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Amebíase: Entamoeba histolytica/Entamoeba dispar A E. histolytica é o agente etiológico da amebíase, importante problema de saúde pública que leva a óbito cerca de 100.000 pessoas, constituindo a segunda causa de mortes por parasitoses. Classificação Reino: Protozoa; Filo: Sarcomastigophora; Superclasse: Sardocina; Classe: Lobosea; Ordem: Amoebida; Família: Entamoebidade; Gêneros: Entamoeba, Iodamoeba e Endolimax. Todas as espécies do gênero Entamoeba vivem no intestino grosso de humanos ou de animais. Esse gênero se caracteriza por possuir núcleo esférico ou arredondado e vesiculoso, com a cromatina periférica formada por pequenos grânulos justapostos e distribuídos regularmente na parte interna da membrana nuclear; o cariossoma é relativamente pequeno, central ou excêntrico. As espécies de ameba pertencentes ao gênero Entamoeba foram reunidas em grupos diferentes, segundo o número de núcleos do cisto maduro ou pelo desconhecimento dessa forma. São eles: a) Entamoeba com cistos contendo oito núcleos: E. coli b) Entamoeba com cistos contendo quatro núcleos: E. histolytica c) Entamoeba com cistos contendo um núcleo: E. polecki d) Entamoeba cujos cistos não são conhecidos ou não possuem cistos: E. gingivalis As amebas encontradas em humanos vivem o intestino grosso, com exceção da E. gingivalis que vive na cavidade bucal. A E. histolytica é a única que pode ser patogênica. Morfologia As amebas citadas se distinguem umas das outras pelo tamanho do trofozoíto e do cisto, pela estrutura e pelo número dos núcleos nos cistos, pelo número e formas de das inclusões citoplasmáticas (vacúolos nos trofozoítos e corpos cromatoides nos cistos). Usualmente, encontramos trofozoítos no intestino, nas úlceras, nas fezes diarreicas; os cistos imaturos ou maduros estão presentes nas fezes normais. E.coli Trofozoíto mede cerca de 20 a 50 µm, o citoplasma não é diferenciado em endo e ectoplasma; o núcleo apresenta a cromatina grosseira e irregular e o cariossoma grande e excêntrico. O cisto apresenta-se como uma pequena esfera medindo 15- 20µm, contendo até oito núcleos, com corpos cromatoides finos, semelhantes a feixes ou agulhas. E. hartmanni É pequena, medindo 7 a 12µm, com ecto e endoplasma diferenciados. A estrutura nuclear é semelhante à da E. histolytica; a cromatina apresenta-se grosseira e irregular. O cariossoma é pequeno (puctiforme), às vezes é visto no centro do núcleo, porém é mais comumente excêntrico. A cromatina apresenta-se em crescente, em 1/3 das formas. Os cistos apresentam 4 núcleos. A estrutura nuclear dos cistos é semelhante à dos trofozoítos, embora os núcleos sejam menores e a cromatina mais fina. Ela vive como comensal na luz do intestino grosso, e os cistos são frequentemente confundidos com os de E. histolytica. E. histolytica Trofozoíto Geralmente só tem um núcleo, bem nítido nas formas coradas e pouco visíveis nas formas vivas. Examinando a fresco, apresenta-se pleomórfico, ativo, alongado, com emissão contínua e rápida de pseudópodes, grossos e hialinos; costuma imprimir movimentação direcional, parecendo estar deslizando na superfície. Quando proveniente de casos de disenteria, é comum encontrar eritrócitos no citoplasma. o trofozoíto, quando fixado e corado pela hematoxilina férrica, apresenta diferenças entre ecto e endoplasma; o núcleo é bem visível e destacado, geralmente esférico. A membrana nuclear é bastante delgada e a cromatina justaposta internamente a ela é formada por pequenos grânulos, uniformes no tamanho e na distribuição, dando ao núcleo um aspecto de anel. Na parte central do núcleo encontra-se o cariossoma, também chamado de endossoma. É pequeno e com constituição semelhante à cromatina periférica. Às vezes, o cariossoma apresenta-se formado por pequenos grânulos centrais, dando uma configuração, com a cromatina, de “roda de carroça”. Pré-cisto É uma fase intermediária entre o trofozoíto e o cisto. É oval ou ligeiramente arredondado, menor que o trofozoíto. O núcleo é semelhante ao do trofozoíto. No citoplasma podem ser vistos corpos cromatoides, em forma de bastonetes, com pontas