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Léon Walras 1834 - 1910 Compêndio dos elementos de economia política pura Pequena biografia Marie-Ésprit-Léon Walras (Évreux, 16 de dezembro de 1834 — Clarens, 5 de janeiro de 1910) foi um economista e matemático francês, conhecido como o criador da Teoria do Equilíbrio Geral. Também descreveu o processo de tâtonnement ("tateio", do verbo "tatear", em português), segundo o qual determinado mercado pode atingir o equilíbrio e este é dito equilíbrio geral. Existe? É único? É estável? Tudo depende de um sistema de equações não lineares altamente complexo. Lição II: Distinção entre ciência, arte e moral León Walras aqui procura uma compreensão metodológica da economia política. Uma distinção necessária “Charles Coquelin observa, muito judiciosamente, que antes de definir a Economia Política cabe perguntar se ela é uma ciência ou uma arte, se ela não é simultaneamente uma e outra. Antes de tudo, convém distinguir bem a arte da ciência. As considerações que emite a esse respeito são de uma justeza impressionante e, já que o problema continua na mesma situação, resta-nos apenas reproduzi-las. Diz ele: Eis o que diz Coquelin “A arte consiste... numa série de preceitos ou de regras a seguir; a ciência, no conhecimento de certos fenômenos ou de certas relações observadas ou relevadas... A arte aconselha, prescreve, dirige; a ciência observa, expõe, explica. Quando um astrônomo observa e descreve o curso dos astros, faz ciência; mas quando, depois de fazer suas observações, deduz regras aplicáveis à navegação, faz arte... Dessa forma, observar e descrever fenômenos reais, eis a ciência; ditar preceitos, prescrever regras, eis a arte”. E agora o próprio Walras “Retomemos a questão integralmente e façamos a distinção de maneira racional, completa e definitiva. Para tanto, devemos distinguir entre si a ciência, a arte e a moral. Em outros termos, trata-se de fazer um apanhado da filosofia da ciência em geral, visando a chegar à filosofia da Economia Política e Social, em particular.” A ciência estuda fatos “Os fatos, suas relações e suas leis, tal é o objeto de qualquer estudo científico. Aliás, as ciências apenas podem diferenciar-se em razão da diferença de seus objetos, ou dos fatos que estudam. Dessa forma, para diferenciar as ciências, é preciso diferenciar os fatos.” Mas o que são fatos? – pergunto. E respondo: fatos é aquilo que é dado na positividade do mundo natural e do mundo social. Fatos: duas espécies “Os fatos produzidos no mundo podem ser considerados de duas espécies: uns têm sua origem no jogo das forças da natureza, que são forças cegas e fatais; outros têm sua origem no exercício da vontade do homem, que é uma força clarividente e livre.” “Os fatos da primeira espécie (...) chamaremos de fatos naturais; os fatos da segunda espécie (...)chamaremos de fatos humanitários.” Dois polos do conhecimento “Os efeitos das forças naturais serão, pois, o objeto de um estudo que se intitulará a ciência natural pura ou a ciência propriamente dita.” “Os efeitos da vontade humana serão o objeto, primeiro, de um estudo que se intitulará a ciência moral pura ou História.” Mas e a “distinção de Coquelin entre a ciência e a arte. Sabe-se: a arte “aconselha, prescreve, dirige”; a ciência “observa, expõe, explica”. Mas, e a distinção entre arte e moral - pergunto? Note-se de modo preliminar “O fato da clarividência e da liberdade da vontade do homem divide todos os seres do universo em duas grandes classes: as pessoas e as coisas. Todo ser que não se conheça e que não se possua é uma coisa. Todo ser que se conheça e que se possua é uma pessoa. O homem se conhece, ele se possui; é uma pessoa. Apenas o homem é uma pessoa; os minerais, as plantas e os animais são coisas. Distinção entre arte e moral Cabe uma distinção profunda nos fatos humanitários. É preciso distinguir, de um lado, os fatos que resultam da vontade, da atividade do homem, exercendo-se em relação às forças naturais, ou, dito de outra maneira, as relações entre pessoas e coisas. E é preciso distinguir, por outro lado, os fatos que resultam da vontade e da atividade do homem, exercendo-se em relação à vontade e à atividade de outros homens, ou dito de outra maneira, as relações de pessoas a pessoas. Indústria=>arte; costume =>moral Consagrando essa distinção por meio de definições, chamo de indústria o conjunto dos fatos da primeira categoria e chamo de costumes o conjunto dos fatos da segunda categoria. A teoria da indústria chamar-se-á ciência aplicada ou arte; a teoria dos costumes chamar-se-á ciência moral ou moral. O que cabe à Economia Política? Tais são, pois, a ciência, a arte e a moral. Seus critérios respectivos são o verdadeiro, o útil ou o interesse e o bem ou a justiça. Agora, cabe perguntar, no estudo completo da riqueza social e dos fatos que a ela se relacionam, se há matéria para um só ou para dois desses gêneros de pesquisa intelectual, ou para todos os três? É o que veremos na próxima lição, analisando a ideia de riqueza. Lição III: A riqueza social. Triplice consequência da raridade. O fato do valor de troca. E a Economia Política Pura León Walras aqui procura definir os diversos campos da Economia Política. O que é riqueza? “Chamo de riqueza social o conjunto de coisas materiais ou imateriais (porque a materialidade ou imaterialidade das coisas não têm aqui importância alguma) que são raras, isto é, que nos são, por um lado, úteis e que, por outro, existem