMENTO SEPARADO? .............................. 234 Ruído Branco e Ruído Rosa ............................. 37 SALVE O MEU SOM! .......................................... 165 SCARLETT JOHANSSON E O MP3. .................. 153 Se os Analógicos Eram Tão Bons, Por Que Criaram os Gravadores Digitais ................ 18 Será que o vinil dificultaria a pirataria? ..... 148 SLATE DIGITAL VMS - O TESTE ......................... 171 TER OU NÃO TER ................................................ 187 UM ALERTA SOBRE DOIS PLUGINS ................. 266 Um pouco de distorção pode fazer maravilhas. ..................................................... 71 UMA AGRADÁVEL SURPRESA ......................... 263 UMA CURIOSIDADE .......................................... 140 Uma Desvantagem Inquestionável do Vinil ......................................................................... 102 Uma Pequena História da Mixagem .......... 117 VC ACHA QUE 16 BITS É POUCO? ................ 189 VINIL HD .............................................................. 185 VOCÊ NÃO ENJOA? ........................................ 190 Yo No Creo En Brujas, Pero Que Las Hay, Las Hay .................................................................. 121 3 ©2019 by Fábio Henriques 1) Comparando Áudios Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro![...] Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo. Cecília Meireles De todos os aspectos que envolvem o áudio e o nosso trabalho, o que considero de longe o mais complicado é a comparação. Pode parecer fácil, mas o ato de se simplesmente escolher a melhor de duas opções em áudio envolve uma quantidade enorme de fatores, e o mais problemático é que a coisa parece simples. A internet está cheia de exemplos de pessoas, até cheias de boa intenção, tirando conclusões absurdas porque as baseiam em comparações totalmente equivocadas. Vamos aqui, primeiramente, mostrar o problema, desmascarando sua aparente simplicidade, e depois apontar os métodos corretos de comparação e tomada de decisões. Já dissemos algumas vezes que um quesito muito importante para alguém que lide com áudio é sua capacidade de elaborar conceitos e, a partir de informações recebidas, chegar a uma conclusão. Em outras palavras, quando a gente pega um som de bumbo e mexe num equalizador até que finalmente fica feliz com o resultado, nem percebemos a operação extremamente complexa que nosso cérebro efetuou. Usamos comparações instantâneas, usamos nossa memória auditiva para estabelecer conexões com sons que já ouvimos, fazemos julgamentos conceituais baseados em nossa expectativa perto de outros sons de outras pessoas que já ouvimos etc. Um mundo de tarefas são executadas por nossa "CPU" interna, até que finalmente conseguimos o veredito : "está bom assim". Ok, tem gente que nunca consegue chegar a um resultado que considera 100% satisfatório, mas creio que isso seja mais um problema psicológico, o que foge de nosso escopo aqui. O fato é que comparar é um processo intimamente ligado a qualquer tarefa do áudio. Vejamos, então, alguns pontos importantes e característicos que tornam a comparação de áudios tão importante e delicada. PARTICULARIDADES DO ÁUDIO Quem já jogou um Jogo dos Sete Erros, em que dois desenhos muito parecidos são apresentados, mesmo sem perceber, estava exercitando sua capacidade de comparação. O que diferencia este jogo de qualquer situação em áudio é o fato de que as imagens estão ali, lado 4 ©2019 by Fábio Henriques a lado, prontas para uma comparação simultânea. Em áudio, não dá pra ouvirmos duas informações ao mesmo tempo. Temos que ouvir primeiro uma e depois a outra. O fluxo de informação é serial. Não há como eliminarmos o fator tempo de nossas comparações. Assim, sempre que a gente termina de ouvir a primeira informação e começa a ouvir a segunda, o próprio fato de a primeira informação já ter terminado afeta sensivelmente o julgamento da segunda. Então, o fator a seguir deve ser considerado... A comparação de áudio não é simultânea Além disso, a resposta em frequência de nossos ouvidos é mais plana quanto mais alto o volume de audição. E existe uma tendência natural de acharmos que soa melhor o que tiver mais volume. Várias vezes recebi comentários de que a voz de uma mix está "sem peso", "sem energia", "sem vida", "sem cor", e depois de muitas tentativas de descobrir qual seria de fato o problema (equalização?, compressão?, reverb?), descobri que em 100% destes casos basta aumentar um pouco o volume da voz para receber como resposta um "agora sim!". Todo profissional de áudio sabe que se há o desejo de que a sua opção de equalização seja escolhida, basta colocar o canal equalizado um pouco mais alto na hora de mostrar ao cliente. Assim, o segundo fator importante é o que você verá a seguir... Todo profissional de áudio sabe que se há o desejo de que a sua opção de equalização seja escolhida, basta colocar o canal equalizado um pouco mais alto na hora de mostrar ao cliente O que está mais alto soa "melhor" Faço um desafio agora ao leitor: pense em um adjetivo, um só, usado em áudio, que seja específico dele, que não tenha tomado emprestado de outro sentido. A gente diz o tempo todo que o som está brilhante, fosco, opaco, escuro (visão); pesado, leve, gordo, magro, fofo, duro, áspero, suave, seco, molhado, quente (tato). E como o som está intimamente associado a nossos centros emocionais, podemos até associar com sentimentos, como alegre, triste etc. Se formos radicais, até mesmo coisas que parecem totalmente típicas do áudio, como alto, baixo, comprimido, equalizado (tornado igual) têm suas origens em outros campos. Tudo bem que não dizemos que um som está "salgado", mas o que dizer da flauta "doce"? Mas estes empréstimos não são causados por um defeito de nossos cérebros. Agora, entrando no perigoso terreno das opiniões, tenho uma teoria particular a este respeito. A audição é um sentido especial, na medida em que a gente não precisa dar atenção 5 ©2019 by Fábio Henriques exclusiva a ele. O termo "fundo musical" é totalmente adequado, pois representa esta característica muito importante da sensação auditiva. Somos imersos em áudio mesmo quando nos concentramos em outro sentido. Dá pra dirigir ouvindo música, mas não dá pra dirigir vendo um filme. Quantas e quantas vezes uma cena de ação em um filme nos envolveu completamente e a gente nem se deu conta de que havia uma trilha sonora o tempo todo acontecendo! Pois é - o áudio muitas vezes é sutil, e por isso faltam adjetivos para defini-lo. Já trabalhei com um produtor que pedia "brilho" quando queria mais reverb, enquanto a maioria considera brilho uma forma de equalização. Isso nos leva ao terceiro fator... Não existem definições universais para uma opinião auditiva Se até agora vimos questões subjetivas, vindas da pessoa que ouve, existem ainda asquestões objetivas, que dificultam as comparações, mas são oriundas do próprio método. Por exemplo, suponhamos que queremos comparar o som de dois microfones. A partir do fator (a), tendemos a descartar a possibilidade de usar um microfone e depois o outro, comparando depois. Se estamos usando uma voz, fatalmente a performance do cantor será ligeiramente diferente nas duas vezes, comprometendo a comparação. Então podemos optar por colocar os dois microfones bem juntos um do outro, mas, neste caso, os dois não estarão exatamente na mesma posição, e isto pode afetar o resultado, sem contar que somente a presença de outro microfone ao lado pode provocar reflexões e difrações sonoras, o que também prejudica. E mais: cada microfone terá de ser ligado a seu próprio pré, o que também ajuda a atrapalhar o resultado. Ou seja... O método da medição pode afetar o resultado Sobre este último, alguém pode argumentar que são variações muito pequenas e que podem ser desprezadas, e, realmente, se a gente não aprendesse a trabalhar com este tipo de incertezas, não haveria nenhuma obra de engenharia (de qualquer tipo) no mundo, mas o nível de detalhe que os nossos ouvidos são capazes de perceber é extremamente alto, e os objetos de comparação hoje em dia são tão sutis em suas diferenças que este tipo de coisa merece especial atenção. Uma das Leis de Henriques e o Conceito de “Melhor” Essa minha busca constante de esclarecer as coisas não é de hoje. Me 6 ©2019 by Fábio Henriques persegue desde o