arredondadas. Metacisto É uma forma multinucleada que emerge do cisto no intestino delgado, onde sofre divisões, dando origem aos trofozoítos. Cistos São esféricos. Em preparações sem coloração ou a fresco, eles aparecem como corpúsculos hialinos, claros, às vezes de coloração palha, com paredes refringentes. Os núcleos são pouco visíveis. Quando corados com lugol ou com hematoxilina férrica, os núcleos tornam-se bem visíveis e variam de um a quatro, tomando a cor castanho- escuro; a membrana nuclear é mais escura devido ao revestimento da cromatina, que é um pouco refringente; o cariossoma é pequeno, situado no centro do núcleo. Os corpos cromatoides, quando presentes nos cistos, tem forma de bastonetes, com pontas arredondadas. Às vezes apresentam-se como massas de formas regulares; seu número é variável, mas, em geral, de uma a quatro. Encontramos também no citoplasma dos cistos, regiões que se coram pelo lugol: são as reservas de glicogênio, também chamadas “vacúolos de glicogênio”. Na microscopia eletrônica, os trozoítos se caracterizam pela ausência de mitocôntria, aparelho de Golgi, retículo endoplasmático, centríolos e microtúbulos, que são organelas diferenciadas e encontradas nas células eucariotas. Biologia Os trofozoítos da E. histolytica normalmente vivem na luz do intestino grosso podendo, ocasionalmente, penetrar na mucosa e produzir ulcerações intestinais ou em outras regiões do organismo, como fígado, pulmão, rim e, mais raramente, no cérebro. Os trofozoítos, tendo como ambiente normal o intestino grosso, são essencialmente anaeróbios. Contudo, amebas são hábeis para consumir oxigênio, podendo crescer em atmosferas contendo até 5% de oxigênio. O catabolismo da glicose difere consideravelmente da maioria das células eucariotas animais, pois não possuem mitocôndrias, citocromos e ciclo do ácido cítrico. A locomoção se dá através de pseudópodes, e a ingestão de alimentos por fagocitose e por pinocitose. A multiplicação se dá através de divisão binária dos trofozoítos. Ciclo biológico É monoxênico e muito simples. No ciclo, encontramos uma série de estágios: trofozoíto, pré-cisto, cisto e metacisto. O ciclo se inicia pela ingestão dos cistos maduros, junto de alimentos e água contaminados. Passam pelo estômago, resistindo à ação do suco gástrico, chegam ao final do intestino delgado ou início do intestino grosso, onde ocorre o desencistamento, com a saída do metacisto, através de uma pequena fenda na parede cística. Em seguida, o metacisto sofre sucessivas divisões nucleares e citoplasmáticas, dando origem a quatro e depois oito trofozoítos, chamados trofozoítos metacísticos. Estes trofozoítos migram para o intestino grosso onde se colonizam. Em geral, ficam aderidos à mucosa do intestino, vivendo como um comensal, alimentando-se de detritos e de bactérias. Sob certas circunstâncias, ainda não muito bem conhecidas, podem despender da parede e, na luz do intestino grosso, principalmente no cólon, sofrer a ação da desidratação, eliminar substâncias nutritivas presentes no citoplasma, transformando- se em pré-cistos; em seguida, secretam uma membrana cística e se transformam em cistos, inicialmente mononucleados. Através de divisões nucleares sucessivas, se transformam em cistos tetranucleados, que são eliminados com as fezes normais ou formadas. Geralmente não são encontrados em fezes liquefeitas ou disentéricas. Ciclo patogênico Em situações que não estão bem conhecidas, o equilíbrio parasito-hospedeiro pode ser rompido e os trofozoítos invadem a submucosa, multiplicando-se ativamente no interior das úlceras e podem, através da circulação porta, atingir outros órgãos, como o fígado e, posteriormente, pulmão, rim, cérebro ou pele, causando amebíase extraintestinal. O trofozoíto presentenestas úlceras é denominado forma invasiva ou virulenta. Na intimidade tissular, não forma cistos, são hematófagos e muito ativos. Transmissão O mecanismo de transmissão ocorre através de ingestão de cistos maduros, com alimentos. O uso de água sem tratamento, contaminada por dejetos humanos, é um modo frequente de contaminação; ingestão de alimentos contaminados é importante veículo