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UNIVERSIDADE FRANCISCANA - UFN UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE DIREITO DISCIPLINA DIREITO PENAL I MÁRCIA BARROSO KÜMMEL, RAFAELA SUANEZ CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE Orientador: Prof. SANDRO LUIZ MEINERZ SANTA MARIA/RS 2019 1. CONCEITO DE ILICITUDE OU ANTIJURIDICIDADE Em um primeiro momento de conceituação do que seja a ilicitude ou antijuridicidade, esta é definida como a relação de contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico: se a conduta típica do agente colidir com o ordenamento jurídico penal, é considerada penalmente ilícita. Se a norma penal proíbe determinada conduta sob a ameaça de uma sanção, é porque causa lesão ou expõe a perigo de lesão o bem juridicamente protegido. Ao ser praticada pelo agente, conclui-se pela sua ilicitude. É a tipicidade, segundo a teoria da ratio cognoscendi, prevalente entre os doutrinadores, que exerce função indiciária da ilicitude: quando o fato for típico, provavelmente também será antijurídico, somente se concluindo pela licitude da conduta típica quando o agente atuar amparado por uma causa de justificação. Esta é avaliada pela presença de critérios objetivos (descrição da norma) e subjetivos (avaliação do animus). Então, se o fato, então é típico, mas é excluída a ilicitude por previsão da norma ele deixa de ser criminoso. 2. CAUSAS DE EXCLUSÃO DA ILICITUDE O ordenamento penal, em seu artigo 23, previu com clareza quatro causas que afastam a ilicitude da conduta praticada pelo agente, fazendo com que o fato por ele cometido seja considerado lícito: o estado de necessidade, a legítima defesa, o estrito cumprimento de dever legal e o exercício regular de direito. A lei explicitou os conceitos de estado de necessidade e de legítima defesa, ficando as demais definições, de acordo com Rogério Grecco, a cargo da doutrina: os conceitos de estrito cumprimento de dever legal e de exercício regular de direito não foram claramente fornecidos pelo legislador. Além dessas, ainda existem as chamadas causas supralegais de exclusão da ilicitude, com destaque para o consentimento do ofendido. Mesmo não tendo sido expressamente previstas pela lei, afastam a ilicitude da conduta levada a efeito pelo agente. Devido a essas variações, Heleno Cláudio Fragoso classifica as causas de exclusão da ilicitude em três grandes grupos: - Causas que defluem de situação de necessidade (legítima defesa e estado de necessidade); - Causas que defluem da atuação do direito (exercício regular de direito, estrito cumprimento de dever legal); - Causa que deflui de situação de ausência de interesse (consentimento do ofendido). Cada uma das causas de justificação tem seus próprios fundamentos específicos, mas todas têm um mesmo princípio fundamentador, que é o predomínio do direito preeminente, ou seja, aquele que está muito acima do que o que está em volta, superior, eminente, excelso. 2.1. ESTADO DE NECESSIDADE O Estado de Necessidade é uma concorrência entre bens jurídicos: para salvar um bem jurídico, eu sacrifico outro. É o contrário da legítima defesa, em que um dos agentes atua de forma contrária ao ordenamento jurídico, sendo autor de uma agressão injusta, enquanto o outro atua amparado por uma causa de exclusão de ilicitude sendo permitida a sua conduta. As causas de sua justificação envolvem sempre um processo de ponderação para determinar, conforme o ordenamento jurídico e em referência ao caso concreto, qual direito prevalece em uma situação determinada, Para que se caracterize o estado de necessidade é preciso ter a presença de todos os elementos objetivos previstos no tipo do art. 24 do Código Penal, bem como o elemento subjetivo, que está no fato de o agente saber ou pelo menos achar que atua nessa condição: Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Nesse sentido, apresenta-se a decisão do TJ-RS, número 70082139163, constituindo apelação crime perante porte ilegal de arma https://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal%20de%20Justi%C3%A7a%20do%20RS&versao&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask&num_processo=70082139163&codEmenta=7706337&temIntTeor=true de fogo de uso permitido, citando o art. 14, da lei nº 10.826/03. (vide a íntegra da decisão em anexo ao final do presente trabalho). O relatório desclassificou a alegação da defesa de estado de necessidade por insegurança. A decisão foi de que há suficiência probatória para rejeitar a atipicidade da conduta. Configura crime de perigo abstrato, entendendo-se pela não configuração de estado de necessidade. A condeção foi mantida e o pedido de desclassificação para o ilícito penal do art. 12, da mesma lei foi considerado inviável, sendo que o conjunto probatório principalmente ao depoimento confesso do réu, corroborado pelos relatos dos policiais, não deixa dúvidas acerca da prática delitiva. Foi considerado que a mera alegação de insegurança não possui o condão de afastar a ilicitude do fato, pelo estado de necessidade, ou a culpabilidade do agente, por inexigibilidade de conduta diversa. A situação de insegurança hipotética e em potencial não autoriza o agente a se armar, agindo contrariamente à lei, sob pena de tornar sem efeito o Estatuto do Desarmamento. Estado de necessidade atual x legítima defesa atual ou iminente: O primeiro elemento considerado pela redação do art. 24 do Código Penal é a o que seja perigo atual. Comparando os elementos exigidos pelo art. 25 do Código Penal, para configuração da legítima defesa, o legislador fez menção expressa à agressão atual ou iminente. Já no estado de necessidade, referiu-se tão somente a um perigo atual. Para Assis Toledo, apud Rogerio