primeiro dia em que me aventurei em áudio. Sempre me deixou surpreso como certos conceitos são amplamente difundidos e ao mesmo tempo não têm um pingo de veracidade. Hoje em dia, com os vídeos de internet, então, a coisa chegou a um nível sem precedentes. Por isso eu elaborei uma "lei", para a qual, sem a menor modéstia, dei o meu nome. Ela estabelece o seguinte: A credibilidade de uma afirmação em áudio é diretamente proporcional à sua exoticidade e à reputação de quem afirma, e inversamente proporcional à sua veracidade e objetividade. Ou seja, se um cara "famoso" afirma um absurdo, as pessoas acreditam muito mais nisto do que na matemática e física que demonstram que é mentira. Além disso, muita gente bem intencionada se dedica a fazer comparações e, diante do resultado, acaba com conclusões equivocadas. A minha preferida hoje em dia é a da pessoa que me afirma que ouve diferença entre áudio amostrado em 96 kHz em relação a 44.1 kHz. Ora, eu até acredito que seja ouvida a diferença, mas quem disse que "diferente" quer dizer "melhor"? Na maioria das vezes, o som em 96 kHz é realmente um pouco diferente, porque as não linearidades dos equipamentos e as distorções por intermodulação o tornam "menos fiel" ao áudio original. Ou seja, em tese, o fato de se usar 96 kHz pode "piorar" o som. E, para concluir, temos até mesmo que avaliar o conceito de "melhor". Segundo Ethan Winer, com quem concordo totalmente, existem situações em que as pessoas preferem um som com um certo nível de distorção, que acaba enriquecendo a resposta de harmônicos altos, o que é o caso do vinil e do aural exciter, por exemplo. Ou seja, é bem possível que "melhor" queira dizer "mais agradável", e não "mais fiel". COMO COMPARAR Dito isto tudo vamos ver dois exemplos de como se efetuar comparações de maneira decente. Null Test O primeiro método é o que se chama Null Test. Por exemplo, queremos saber de verdade o que muda quando se converte um arquivo WAV para MP3. Em vez de ficarmos dizendo apenas que MP3 é ruim e coisas do gênero, façamos um null test. Tomamos o arquivo original e o arquivo convertido. Colocamos em duas pistas diferentes de um Pro Tools da vida, alinhamos exatamente os dois áudios, de forma que fiquem exatamente superpostos, e aí invertemos a fase de um dos 7 ©2019 by Fábio Henriques canais. Se os dois áudios forem exatamente iguais, o resultado é silêncio absoluto (no limite do ruído de fundo do conversor usado). O processo precisa ser extremamente cuidadoso, porque só o fato de se superpor exatamente os áudios já envolve muita perícia. Mas, fazendo as coisas corretamente, temos uma ferramenta poderosíssima para julgar e comparar. Existe, porém, um problema sério com o null test: uma vez que a subtração é feita, perdemos a informação de quem gerou qual diferença. Ou seja, se pegar dois arquivos em MP3 e fizer um null test, não tem como eu saber qual dos dois provocou qual alteração. ABX "Fazer um AB" em áudio não tem nenhuma conotação perigosa. Significa apenas "comparar". É aquela situação tipo consulta de oftalmologista: "é melhor assim ou assim?", "este ou este?". Ou seja, a gente coloca os áudios em dois canais, sola um, ouve, depois sola o outro e ouve, fazendo a comparação. Podemos fazer a mudança mais rápida ou mais lentamente, para simular uma simultaneidade, e como já vimos antes, precisamos deixar os volumes dos dois canais exatamente iguais (na medida do possível) para que a comparação seja honesta. Isso minimiza uma parte dos efeitos, mas este método não é válido, pois o ouvinte e o testador sabem quem é A e quem é B, e suas opiniões particulares acabam afetando. Um teste ABX pleno é um teste duplo-cego, em que nem quem está ouvindo, nem quem está testando sabe qual áudio é qual. É o teste recomendado para o pessoal que gosta de dizer que 96 kHz soa "melhor". O desafio não é identificar se há diferença, mas tentar identificar qual dos dois, X ou Y, é A e qual dos dois é B. Existem dois softwares que recomendo para este tipo de teste: o Foobar2000, para PC, e o ABX Tester, para Mac. Uma coisa importante é fazer o teste várias vezes, pois existe uma chance de 50% de se acertar com apenas um teste feito. Se são feitos 20 testes, e se você acertou, digamos, 14 vezes, ainda sim há uma chance de 6% de que você tenha apenas "chutado" a resposta. Mas, em 20 testes, se você acertou 18 vezes, a probabilidade de chute é menor que 0,1%. Porém, se foram feitos só dez testes, mesmo acertando todos, ainda há uma chance de 0,1% de ter sido apenas coincidência (David Carlstrom). Pra piorar as coisas, se a gente passa de uns 20 testes, a fadiga auditiva e psicológica começa a afetar os resultados. Assim, dá pra ver que comparar decentemente é muito delicado e exige muito apuro técnico. Existe um famoso trabalho, já citado aqui, feito com todo rigor científico, em que testes ABX que compararam áudios de CD com áudios de "alta 8 ©2019 by Fábio Henriques definição", a probabilidade de acerto obtida foi de aproximadamente 49%, levando à conclusão de que as pessoas não conseguem identificar qual é qual. Aos mais céticos, ou, no caso, aos mais crédulos, sugiro o excelente desafio de Justin Coletti, que pode ser encontrado em: http://www.trustmeimascientist.com/2013/09/03/think-you-have-golden-ears- take-the-scientist-challenge/ CONCLUSÕES Talvez mais importante do que dominar ou tentar aplicar as técnicas de comparação aqui descritas seja o leitor passar a desenvolver um espírito crítico a respeito do que lê e escuta por aí. Se ouviu uma afirmação e ela parece fantástica ou exótica demais, desconfie. Procure saber o método usado para emiti-la. Francamente, mesmo que um "multi- grammy-winner" me diga que isso é melhor do que aquilo, se ele não me mostrar exatamente como chegou a esta conclusão, para mim não passa de mera opinião, e não deve ser necessariamente desprezada, mas apenas considerada como tal. http://www.trustmeimascientist.com/2013/09/03/think-you-have-golden-ears-take-the-scientist-challenge/ http://www.trustmeimascientist.com/2013/09/03/think-you-have-golden-ears-take-the-scientist-challenge/9 ©2019 by Fábio Henriques 2) Gravadores Analógicos de Fita Magnética A gravação analógica é realmente mais fiel e natural? CRONOLOGIA Até o último quarto do século 19 não havia maneira de registrarmos áudio de forma a repetir sua performance. Os "áudio players" até então eram os músicos, e o equivalente a comprar uma música era a compra de sua partitura. A partir de 1876, com o aparecimento do gramofone, começa-se a registrar e reproduzir áudio através de métodos mecânicos. Por volta da virada do século, Poulsen constrói o primeiro gravador/reprodutor que utilizava magnetismo como método de registro - o "telegrafone". O telegrafone usava como mídia não uma fita, mas um fio metálico. Durante os anos seguintes vários progressos foram conseguidos usando mídias como fita metálica, fitas de papel recobertas de material magnético e, finalmente, fitas plásticas recobertas. Por volta do final dos anos 1930, o "magnetofone", desenvolvido pelos alemães, era usado principalmente para broadcast e trabalhava já com fitas. Durante a guerra, o desenvolvimento da tecnologia pelos alemães foi significativo, enquanto que estagnava nos EUA. Com o fim da guerra, muito deste material foi apreendido pelos americanos, notadamente por Mullin, que "importou" esta tecnologia, que foi aprimorada e reintroduzida no mercado através, principalmente, da Ampeg, entre outras empresas, como a EMI. A popularização do formato ocorre primeiro em aplicações profissionais (estúdios de rádio, cinema e gravação de música), e a partir de 1948 começam a aparecer gravadores de fita para consumidores domésticos. Como curiosidade, no primeiro episódio da série Mission: Impossible, de 10 ©2019 by Fábio Henriques setembro de 1966, o objetivo da equipe é resgatar uma gravação magnética guardada por um espião russo. Era uma gravação em fio de metal, que estava disfarçada como arame de cerca, e ao longo do filme é usada como linha de pesca (!). A partir dos anos 1950, a fita analógica magnética dominou o mercado de gravações profissionais, hegemonia que duraria até a popularização dos meios digitais de gravação (que a princípio usavam também fita magnética - DAT, DASH, PRODIGI, ADAT), que, por sua vez, seriam superados pela gravação em computadores. A FUNÇÃO