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APOSTILA CURSO PSICOSSOMÁTICA FBV CURSOS https://www.fbvcursos.com/ 1º Módulo: Introdução Este curso constitui uma revisão teórica das principais abordagens da Psicossomática, tendo como objetivo destacar as contribuições deste campo de estudos para uma melhor compreensão do processo saúde-doença. Abordamos as reflexões sobre a interação entre corpo e mente e a natureza das emoções, sob as perspectivas da Psicanálise e da Psicologia Fisiológica, levantando quatro possibilidades interpretativas: a) Há uma via de mão única entre mente e corpo, tal que os processos mentais teriam efeitos somáticos, mas não vice- versa (Monismo Idealista): b) Há uma via de mão única entre corpo e mente, tal que os processos somáticos teriam efeitos mentais, mas não vice-versa (Monismo Materialista, ou Epifenomenalismo); c) Há uma via de mão dupla entre mente e corpo, de tal modo que os processos mentais teriam efeitos somáticos, e os processos somáticos teriam efeitos mentais (Monismo Neutro, ou Interacionista) e d) Há uma unidade mais profunda entre corpo e mente, os quais seriam diferentes aspectos de um substrato único (Paralelismo Psicofísico, ou Monismo de Duplo Aspecto). Observa-se na área da saúde em geral a existência de inúmeras doenças crônicas que exigem tratamentos contínuos que, conseqüentemente, sobrecarregam o Sistema Público de Saúde (SUS) com consultas recorrentes e custos elevados de medicamentos para controle. Esse esforço para sanar o desequilíbrio físico, muitas vezes, apenas atenua o sofrimento do paciente, que enfrenta inúmeras dificuldades e insatisfações na convivência com uma doença crônica. Nesse contexto surge a necessidade de buscar um entendimento complementar e mais profundo do melhor manejo do desequilíbrio físico e mental crônico. A possibilidade da compreensão mais ampla do ser que adoece pode surgir de um esgotamento dos tratamentos tradicionais ou de uma consciência mais abrangente dos profissionais de saúde. Assim, a pessoa pode passar a ser vista não só como um corpo físico, mas também constituída de outras dimensões, como a psíquica, social, econômica e cultural, as quais estão interconectadas e podem igualmente afetar o equilíbrio do estado de saúde e doença. Aponta-se aqui, como contribuição para essa compreensão, a abordagem da medicina psicossomática. Essa abordagem atualmente possui um entendimento abrangente do fenômeno do processo saúde e doença, considerando o ser humano na sua integralidade, nas suas dimensões biopsicossocial. Além disso, busca complemento para sua prática na atividade interdisciplinar dos profissionais da saúde. Este curso pretende reunir algumas informações sobre a abordagem psicossomática, a teoria do stress e as pesquisas realizadas na área de dermatologia que consideram os aspectos psicossociais influentes na doença de pele. O intuito é integrar esses conhecimentos a fim de pensar em diferentes possibilidades de tratamentos que contribuam para uma melhor qualidade de vida dos portadores de doenças crônicas de pele. 2º Módulo: A abordagem psicossomática O conceito atual de "psicossomática", de acordo com Lipowiski (1984), tem a intenção de abarcar uma visão de integralidade do homem, ou seja, sua totalidade, um complexo mente-corpo em interação com um contexto social. Aborda a inseparabilidade e a interde pendência dos aspectos psicológicos e biológicos da humanidade. O termo "psicossomática" foi utilizado pela primeira vez por um psiquiatra alemão chamado Heinroth, em 1808, quando realizou seus estudos sobre insônia; mais tarde, em 1823, ele introduziu o termo "somato-psíquico" para abordar a influência dos fatores orgânicos que afetam os emocionais. Já o termo "medicina psicossomática" foi apresentado por Felix Deutsch, em 1922 e desenvolvido de forma mais consistente por Helen Dunbar, em seu livro“Mudanças emocionais e biológicas: uma pesquisa da literatura sobre inter-relações psicossomáticas: 1919-1933”. Essa última autora já apontava em seus trabalhos que o termo "psicossomática" não seria adequado por não conseguir compreender a unidade mente e corpo, porém tal expressão acabou sendo consagrada cientificamente por falta de outra melhor e, conseqüentemente, caiu em domínio público (Ramos, 1994). Mello Filho (2002) também comentou que o termo "medicina psicossomática" não abrange a totalidade dos fenômenos que influenciam a saúde do homem, como os sociais e culturais, e sugeriu, baseado nas idéias de Perestrelo (1974), que o termo mais completo poderia ser medicina "psicossociossomática"; porém, como o termo original já está definitivamente implantado, ele permanece mesmo sendo incompleto. O mesmo autor comentou que, atualmente, a visão psicossomática já conquistou um espaço importante entre as práticas médicas, tendo como prova disso a atual definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS): “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental, social e não apenas a ausência de doença”. Apesar de ser alvo de críticas, esse conceito consegue ser mais próximo de uma visão de homem integral, pois considera as influências biopsicossociais. Corroborando com esse pensamento, e indo além dele, destaca-se aTeoria da Complexidade de Morin (2002), que afirmou que o homem está em relação com seu ecossistema, sofre suas influências e o influencia. Assim é necessário respeitar a singularidade do homem no seu ecossistema complexo, levando em conta simultaneamente seus processos biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais (Morin 2002; Pena-Vega & Nascimento, 1999). Vasconcellos (1998) ressaltou ainda que os segmentos mais avançados desse movimento da abordagem psicossomática exigem que o bem-estar não seja apenas biopsicossocial, como aponta a OMS, mas sim que abranja também as dimensões espiritual e ecológica. Para que esses conceitos sejam acolhidos, o autor considerou importante a necessidade de uma flexibilidade paradigmática, que exige arcabouços metodológicos ainda não existentes. No entanto enfatizou a influência dessas cinco dimensões (bio, psico, social, espiritual e ecológica) no equilíbrio homeostático do organismo, salientando que lentamente o conceito biopsicossocial está se transformando em um conceito biopsicossocioespiritual-ecológico. Assim a saúde e a doença sofrem constantemente a influência dessas dimensões, não tendo uma única etiologia e possuindo uma dinâmica diversa. A medicina psicossomática é apontada como vanguarda do pensar e do fazer na área da saúde. No entanto é importante relembrar que essa abordagem possui 2.500 anos de construção, tendo seus primórdios no surgimento da medicina com os aforismos de Hipócrates (séc. VI a.C.), considerado o pai da medicina. Ele definiu o homem como um sistema integrado constando de corpo, alma (psiquismo) e ambiente, portanto estruturou seus pensamentos sobre essa base (Riechelmann, 2000). Volich (2000) também apontou a psicossomática como herdeira do pensamento antigo que considera a unidade corpo-alma. Afirmou que sua busca está embasada na visão integrada de homem, perseguindo a compreensão da existência humana, da saúde e da doença através das manifestações da unidade do sujeito e estruturando ações terapêuticas sobre esse enfoque. O mesmo autor relembrou que, ao retornar à época em que o corpo de conhecimentos da medicina moderna começou a ser constituído, encontra-se a concepção de Hipócrates que tem como pressuposto não analisar o corpo separado da alma, considerando que a psique exerce função reguladora no todo: “O corpo humano é um todo cujas partes se interpenetram. Ele possui um elemento interno de coesão, aalma; ela cresce e diminui, renasce a cada instante até a morte. É uma grande parte orgânicado ser” (Volich 2000, p.23 ). De acordo com Mello Filho (1992), o corpo de teoria da psicossomática moderna, ao longo do tempo, desenvolveu-se em três fases. A primeira foi estimulada pela psicanálise com o enfoque dos estudos sobre a gênese inconsciente das enfermidades, teorias da regressão e sobre os benefícios secundários do adoecer entre outros. A segunda é a fase intermediária, behaviorista, que se concentrou em pesquisas em homens e animais, tendo como auxiliar para sua interpretação as ciências exatas, havendo um grande avanço nos estudos sobre stress. Já a terceira fase, atual, chamada de multidisciplinar ou interdisciplinar, destaca a importância da dimensão social e suas interconexões com a visão psicossomática, necessariamente possuindo uma interação entre os diferentes profissionais de saúde. Uma importante contribuição para o avanço dos estudos sobre a interação mente-corpo foi dada por Hans Selye, com o desenvolvimento de suas idéias sobre a Síndrome Geral de Adaptação ou Síndrome do Stress. Segundo o autor, em toda doença há um elemento de adaptação, e a enfermidade é esse esforço defensivo e adaptativo do corpo que varia entre uma excessiva defesa ou excessiva submissão e que envolve tanto o biológico quanto o psíquico. A idéia principal dessa teoria, que contribuiu para a abordagem psicossomática, é de como o corpo se transforma sob o efeito do stress (Selye, 1956; Ramos,1994). Como conseqüência da teoria do stress, pesquisas na área da psiconeuroimunologia vêm ampliando os conhecimentos sobre a interação dos efeitos do stress sobre o corpo. Tal ciência, desenvolvida nos EUA por Robert Ader, há 20 anos, busca estudar, dentro do paradigma de integração, a relação existente entre os sistemas psíquico, neurológico, imunológico e, mais recentemente, endócrino. Primordialmente, essa área de conhecimento desenvolveu-se seguindo os caminhos clássicos da medicina comportamental; porém, atualmente no Brasil, está sendo ampliada com pesquisas que buscam o desenvolvimento conceitual da psiconeuroimunologia sob o paradigma da integração (Vasconcellos, 1998). Para um entendimento mais aprofundado de como o stress pode influenciar nas doenças físicas, alguns conceitos precisam ser aprofundados. Tais conceitos servem também como um dos alicerces para o entendimento