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PARECER JURÍDICO Ao Sr. João Afonso de Matos Compareceu aos 21 de janeiro de 2020 para consulta jurídica; informou que no dia 20 de julho de 2019, ao chegar em sua residência, acompanhado de sua esposa, Maria do Rosário Matos, foram surpreendidos por um assaltante, Mateus Soares (portando arma de fogo - pistola calibre 0.38 Glock); entrou em vias de fato com este, conseguindo apoderar-se de uma faca, desferiu-lhe duas facadas no peito; ainda extremamente alterado e nervoso desferiu no assaltante uma última facada, no pescoço, sendo esta fatal. Dos fundamentos A vida e a segurança foram erigidos como garantias constitucionais, art. 5º caput, merecendo máxima proteção do Estado, e quando na ausência deste, cabe ao próprio cidadão precaver-se. Como bem leciona José Afonso da Silva, a existência consectário da vida “consiste no direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a própria vida, de permanecer vivo.” 1 Nesse diapasão, não sendo o Estado onipresente, fica resguardado ao cidadão de bem atuar para repelir injusta agressão, de forma a proteger a si ou a outrem, art. 23, II e 25 do Código Penal, tratando-se assim da legítima defesa. Para aplicação do instituto a legítima defesa exige-se a presença de seus requisitos; agressão injusta, in casu, configurado pela encontro com assaltante, expondo a lesão ou perigo de lesão os proprietários; atual, qual seja a agressão presente, ou iminente que está prestes a acontecer, permitindo-se assim uma reação imediata contra o agressor, qual finalidade defesa própria; para defender direito próprio ou alheio, com os meios necessários; com uso moderado dos meios necessários, levando-se em conta o perfil do homem médio, para aferir-se o que seria moderado em tal situação; afastando-se assim a ilicitude do ato praticado. De todos os requisitos, a questão da moderação pesa mais, evidente que houve excesso, porém trata-se de sua forma intensiva, que ocorre “quando o autor, “por consternação, medo ou susto excede a medida requerida para a defesa” [...]”. . Ora, no 2 calor do momento, fragilizado em ter de defender-se e ainda sua esposa, não é razoável cobrar moderação ou racionalidade naquela fração de segundos que antecedeu o golpe fatal, no mínimo poderíamos falar em exculpante da conduta, com consequente absolvição do ato. . Nesse sentido, é o brilhante julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 3 vejamos: EMENTA: “APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. RECURSO MINISTERIAL DESEJANDO A CONDENAÇÃO DA RECORRIDA, ESTA ABSOLVIDA PELO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA. Esta é mais uma da contenda que 1 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 42ª edição, pág. 200. 2 Rogério Greco, Curso de Direito Penal, volume 1, parte geral, 19ª edição, pág. 496. 3 Hipótese absolutória em excesso de legítima defesa, Canal de Ciências Criminais, JusBrasil: “https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/657090669/hipotese-absolutoria-em-excesso-d e-legitima-defesa?ref=serp” https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/657090669/hipotese-absolutoria-em-excesso-de-legitima-defesa?ref=serp https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/657090669/hipotese-absolutoria-em-excesso-de-legitima-defesa?ref=serp findou em ofensa à integridade física e que somente não culminou com resultado mais grave por puro golpe do acaso. Não há qualquer dúvida que o casal envolvido viveu junto por cerca de um ano e meio, nascendo da relação um filho. [...] No entanto, não há no ordenamento pátrio o denominado excesso exculpante, conforme reconhecido no direito penal alemão, português, espanhol, etc. Neste ponto surge a primeira indagação, qual seja, a da possibilidade de reconhecimento da referida causa, na modalidade de causa supralegal de exclusão da culpabilidade. A questão da exculpação constitui tema não convergente, havendo respeitável corrente doutrinária sustentando não ser reconhecível, por não admitir-se a analogia in bonam partem. [...] O Código Penal alemão, no § 33, e sobre o excesso de legítima defesa dispõe: "Ultrapassando o agente os limites da legítima defesa por perturbação, medo ou susto, não será ele punido". O art. 33º, item 2, do Código Português, é expresso: "O agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis". No direito espanhol, o medo constitui causa de exclusão da