DO GRAVADOR Como já vimos aqui antes, podemos definir a função de um equipamento "gravador" como sendo a capacidade de registrar informação da forma mais fiel possível. Um gravador ideal é aquele que na reprodução devolve a mesma informação que lhe foi entregue. Embora esta situação seja, na prática, impossível, podemos considerar como muito eficiente um gravador que, ao reproduzir uma informação, seja indistinguível da informação original, pelo menos aos sentidos humanos típicos. É fato conhecido que um gravador analógico de fita devolve um som absolutamente diferente do que lhe foi enviado, não sendo necessários ouvidos treinados para identificar a diferença. Isto lhe confere uma significativa desvantagem em relação a gravadores digitais, mesmo os de fita. Pode-se argumentar que esta modificação no som é agradável, quente, etc., mas um dispositivo que basicamente altera o conteúdo do áudio é classificado como "processador", e não um "gravador" de qualidade. Na verdade, é uma questão ovo-galinha. A gente não sabe se o som entregue por um gravador analógico é "melhor" porque durante pelo menos trinta anos fomos submetidos exclusivamente à sua sonoridade ou se o processamento sonoro agradável é uma feliz e oportuna consequência do ato de gravar. 11 ©2019 by Fábio Henriques PRINCÍPIO DE FUNCIONAMENTO A gravação magnética se baseia na propriedade que alguns materiais apresentam de, uma vez aplicado a eles um campo magnético, reterem uma parte de sua intensidade e orientação (norte-sul). O nosso objetivo é conseguir um meio de registrar de modo permanente uma onda elétrica que representa um sinal de áudio, que tem valores de amplitude positivos e negativos e que oscila com uma determinada periodicidade. Esta amplitude se relaciona com o "volume" do áudio naquele instante, e a velocidade com que esta oscilação acontece, com a frequência. O óxido de ferro (ou ferrugem) é um dos materiais que apresentam memória magnética, e nos gravadores são usadas finas fitas plásticas recobertas com ele (através de colas especiais). Na verdade, podemos interpretar este material como sendo composto de ímãs microscópicos, que se reorientam de acordo com algum campo externo que incida sobre eles, assim como acontece quando a gente imanta uma chave de fenda esfregando nela um ímã permanente. Assim, um elemento chamado "cabeça de gravação" converte eletricidade em magnetismo e o faz incidir sobre a fita magnética, através de uma fenda (gap). A cada instante de tempo, uma certa amplitude elétrica é convertida em intensidade magnética e incide sobre uma região de fita. Fazendo a fita se deslocar na frente da cabeça, conseguimos imprimir as variações desta amplitude. É um processo semelhante ao que um eletroencefalógrafo ou um sismógrafo usa para registar graficamente oscilações elétricas. Pode-se concluir que a habilidade da fita em registrar frequências está associada ao tamanho destas partículas microscópicas, à velocidade com que a fita se desloca em sua frente e ao tamanho do gap da cabeça. Os gravadores profissionais analógicos trabalhavam a velocidades típicas de 15 e 30 polegadas por segundo (38 e 76 cm/s). Para graves mais profundos, usava-se a velocidade menor, perdendo, com isso, os agudos, e para agudos melhores, a maior velocidade implicava em menor capacidade de registro dos graves. Uma questão importante é o fato de que para se otimizar a transferência entre cabeça e fita, estes devem estar em contato direto. A fita então precisa "esfregar" a cabeça tanto no ato da gravação quanto no de cada leitura. Isto obviamente provoca um considerável desgaste tanto da fita em si quanto da própria cabeça, o que traz algumas consequências indesejáveis. Por exemplo, quando se faz um projeto todo em fita, ao se gravar os últimos tracks, normalmente os mais importantes, como a voz, a qualidade da fita já não é tão boa quanto no início da gravação. Da mesma forma, no momento em que mais a gente precisa da qualidade da fita, na hora de se passar a 12 ©2019 by Fábio Henriques mixagem para a fita master, é o momento em que a qualidade do áudio será a pior de todas, o que é um contrassenso. AS TRÊS CABEÇAS E O MULTITRACKING Os gravadores profissionais apresentam, na verdade, três cabeças. Quando ocorre uma gravação, a fita passa primeiro por uma cabeça apagadora, que imprime um magnetismo bem intenso de frequência muito alta, que "sacode" e "embaralha" as partículas magnéticas, resultando em "silêncio". Depois, vem a cabeça de gravação, que imprime o magnetismo, e, finalmente, a cabeça de reprodução, que nos permite ouvir o que foi gravado (pode-se, durante a gravação, ouvir apenas o que está indo para o gravador, mas como ele modifica o som, é fundamental que se ouça, em algum momento, mesmo que posterior, exatamente o que foi registrado). Repare que existe um atraso (delay) entre o sinal que entra e o que sai do gravador, o que desde cedo foi usado para se obter o famoso "slap echo" em mixagens. Se empilharmos na vertical um conjunto de várias cabeças de gravação por um lado e gravação do outro, é possível registrar diferentes informações simultâneas na fita, o que se chama de "multitracking". Vamos supor que possamos ouvir separadamente o queestá indo para a cabeça de gravação em um track e o que está passando pela reprodução em outro. Em tese, poderíamos primeiro gravar um instrumento e, depois, ouvindo o que foi gravado, registrarmos a voz, por exemplo, em outro track. O problema é justamente o atraso entre as duas cabeças, que acaba com o sincronismo das duas execuções. Por causa de suas características físicas, se uma das cabeças de gravação não está efetivamente gravando, ela fica sensível ao campo magnético que passa à sua frente, e se fizermos um circuito elétrico 13 ©2019 by Fábio Henriques capaz de amplificá-lo, podemos ouvir o som deste ponto. Assim, podemos gravar na outra cabeça, acima desta, simultaneamente. Este processo é denominado sel-sync (sincronização seletiva), e ao ser criado revolucionou o mercado de gravação. A desvantagem é que a cabeça de gravação não apresenta uma qualidade tão boa de reprodução, mas este fator deixa de ser importante, pois o processo só acontece na hora de gravar algo. Na etapa de mixagem ou para audições monitora-se somente pelas cabeças de reprodução. BIAS Algumas pessoas têm uma ideia romântica de que, como a onda elétrica é convertida diretamente para campo magnético, isso torna esta gravação mais natural. Porém, as características da fita não permitem esta passagem direta. Para os valores mais baixos de amplitude é bem difícil mexer nas partículas de forma a romper sua posição inicial. Ao mesmo tempo, lá no extremo mais alto de amplitude começa a ser necessário um aumento cada vez maior de intensidade magnética incidente para um pequeno aumento de magnetismo registrado. Para os sinais de baixa intensidade, portanto, ocorre o que se chama de distorção de crossover, enquanto que nos de alta ocorre a saturação. Para evitar estes dois extremos, usa-se um sinal de polarização (bias), que tem alta frequência, tipicamente acima de 50 kHz, e é aplicado à fita junto ao sinal de áudio (na verdade, o áudio modula em amplitude o sinal de bias). Ou seja, o que é gravado não é audível, pois são variações do sinal de bias provocadas pelo sinal de áudio. Este sinal é captado durante a reprodução e sobre ele é aplicado um filtro muito forte (bias trap), para que do gravador só saia informação audível. Só este fator já seria suficiente para colocar por terra qualquer argumento de maior "naturalidade" no processo de gravação magnética. PROBLEMAS MECÂNICOS Além de todas estas considerações eletromagnéticas, ainda cabe ao gravador executar a ingrata tarefa de se fazer deslocar pela frente das cabeças, em velocidade linear constante, uma quantidade considerável de fita (uns quatro a cinco quilos de um lado a outro). Basicamente, aparecem daí dois problemas típicos: o Wow (pronuncia- se "uáu") e o Flutter. O primeiro decorre de variações na velocidade de deslocamento da fita que provocam alterações de pitch de baixas frequências (daí a onomatopeia do nome). O segundo aparece como uma versão em frequências mais altas do Wow, e normalmente decorre de irregularidades no deslocamento que fazem a fita tremular ao longo do caminho. 