da abordagem psicossomática, que tem como cerne a interação entre o biológico, o psíquico e o social, e que, por sua vez, na proposta apresentada aqui, pode contribuir para um entendimento complementar da doença crônica de pele. 3º Módulo: Contribuições da teoria do stress Em inúmeros contextos da sociedade atual, o termo stress é bastante conhecido e utilizado. Na maioria das vezes, é empregado carregado de sentido negativo, pois é o causador ou a conseqüência de vários problemas para as pessoas. No entanto originalmente o conceito de stress contém os dois sentidos, positivo e negativo. Observa-se que o stress é um dos principais fatores que contribui para a baixa qualidade de vida da sociedade, por isso tem sido dedicada atenção especial para esse tópico tanto em programas de tratamento quanto de prevenção em saúde. É necessário destacar que a qualidade de vida de uma pessoa está baseada, entre diversos aspectos, na maneira como o indivíduo flexibiliza suas atitudes frente às situações estressantes da vida e em como as conduz a fim de alcançar um melhor relacionamento consigo e com os outros. Discernir o sistema de crenças negativas, no que consistem, como atuam na sua vida e, particularmente, como podem estar alterando sua harmonia, é passo fundamental para a melhora do ser como um todo, assim como a identificação das suas potencialidades positivas para a reintegração da sua saúde (Petrone, 1994). Fleck, Leal, Louzada, Xavier e Chachamovich (1999) conceituaram qualidade de vida como a percepção dos indivíduos ou grupos em satisfazer suas necessidades, aproveitando as oportunidades para alcançar um estado de felicidade e realização pessoal. É a percepção do indivíduo: de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Em busca da conquista de qualidade de vida, o ser humano depara-se com inúmeras condições que se tornam obstáculos como as situações que causam stress. O termo ‘stress’ foi utilizado primeiramente por Hans Selye em 1936, quando conceituou a Síndrome Geral de Adaptação ou Síndrome do Stress. O autor utilizou esse termo para denominar o“conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma 250 situação que exige esforço de adaptação.” Descreveu também que o“stress é usualmente o resultado da luta para a autopreservação (homeostase) das partes dentro do todo.”De acordo com Selye, há um grupo de doenças de adaptação geradas por reações exageradas, ou de defesa ou de submissão, do organismo (Selye, 1956, p.253). É possível ter uma visão tanto positiva quanto negativa do stress, ou seja, por um lado ele pode ser o estímulo para buscar novas conquistas e, por outro, o resultado de um esforço exagerado que leva ao adoecimento. Naturalmente, as respostas ao stress mobilizam o organismo a encontrar recursos para enfrentar as situações que lhe exigem adaptação. A maneira como esses esforços são direcionados e a identificação das suas conseqüências é que ajudam a ter êxito ou não com a saúde (Andrews, 2003) O fenômeno do stress é desencadeado, como referiu Selye, por um estímulo estressor ou estressor, e a resposta do indivíduo diante do estímulo chama-se processo de stress. Se a reação do indivíduo causar conseqüências negativas, trata-se, então, de distress; por outro lado, quando há uma reação saudável ao estímulo dá-se o nome de eutress. Sendo assim, é possível considerar o fenômeno como processo ou como estado. O processo refere-se à tensão desencadeada por uma situação de desafio, ameaça ou conquista. O estado é o resultado positivo (eutress) ou negativo (distress) do esforço gerado pela tensão mobilizada pela pessoa (França & Rodrigues, 2002). Conforme Lipp (1996), a origem do stress pode ser tanto externa quanto interna. A autora afirmou que os fatores relacionados à origem externa são representados por situações cotidianas ou por pessoas com as quais se lida rotineiramente, ou seja, perdas ocasionais, acidentes, trabalho em excesso, família em conflito, entre outros. Os fatores internos correspondem à maneira como se imagina e interpreta uma situação, sendo essa perigosa ou ameaçadora. O organismo se coloca em situação de alerta sempre que necessário, provocando uma série de modificações fisiológicas nesses momentos (Lipp, 1996; Lipp & Tanganelli, 2002). Selye (1956) considerou três fases no desenvolvimento do stress: a de alerta, a de resistência e a de exaustão, podendo identificar através dessas fases a gradação da seriedade do nível de stress em que a pessoa se encontra. A fase de alerta é considerada a etapa na qual a pessoa tem uma descarga de adrenalina preparatória para a adaptação e consegue ter êxito na situação, alcançando uma sensação de plenitude; logo, é uma fase positiva do stress. Na fase de resistência, a pessoa continua tentando lidar, de forma automática, com os estressores, buscando manter a sua homeostase interna; se esses estressores persistirem em freqüência ou intensidade, e não acontecer sua interrupção ou existirem dificuldades de adaptação através de estratégias de enfrentamento, pode ocorrer uma quebra da resistência da pessoa. Como conseqüência disso, a fase seguinte é a de exaustão, na qual os órgãos com maior fragilidade genética são mais facilmente atingidos por distúrbios, podendo, por meio desse processo, surgir doenças graves. Lipp (2000), através da construção do Inventário de Sintomas de Stress, identificouuma quarta fase que está entre a fase de resistência e a fase de exaustão. A fase de quase exaustão ocorre quando a pessoa está enfraquecida, não conseguindo mais se adaptar ou resistir ao estressor. Como conseqüência as doenças podem surgir em um nível mais leve que na fase de exaustão. O stress e suas conseqüências para a vida das pessoas, tanto positivas quanto negativas, devem ser analisados em um contexto multicausal, assim como todo processo de adoecimento. Quando o estressor causa problemas significativos na vida da pessoa, as diferenças individuais referentes à vulnerabilidade orgânica e à forma de avaliar e enfrentar a situação inadequadamente contribuem para seu desequilíbrio. As diferenças individuais pesam bastante na determinação das conseqüências do processo estressante que, ao mesmo tempo, sofre influências socioculturais. A combinação das dimensões individuais e coletivas possibilita um entendimento mais completo desse fenômeno (França & Rodrigues, 2002). Para identificar a maneira como cada indivíduo enfrenta e avalia o estímulo estressante é fundamental conhecer o que lhe estressa, que significado atribui para esse aspecto, e em que intensidade sente que isso afeta sua vida. Também é preciso saber que tipos de estratégias utiliza para lidar com a situação que julga ser uma ameaça para si, ou seja, de que maneira administra os fatores que interferem na sua homeostase. Folkman e Lazarus (1984) denominaram de estratégias de coping todos os esforços cognitivos e comportamentais que a pessoa utiliza para enfrentar a situação de stress que excede seus recursos pessoais, elegendo, assim, estratégias específicas para lidar com a condição estabelecida. Qualquer esforço de controle produzido pelo indivíduo que possua o intuito de diminuir o desconforto ou dominar alguma instabilidade, sem, no entanto, considerar as conseqüências disso, é definido por esses autores como estratégia ou processo de coping. Os mesmos autores afirmaram também que a maneira como o fato for encarado, e manejado pela pessoa, influenciará mais no seu desgaste do que propriamente a intensidade dele. As diferentes maneiras de lidar com as situações estressantes, que são ações deliberadas aprendidas, usadas e/ou descartadas, podem acionar padrões de comportamento que se repetem ao longo da vida do indivíduo, o que necessariamente não é consciente para ele. Essa reação de mobilização de recursos naturais tem o objetivo de manter o equilíbrio do organismo, diminuindo a resposta de distress. O foco, para esses autores, é o que a pessoa faz e pensa diante da situação estressante, e não o que ela faria. Além desse detalhe, consideraram que as estratégias estão inseridas em um contexto e por isso não podem ser generalizadas (Folkman & Lazarus, 1980). Esse modelo de compreensão divide o coping em duas categorias funcionais: o coping focalizado no problema e o coping focalizado na emoção. A primeira categoria, coping focalizado no problema, constitui um esforço para mudar a situação geradora de stress, alterando o problema existente na relação da pessoa com o ambiente gerador de tensão. Essa ação pode ser direcionada para uma fonte externa de stress, o que inclui estratégias como negociação ou pedido de ajuda a outras pessoas para resolver o problema. Já a ação direcionada para o manejo interno geralmente inclui reestruturação cognitiva com relação à redefinição do elemento estressor. A segunda categoria, coping focalizado na emoção, tem intenção de regular o estado emocional que é associado ao stress ou pode ser resultado desses eventos estressantes. O objetivo desse esforço de coping é alterar o estado emocional e diminuir a sensação física desagradável desse estado, podendo ser direcionado a um nível somático e/ou a um nível de sentimentos. Como exemplo de estratégias dirigidas a um nível somático de tensão emocional, ressalta-se tomar remédios para o alívio de tensão, fumar, fazer exercícios e assistir algum programa de TV para distração (Antoniazzi, Dell’Aglio & Bandeira, 1998). Outro modelo de entendimento divide as estratégias em formas ativas (ou de aproximação) e em formas de evitação. A primeira se refere àqueles esforços cognitivos ou condutuais para manejar diretamente o evento estressante. A segunda forma, evitativa, consiste em não confrontar com o problema, ou na redução da tensão através de condutas de fuga (Moos, 1998). Nas diferentes situações da vida, a doença física pode ter um impacto considerável no equilíbrio homeostático do indivíduo, despertando diferentes reações e processos adaptativos. Salientam-se, para o desenvolvimento deste artigo, as doenças de pele crônicas, principalmente a psoríase, como um foco causador de stress, também tendo esse como fator importante no seu desencadeamento e agravamento. 