à nossa disposição apenas em quantidade limitada.” Note-se como Walras pensa sempre como matemático: busca axiomas, faz definições e argumento de modo lógico e dedutivo. A filiação à mecânica “Qual é aqui o sentido das palavras raro e raridade? É um sentido científico, como o das palavras velocidade em mecânica e calor em Física. Para o matemático e para o físico, a velocidade não se opõe à lentidão, nem o calor ao frio, como se dá na linguagem vulgar: a lentidão não passa, para um, de uma velocidade menor, o frio não passa, para o outro, de um calor menor.” “Um corpo, na linguagem da ciência, tem velocidade desde que se mova e tem calor desde que tenha qualquer temperatura. Do mesmo modo, aqui, a raridade e a abundância não se opõem uma à outra: por mais que seja abundante, uma coisa é rara, em Economia Política, desde que seja útil e limitada em quantidade (...)” A filiação... (cont.) “Exatamente como um corpo tem velocidade, em mecânica, desde que percorra certo espaço em certo tempo. Isso quer dizer que a raridade é a relação entre a utilidade e a quantidade, ou a utilidade contida na unidade de quantidade, como se diz que a velocidade é a relação entre o espaço percorrido e o tempo gasto em percorrê-lo, ou o espaço percorrido na unidade de tempo? “Ora, o fato da limitação na quantidade das coisas úteis, que as torna raras, tem três consequências.” As três consequências 1ª) As coisas úteis limitadas em quantidade são apropriáveis. => propriedade 2ª) As coisas úteis limitadas em quantidade são valiosas e permutáveis. => valor de troca 3ª) As coisas úteis limitadas em quantidade são produzíveis ou multiplicáveis industrialmente. => indústria. Os três fatos da Economia Política “O valor de troca, a indústria e a propriedade são, pois, os três fatos gerais, as três séries ou grupos de fatos particulares engendrados pela limitação da quantidade das utilidades ou pela raridade das coisas, os três fatos dos quais toda a riqueza social e dos quais apenas a riqueza social é o teatro.” Voilá (eis aí), pois, o objeto da Economia Política. A dedução do mercado “Vimos, a priori, como as coisas raras, depois de apropriadas, adquirem um valor de troca. Basta abrir os olhos para constatar a posteriori, entre os fatos gerais, o fato da troca. As trocas são feitas no mercado. Considera-se um mercado especialo lugar onde se fazem certas trocas especiais. Eis o fato da troca: O hectolitro de trigo vale 24 francos.” O preço é um fato natural “O hectolitro de trigo vale 24 francos. Observemos inicialmente que esse fato tem o caráter de um fato natural. Esse valor do trigo em dinheiro, ou esse preço do trigo, não resulta nem da vontade do vendedor, nem da vontade do comprador, nem de um acordo entre os dois.” “Bem que o vendedor queria vender mais caro; não pode... O comprador gostaria de comprá-lo mais barato, mas isso é impossível...” Por que? Porque a concorrência impede. A coisificação do valor O fato do valor de troca toma, pois, desde que estabelecido, o caráter de um fato natural, natural em sua origem, natural em sua manifestação e em sua maneira de ser. O hectolitro de litro vale 24 francos. Observemos ademais o caráter matemático desse fato. Objeto da matemática Seja, por consequência, Vb o valor de troca de 1 hectolitro de trigo e Va o valor de troca de 1 grama de prata ao título de 9/10. Temos, recorrendo às notações comuns das Matemáticas, a equação 5 Vb = 600 Va, Dividindo ambos os membros por 5, têm-se: Vb = 120 Va. Como 5 Va = 1 franco, têm-se: Vb = 24 francos. Voilá! Eis aqui a Economia Política Pura Há, pois, uma Economia Política Pura que deve preceder à Economia Política Aplicada, e essa Economia Política Pura é uma ciência em tudo semelhante às ciências físico-matemáticas. Essa asserção é nova e parecerá estranha; mas acabo de prová-la e a provarei ainda melhor em seguida. Se a Economia Política Pura, ou a teoria do valor de troca e a da troca, isto é, a teoria da riqueza social considerada em si própria, é, como a Mecânica, como a Hidráulica, uma ciência físico-matemática, ela não deve temer que se empreguem o método e a linguagem das Matemáticas. O método O método matemático não é o método experimental, é o método racional. As ciências naturais propriamente ditas limitam-se a descrever pura e simplesmente a Natureza. O certo é que as ciências físico- matemáticas, bem como as ciências matemáticas propriamente ditas, saem da experiência desde que lhes tomaram seus tipos. O método (Cont.) Elas abstraem, desses tipos reais, tipos ideais, que definem; e, com base nessas definições, constroem a priori todos os andaimes de seus teoremas e de suas demonstrações. Depois disso, retornam à experiência, não para confirmar, mas para aplicar suas conclusões. Para terminar: uma crítica a Jevons, Menger e Walras a partir de Martin Heidegger Jevons, Menger e Walras é uma expressão dolorosa e cruel da ALIENAÇÃO do economista enquanto tal: “Pensar é a atenção para o essencial. Em tal atenção reside o saber essencial. O que usualmente chama-se “saber” (veja-se Jevons, Menger e Walras) é estar informado acerca de fatos e de suas relações factuais. Graças a esse conhecimento “DOMINAMOS” as coisas. Esse “saber” dominador se dirige ao ente, as coisas aí, à sua utilidade. Ele quer apenas se apoderar dos fenômenos e de suas relações (...)” Ele é, pois – digo eu –, um mero pensamento ordinário, vulgar, que está prisioneiro do ESTRANHAMENTO da vida cotidiana no sistema econômico que está aí. 29