14 ©2019 by Fábio Henriques CONCLUSÕES Toda esta discussão aborda apenas superficialmente a miríade de problemas a serem contornados em busca de se obter gravações de qualidade de uma fita analógica. O grau de sofisticação a que estas máquinas chegaram é realmente surpreendente, mas a custa de elevados investimentos, tornando-as de uso exclusivo de estúdios com uma considerável quantidade de recursos. O fato de que um equipamento destes modifica nitidamente o som registrado o deixa em desvantagem enquanto "gravador", tendo sido necessário um gasto gigantesco de tempo, habilidade e recursos, ao longo de décadas, para suplantar suas deficiências. As possíveis vantagens de seu uso como "processador" acabaram sendo superadas pela praticidade, fidelidade e capacidade de adaptação da gravação digital. E, hoje, com os softwares simuladores, mesmo estas vantagens acabaram se tornando secundárias. É fácil se conseguir digitalmente o "som de fita". Já o inverso... 15 ©2019 by Fábio Henriques 3) Qual o Equipamento Mais Importante do Estúdio? Sempre começo meus workshops com esta pergunta. É bom começar assim para já dar uma quebrada de gelo na galera. Como cada um tem sua preferência, as discussões, muitas vezes bem acaloradas, acabam acontecendo e as pessoas se enturmam. Eu costumo concluir estas discussões com a afirmação de que : - O equipamento mais importantedo estúdio é: A Cafeteira. Por mais que isso pareça brincadeira, não é não. Quem mixa sabe muito bem como o trabalho é envolvente e como muitas vezes a gente está com o prazo pressionando para que se termine logo e etc. Isto acaba levando a gente a trabalhar muitas horas seguidas, o que tem óbvios efeitos negativos. Antigamente a gente se mexia bastante no estúdio. A mesa era grande, os equipamentos ficavam no rack, tinha fita (pesando alguns quilos cada) pra trocar, e por aí vai. Hoje em dia, a gente passa a maior parte do tempo de uma mixagem sentado olhando pra tela do computador (certa vez um aluno me perguntou "no tempo da fita analógica, vcs mixavam olhando pra onde?" - faz sentido). Eu, então, que tenho como filosofia manter-me sempre dentro do computador, evitando usar hardware externo, acabo trabalhando horas a fio mexendo apenas as mãos, uma no teclado e outra no mouse. Assim, a parada pro café serve a múltiplas utilidades. É a chance de esfriar a cabeça, esquentar a garganta, recarregar-se de cafeína e descansar os ouvidos. Mas atenção: nunca peça pra alguém lhe trazer o café - o importante é ir até onde ele está. Tive um professor que dizia que o número de horas de trabalho se media pelo botão de volume. Com o passar do tempo o ouvido vai cansando e a gente tende a aumentar o volume da sala, e a mix que começou com o botão na posição "11 horas", depois de algum tempo já está lá pelas "3 horas", o que é um mau sinal. Por isso tudo, meu conselho é evitar trabalhar mais de duas horas seguidas. A cada uma hora e cinquenta, tire 10 minutos para esticar as pernas e tomar um café, de preferência em silêncio. Muitas vezes o som da mixagem da gente melhora instantaneamente graças a este procedimento bem simples. Se vc estiver principalmente com guitarras distorcidas (que possuem harmônicos altos bem significativos), baixe esse prazo pra uma hora e meia. E no final, depois de 9 horas de trabalho, se ainda houver a possibilidade de dar uma verificada no dia seguinte, deixe pra amanhã sem remorso. Vá pra casa ver a novela e volte com uma noite de sono nas costas. É melhor que qualquer aural exciter pra sua mix. 16 ©2019 by Fábio Henriques 4) Por Que Meu CD não Aparece no Media Player (ou no Itunes) ? Esta dúvida é frequente com pessoas que acabaram de gravar e prensar seus Cds e se frustram porque os nomes das músicas não aparecem quando vão ouvi-los no computador. Vamos explicar aqui o que acontece. Antes de mais nada, vamos conhecer os “subchannels”. Eles são regiões de armazenamento de dados no CD que não são destinadas aos dados do conteúdo do áudio em si, mas de outras informações. Estes subcanais são denominados, P,Q,R,S,T,U,V e W. Os dois primeiros, P e Q, são usados para definir parâmetros de tempo no CD, como durações de faixas e etc. Por isso todo mundo acabou chamando este tipo de informações de “tabela PQ”, ou simplesmente “PQ”. Os outros subcanais permaneceram sem função na especificação original do CD. Esta especificação original, publicada em 1980 (pelaPhilips e Sony numa edição cuja capa era vermelha) ficou conhecida como “Red Book”. Posteriormente, surgiu como extensão ao Red Book a especificação CD-Text, que usa os subcanais R a W para inserir texto. Por isso, nem todos os CD players são capazes de ler as informações de nomes de músicas. E também, muitos fabricantes não incluíam CD-Text nos produtos, por causa da inconformidade com o Red Book. Hoje em dia, praticamente apenas os Cd players automotivos lêem CD-Text. Para superar esta limitação no formato original do CD, foram criadas bases de dados na internet cuja missão é guardar justamente este tipo de informação para a consulta. A mais famosa e maior delas era a CDDB (CD data base). Nela, cada CD é identificado por um código que leva em conta o número de faixas e sua duração. Ou seja, a partir da duração das faixas é montado um código que identifica unicamente (no caso ideal) um CD. Há alguns anos a CDDB foi absorvida pela Gracenote (leia-se Sony). Quando a gente insere um CD no computador, o media player (ou outro player, como o iTunes), entra em contato com uma ou mais destas bases e recupera a informação de capa, título, artista e nomes de músicas. Ou seja, os players de computador mais famosos não lêem o CD-Text que você inseriu no Cd master e mandou pra fábrica. É necessário que você (ou o fabricante) enviem os dados do CD para estas bases de dados para que a coisa funcione. O iTunes, por exemplo, assim como outros softwares, possui a opção de enviar os dados do CD para a Gracenote. Já o Windows Media Player não informa especificamente qual base de dados ele consulta, dificultando as coisas para nós. De qualquer forma, os fabricantes de software tipo Media Player e iTunes pagam uma taxa para a Gracenote (ou outras bases) para usar estes serviços. Alternativamente, existe a Freedb, que já pelo nome indica que seus 17 ©2019 by Fábio Henriques serviços são gratuitos, mas que não é tão onipresente quanto a Gracenote. Quando o software é esperto, já guarda as informações obtidas em uma cache, de forma que se a gente voltar a colocar o mesmo CD ele não precise recorrer à internet de novo. Em resumo, se você quiser testar se os títulos de músicas do CD estão gravados corretamente, precisa achar um player que leia CD-Text. Tipicamente, no player do carro vai funcionar. Além disso, antes de contratar os seviços de uma fábrica de Cds, consulte sobre o cadastramento na Gracenote, ou faça você mesmo o cadastro via iTunes. 18 ©2019 by Fábio Henriques 5) Se os Analógicos Eram Tão Bons, Por Que Criaram os Gravadores Digitais? Prosseguindo em nossa análise de assuntos polêmicos, neste mês e no próximo iremos nos deter neste mecanismo de gravação que foi o mais utilizado durante aproximadamente 50 anos - entre 1948 e 1998: o gravador de fita analógica. Independentemente das opiniões a respeito, contrárias e favoráveis, estas máquinas foram fundamentais na consolidação da música gravada e nos estúdios do mundo todo. Sua importância foi tão grande que considero fundamental a qualquer um que se aventure no áudio conhecer o seu funcionamento. Em parte, este conhecimento pode funcionar como uma forma de respeito e consideração (e até uma certa gratidão), já que se não fossem as fitas magnéticas não estaríamos neste ponto da tecnologia hoje. As dificuldades apresentadas por esta mídia eram tantas que levaram ao desenvolvimento de muitas técnicas e muitos dispositivos que acabaram contribuindo muito para o áudio como um todo. Alguém pode até ser um pouco mais sarcástico e dizer que se as fitas analógicas não fossem tão complicadas, talvez o áudio digital ainda demorasse bem mais pra aparecer. Independentemente disso, o fato é que sempre aproveitamos este espaço para não só apresentar fatos, 19 ©2019 by Fábio Henriques mas também para fornecer maior base teórica aos leitores. Por isso, vejamos, antes de mais nada, uma diferença fundamental entre áudio analógico e digital. O BOLO DE CHOCOLATE A primeira vez que escrevi profissionalmente sobre