4º Módulo: Stress e aspectos psicossociais nas doenças crônicas de pele A sociedade atual possui padrões de estética e beleza bem delimitados, ea maioria das pessoas esforça-se, de certo modo, para alcançá-los. No caso dos pacientes com problemas dermatológicos, o sentimento de inadequação e o estigma vivenciado são evidentes diante de tais exigências externas de “normalidade” estética. A sensação de discriminação quanto à aparência física acompanha o portador constantemente, provocando grande insatisfação consigo mesmo. O processo de adaptação à doença de pele pode tornar-se, dessa maneira, um foco causador de stress, assim como também pode ser conseqüência do enfrentamento de fatores estressantes. Montagu (1988), um dos principais pensadores sobre o assunto, afirmou que, num primeiro momento, é possível refletir por que colocar o foco de atenção na pele e por que ainda existem tão poucos estudos em relação a ela quando comparados ao câncer, por 252 exemplo. Na realidade a pele pode, muitas vezes, passar despercebida. Durante muitos anos, esse órgão não teve a atenção merecida, e só a partir da década de 1940 o assunto passou a ser estudado com mais profundidade. No entanto a pele está mais evidente no dia-a-dia do que na maioria das vezes é possível perceber. De acordo com o mesmo autor, a pele é um órgão de comunicação e percepção visível. Ela é o maior órgão de percepção no momento do nascimento, tornando-se o meio para o contato físico e para a transmissão de sensações físicas e emoções. As ligações existentes com o sistema nervoso tornam a pele altamente sensível às emoções, independente da consciência. A pele expressa os sentimentos, mesmo quando não se está ciente deles, e ajuda a aprender e conhecer mais sobre o ambiente. É possível identificar a pele como um sistema nervoso externo que se mantém em conexão com o sistema nervoso interno (SNC), uma vez que o sistema nervoso é uma parte escondida da pele e ambos são formados pela ectoderme, que envolve todo o corpo embriônico. O processo de desenvolvimento da identidade passa também pelo reconhecimento do externo, e a pele, nesse ponto, desempenha um papel fundamental, pois uma das suas funções é representar o indivíduo como ser único. O descontentamento pessoal em não cumprir as exigências externas se reflete também em dificuldades nos relacionamentos interpessoais (Mingnorance, Loureiro & Okino, 2002). Para Azambuja (2000), a partir do novo entendimento da doença proposto pela psicossomática e pela psiconeuroimunologia, a pele passa a dizer muito mais do que se está habituado a entender sobre ela, pois se acredita haver outros aspectos, muitas vezes não visíveis, que exercem grande influência. Considerada um órgão de extensão do sistema nervoso e um órgão imunitário, assim como representante da auto-imagem do indivíduo, a pele também passa a ser expressão de sua consciência. A intensidade do impacto das doenças de pele depende de algumas variáveis, como a história natural e as implicaçõesda desordem específica de pele. As características demográficas, de personalidade, caráter e valores do paciente, sua situação de vida e as atitudes da sociedade como um todo sobre o significado dos distúrbios de pele são fatores fundamentais a serem analisados (Ginsburg & Link, 1993). É de conhecimento público que o stress, físico ou emocional, tem repercussões em inúmeras dermatoses, que são também geradoras de stress. O prurido, conseqüência de diversas dermatoses, sofre ampla variação de intensidade, tendo como forte fator contribuinte o stress. Entre as doenças de pele citadas na literatura que demonstram a influência do stress, também chamadas de psicodermatoses, estão a dermatite atópica, a desidrose, o líquen simples crônico ou neurodermite, a dermatite seborréica, a psoríase, a acne vulgar, a rosácea, a alopécia areata, a hiperidrose, a urticária, o herpes simples eo vitiligo (Amorin-Gaudêncio, Roustan & Sirgo, 2004; Koo, Do & Lee, 2000; Steiner & Perfeito, 2003). O stress envolvido no enfrentamento da doença de pele é uma evidência inequívoca de que os fatores emocionais são determinantes no aparecimento e agravamento da doença. O stress também influencia diretamente no processo inflamatório e proliferativo das células na psoríase. Programas especiais de cuidado ao paciente, que envolvem não só prescrição de medicamentos, mas também atenção às contribuições da sincronia da fisiologia entre mente e corpo, estão começando a ser desenvolvidos. Especial atenção está sendo dada, nesses programas, a uma completa avaliação física e psicológica para melhor elucidar os fatores implícitos, fatores físicos e mentais estressantes. Além disso, destacam-se também o estilo de vida e as práticas dos pacientes, a educação do paciente em grupos de auto-ajuda e treinamento de relaxamento do stress (Kimyai-Asadi & Usman, 2001; Raychaudhuri & Faber, 2000; Tausk & Nousari, 2001). O processo de conscientização do indivíduo sobre o que o leva a adoecer no plano físico, psicológico e social pode proporcionar a mudança dos aspectos negativos que contribuem para esse estado de desarmonia. A descoberta dos fatores estressantes que influenciam na doença é fundamental para que ocorram mudanças que também se referem à conscientização de padrões de comportamento prejudiciais à pessoa, tanto físicos como emocionais, e de crenças arraigadas que podem levar, ao longo dos anos, a um desgaste importante da qualidade de vida. Dentre os vários fatores que provocam o aparecimento das dermatoses, o aspecto emocional é citado na bibliografia em geral como um fator importante que influencia tanto o surgimento como o agravamento da lesão. Destaca-se a psoríase, uma das dermatoses crônicas mais pesquisadas, que está classificada no grupo das psicodermatoses, sendo o fator emocional identificado como agravante da doença. Além disso, a estigmatização e o tratamento difícil dessa dermatose contribuem para um alto nível de frustração e baixa auto- estima do paciente (Amorin-Gaudêncio et al., 2004; Azulay & Azulay, 1997; Fitzpatrick, Johnson, Woff, Polano & Suurmond 1997; Sampaio & Rivitti, 1999). A psoríase é uma doença crônica de pele que afeta igualmente homens e mulheres em cerca de 1 a 3% da população mundial e, geralmente, ocorre na segunda ou terceira década de vida. Os picos de incidência acontecem precocemente dos 16 aos 22 anos, tardiamente dos 57 aos 60 anos, e em 15% dos casos atinge crianças até os dez anos (Fitzpatrick et al., 1997). A causa da psoríase é multifatorial de herança poligênica, tendo os fatores ambientais como determinantes para sua expressão. Emerge da interação entre base genética, fatores ambientais e psicológicos. O ciclo evolutivo das células epidérmicas é mais rápido na psoríase do que na pele normal; tais células, por serem imaturas, provocam intensa produção de escamas (paraceratose). A velocidade de trânsito das células na psoríase é de cinco dias, enquanto na pele normal é de treze dias (Azulay & Azulay, 1997; Sampaio & Rivitti, 1999). Entre as publicações internacionais sobre o tema, encontra-se destacada a importância do uso de um instrumento genérico para avaliar o estado de saúde, como o Short-form Health Survey (SF-36). Ele pode ser útil na avaliação de qualquer doença, possibilitando comparações posteriores. Estudos realizados com o Sickness Impact Profile, questionário que avalia o impacto das doenças na qualidade de vida das pessoas, ressaltam a influência negativa da psoríase na mesma magnitude que a angina e a hipertensão ou qualquer outra doença considerada hoje de grande impacto. Os prejuízos que o paciente sofre em sua vida são suficientes para confirmarem a necessidade de prioridade também para as doenças dermatológicas (Finlay, 2001). Fatores psicossociais podem contribuir para a exacerbação da psoríase em 40 a 80% dos casos (Haynal, Pasini & Archinard 2001), mas é sobretudo o prejuízo na qualidade de vida dos pacientes que deve ser sublinhado e atrair a atenção do médico. Como destacaram os pesquisadores, a psoríase pode afetar por muito tempo a vida profissional, social e privada do indivíduo (Fortune et al., 2003). O efeito da psoríase no cotidiano dos pacientes está sendo verificado, no exterior assim como no Brasil, mediante instrumentos de qualidade de vida. Um recente estudo realizado na Universidade de São Paulo teve por objetivo avaliar, mediante o inventário Psoriasis Disability Index e entrevista, o impacto da psoríase vulgar no cotidiano de 50 pacientes. Verificou-se que 62% da amostra referiram insatisfação quanto à aparência física. A adaptação psicossocial, também avaliada, mostrou que 56% relataram a influência da doença nos relacionamentos cotidianos e 50% no lazer (Mingnorance et al., 2002). Já em pesquisa realizada na Inglaterra, estudiosos avaliaram o impacto da psoríase na qualidade de vida de 369 pacientes e constaram que, de 150 pessoas empregadas, 59,3% referiram ter perdido em média 26 dias de trabalho no ano corrente por causa da doença. Das 180 que não estavam trabalhando, 33,9% atribuíram não estar trabalhando por causa da psoríase. De 362 indivíduos, 49,0% confirmaram que estariam preparados para despender duas a três horas do seu dia para tratamento que resultasse em uma pele normal para o resto de suas vidas. Quase toda a amostra (98,9%) afirmou que preferia obter a cura completa da doença ao invés de receberem £1.000 à vista, bem como 71,0% estariam preparados para pagar £1.000 ou mais por sua cura e 38,0% pagariam £10.000 (Finlay & Coles, 1995). Em outro estudo realizado sobre psoríase e qualidade de vida, foram entrevistados 877 pacientes. Os pesquisadores destacaram em seus resultados que o impacto da doença parece diminuir com a idade crescente. Constataram também que os pacientes que estavam realizando o tratamento com fototerapia UVB (ultravioleta B) apresentaram pior qualidade de vida do que os pacientes que receberam tratamento com PUVA (fototerapia com