culpabilidade (art. 20, 6º, do CP espanhol). Este é o denominado excesso intensivo, ou seja, aquele decorrente do fato de o agente haver aplicado intensidade superior a que seria necessária para o ato de defesa, fazendo-o, no entanto, em razão do susto, do medo ou perturbação de que estava tomado em razão da injusta agressão que sofria ou que estava prestes a sofrer. Não há que se falar em exclusão da ilicitude, por ausência da moderação exigida. No entanto, não se pode punir o agente, realizando um juízo de reprovabilidade, pelo excesso, exatamente por não ser exigível do agente que, nas circunstâncias, em frações de segundo domine as fortes reações psíquicas para, de pronto, diante da agressão que está sofrendo, cesse a resposta, ou seja, a repulsa da agressão, de forma milimétrica, de modo a não invadir o campo do excesso. [...] teve a sua inteligência obscurecida e a sua vontade dominada, realizando um ato que, sem essa perturbação psíquica, deveria ser considerado como criminosa. Diante de tais argumentos, deve o referido excesso exculpante ser reconhecido como causa supralegal de exclusão da culpabilidade, com a mantença da absolvição, já agora por este fundamento. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” grifo nosso (TJ-RJ - APL: 00022230320068190036 RIO DE JANEIRO NILOPOLIS 2 VARA CRIMINAL, Relator: GILMAR AUGUSTO TEIXEIRA, Data de Julgamento: 18/06/2009, OITAVA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 14/07/2009) . 4 Não há como negar que houve um homicídio, porém se houvesse de pensar em juízo de reprovação na conduta tomada por aquele que injustamente atacado, a vista de proteger-se mais do que a si próprio, proteger a sua amada esposa, emoção tão forte esta que só quem em momento igual poderia tentar descrever, falar-se-ia em homicídio privilegiado, art. 121, §1º do Código Penal. Destarte a teor do artigo 397 incisos I e II, e artigo 415, IV do Código de Processo Penal, como preliminar deve ser o acusado absolvido sumariamente com fundamento nas causas de excludentes da culpabilidade, especificamente, inexigibilidade de conduta diversa, que funciona como causa supralegal de exclusão da culpabilidade ; ainda que 5 pronunciado no Rito do Tribunal do Júri, por força do art. 61 do mesmo diploma, deve o Juiz reconhecer extinta a punibilidade. 4 Trata-se de um recorte do brilhante julgado do eminente Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acerca da figura do excesso intensivo: “APELAÇÃO. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. RECURSO MINISTERIAL DESEJANDO A CONDENAÇÃO DA RECORRIDA, ESTA ABSOLVIDA PELO RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA PRÓPRIA. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TJ-RJ - APELAÇÃO : APL 0002223-03.2006.8.19.0036RIO DE JANEIRO NILOPOLIS 2 VARA CRIMINAL” 5 Manual de Processo Penal, Renato Brasileiro de Lima, volume único, 7ª edição, págs. 1.354 e 1.355. https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/394878419/apelacao-apl-22230320068190036-rio-de-janeiro-nilopolis-2-vara-criminal?ref=serp https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/394878419/apelacao-apl-22230320068190036-rio-de-janeiro-nilopolis-2-vara-criminal?ref=serp https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/394878419/apelacao-apl-22230320068190036-rio-de-janeiro-nilopolis-2-vara-criminal?ref=serp https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/394878419/apelacao-apl-22230320068190036-rio-de-janeiro-nilopolis-2-vara-criminal?ref=serp https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/394878419/apelacao-apl-22230320068190036-rio-de-janeiro-nilopolis-2-vara-criminal?ref=serp Conclusão Pelo exposto, ausente o Estado, e sendo garantido o direito a vida e a segurança, art. 5º, caput, da CF/88, exerceu a legítima defesa para resguardar-se a si e sua esposa, art. 23, II e 25 do CP, impelido por forte emoção diante da injusta agressão, houve excesso intensivo, levando-o a ceifar a vida de seu algoz, porém não há juízo de reprovação diante dos fatos, inexigível conduta diversa diante da situação, cabendo a exculpante pelo excesso, excluindo-se a culpabilidade, devendo ser absolvido sumariamente, artigos 61, 397, I, II e 415, IV do CPP. Aparecida de Goiânia, 03 de Fevereiro de 2020 Gustavo dos Santos OAB - XX.XXX Gustavo dos Santos, DM7 Graduando em Direito Centro Universitário Alfredo Nasser
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