áudio, aqui mesmo na AM&T, lá pelo ano 2000, comentei justamente sobre esta metáfora. Acho que ela exemplifica muito bem o ponto que queremos abordar. Imaginem que Joãozinho adora o bolo de chocolate que sua mãe, Dona Maria, faz. Apesar de morar sozinho, todo fim de semana ele faz questão de ir até a casa dela e saborear o quitute. Sua mãe é daquelas cozinheiras que conseguem fazer um bolo sempre com o mesmo capricho, e sempre com o mesmo inimitável sabor. Pois bem: certo dia Joãozinho é transferido no emprego para uma cidade a 1.000 km de distância, o que torna impraticável visitar sua mãe frequentemente. Como ele poderá fazer para conseguir comer o bolo de chocolate? A ideia de comprar um de outra pessoa nem passa por sua cabeça, pois a receita dela é única. Então, depois de muito pensar, ele vê que existem duas possibilidades. A primeira maneira de conseguir comer o tal bolo é pedir que sua mãe o faça e, usando o melhor método possível, o envie para ele. Porém, para que o bolo chegue em perfeito estado, ela terá que se preocupar muito no modo como embalá-lo, por exemplo. Da mesma forma, precisará escolher um meio de transporte que o submeta ao menor castigo possível. Ou seja, o bolo que vai chegar a Joãozinho provavelmente não será exatamente o mesmo que saiu da casa de sua mãe: ele terá sofrido os efeitos da temperatura, dos solavancos da estrada e até mesmo da passagem do tempo. Por mais que ela capriche na embalagem e que a transportadora seja zelosa, o bolo ainda não será, ao chegar, exatamente o mesmo. Além disso, quanto melhor for a embalagem, o transporte e a rapidez, mais caro será enviar o bolo. Enviá-lo de helicóptero talvez fosse a melhor opção em termos de fidelidade, mas certamente a mais dispendiosa. Porém, existe um outro jeito dele comer o bolo de chocolate. Como Dona Maria é muito meticulosa, ela sabe exatamente todas as quantidades de todos os ingredientes usados, e o processo que ela usa para cozinhar é bem controlado. Assim, ela é capaz de fazer uma receita extremamente precisa de como fazer o bolo e a enviar por e- mail para Joãozinho. Pronto. Agora, se ele tiver acesso a todos os ingredientes e cumprir com extrema precisão a receita, conseguirá fazer o bolo. Observem que a exatidão do gosto obtido está diretamente relacionada às duas condições acima. E, também, se sua mãe errou ao escrever a receita, confundindo algum valor, também 20 ©2019 by Fábio Henriques haverá prejuízo do resultado final. Porém, ele poderá repetir o bolo quantas vezes quiser, deixando Dona Maria em paz pra conversar no Face com as amigas. É bem desta forma que áudio analógico e áudio digital se comportam. Quando se transmite ou grava áudio analógico, a gente o está fazendo com a coisa em si. A informação passa diretamente de um ponto a outro. É como se estivéssemos enviando o bolo. Porém, este áudio sofrerá com as imperfeições que encontrar pelo caminho, ganhando distorção e ruído a cada equipamento por que passar. No final, se tudo correr bem, teremos um resultado que não é exatamente como o áudio original, mas pode ser aceitável. Para que este áudio seja muito parecido com o original, porém, temos que ter extremo cuidado com todo o processo, e, muito provavelmente, teremos que usar equipamentos muito caros. No mundo da gravação analógica, a qualidade obtida era extremamente dependente do custo dos equipamentos. Um estúdio pequeno ("estúdio de oito canais") apresentava resultados bem piores do que um estúdio grande("de 24 canais"). E, na verdade, esta diferença entre pequeno e grande não era de tamanho físico, mas de tamanho de investimento. O áudio digital, porém, funciona como a segunda opção de Joãozinho. Ao converter uma informação analógica para digital, precisamos fazê- lo com a maior precisão possível, pois da qualidade de nossa "receita" dependerá a qualidade do produto final. Porém, não adianta sermos mais precisos que o necessário, pois dependemos tanto de quem vai executar a receita quanto da sensibilidade do paladar de Joãozinho. Por exemplo, se a quantidade de farinha especificada for 219,0005 gramas e a balança que Joãozinho usa tiver uma precisão de um grama, a balança que usamos para elaborar a receita foi desnecessariamente precisa. É mais ou menos como amostrar em 96 kHz quando 48 kHz é só o que se precisa. Se a mãe de Joãozinho manda a receita por e-mail, certamente ela chegará certinha do outro lado. Assim, este método é imune aos problemas de transmissão. Ele inclusive tem um método de verificação: se lá do outro chegar "...arinh...", tanto se pode deduzir de que se trata de farinha ou ligar pra mãe e confirmar. Na transmissão digital são acrescentados dados que servem justamente como verificação de possíveis erros. E estes métodos são extremamente eficientes. Pra quem duvida, você já reparou que seu saldo de R$ 14,53 no internet banking nunca vem por engano como R$ 14.530,00? E que quando escrevo "escrevo" neste texto aqui em casa e mando pra revista ele nunca chega lá como "excrevo"? Pois é: o áudio digital - e a transmissão digital em geral - possuem como vantagem muito importante esta 21 ©2019 by Fábio Henriques capacidade de evitar erros de armazenamento e transmissão. Finalmente, Joãozinho tem que ser bem obediente e executar com perfeição a receita, usando os ingredientes exatos. Ou seja, a qualidade depende também da conversão de digital de volta para analógico. Assim como no bolo, o resultado certamente não será exatamente o mesmo do início, porém o grau de precisão é extremamente alto. Provavelmente a sensibilidade do paladar de João será insuficiente para detectar a diferença. E ainda há uma vantagem adicional: Joãozinho pode mexer na receita à vontade, testando muitos resultados possíveis, e sempre poderá voltar à receita original, o que nunca aconteceria se ele tivesse o bolo físico. Em resumo, esta longa história serviu para exemplificar e deixar bem nítidos estes aspectos importantes. Vejamos o porquê. POR QUE ÁUDIO DIGITAL? Não sei se alguém já se perguntou (eu já), mas se a gravação em fita analógica era tão sensacional, por que diachos inventaram o áudio digital? O som não era "quente", envolvente, macio e tudo o mais? Bom, existe a primeira possibilidade, que seria um "complô da indústria que queria a todo custo ganhar muito mais dinheiro fazendo todo mundo comprar tudo de novo mesmo que com qualidade pior". Porém não é nada disso. Quem trabalhava em estúdio sonhava sempre com menor chiado, menor distorção, maior compactabilidade, menores valores de wow e flutter, menor crosstalk, e coisas do gênero. Só o fato de se chegar no estúdio e não precisar gastar meia hora alinhando o gravador que foi alinhado ontem já seria sensacional. O povo em geral, por sua vez , mesmo ainda sem saber, certamente iria adorar poder ouvir áudio de qualidade nas mais diferentes situações e por um custo bem mais baixo, transmiti-lo pela internet etc. Os pobres dos músicos independentes e iniciantes iriam agradecer muito se o resultado que obtivessem em estúdios pequenos fosse da mesma qualidade dos grandes, e que não houvesse mais limitação de canais. Ou seja, o áudio digital foi uma ótima novidade, exceto, talvez, pros mais arraigados às suas próprias limitações pessoais, e aos que, por natureza, temem a novidade. UMA NOVA MÍDIA Imaginemos que estamos em um mundo onde o áudio já tenha nascido digital. Nunca houve gramofones e nem fitas analógicas. Daí, eu, um brilhante inventor, apareço com uma novidade que acabei de 22 ©2019 by Fábio Henriques inventar: o iNalog (pretendo vender pra Apple). Ele é um gravador muito legal, capaz de gravar 24 canais diferentes ao mesmo tempo, mas não pode passar deste limite. Pesa uns 50 kg, mede 1,20 x 0,80 x 0,80 m, consome uns 200 watts de potência (não funciona com baterias), mas dá um som maneiro. Quer dizer, isso se você alinhá-lo todos os dias, mas o alinhamento só consome uns 30 minutos. E tem a mídia. Nada de memória RAM ou pen drives e muito menos hard disk - estas coisas "frias" e sem vida. A mídia é uma fita de plástico bem fina coberta com uma pasta de cola e ferrugem. É nesta ferrugem que a informação será escrita, já que o método de gravação é magnético. Como a resposta em frequência vai depender da velocidade com que a fita roda, será preciso muuuuita fita. Assim, a mídia vem em rolos contendo mais ou menos 500 metros de