ultravioleta A e psoraleno) ou methotrexate (McKenna & Stern, 1997). Um estudo desenvolvido com 120 pacientes atendidos na clínica de dermatologia do Izmir Ataturk Training Hospital, na Turquia, mostra que a depressão também está freqüentemente associada à doença, influenciando diretamente o desenvolvimento do tratamento. O objetivo do estudo foi investigar a freqüência de sintomas depressivos em pacientes com psoríase vulgar e líquen e avaliar a relação entre os escores da Escala de Beck para depressão e os escores do Psoriasis Area and Severity Index (PASI) em sujeitos com psoríase vulgar. O estudo envolveu 50 pacientes com psoríase vulgar, 30 pacientes com líquen e 40 pessoas saudáveis como grupo-controle. A importância dos sintomas depressivos nessas duas doenças dermatológicas comuns foi confirmada, e aponta para a necessidade de reconhecimentodessa associação que afeta o percurso e a resposta ao tratamento (Akay, Pekcanlar, Bozdag, Altintas & Karamant, 2002). O vitiligo, outra psicodermatose que também é foco de pesquisas, é uma afecção de pele caracterizada pela perda parcial ou completa dos melanócitos produtores de pigmento situados na epiderme. De acordo com Fitzpatrick et al. (1997), a incidência do vitiligo na população mundial é de 1% , afetando todas as raças e tanto o sexo feminino quanto o masculino. Conforme o mesmo autor, embora possa iniciar em qualquer idade, em 50% dos casos o vitiligo inicia entre 10 e 30 anos de idade. As lesões apresentam-se de forma plana, bem demarcadas e assintomáticas de perda de pigmento. A distribuição das manchas pela pele varia, sendo mais comum as áreas do punho, as axilas, e as regiões perioral, periorbitária e anogenital. Seu tamanho também muda de poucos a muitos centímetros. Lopez, Fajardo e Lera (1995) realizaram um estudo que buscou identificar as características dos enfermos de vitiligo, e constataram que, em 77% da amostra, a doença apareceu após eventos estressantes significativos para o paciente em um período não maior que um ano. Os resultados apontaram também que, quanto maior a área corporal afetada pela despigmentação, maior era o nível de stress, depressão e tensão emocional. Considerando o impacto que o vitiligo também pode causar na vida do portador, Kent e Al’Abadie (1996) entrevistaram 614 pacientes, dos quais 59% responderam que o vitiligo tinha afetado suas vidas durante as últimas três semanas. Entre as respostas mais comuns relatadas pelos sujeitos estão: o uso de camuflagem para esconder as manchas, a evitação de atividades, a percepção da reação negativa por parte dos outros e o sentimento de vergonha. De acordo com Müller (2001) o vitiligo é uma das psicodermatoses menos pesquisadas. A autora destacou que a constatação do stress emocional como um dos motivos desencadeantes do vitiligo é um dos aspectos a ser ressaltado entre os resultados dos estudos realizados. Enfatiza também que quase 50% das pesquisas apontam o surgimento do vitiligo após um momento de stress; o percentual poderia ser maior se esse aspecto tivesse sido investigado em todas as pesquisas. A dermatite atópica é outra doença crônica que está entre algumas pesquisas da área, trazendo também prejuízos importantes para seu portador. Geralmente com início precoce, no primeiro ano de vida, causa lesões por todo o corpo acompanhadas de muita coceira. Geralmente afeta indivíduos com história familiar de asma, rinite alérgica ou dermatite atópica. O manejo da doença envolve todo sistema familiar que, na maioria das vezes, nota o stress como um aspecto importante que influencia no agravamento da coceira e, conseqüentemente, das lesões. A identificação das situações que geram stress para o portador e sua família é essencial para um melhor manejo e convivência com a doença (Haynal et al., 2001). 5º Módulo: Corpo, Mente e Emoções A compreensão do processo saúde-doença envolve as concepções adotadas acerca dos fatores que podem estar relacionados com a manutenção e a promoção da saúde, e com os determinantes do processo de adoecimento. Essas concepções podem estar fundamentadas numa visão materialista, que considera que os únicos fatores relevantes neste processo são de natureza física, ou numa visão mais ampla, que considere também aspectos cognitivos e emocionais como determinantes da saúde e da doença. As explicações puramente biológicas da doença, apesar de ainda serem predominantes na Medicina, têm sido questionadas em diversos estudos que evidenciam a influência da mente e das emoções nos estados de saúde. Hoje sabe-se que o sistema nervoso autônomo, responsável pela coordenação do funcionamento de todos os órgãos internos, é regulado pelo sistema límbico, que por sua vez é afetado pelas experiências afetivas e emocionais do indivíduo em seu contexto social. A psiconeuroimunologia, que investiga as interações entre o sistema neuroendócrino, imune e os aspectos psicológicos e comportamentais, tem mostrado que o sistema imune influencia e é influenciado pelo cérebro (URSIN, 2000). As concepções filosóficas nas quais o processo saúde-doença se fundamenta estão presentes no pensamento médico e, consequentemente, nas modalidades de diagnóstico e de intervenção, assim como na orientação das ações por parte do sistema de saúde para prevenção de enfermidades e a promoção da saúde. Desse modo, reflexões acerca da interação entre os aspectos somáticos, cognitivos e emocionais contribuem para o questionamento dos fundamentos a partir dos quais a ciência médica se constrói e se desenvolve. Este estudo se propõe a contribuir para esta reflexão, por meio de uma revisão teórica das principais abordagens do problema mente-corpo, destacando as perspectivas da psicossomática psicanalítica e da psicofisiologia. Serão apresentados alguns dos principais autores que se dispuseram à reflexão sobre as relações entre corpo, mente e emoções. 6º Módulo: O Problema Mente-Corpo O problema mente-corpo tem sido tema de discussão desde a antiguidade. As concepções sobre saúde e doença e sobre a natureza das enfermidades constroem-se dentro de uma perspectiva dualista, que considera mente e corpo como entidades distintas, ou numa perspectiva monista, que considera a unicidade e indissolubilidade de ambos. Ao longo da história, tem-se observado oscilações entre ambas as concepções que repercutem também no pensamento médico. Na Grécia Antiga, Aristóteles e Hipócrates consideravam o homem como uma unidade indivisível. Hipócrates (460 a.C.), numa tentativa de explicar os estados de saúde e enfermidade, postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue. Desta forma, a saúde era baseada no equilíbrio destes elementos. Ele via o homem como uma unidade organizada e entendia a doença como uma desorganização deste estado. Hipócrates entendia que a doença não representava a vontade divina, mas surgia por antecedentes lógicos. A saúde, para ele, consistia de um equilíbrio harmônico com o mundo ao redor, enquanto a doença surgia de desafios a esse equilíbrio. Essa visão racionalista fundamenta a medicina moderna (VOLICH, 2000). Cláudio Galeno (129-199) resgatou a teoria humoral e ressaltou a importância dos quatro temperamentos no estado de saúde. Via a causa da doença como endógena, ou seja, estaria dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que levassem ao desequilíbrio. O conceito de Galeno a respeito de saúde e doença prevaleceu por vários séculos, até o suíço Paracelsus (1493-1541) afirmar que as doenças eram provocadas por agentes externos ao organismo. Ele propôs a cura pelos semelhantes, baseada no princípio de que, se os processos que ocorrem no corpo humano são químicos, os melhores remédios para expulsar a doença seriam também químicos, e passou então a administrar aos doentes pequenas doses de minerais e metais (CASTRO et al., 2006). Durante a Idade Média, a Igreja Católica buscou organizar o conhecimento a partir do paradigma da vida após a morte, exaltando a soberania da alma, refletindo sobre a idéia de doença e de um corpo menosprezado (VOLICH, 2001). A doença era atribuída ao pecado, sendo o corpo o locus dos defeitos e pecados, e a alma, o dos valores supremos, como espiritualidade e racionalidade (FAVA e SONINO, 2000). No século XVII, Descartes postulou uma disjunção entre mente e corpo, por considerálos substâncias de naturezas diferentes, denominando como res extensa a matéria e res cogitans a alma pensante, e assim favorecendo no âmbito da ciência o aspecto material (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Entretanto, o principal problema detectado na perspectiva dualista é a dificuldadeem explicar como essas duas substâncias interagem. Descartes sugeriu que essa comunicação seria por meio da glândula pineal. Embora esta solução pareça ser arbitrária, diversos autores, inclusive na época contemporânea, têm pesquisado as funções desta glândula, e alguns deles acreditam que ela tenha realmente funções especiais. Deste modo, seria possível interpretar a filosofia cartesiana como um dualismo interativo, em que ocorrem processos causais em ambas as direções (do corpo para a mente e da mente para o corpo a chamada "causação mental"). Portanto, apesar da demasiada valorização da substância material em detrimento da substância mental atribuída pela ciência por influência do dualismo cartesiano, não se pode afirmar que na perspectiva Descartes as duas substâncias sejam completamente separadas. Espinosa, também no século XVII, dedicou-se à reflexão sobre o problema mentecorpo, ao qual trouxe grandes contribuições. Ele apresentou uma perspectiva diferente da de Descartes quando disse que o pensamento e a extensão, embora distinguíveis, são produtos da mesma substância. A referência a uma única substância serve ao propósito de apresentar a mente como inseparável do corpo, o que deixava de requerer a integração ou interação desses dois aspectos. A mente e o corpo nasciam em paralelo da mesma substância sem que houvesse uma relação causal entre ambos (Damásio, 2004). Para o monismo espinosiano, haveria o chamado "paralelismo psicofísico", doutrina segundo a qual todos os eventos corporais são também mentais e todos os eventos mentais são também corporais, conduzindo à conclusão de que tanto a saúde quanto a doença são fenômenos psicofisiológicos. No século XIX, a visão dualista foi fortalecida com as descobertas de Pasteur e Virchow (CASTRO et al., 2006), que atribuíram as causas das enfermidades a agentes externos, como microorganismos, o que destaca a importância dos aspectos biológicos em detrimento da mente no processo saúde-doença. No início do século XX, Freud resgata a importância dos aspectos internos do homem com o desenvolvimento da teoria psicanalítica. Em 1917, Groddeck publica “Determinação psíquica e tratamento psicanalítico das afecções orgânicas”, sendo este considerado o marco da medicina psicossomática. Groddeck estendeu o campo da psicanálise a todas as doenças e atribuía a elas uma significação (ÉPINAY, 1988). Walter Cannon, em 1929, reforça a concepção holística com uma base fisiológica ao definir o conceito de homeostase, afirmando que qualquer estímulo, inclusive o psicossocial, que perturba o organismo, perturba-o em sua totalidade (CALDER, 1970). Em seu trabalho, Cannon avaliou as alterações fisiológicas decorrentes da excitação emocional. 