de cistos. Patogenia e virulência Amebíase é uma infecção causada pela E. histolytica, com ou sem manifestação clínica. Um dos mais intrigantes aspectos da biologia dessa ameba é sua inexplicada variabilidade quanto ao potencial patogênico e diferença de virulência. Este fato parece estar diretamente ligado à natureza de fatores que determinam a virulência do parasito, principalmente o que faz muda-lo de um tipo comensal para um agressivo, invasor. Parece que o início da invasão é resultante da ruptura do equilíbrio parasito- hospedeiro, em favor do parasito. São inúmeros fatores ligados ao hospedeiro: localização geográfica, raça, sexo, idade, resposta imune, estado nutricional, dieta, alcoolismo, clima e hábitos sexuais. Dentre os fatores diretamente ligados ao meio onde as amebas vivem, destaca-se a flora bacteriana associada. Determinadas bactérias, principalmente, anaeróbias, são capazes de potencializar a virulência das cepas de E. histolytica, cujos mecanismos envolvidos nesta interação são ainda especulativos. Dentre estas bactérias encontram-se cepas de Escherichia coli, Salmonella, Shigella, Enterobacter e Clostridium. Outros fatores como o colesterol, passagens consecutivas em diversos hospedeiros ou reinfecções sucessivas, podem aumentar a virulência. Amebíase intestinal Formas assintomáticas Enquadra-se neste caso a grande maioria das infecções pela E. histolytica: 80% a 90% são completamente assintomáticas e a infecção é detectada pelo de encontro de cistos no exame de fezes Formas sintomáticas Colites não disentéricas É uma das formas mais frequentes no nosso meio. A colite não disentérica se manifesta por duas a quatro evacuações, diarreicas ou não, por dia, com fezes moles ou pastosas, às vezes contendo muco. Desconforto abdominal ou cólico pode ocorrer. Raramente há manifestação febril. O que caracteriza esta forma no nosso meio é a alternância entre a manifestação clínica e períodos silenciosos, com funcionamento normal do intestino. Forma disentérica – colites amebianas A disenteria amebiana aparece mais frequentemente de modo agudo, acompanhada de muco ou de sangue, cólicas intensas, tenesmo, náuseas, vômitos, podendo haver calafrio e febre. Nos casos mais graves observam-se inúmeras evacuações mucossanguinolentas, febre elevada e persistente, prostração, dor abdominal e grave desidratação. Ao exame físico pode-se encontrar além de distensão abdominal e hepatomegalia, sinais de irritação peritoneal, ou seja, abdome agudo, que pode ser devido à perfuração intestinal. Amebíase extraintestinal E. histolytica pode se localizar em qualquer parte do corpo, tal como pulmões, cérebro, trato geniturinário e fígado, sendo este último o mais frequente. Abscesso amebiano do fígado é a forma mais comum da amebíase extraintestinal. Pode ser encontrado em todas as faixas etárias, com predominância em adultos entre 20 e 60 anos, e é mais frequente em homens. Os sintomas associados ao abscesso amebiano podem se iniciar de modo agudo ou gradual, mas com piora progressiva. As principais manifestações clínicas são representadas pela tríade composta por dor, febre e hepatomegalia. Cerca de 8% dos abscessos hepáticos amebianos rompem, geralmente para dentro da cavidade abdominal. Entretanto, raramente pode romper para dentro dos espaços pleural ou pericárdico, casos estes geralmente fatais. Diagnóstico Diagnóstico clínico Manifestações clínicas atribuídas à E. histolytica podem ser errôneas devido à grande superposição de sintomas comuns à várias doenças intestinais. Devido a essas dificuldades de diagnóstico, este só deverá ser considerado definitivo pelo encontro de parasitos nas fezes. Diagnóstico laboratorial Usualmente é feito com fezes, soros e exsudatos. Embora o exame de fezes seja trabalhoso, consuma muito tempo na sua execução e dependa da competência do microscopista, é, sem dúvida, o mais usado. Tem como objetivo identificar trofozoítos ou cistos. A coleta e o condicionamento das fezes são muito importantes; deve ser coletada sem urina e sem contaminação com outros materiais e nunca após contato com o solo, pois pode haver contaminação com amebas de vida livre.