comprimento, o que faz com que cada um pese uns 5 kg e tenha uns 30 cm de diâmetro. Eu sei que é volumoso, mas pelos menos com um rolo desses será possível gravar surpreendentes 16 minutos e 30 segundos de música! Para que o iNalog funcione, é preciso transmitir o magnetismo para a fita, o que é feito por uma "cabeça" magnética, e esta transmissão é melhor se a fita estiver bem perto. Assim, o que se faz é esfregar a fita na cabeça. Ok, eu sei que isto provoca um enorme desgaste por atrito na cabeça, que irá piorando sua performance com o uso, enquanto que a fita também, cada vez que roda, perde um pouco de qualidade pelo mesmo motivo. Mas acho que isso não será problema, pois no vinil ocorre o mesmo problema e os audiófilos não se incomodam. Tem também o crosstalk, que é o vazamento de um canal nos canais adjacentes (é difícil fazer o magnetismo ficar quietinho na sua trilha), e quanto mais grave a frequência, pior. Pra contrabalançar isso basta você se obrigar a gravar só coisas agudas entre as graves, tipo hihat- baixo-pratos. Além disso, todo mundo sabe como é complicado e caro fazer uma máquina que mantenha constante a velocidade de uma fita tão pesada, e a gente acaba tendo umas flutuações (wow e flutter) que provocam distorções que são pelo menos 100 vezes maiores que no digital. Mas, afinal, isso é que dá "vida" à coisa... Finalmente, o fator mais importante: um iNalog vai custar apenas uns US$ 40 mil, e cada fita de boa qualidade uns US$ 150. Mas eu sei que qualquer um pagaria este preço pra ter um som analógico, não é mesmo? Estou aceitando pedidos pro meu invento... 23 ©2019 by Fábio Henriques 6) O Melhor Equipamento do Mundo é o Seu Frequentemente ouço perguntas de pessoas que querem saber se os equipamentos que têm são bons, ou o que de melhor podem comprar com x dinheiros. É bastante compreensível que as pessoas se preocupem com a qualidade do que produzem. Mais natural ainda é ver que a dúvida procede, uma vez que somos bombardeados o tempo todo por propagandas de equipamentos e softwares novos, todos tentando nos convencer de que só com eles conseguiremos resultados "profissionais". Para quem padece com este tipo de dúvida, o meu conselho é o seguinte: o melhor equipamento do mundo é o seu. As pessoas precisam se conscientizar de que os resultados sonoros que admiram não são necessariamente obtidos por causa de determinado equipamento. O que faz toda a diferença do mundo é saber usar com maestria o equipamento que se tem. Outro dia eu recebi um cartão onde se via uma pintura espetacular feita por uma pessoa que não tem braços e que pinta com os pés. Experimentem me dar os mesmos pincéis e tintas que ela usou e omáximo que consigo são bonecos de cinco tracinhos – e usando as mãos! A diferença entre mim e este pintor é que ele sabe o que fazer com as ferramentas de trabalho. O primeiro disco da Alanis Morissette (que eu saiba) foi gravado em ADAT cara-preta e deu no que deu. Frank Filipetti gravou Hourglass do James Taylor numa 02R e ganhou o Grammy de melhor gravação do ano. E os exemplos prosseguem. O pior é que os exemplos opostos a gente desconhece. Quantos trabalhos foram gravados em mega estúdios com mega equipamentos e não deram em nada? Por isso, a primeira coisa a se combater é esse sentimento generalizado de que "se eu tivesse o equipamento tal eu conseguiria, mas como não tenho, sigo frustrado e com maus resultados". Não é assim que a coisa funciona. Um super resultado sonoro é a soma de uma cadeia de fatores. Começa com uma boa música, um bom instrumento bem afinado, um bom arranjo, um bom músico, uma captação adequada, um equipamento adequado e principalmente um bom profissional de gravação, mixagem e masterização. E quando eu digo "equipamento adequado" não quero dizer necessariamente "caro". Seria porém ingenuidade a gente dizer que um equipamento de qualidade não ajuda no resultado, mas o estrago que um mau profissional pode fazer é infinitamente maior, ganhando de longe na comparação. Então, antes de se perguntar se o seu equipamento é o melhor, questione se você está tirando dele tudo o que é possível. Quando essa limitação começar a atrapalhar, aí sim é hora de pensar num upgrade. 24 ©2019 by Fábio Henriques 25 ©2019 by Fábio Henriques 7) A Controvérsia do Summing Amp Estava escrevendo meu próximo artigo para a AM&T , falando dos equipamentos que em tese "melhoram" as mixes, e vcs imaginam o que falei sobre os summing amps. Hoje, lendo o livro Mastering Audio do Bob Katz, eis que vejo o seguinte trecho (que traduzi livremente abaixo), que coincide diretamente com o que escrevi ontem: A maior panaceia sendo vendida atualmente é o summing amp. É dito que ele evita os “problemas” envolvidos no summing digital. Muitos engenheiros se queixam que em suas mixes digitais faltam separação e profundidade. Mas vamos esclarecer as coisas: NÃO EXISTE ABSOLUTAMENTE NADA ERRADO COM O SUMMING DIGITAL. Ele é perfeito em essência, principalmente porque somar números é a coisa mais fácil que se pode pedir para um DSP fazer. A partir de testes cegos que executamos chegamos àos resultados: . Summing analógico pode soar indistinguível do digital, desde que conversores e componentes analógicos transparentes sejam usados. Neste caso, não há benefício no summing analógico. . Qualquer fonte de áudio pode adquirir profundidade e separação ao passar por certos componentes analógicos, devido a sua distorção “amigável”. [...] .Nem todo estilo musical se beneficia da coloração (alteração de timbre) resultante do analógico, nem na mixagem, nem na masterização. Muitos estilos, como clássicos e a maior parte do jazz, buscam uma abordagem mais “limpa”. Acho que Mr. Katz resumiu bem a coisa. 26 ©2019 by Fábio Henriques 8) Caçando Mitos (Parte 1) As lendas, a atmosfera do vinil e o problema da escadinha Pode-se notar hoje em dia dois movimentos muito fortes no áudio. Por um lado, o conceito muito difundido de que "quanto mais alta a sample rate, melhor", e, de outro, a ideia de que as gravações em vinil e em fita são mais "fiéis". Independentemente da veracidade destas afirmações, sobre as quais falaremos mais adiante, existe, antes de tudo, uma questão que precisa muito ser abordada. Maior do que qualquer mito técnico, existe não só uma lenda urbana, mas uma verdadeira crença quase religiosa na dissociação entre o caráter "matemático e físico" e o "emocional e espiritual" da música e do áudio. Toda vez que qualquer assunto técnico vem à tona, lá vêm os "românticos" a criticar a frieza dos números e defender o lado poético da coisa. É óbvio que o áudio atua profunda e decisivamente no cérebro humano. Desde nosso lado mais primitivo, pré-histórico mesmo, que se beneficiou de nossa habilidade de distinguir sons repentinos em meio a ruídos de fundo de nível mais ou menos constante (costumo sempre citar a situação hipotética em que nosso ancestral hominídeo é salvo de um ataque de urso por conseguir distinguir o som de um graveto quebrando e determinar sua direção, mesmo estando à margem de um rio barulhento), até os setores mais evoluídos, que conseguem captar a beleza de estruturas melódicas e harmônicas de uma sinfonia. Agora, pressupor que isso conflita com qualquer análise científica é, no mínimo, ofender séculos de ciência muito bem feita. Aproveitando o gancho da música clássica, já ouvi gente dizendo coisas do tipo "como será possível descrever matematicamente uma obra de Bach?". Esta pessoa esquece que a afinação temperada - usada por Bach em O Cravo Bem Temperado - nada mais é do que a matemática e a física a serviço do pragmatismo musical. E se levarmos nosso raciocínio bem mais para trás, teremos as primeiras investigações de Pitágoras (há meros 2.500 anos) quanto à questão das consonâncias e dissonâncias. Tudo ciência. Talvez o problema central esteja nesta falsa ideia de que a ciência é algo que não contempla o lado mais espiritual das coisas. Como cita um enfático leitor em comentário no meu blog: "Fico me perguntando por que ninguém tenta explicar nossas emoções de forma matemática". A ele, o que respondi é que isto não é verdade de modo algum. Além do fato de existirem já esforços no sentido de se descrever matemática e fisicamente o processo emocional humano (já se consegue mapear as emoções através de tomógrafos, por exemplo), já até começamos a esboçar alguns pequenos resultados nesta direção, como nas já existentes cadeiras de roda movidas por comandos mentais. 