7º Módulo: Psicossomática e Psicanálise O termo "psicossomática" foi utilizado pela primeira vez em 1818 por Heinroth, um psiquiatra alemão, em seus estudos sobre insônia e as influências das paixões na tuberculose, destacando a possibilidade de uma influência dos fatores psicológicos nas patologias (LIPOWSKI, 1984). A compreensão da relação mente-corpo, até então, era baseada numa visão dualista, tanto em relação ao princípio como em relação à função desses dois aspectos. O funcionamento de ambos era considerado quase que independente um do outro e a interação ocorreria numa via dupla de forma psico-somática ou somato-psíquica. A compreensão da interação mente e corpo ganha novas perspectivas a partir da Psicanálise, quando ambas as dimensões são pensadas de forma conjunta e dinâmica, possibilitando a criação de um campo de saber denominado Psicossomática (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Sigmund Freud No final do século XIX, Freud (1835-1930) resgata a importância dos aspectos internos do homem com o desenvolvimento da teoria psicanalítica. Não encontrando lesão orgânica nos corpos das histéricas que justificassem os sintomas apresentados, Freud (1893), em seu livro "Algumas considerações para um estudo comparativo das paralisias motoras orgânicas e histéricas" afirma que "a histeria se comporta como se a anatomia não existisse, ou como se não tivesse conhecimento desta". Uma paralisia nos membros inferiores ocorria mesmo com os músculos e nervos intactos, ou uma afasia ocorria sem que a área de Broca estivesse comprometida. Pela hipnose, podia-se retirar ou até alterar os sintomas momentaneamente, demonstrando que o organismo estava em condição de funcionamento "normal". Exemplos como esses desafiaram a Medicina da época, pois não havia até então explicação para esses eventos, fazendo com que a histeria caísse no âmbito da encenação e teatralidade. Pelo método da associação livre, que se tornou a técnica psicanalítica por excelência, as histéricas diziam o que lhes vinha à mente e acabavam por relembrar uma cena traumática e que, de certo modo, esse trauma se associava com os sintomas. Essa associação era tal que, ao conseguir verbalizar a situação traumática, os sintomas eram abrandados. Assim, eles passam a possuir um sentido que é construído pelo sujeito, uma motivação que é desconhecida para o indivíduo, é inconsciente, mas remontando a uma cadeia lógica, ao verbalizar e trazer à tona esse evento traumático e reprimido, os sintomas eram aliviados (FREUD, 1895). Apesar de não ter se aprofundado nas questões de somatização, com os estudos sobre histeria, Freud assinala a relevância dos aspectos psíquicos em algumas manifestações somáticas, fornecendo bases para se pensar na interação entre o psíquico e o somático a partir da psicanálise. Georg Groddeck Em 1917, Groddeck (1866-1934) publica "Condicionamento psíquico e tratamento de moléstias orgânicas pela psicanálise" no periódico Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse, sendo este considerado o marco da medicina psicossomática. Neste texto já aparece o conceito de Isso, "por quem somos vividos", ao qual atribui poder de ação sobre todo o organismo. Groddeck define a doença como uma das expressões do Isso, tal como seriam o formato do nariz, o jeito de andar, enfim, como uma manifestação de vida, e não como um mal a ser combatido a qualquer preço. Groddeck implica o Isso até nos acidentes que nos acontecem (CASETTO, 2006). A doença não provém do exterior, o próprio ser humano a produz; o homem só se serve do mundo exterior como instrumento para ficar doente, escolhendo em seu inesgotável arsenal de acessórios ora a espiroqueta da sífilis, ora uma casca de banana, depois uma bala de fuzil ou um resfriado (Groddeck, 1923, p. 219) Groddeck estendeu o campo da psicanálise a todas as doenças e atribuía a elas uma significação. Acreditou encontrar no significado da doença o valor simbólico dos sintomas, já que considerava o homem como um ser inatamente predisposto à simbolização (ÉPINAY, 1988). Assim, dores de cabeça aplacam os pensamentos; magreza e fraqueza denunciam a nostalgia da condição de recém-nascido; uma barriga, o desejo de gravidez. Groddeck cita vários de seus próprios sintomas que fez desaparecer – inclusive gota – somente com a autoanálise (CASETTO, 2006). Sendo o sintoma uma manifestação do Isso, a doença tem um sentido próprio, particular do indivíduo. Um sentido impossível de determinar genericamente, tanto pelo seu caráter particular como porque não há limites definidos entre o saudável e o doentio, entre onde começa a enfermidade e onde termina a saúde. O papel do analista seria de decifrar esse sentido por meio da análise, pois a retomada da consciência sobre o que fez com que a pessoa desenvolvesse tal sintoma faz com que ela seja curada. Franz Alexander Na década de 1930, surge na cidade de Chicago, sob a direção de Franz Alexander (1891- 1964), o Instituto Psicanalítico de Chicago. Alexander sustentava um modelo psicossomático de base psicofisiológica. Defendia que as doençasorgânicas poderiam ser entendidas basicamente como respostas fisiológicas exacerbadas decorrentes de estados de tensão emocional crônica motivados por processos mentais inconscientes desprovidos de significado simbólico (HAYNAL e PASINI, 1983). Segundo ele, estados emocionais reprimidos provocariam a cronificação das alterações fisiológicas que normalmente acompanham as emoções, alterações que se regularizam quando tais emoções são expressas e se desfazem. Assim, por exemplo, a raiva é acompanhada por um aumento da pressão sanguínea; trata-se de um concomitante fisiológico que não tem finalidade expressiva, sendo apenas uma resposta regida pelo sistema nervoso simpático preparando o organismo para a ação. Mas se a raiva não pode ser diretamente expressa, nem encontrar um caminho alternativo, as alterações neurovegetativas associadas, como as relativas à pressão, deverão se manter num patamar elevado (CASETTO, 2006). Associada à psicogênese, Alexander cria a teoria da especificidade, que diz que as respostas fisiológicas para estímulos emocionais, tanto normais quanto mórbidos, variam de acordo com a natureza do estado emocional precipitante. A resposta vegetativa de determinado estímulo emocional varia de acordo com a qualidade da emoção e todo estado emocional tem sua síndrome fisiológica. Para Alexander, os aspectos emocionais e fisiológicos são expressões concomitantes diferentes de um mesmo processo. O aspecto emocional é expresso por palavras, enquanto o fisiológico é expresso por meio de alterações nas funções corporais, como por exemplo, a alteração da pressão arterial, na experiência emocional da raiva. O aumento da pressão arterial é o concomitante (a expressão somática) daquele momento de vida da pessoa que está com raiva – expressão emocional daquele momento (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Os sintomas psiconeuróticos corresponderiam, na visão de Alexander, à construção de caminhos alternativos, individuais, para a expressão de emoções reprimidas. Portanto, não seriam eles os responsáveis pelas organoneuroses, mas a psiconeurose seria uma forma de expressão alternativa do reprimido. Afirmava que a pressão sanguínea de alguns hipertensos normalizava-se quando do desenvolvimento de certos sintomas neuróticos. Alexander rompia com a tradição que situava os males orgânicos como resultado direto ou indireto da psiconeurose (CASETTO, 2006). As proposições de Alexander foram questionadas nas décadas seguintes por autores que acreditavam que seu modelo psicossomático de base psicofisiológica se apoiava em uma visão dualista do homem. Endossando esses questionamentos, diversos psicanalistas franceses organizaram-se com o intuito de delinear uma nova via de formação das manifestações corporais do sofrimento emocional (PERES, 2006). Pierre Marty Em 1962, Pierre Marty (1918-1993) e Michel de M’Uzan propuseram a noção de pensamento operatório. Tratava-se da conceituação de uma forma de atividade psíquica diferente da neurose e da psicose. Ela descrevia um modo de pensamento consciente que parecia desprovido de simbolizações, de atividades oníricas, de duplos sentidos, de metáforas, de atos falhos e de fantasia (VALENTE e RODRIGUES, 2010; CASETTO, 2006), mas excessivamente orientado para a realidade externa e estreitamente vinculado à materialidade dos fatos (PERES, 2006), o que denota a existência de uma carência funcional do psiquismo (HORN e ALMEIDA, 2003). A fala desses pacientes é usada mais como modo de se livrarem rapidamente das tensões do que para significar suas experiências (CASETTO, 2006). Em 1966, Marty propõe o conceito de "depressão essencial". Esta decorreria de eventos traumáticos e colocaria o sujeito em