27 ©2019 by Fábio Henriques É fundamental que a gente não confunda a complexidade de algo com a nossa incapacidade absoluta de entendermos ou descrevermos e estudarmos cientificamente. Como diria Arthur Clarke, "qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia". Vai tentar explicar um iPhone para um pigmeu que nunca teve contato com nossa civilização... Então, só porque algo é ainda complicado demais para a gente entender ou descrever não quer dizer que seja impossível para sempre. Alguns podem argumentar que, por exemplo, nossos modelos científicos são pobres. E, de fato, preciso concordar. Você pode passar horas alinhando a sala de um estúdio apenas pelo gráfico de um analisador de espectro, mas enquanto não ouvir efetivamente a sala, não há como saber se o resultado está agradável. Este não é um problema de impossibilidade, mas de grau de complexidade, tal como vimos acima. Para lidar com coisas muito complexas, o que a gente tem feito desde que inventamos a roda até colocar 32 satélites a 2 mil km de distância da Terra, que nos permitem achar nossa posição com um GPS comprado por menos de R$ 300, o processo sempre foi mais ou menos o mesmo: a gente quebra algo bem complicado em pedaços menores, para que possamos descrevê-los com precisão, e a partir daí montamos nossa tecnologia. Afinal, se ideologicamente a ciência busca o entendimento e a descrição da realidade, em termos de engenharia só é importante que as descrições científicas "funcionem" (a descrição do "real" reside em outro campo). Pergunte a um doutor em física quântica se ela é a "verdade" e provavelmente ele vai responder que isso ele não sabe, mas sabe que as equações que a constituem funcionam.Sendo assim, por mais que um sinal de 1 kHz ou um ruído rosa sejam uma pálida amostra do que a maravilha da informação musical pode atingir, isto não quer dizer que a estejamos resumindo através deste tipo de simplificação. Este é apenas um jeito simples de lidar com coisas complexas para que seja possível trabalharmos com elas. Imaginem se para alinhar um PA precisássemos ficar esperando a chegada de um superaudiófilo para julgar se o "calor", a "envolvência" e a "expressividade" do ambiente da micareta estão ok. Por outro lado, ainda é, sem dúvida, necessária uma boa dose de avaliação intelectual do técnico de PA, que vai além dos meros testes que os aparelhos fornecem. Escolher as tintas e os pincéis é apenas uma etapa para se conseguir uma bela pintura. A ATMOSFERA DO VINIL Tomemos um caso bem simples. Em um dos posts mais polêmicos de meu blog, eu fazia uma comparação técnica entre LPs e CDs, e este foi um caso emblemático nesta questão de que tratamos. No texto, eu, antes de mais nada, deixo claro que discuto apenas aspectos técnicos, 28 ©2019 by Fábio Henriques pois não acho que contribua em nada, pelo menos neste tipo de discussão, dar uma mera opinião. Dizer ao leitor o que eu gosto ou prefiro não o ajudará em nada, mas fornecer-lhe dados palpáveis e verídicos pode ser uma ferramenta bem útil. Um dos problemas que levantei no tal post foi o da velocidade angular constante do LP versus velocidade linear constante do CD. Esta é uma questão importantíssima na comparação destas mídias, mas confesso que nunca vi ninguém levantá-la. Explicando, um LP gira a uma velocidade constante de 33,333333 rotações por minuto, e esta é sua chamada "velocidade angular". A agulha lê suas informações de forma linear, em círculos concêntricos, a partir da borda da "bolacha", caminhando em direção ao centro. Fazendo um paralelo, alguém já reparou que, numa corrida de 400 metros rasos, quanto mais interna a raia, mais para trás o corredor larga? Isto lhe dá uma desvantagem? É claro que esta diferença entre os corredores visa compensar o fato de que quem faz a curva por fora corre uma distância maior do que o que está por dentro. No caso do LP acontece algo semelhante. Como a velocidade de rotação é constante, a velocidade linear da borda da bolacha é maior do que perto do centro. E como o disco leva sempre os mesmos 1,8 segundos para dar uma volta, o início da primeira faixa percorre uma distância bem maior que o final da última faixa. Vejamos um exemplo. Tomemos o LP Time Further Out, do The Dave Brubeck Quartet, lançado em agosto de 1961 (curiosamente, o mês e ano em que nasci), que ainda tenho em minha coleção de vinis "sagrados". O início da primeira música do lado 1, It's a Raggy Waltz, está a 14,5 cm de distância do centro do disco, e o final da última faixa deste lado, Far More Blue, está a 6,5 cm. Poupando os leitores do detalhe do cálculo (inserir qualquer conta com o número Pi aqui não seria muito amigável), para tocar o primeiro 1,8 segundo de música a agulha teve a felicidade de percorrer uns 91 cm de vinil. Quase um metro para uns dois compassos. Pois bem. Para executar a última volta do LP no final de Far More Blue, a 29 ©2019 by Fábio Henriques agulha teve apenas 41 cm. Ou seja, para o mesmo 1,8 segundo de música, menos da metade do vinil. O resultado disso é que a qualidade do áudio é substancialmente menor perto do centro do que perto da borda. Mal comparando, seria diminuir a sample rate de uma gravação digital pela metade (para os mais céticos, uma senóide de 1 kHz na borda tem um comprimento físico de 0,5 mm, e, no centro, 0,2 mm). Isto é algo frio e técnico que transcende qualquer necessidade de recorrermos a aspectos mais nobres da sensibilidade humana. Antigamente, quando a gente definia a ordem das músicas de um LP, obviamente havia a preocupação estética, mas o segundo fator mais importante era justamente quais músicas mereciam mais qualidade e quais as que podiam se contentar com menos. E então havia o dilema de que a segunda melhor música em termos de qualidade técnica seria a primeira do lado B, mas, em compensação, o ouvinte seria obrigado a virar o disco após ouvir a primeira do lado A. No caso do CD, há duas diferenças importantes. A primeira não é tão relevante, que é o fato dele ser lido do centro para a borda, ao contrário do LP. Mas a segunda é fundamental. No CD, a velocidade angular varia no sentido de que a velocidade linear de leitura seja constante. O CD roda mais rápido nas primeiras músicas do que nas últimas. Isso garante que, pelo menos neste aspecto, a qualidade da decodificação será a mesma ao longo de toda a audição. Somando a isso o fato de que não é preciso "virar" o CD, nossa única preocupação na hora de definir a ordem das músicas é a artística. Voltando ao nosso ponto de discussão, depois que eu apresentei essa e outras importantes desvantagens do LP, choveram comentários falando da impossibilidade do CD captar a "atmosfera" que o LP capta, e coisas do gênero. Percebem a "mudança de foco"? Enquanto um medidor de distorção nos daria uma ideia bem precisa do prejuízo sofrido na última música, um "atmosferômetro" é algo que ainda não existe. O problema é focar no que se mede. E pra quem deseja argumentar que o cérebro é o nosso atmosferômetro, o mínimo que posso dizer é que todos precisaríamos receber uma calibragem cerebral do Inmetro para que pudéssemos comparar nossas opiniões. Pedindo licença aos leitores para emitir, agora sim, minha opinião, acho um absurdo eu ter que ouvir Far More Blue com a metade da qualidade de It's a Raggy Waltz. Fim da opinião. O MITO DA ESCADINHA Fourier Vejamos um caso muito interessante e que parece ser o assunto do 30 ©2019 by Fábio Henriques momento no meio do áudio profissional. Mas, antes disso, permita-me apresentar-lhes uma entidade que será a base de toda a nossa discussão: a senóide. Esta é a onda mais simples da natureza, e pode ser conseguida no Pro Tools através do plug-in Signal Generator. Em outros softwares sempre há um jeito de gerá-la. É importantíssima, como veremos, mas sozinha dá um som nada interessante. Experimente e depois volte aqui. Prosseguindo, para fornecer base à nossa conversa, precisamos, antes de qualquer coisa, dar um pulinho rápido ao início do século 19, quando Fourier fazia suas pesquisas (curiosamente, ele estava preocupado com propagação de calor, e não com música, embora provavelmente gostasse de Beethoven, que "bombava" nesta época). Pois bem, Fourier demonstrou que uma onda periódica (aquela cuja "forma" fica se repetindo, como