posição particularmente vulnerável ao adoecimento. O pensamento operatório poderia se estabelecer na cronificação desse estado, no qua l a capacidade de elaboração psíquica do impacto da vida cotidiana estaria bastante comprometida (CASETTO, 2006). Essa sintomatologia depressiva defini-se pela falta: apagamento, em toda a escala, da dinâmica mental (deslocamentos, condensações, introjeções, projeções, identificações, vida fantasmática e onírica). Não se encontra, nessa depressão "conveniente", a "relação libidinal" regressiva e ruidosa das outras formas de depressões neuróticas ou psicóticas. Sem contrapartida libidinal, portanto, como a desorganização e a fragmentação ultrapassam sem dúvida o domínio mental, o fenômeno é comparável ao da morte, onde a energia vital se perde sem compensação. Marty (1993) define o psiquismo como um conjunto de funções complexas, que seriam evolutivamente mais recentes que as somáticas e, portanto, mais susceptíveis à desorganização. Ele permitiria aos organismos lidar com o impacto afetivo de situações da vida. O psiquismo deficiente, tanto emocionalmente como simbolicamente, desorganiza-se progressivamente com a introdução de um distúrbio, cabendo então ao somático ter de lidar com tal distúrbio (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Neste caso, um processo regressivo atingiria algum ponto de fixação somático, fazendo com que um distúrbio se estabelecesse na função correspondente a esse ponto, de modo a estancar o processo involutivo e permitir a reorganização posterior e gradual do sujeito (CASETTO, 2006). Tais pontos de fixação seriam em parte herdados, em parte constituídos pela história de vida do sujeito, sendo as manifestações somáticas ausentes de sentido próprio. Dessa forma, cada indivíduo apresentaria uma sintomatologia com fortes traços que lhe são próprios, particulares, de tal forma que a psicossomática deve ser pensada a partir do sujeito, e não a partir da doença (VALENTE e RODRIGUES, 2010). A somatização, então, surgiria em decorrência de estruturas psíquicas deficitárias na capacidade de representação e elaboração simbólica. Assim, o sintoma ocorreria pela ausência de sentido, em virtude da incapacidade do psiquismo de lidar com o distúrbio. Portanto, um menor grau de atividade mental corresponde a uma maior vulnerabilidade somática. A capacidade de elaboração simbólica, que indicaria a qualidade e a quantidade das representações psíquicas, Marty (1998) denominou mentalização. Quanto melhor a mentalização, maior a capacidade do psiquismo em sustentar os choques dos traumatismos no registro psíquico (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Marty recomendou uma terapêutica diferente, especialmente nos casos de somatizações graves. Devido à negatividade simbólica e ausência de referências afetivas, resultantes do pensamento operatório, sua proposta era a de um trabalho psicoterápico, em que o papel do terapeuta seria de nomeação dos estados psíquicos e sobretudo afetivos, de forma a suprir a carência simbólica, que visasse "o estabelecimento ou o restabelecimento do melhor funcionamento possível" do psiquismo do paciente (1990, p. 57). Sessões face-a- face para não deixar o paciente no desamparo perante sua pobreza simbólica e apenas uma vez por semana, pela sobrecarga psíquica que representam para uma estrutura frágil (CASETTO, 2006 e VALENTE e RODRIGUES, 2010). Joyce McDougall McDougall (1996) propõe o conceito de desafetação para explicar o processo de somatização. Esse conceito corresponde a um mecanismo que ejeta do psiquismo percepções, pensamentos e fantasias capazes de (res)suscitar afetos insuportáveis, ou seja, relacionados a experiências traumáticas primitivas. Ocorre um esvaziamento de significação afetiva da palavra. Esse recurso exigiria novas formas de dispersão da energia que foi ejetada, que poderia tomar a forma de comportamentos aditivos ou de somatizações. O sentido da doença diz respeito a um drama não representado, e para sê-lo, precisa vir ao âmbito da linguagem por meio da análise. McDougall fala da somatização a partir de uma demanda de sentido, como uma históriaa ser reconstruída (VALENTE e RODRIGUES, 2010). A tendência a "ejetar" do próprio psiquismo percepções, fantasias e pensamentos associados a afetos se assemelha, em seus aspectos principais, a um mecanismo de defesa citado por Freud (1894/1996): o repúdio para fora do ego (Verwerfung). Tal recurso não somente promove a exclusão de sentimentos do plano da consciência, mas também leva o indivíduo a agir como se nunca tivesse tido acesso aos conteúdos repudiados. Entretanto, na concepção freudiana, o repúdio para fora do ego leva ao surgimento de fenômenos alucinatórios e delirantes, de maneira que pode ser entendido como uma defesa específica das psicoses. McDougall (1996), por sua vez, propõe que os afetos "ejetados" do aparelho mental de pacientes somáticos não geram como subproduto alucinações ou delírios, mas, sim, se perdem sem qualquer espécie de compensação psíquica. Como conseqüência, tendem, ao contrário do que ocorre com os psicóticos, a ser reduzidos a sua pura expressão somática. Desse modo, McDougall (1996) defende que as emoções podem – ao contrário do que sugerem os pressupostos metapsicológicos clássicos – efetivamente desaparecer do aparelho psíquico mediante a expulsão do plano consciente de pensamentos, fantasias e representações associadas a afetos capazes de provocar sofrimento (PERES, 2006). O termo desafetação indica, por si só, o rompimento do indivíduo com seus próprios sentimentos. A desafetação leva o sujeito a encontrar dificuldades para apreender contrastes emocionais e discriminar tanto seus afetos quanto os das demais pessoas com as quais convive, conduzindo ao estabelecimento de vínculos pouco consistentes (BUNEMER, 1995). McDougall (1996) destaca como causa central da desafetação as perturbações relacionais entre mãe e bebê. O bebê, como assinala McDougall, antes de ter a capacidade de representar a si mesmo e o mundo em palavras, é necessariamente alexitímico. As mensagens enviadas pelo corpo ao psiquismo, e vice-versa, eram inscritas sem representações de palavras no psiquismo, como no início da infância, e assim, o indivíduo reagiria a uma emoção angustiante com a somatização (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Essa hipótese parte do princípio de que a figura materna tem como principal tarefa a proteção do filho contra as tensões provenientes do mundo exterior. Para tanto, deve interpretar a comunicação primitiva e nomear os estados afetivos de seu bebê, promovendo a progressiva "dessomatização" do aparelho mental. O adequado desempenho dessa tarefa subsidia o acesso da criança à palavra e favorece o desenvolvimento da capacidade de simbolização (PERES, 2006). Marty e McDougall concordam que os sujeitos que apresentam processos de somatização se caracterizam por uma marcante restrição da capacidade de elaboração psíquica. Em função disso, tanto Marty quanto McDougall entendem as afecções orgânicas potencializadas pelo pensamento operatório ou pela desafetação como manifestações desprovidas de valor simbólico (PERES, 2006). Entretanto, o modelo de McDougall apresenta uma diferença importante em relação ao de Marty, ao dizer que a somatização é consequência de uma defesa do psiquismo e não um processo de desorganização; a desafetação seria precisamente para evitá-la. A doença teria, portanto, um sentido, mas que por algum motivo não pôde ser representado em decorrência da angústia que suscitaria (VALENTE e RODRIGUES, 2010). Marty (1993) e McDougall também concordam que a utilização do termo "psicossomático" como adjetivo remete ao antigo dualismo cartesiano. Seguindo esse raciocínio, consideram um erro afirmar que uma dada doença é psicossomática e pensam que a unicidade mente- corpo faz do homem um ser psicossomático por definição. Ambos reconhecem a multicausalidade do adoecimento e não atribuem exclusivamente a determinantes psíquicos a eclosão de enfermidades somáticas. Em virtude da complexidade de tal processo, contudo, inegavelmente privilegiam a análise dos fatores emocionais associados a esse processo (PERES, 2006). As abordagens de Marty e McDougall não se caracterizam como um reducionismo psicológico semelhante aos modelos apresentados nos primórdios da psicossomáti ca psicanalítica, mas sim como um recorte necessário diante das múltiplas facetas do fenômeno que se propõem analisar. Tais abordagens são perfeitamente compatíveis com o modelo biopsicossocial de compreensão do processo saúde-doença vigente nos dias de hoje. Além disso, as proposições de Marty e McDougall não excluem outras tentativas de explicação da gênese de enfermidades orgânicas – sejam elas médicas, culturais, sociais ou de outro caráter apoiadas em elementos conceituais de raciocínio distintos (PERES, 2006). Christophe Dejours Christophe Dejours, para explicar os processos de somatização, propôs o conceito de subversão libidinal: "processo pelo qual funções biológicas seriam ‘colonizadas’ por jogos eróticos no contexto da relação afetiva materna. Corresponde à constituição do corpo erógeno a partir do corpo biológico". (CASETTO, 2006). A subversão libidinal seria essencial para o trabalho psíquico das pulsões e, sobretudo, para a atenuação da violência que representam em estado bruto. Se diante da mobilização dessas forças no cotidiano não houver a possibilidade de representação, restam os caminhos da atuação (violenta) ou da somatização. O adoecimento ocorreria, portanto, para se evitar a ação destrutiva, partindo- se do veto à representação. Dejours questiona a visão solipsista de Marty, que dá demasiada ênfase aos aspectos intrasubjetivos envolvidos nos processos de traumatismo, fazendo análises restritas aos movimentos psíquicos interiores e dando menor atenção aos aspectos externos. Para Dejours, o sintoma somático aconteceria na relação com o outro, se "adoeceria por alguém". Destaca, então, a importância de se considerar os aspectos intersubjetivos nessa discussão: "Na relação com o outro eu mobilizo não somente pensamentos, idéias e desejos, mas também o meu corpo para expressar este pensamento e este desejo. De certa forma, eu mobilizo o corpo a serviço da significação". (DEJOURS, 1998). Sendo dirigido a um outro, Dejours atribui ao sintoma somático um caráter de intencionalidade e, mais precisamente, uma intencionalidade expressiva. O sintoma ocorreria porque a captura libidinal não pôde ser feita e transformada em um "agir expressivo" dirigido a um outro. O corpo é convocado para produzir significações e, sobretudo, para produzir efeitos – sedução, medo, sono etc – no outro. Mas isso depende do corpo erógeno, de haver sido constituído pela gradativa "colonização" do orgânico pelo psíquico. Entretanto, algumas funções do corpo podem ficar fora dessa transformação, por dificuldade dos pais em "brincar" com ela, de modo a não se colocarem "a serviço do agir expressivo dos movimentos e estados afetivos (ou emocionais) do corpo" (DEJOURS, 1999, p. 30). A essa impossibilidade Dejours chama de "forclusão da função". Quando, no contexto de uma dinâmica intersubjetiva, uma função não subvertida for convocada, estará criado o contexto mais favorável à somatização. O seu sentido, no entanto, não está na origem, e sim no a posteriori de seu surgimento, já que deverá ser produto elaborado no contexto da relação com um outro: "o sentido do sintoma somático, se é que ele existe, não está no sintoma, mas no trabalho de interpretação eventualmente desencadeado por ele" (DEJOURS, 1999, p. 40). O sentido do sintoma precisa ser criado, mas isto não se fará senão com alguém. Para que o analista seja esse alguém, diz Dejours, ele precisará se deixar questionar por esse acontecimento, revendo sua compreensão da transferência, repensando suas hipóteses de trabalho. Em outras palavras, ele deverá permitir que a surpresa – não há previsibilidade emanálise – ou que a concretude do sintoma transforme-se em um enigma da relação – e não somente do paciente -; ele deverá se deixar afetar (DEJOURS, 1999). Dejours deslocou a discussão do fenômeno psicossomático para a relação afetiva, apesar de traços dessa tendência também serem perceptíveis em McDougall. A anterior oposição entre doença com ou sem sentido foi transformada na admissão de que o sentido – e a significação – estariam no cerne do processo de adoecimento, mas não em sua origem (CASETTO, 2006). Apesar das divergências nas formas de compreender e lidar com o fenômeno psicossomático, percebe-se que alguns atributos se mantêm entre as propostas, de maneira que a noção psicanalítica de somatização vai ganhando forma. Ela se coloca na relação entre o psíquico e o somático, quando em decorrência de estresse psicossocial, o corpo experimenta sintomas e distúrbios que são influenciados pelo psiquismo, seja no surgimento, manutenção ou término destes. Nessas manifestações corporais, havendo ou não a presença de lesão anatômica, a feição emocional é bem explícita. 8º Módulo: Neurofisiologia e as teorias sobre as emoções No âmbito da neurofisiologia, alguns teóricos se dispuseram a explicar as inter-relações entre os aspectos cognitivos, emocionais e os processos somáticos. William James James (1842-1910) e Lange propuseram uma relação entre experiências emocionais e processos corporais e argumentaram que a experiência emocional surgia da percepção das mudanças no corpo. Eles definiram a emoção como uma sequência de eventos que começa com a ocorrência de um estímulo e termina com um sentimento, ou seja, uma experiência emocional consciente. Para James e Lange, há três passos essenciais na produção de uma emoção. O primeiro passo está relacionado com as alterações somáticas desencadeadas pelo estímulo. No segundo passo, essas mudanças são detectadas por receptores sensoriais periféricos e transmitidas ao cérebro. No terceiro passo, o cérebro gera a atividade que é necessária ao sentimento de uma emoção (JAMES, 1884; 1894). James associa excitações emocionais aos instintos. Objetos de raiva, amor, medo, etc, não apenas levam um homem a realizar atos exteriores, mas provocam alterações características na sua atitude e fisionomia e afetam sua respiração, circulação e outras funções orgânicas de forma específica. Desse modo, cada objeto que excita um instinto excitaria também uma emoção (JAMES, 1890). De acordo com a teoria de James-Lange, emoções causam sentimentos diferentes de outros estados mentais porque elas estão envolvidas com respostas corporais que originam sensações internas e diferentes emoções causam sentimentos diferentes porque elas são acompanhadas por diferentes respostas corporais e sensações (LEDOUX, 1996). Por exemplo, numa situação de perigo, durante o ato de fugir, o corpo passa por alterações fisiológicas: aumento da pressão sanguínea e da frequência cardíaca, dilatação das pupilas, transpiração das palmas, contração muscular. Outros tipos de situações emocionais resultarão em diferentes respostas corporais. Em cada caso, as respostas retornam ao cérebro na forma de sensações corporais e o único padrão de feedback sensorial dá a cada emoção uma qualidade única. O medo causa sensação diferente da raiva e do amor porque tem diferentes sinais fisiológicos. O aspecto mental da emoção, o sentimento, é um escravo de sua fisiologia, não o contrário: nós não trememos porque temos medo ou choramos porque estamos tristes; nós temos medo porque trememos e ficamos tristes porque choramos (JAMES, 1890). Além disso, para James e Lange, diferenças individuais na qualidade da representação corporal podem constituir a base de diferenças individuais na experiência emocional: alguém “constitucionalmente” sintonizado às sensações de seu coração pode experimentar algumas emoções (talvez medo e amor) com maior intensidade do que um outro indivíduo com uma representação mais forte do funcionamento do estômago (CRITCHLEY, 2009). Damásio (1996) aponta algumas limitações sobre a perspectiva de James. Segundo ele, o principal problema não é tanto o fato de ele reduzir a emoção a um processo que envolve o corpo, mas o fato de ele ter atribuído pouca ou nenhuma importância ao processo de avaliação mental da situação que provoca a emoção. Outra questão problemática foi o fato de James não ter estipulado um mecanismo alternativo ou suplementar para criar o sentimento correspondente a um corpo excitado pela emoção. Na perspectiva jamesiana, o corpo encontra-se sempre interposto no processo. Além disso, James pouco ou nada tem a dizer sobre as possíveis funções da emoção na cognição e no comportamento. Em suma, James postulou a existência de um mecanismo básico em que determinados estímulos no meio ambiente excitam, por meio de um mecanismo inflexível e congênito, um padrão específico de reação do corpo. Porém, no caso de seres humanos, que são essencialmente seres sociais, sabe-se que há emoções que são desencadeadas por um processo mental de avaliação que é voluntário e não automático (DAMÁSIO, 1996). Walter Cannon A teoria de James-Lange dominou a psicologia da emoção até ser questionada na década de 1920 por Walter Cannon (1871-1945), um notável fisiologista que pesquisava as respostas corporais que ocorriam nos estados de fome e emoções intensas. A pesquisa de Cannon o levou a propor o conceito de uma “reação de emergência”, uma resposta fisiológica específica do corpo que acompanha qualquer estado no qual a energia precise ser empregada (LEDOUX, 1996). De acordo com a hipótese de Cannon, o fluxo do sangue é redistribuído às áreas do corpo que estarão ativas durante uma situação de emergência, de modo que o suprimento de energia, que é transportado pelo sangue, alcançará os músculos e órgãos críticos. Na situação de luta, por exemplo, os músculos precisarão de mais energia do que os órgãos internos (a energia usada para a digestão pode ser sacrificada em prol da energia muscular durante uma luta). A reação de emergência, ou resposta de “fuga ou luta”, é então uma resposta adaptativa que ocorre em antecipação e em serviço ao gasto de energia, como é frequentemente o caso nos estados emocionais (LEDOUX, 1996). Cannon acreditava que as respostas corporais que compõem a reação de emergência eram mediadas pelo sistema nervoso simpático, uma divisão do sistema nervoso autônomo (SNA). O SNA é composto por uma rede de células e fibras neurais localizadas no corpo que controlam a atividade dos órgãos internos e das glândulas em resposta a comandos do cérebro. Os sinais corporais característicos da excitação emocional – como corações batendo e palmas suando – eram considerados como o resultado da ativação da divisão simpática do SNA, que se acreditava agir de uma maneira uniforme, independente de como ou porque haviam sido ativados. Dada esta suposta singularidade do mecanismo da resposta simpática. Cannon propôs que as respostas fisiológicas que acompanham diferentes emoções deveriam ser independentes do estado emocional particular que é experimentado. Como um resultado, James não poderia estar certo sobre porque diferentes emoções causam sensações diferentes, considerando que todas as emoções, de acordo com Cannon, têm a mesma manifestação no SNA. Cannon também notou que as respostas do SNA são muito lentas para contribuir para os sentimentos – nós já estamos sentindo a emoção no momento em que essas respostas ocorrem. Então mesmo se diferentes emoções tivessem diferentes manifestações corporais, essas seriam muito lentas para contribuir para o que quer que sintamos, seja amor, ódio, medo, alegria, raiva ou desgosto, numa situação específica. A resposta para o enigma da emoção, de acordo com Cannon, se encontra completamente no cérebro e não requerque o cérebro “leia” as respostas corporais, como James havia dito (LEDOUX, 1996). Cannon argumentou que apesar de o feedback corporal não poder contribuir para diferenças nas emoções, ele desempenha um papel importante, dando às emoções seu senso característico de urgência e intensidade (LEDOUX, 1996). Apesar de James e Cannon haverem discordado sobre o que distingue