é o caso idealizado de uma nota emitida por um instrumento, se desconsiderarmos seu attack e release) qualquer podia ser entendida e definida como a soma de uma série (provavelmente infinita) de senóides básicas, como a que vemos na figura. Isto representou uma senhora simplificação para um problemaço. Se a gente olha no Pro Tools um trecho de um áudio, vai ver uma onda bem complicada. A partir de agora a gente pode analisar esta onda não a partir deste desenho complicado, mas a partir das diversas senóides simples que na verdade a compõem. A coisa vai mais longe. Se a onda é periódica e tem uma fundamental de, digamos, 100 Hz, estas senóides que a compõem são de frequências múltiplas inteiras deste valor. Ou seja, uma onda complicada cuja frequência fundamental é 100 Hz é a soma de uma senóide de 100 Hz mais uma de 200 Hz mais uma de 300 Hz mais uma de 400 Hz, e assim por diante. Sinistro! Chamamos, em música, a primeira frequência de "fundamental" e as demaissão os seus "harmônicos". Mas se é assim, o que faz as ondas de 100 Hz do baixo e da tuba 31 ©2019 by Fábio Henriques soarem diferentes? Bem, o que ainda não dissemos é que a intensidade de cada uma destas senóides - chamadas de "harmônicos" - é que determina o formato da onda. Para cada harmônico temos um valor diferente, que pode, inclusive, ser zero. Resumindo, graças à mania dos cientistas de pegar um problema bem difícil e simplificar, conseguimos descobrir que ondas bem complexas podem ser entendidas como soma das ondas mais simples que existem. Nyquist A esta altura, todo mundo com pelo menos um pouco de interesse na área técnica (e o que alguém que não tem estaria fazendo lendo este texto até aqui?) já tem uma ideia do que é sample rate e o tal de Teorema de Nyquist. Bom, há várias décadas, muito antes de existir o áudio digital, o pessoal da Bell Laboratories trabalhava com comunicações, e Nyquist, ainda nos anos 1930, foi um pioneiro na área de amostragem de sinais. Seu trabalho foi complementado por outros, mais notadamente Shannon e Kotelnikov, que diz, explicitamente: "Se uma função x(t) não contém frequências acima de B Hz, ela é completamente determinada se dermos as suas coordenadas em uma série de pontos espaçados de 1/2B segundos." Versão em "português": imaginemos a simplificação em que temos uma bela senóide de 1000 Hz. Se anotarmos o valor de sua amplitude 2000 vezes a cada segundo, estaremos determinando exatamente esta onda, pois nesta função simples não temos nenhuma frequência acima de 1000 Hz. 32 ©2019 by Fábio Henriques Vejam que interessante: ele afirma (e prova - esse pessoal da comunidade científica faz uma certa questão disso) que se eu anotar uma série de números como acima, serei capaz, em outra oportunidade, de recriar esta onda exatamente como ela era apenas através destes números. Ninguém na comunidade científica reclamou que ele estava transformando a senóide em escadinha (voltaremos a isto mais adiante) e que por isso ela estaria muito longe da realidade. Mas reparem que o texto diz que deve haver uma frequência máxima (B) na tal função para que se possa estabelecer a frequência de amostragem correta. Assim, se temos uma onda mais complexa e admitimos que ela tem uma frequência máxima, amostrá-la no dobro desta frequência capta todas as informações a respeito de seu conteúdo harmônico. Pois bem, a gente não precisa se preocupar em "acreditar" em Nyquist, Kotelnikov e Shannon, já que desde 1949 ninguém os desmentiu, então vamos admitir que o teorema é verdadeiro (aliás, qualquer coisa em matemática que tenha o nome de "teorema" já implica em ser uma verdade comprovada e comprovável; para um exemplo interessante, vale pesquisar a questão da Conjectura de Fermat, que só virou teorema após 358 anos, quando finalmente foi provado). Assim sendo, se a gente conseguir garantir (na medida do possível) que haja uma frequência máxima em um sinal de áudio a ser digitalizado, amostrá-lo no dobro desta frequência nos dará fidelidade absoluta com relação aos harmônicos que o constituem. E o tal sinal nem precisa ser periódico, na verdade. Mais adiante veremos como conseguimos esta 33 ©2019 by Fábio Henriques garantia. Por enquanto, vejamos a questão da "escadinha". Outro dia vi um importante cantor dando uma entrevista. Nela, ele disse que preferia o vinil, pois o digital transformava o áudio numa escadinha, e que isso era antinatural. Perdeu uma excelente oportunidade de ficar em silêncio. Vejamos por que. CONSTRUINDO E DESCONSTRUINDO A ESCADINHA Se a gente tem um sinal original senoidal, por exemplo, entrando em um equipamento ou processo, se a onda sai com a sua forma (mesmo que muito levemente) alterada, significa que ela sofreu uma distorção, e essa mudança na forma da onda na verdade foi o resultado de termos acrescentado harmônicos a ela (ou de termos alterado a intensidade dos seus harmônicos originais). O processo de amostragem, em um dado momento, realmente transforma o sinal numa "escadinha", que tem uma certa semelhança com a onda original porque tem a mesma frequência fundamental. Só que isto se dá internamente. Antes do sinal ser mandado para a saída, ele passa por um filtro que elimina todos os harmônicos acima daquela tal frequência máxima B que vimos anteriormente. Assim, como a diferença entre a escadinha e a onda original eram os harmônicos extras que entraram para montar os "degraus" da escada, se a gente manda estes harmônicos embora, o que temos é justamente a onda original. Apesar de ter havido a tal escada, não era, de modo nenhum, antinatural. Como exemplo, temos as figuras presentes nesta página. Na do alto na tela temos uma onda quadrada com frequência de 100 Hz. Este é o pior caso de escadinha possível, em que a senóide original foi toda transformada numa grande escada. Na segunda, aplicamos um filtro passa-baixas (filtro de agudos) em 200 Hz, eliminando os harmônicos acima deste valor. O resultado é justamente a senóide original de 100 Hz. Para os que quiserem verificar, estou disponibilizando uma sessão de Pro Tools que demonstra isso em http://tinyurl.com/sessao-protools. 34 ©2019 by Fábio Henriques Repare que o som da onda quadrada tem um "zumbido" e que a senóide fundamental tem um som puro. O conjunto dos harmônicos acima dos 100 Hz é o responsável pelo zumbido (outra coisa que se pode notar ao lado do "length" lá em cima no contador de samples é que uma oscilação completa tem exatamente os 441 samples que uma onda de 100 Hz tem por segundo, pois cada oscilação desta frequência tem 1 centésimo de segundo). A conclusão a que chegamos é que alegar que o problema do digital é a escadinha não procede. 35 ©2019 by Fábio Henriques 9) Por que o equipamento não importa: Um olhar herético em por que fazemos o que fazemos Autor: Lynn Fuster, editor técnico da Pro Audio Review [...] Equipamento de gravação nunca foi tão acessível e barato na história da humanidade. Então todo esse processo deixou as gravações de música “melhores” do que eram algumas gerações atrás? Infelizmente, não. Nós estamos em uma encruzilhada, onde a tecnologia roubou o foco da música a quem ela deveria servir. O objetivo de escrever uma boa canção deu lugar ao de programar um bom loop ou encontrar um bom riff.[...] Na década passada nós nos perguntamos por que a música tem se desvalorizado tantoe por que ela não se conecta ao público como fazia antigamente. Uma teoria comum a respeito da falta de envolvimento musical aponta o dedo diretamente para a gravação digital e consequentemente ao mp3. Algumas pessoas atribuem erradamente a magia musical que tantos compositores/músicos buscam (os hits dos anos 50 aos 90) às válvulas e fitas analógicas. A magia real, porém estava nas performances, não nos equipamentos. Então por que chegamos a este estado de coisas? É o resultado de uma indústria que pressiona o comércio em vez da criatividade. Eu vejo músicos atualmente que gastam mais tempo falando de equipamentos e lendo revistas, e fóruns online do que escrevendo músicas ou praticando seus instrumentos. É triste mas é verdade. O segredinho que ninguém conta aos iniciantes é que a gente não precisa de grandes equipamentos pra fazer uma grande gravação. Vou repetir. A GENTE NÃO PRECISA DE UM GRANDE EQUIPAMENTO PRA FAZER UMA GRANDE GRAVAÇÃO. O ingrediente mais importante e necessário para se fazer uma grande gravação