diferentes emoções, eles parecem ter concordado que as emoções causam sensações diferentes de outros estados (não emocionais) da mente devido a suas respostas corporais. António Damásio Damásio revigorou o campo de estudo das emoções com testes neuropsicológicos de laboratório e com observação clínica de pacientes neurológicos com lesão em diferentes regiões no lobo frontal, que o levou a formular a Hipótese do Marcador-Somático, propondo uma inter-relação entre processos cognitivos e emocionais. Damásio (1996) compreende a emoção como a combinação de um processo mental de avaliação, simples ou complexo, com respostas dispositivas a esse processo, em sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro (núcleos neurotransmissores no tronco cerebral), resultando em alterações mentais adicionais. Em outras palavras, a emoção é simplesmente um conjunto de mudanças no estado corporal associado a imagens mentais específicas (pensamentos) que ativaram sistemas específicos no cérebro. Ele distingue emoções primárias e secundárias, sendo as primárias consideradas inatas, pré-organizadas e não específicas, ou seja, que podem ser causadas por um grande número de seres, objetos e circunstâncias (ex: medo, raiva, amor). As emoções secundárias provêm de representações dispositivas adquiridas e não inatas, que incorporam a experiência única do indivíduo ao longo da vida. As emoções primárias dependem da rede de circuitos do sistema límbico, especialmente da amígdala e do cíngulo, enquanto as secundárias envolvem processamentos nos córtices frontais, embora os estímulos possam ainda atuar diretamente no sistema límbico. Na experiência da emoção, o corpo passa por mudanças significativas e é levado a um novo estado. O processo inicia-se com uma avaliação cognitiva do acontecimento, que invoca imagens cerebrais verbais e não verbais. Num nível não consciente, redes no córtex préfrontal reagem automática e involuntariamente aos sinais resultantes do processamento de tais imagens. Essa resposta pré-frontal provém de representações dispositivas que incorporam informações relativas à forma como determinados tipos de situações têm sido habitualmente combinados com certas respostas emocionais na experiência do indivíduo. Ainda de forma não consciente, automática e involuntária, a resposta das disposições pré- frontais é assinalada à amígdala e ao cíngulo anterior. As disposições nessas últimas regiões respondem: a) ativando os núcleos do sistema nervoso autônomo e enviando os sinais ao corpo por meio dos nervos periféricos; b) enviando sinais ao sistema motor, de modo que a musculatura esquelética complete o quadro externo de uma emoção por meio de expressões faciais e posturas corporais; c) ativando os sistemas endócrino e peptídico, cujas ações químicas resultam em mudanças no estado do corpo e do cérebro; e d) ativando, com padrões especiais, os núcleos neurotransmissores não específicos no tronco cerebral e prosencéfalo basal, os quais liberam então as mensagens químicas em diversas regiões do telencéfalo (ex: gânglios basais e córtex cerebral) (DAMÁSIO, 1996). A Hipótese do Marcador-Somático (HMS) relaciona os estados emocionais ao processo de tomada de decisão. Para Damásio (1996), a emoção decorrente da pré-avaliação cognitiva (formação de imagens sensoriais) é expressa por meio de mudanças na representação de estados corporais, que por sua vez geram um feedback ao cérebro influenciando também processos cognitivos, como a tomada de decisão (figura 1). Antes de aplicar qualquer análise de custos/benefícios às premissas e antes de raciocinar com vista à solução do problema, sucede algo importante. Quando surge um bom ou um mau resultado associado a uma dada opção de resposta, o indivíduo tem uma sensação visceral que pode ser agradável ou desagradável e essa sensação é levada em conta na tomada de decisão. Como fenômeno envolve sensações corporais, Damásio atribuiu o termo técnico de estado somático; e, porque o estado “marca” uma imagem, chamou-lhe marcador. A função do marcador-somático é convergir a atenção para o resultado negativo a que a ação pode conduzir e atua como um sinal de alarme automático que diz: atenção ao perigo decorrente de escolher a ação que terá esse resultado. O sinal pode fazer com que o indivíduo rejeite imediatamente o rumo de ação negativo, levando-o a escolher outras alternativas. O sinal automático protege-o de prejuízos futuros, sem mais hesitações, e permite-lhe depois escolher entre um número menor de alternativas. A análise custos/benefícios e a capacidade dedutiva adequada ainda têm o seu lugar, mas só depois de esse processo automático reduzir drasticamente o número de opções (DAMÁSIO, 1996). Os marcadores-somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um marcador-somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é justaposto um marcador-somático positivo, o resultado é um incentivo (DAMÁSIO, 1996). A maior parte dos marcadores-somáticos que usamos para a tomada racional de decisão foi provavelmente criada nos nossos cérebros durante o processo de educação e socialização, pela associação de categorias específicas de estímulos a categorias específicas de estados somáticos. Os marcadores-somáticos são, portanto, adquiridos por meio da experiência, sob o controle de um sistema interno de preferências e sob a influência de um conjunto externo de circunstâncias que incluem não só entidades e fenômenos com os quais o organismo tem de interagir, mas também convenções sociais e regras éticas (DAMÁSIO, 1996). O conjunto crítico e formativo de estímulos para os emparelhamentos somáticos é, sem dúvida, adquirido na infância e na adolescência. Mas o crescimento do número de estímulos somaticamente marcados termina apenas quando a vida chega ao fim, pelo que é adequado descrever esse crescimento como um processo contínuo de aprendizagem. 9º Módulo: Considerações Finais O movimento à procura de outros recursos que possam ajudar o paciente a diminuir o desconforto da doença crônica de pele, e até mesmo restabelecer o seu estado original de saúde, pode encaminhar a diferentes possibilidades de tratamento. Os aspectos psicossociais envolvidos em qualquer estado de desequilíbrio orgânico necessitam ser incluídos no tratamento, além dos aspectos físicos. Dentre as possibilidades que podem contribuir para a complementação da abordagem desses pacientes está o processo psicoterapêutico que permite oferecer uma visão mais abrangente do processo de saúde e doença. A expressão concreta do corpo, doença física, pode tornar-se um estímulo para a busca de entendimento e de um sentido para tal estado. Com esse enfoque ampliam-se as possibilidades de tratamento oferecidas até então no sistema convencional de saúde (Fitzsche et al., 2001; Müller, 2001; Müller, Silva & Haag, 2001). Apesar das divergências existentes entre os diversos autores, nota-se um consenso acerca da existência de uma relação entre aspectos cognitivos, emocionais e manifestações somáticas, excluindo a possibilidade de uma completa separação funcional entre mentee corpo. É unânime a convicção de que processos emocionais são acompanhados por alterações fisiológicas, demonstrando a interligação entre mente e corpo. Há pelo menos quatro possibilidades de entendimento filosófico desta relação, todas elas de interesse para a psicossomática: a) Uma via de mão única entre mente e corpo, tal que os processos mentais teriam efeitos somáticos, mas não vice-versa. Esta interpretação é consistente com o Monismo Idealista, para o qual mente e corpo formam uma unidade determinada pelos processos mentais; b) Uma via de mão única entre corpo e mente, tal que os processos somáticos teriam efeitos mentais, mas não vice-versa. Esta interpretação é consistente com o Monismo Materialista (ou Epifenomenalismo), para o qual mente e corpo formam uma unidade determinada pelos processos materiais, sendo negada a possibilidade da chamada "causação mental", ou seja, a possibilidade de um processo mental produzir efeitos físicos; c) Uma via de mão dupla entre mente e corpo, de tal modo que os processos mentais teriam efeitos somáticos, e os processos somáticos teriam efeitos mentais. Esta concepção corresponde a um Monismo Neutro ou Interacionista, que admite tanto a causação mental (dos processos corporais), quanto a causação corporal (dos processos mentais); d) Uma unidade mais profunda entre corpo e mente, os quais seriam diferentes aspectos de um substrato único. Nesta concepção, os processos físicos do corpo são também mentais, e vice-versa, não se podendo utilizar o conceito de causação entre os aspectos. Ao invés de causação, pode-se referir a um isomorfismo de processos corporais e mentais. Esta concepção remete ao Paralelismo Psicofísico de Espinosa (vide Ferreira, 2010), ou ainda ao Monismo de Duplo Aspecto de Velmans (2009). Os resultados científicos disponíveis não restringem as possibilidades de interpretação dos fenômenos psicossomáticos a uma das alternativas acima. Ressaltamos a importância de se discutir tal diversidade de interpretações viáveis, ensejando esforços colaborativos no sentido de se melhor compreender a complexidade do ser humano e do processo saúdedoença. 10º Módulo: Referências Bibliográficas Akay, A., Pekcanlar, A., Bozdag, K. E., Altintas, L., & Karamant, A. (2002). Assessment of depression in subjects with psoriasis vulgaris and lichen planus. European Academy of Dermatology and Venereology, 16 (1), 347-352. Amorin-Gaudêncio, C., Roustan, G., & Sirgo A. (2004). Evaluation of anxiety in chronic dermatoses: Differences between sexes. Interamerican Journal of Psychology, 38 (1), 105- 114. Andrews, S. (2003). Stress a seu favor. São Paulo: Ágora. Antoniazzi, A., Dell’Aglio, D., & Bandeira, D. (1998). O conceito de coping: uma revisão teórica. Estudos de Psicologia (Natal), 3 (2), 273-294. Azambuja, R. (2000). Dermatologia integrativa: a pele em novo contexto. Anais Brasileiros de Dermatologia, 75 (4), 393-420. Azulay, R. 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