Grecco, na expressão perigo atual está abrangida, também, a iminência, quando aduz que “perigo é a probabilidade de dano”. Perigo atual (ou iminente, englobado) é o que está prestes a concretizar-se em um dano, segundo um juízo de previsão mais ou menos seguro. Guilherme de Souza Nucci observa que, na ótica de Hungria não se pode usar a excludente quando se tratar de perigo incerto, remoto ou passado. Evitabilidade do dano Também na redação do art. 24 do Código Penal, o legislador especificou a possibilidade de ser arguído o estado de necessidade, desde que a situação de perigo não tenha sido provocada pela vontade do agente. Apesar da discussão se envolveria a culpa, a doutrina majoritária entende que a expressão quer dizer não ter provocado dolosamente a situação de perigo. A lei ainda exige que o agente, além de praticar fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, não tenha tido possibilidade de evitar o dano produzido pela sua conduta. Havendo dois bens jurídicos protegidos em confronto, sempre a alternativa menos danosa é a que deverá ser escolhida, ou a salvaguarda do bem mais valoroso, como a vida em relação ao patrimônio, pois, do contrário, embora não afastando totalmente a causa de exclusão da ilicitude, o agente responderá pelo seu excesso. Finalizando o raciocínio, quem mata ou fere, para salvar-se, quando podia fugir do perigo, não se ampara na excludente de ilicitude de estado de necessidade. No caso, também não se confunde com a legítima defesa, pois nesta, a lei faculta ao agente assumir a postura de revide porque a agressão que está sofrendo é uma agressão injusta, não amparada pelo ordenamento jurídico, ao contrário daquele que atua em estado de necessidade. Estado de necessidade próprio ou de terceiro No meio da redação do artigo 24, depreende-se a permissão do dispositivo para que o agente pratique ofato para salvar de perigo atual, direito próprio ou alheio. É o estado de necessidade próprio ou de terceiro. Ocorre que nem sempre aquele que estiver fora da situação de perigo poderá auxiliar terceira pessoa, valendo-se do argumento do estado de necessidade, mesmo que seja essa a finalidade, porque, pelo fato de haver dois bens protegidos em confronto, o agente, estranho à situação de perigo, somente poderá intervir com a finalidade de auxiliar uma daquelas pessoas envolvidas na situação de perigo, se o bem que estiver em jogo for considerado indisponível. É o caso dos dois náufragos que disputam uma última vaga no bote salva- vidas: se os dois entrarem, o risco é de afundar. Poderá terceira pessoa auxiliar qualquer deles, sob o argumento do estado de necessidade, pois o bem em jogo é a vida, considerado indisponível, passível de defesa por terceira pessoa. No caso de intervenções médicas ou cirúrgicas: é indispensável o consentimento do paciente ou de seu representante legal, caso contrário pode-se estar diante de um estado de necessidade de terceiro. Agressivo ou defensivo Quando a conduta do agente dirige-se diretamente ao produtor da situação de perigo, a fim de eliminá-la, define-se o estado de necessidade como defensivo. O perigo pode ser proveniente de ações humanas, de animais, de coisas, entre outras causas. Imaginemos que um cão raivoso parte em direção ao agente para mordê-lo. Para evitar dano à sua integridade física ou sua morte, o agente saca um revólver, atira e mata o animal. Se a conduta foi dirigida diretamente à situação de perigo, a fim de cessá-la, então o estado de necessidade é defensivo. Este não gera indenização, posto que é ato lícito. Já o estado de necessidade agressivo seria em que a conduta do necessitado viesse a sacrificar bens de um inocente, que não provocou a situação de perigo. Se o agente, para salvar a sua vida, ao perceber que atrás de seu veículo estava um caminhão desgovernado, joga o seu automóvel para o acostamento, colidindo com outro veículo que ali se encontrava estacionado, o estado de necessidade, neste exemplo, será considerado agressivo, pois fora atingido o bem de terceiro que não deu causa ao perigo. Real ou putativo (imaginário) Pode ocorrer, ainda, que a situação de perigo, que ensejaria ao agente agir amparado pela causa de justificação do estado de necessidade seja putativa, aquela que ocorre somente na sua imaginação. Por exemplo, durante uma festa, o agente escuta alguém gritar “fogo” e, acreditando estar ocorrendo um incêndio, com a finalidade de salvar-se, corre em direção à porta de saída, lesionando pessoas pelas quais passou. Na verdade, não havendia incêndio e o agente, em virtude de ter acreditado na situação imaginária de perigo, foi o causador das lesões. São as descriminantes putativas, previstas no § 1º do art. 20 do Código Penal: Art. 20, § 1º: é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. Se considerarmos escusável o erro no qual incidiu o agente, deverá ser considerado isento de pena; por outro lado, se entendermos inescusável ou vencível o erro, embora não responda pelos resultados por ele produzidos a título de dolo, será responsabilizado pela culpa, se prevista a situação em lei. Dever legal de enfrentar o perigo É o caso de pessoas com dever legal. O § 1º do artigo 24 determina que “não pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.” As profissões que são naturalmente expostas a perigo como policiais, bombeiros, salva-vidas, por exemplo, em razão de suas funções, se comprometem a tentar livrar os cidadãos das situações perigosas. Em razão disso e sendo conhecedor dos riscos dessas profissões, o legislador criou a regra esclarecendo que esses profissionais, em geral, não podem alegar o estado de necessidade. 2.2. LEGÍTIMA DEFESA (actio ilicita in causa) O Código Penal preocupou-se em nos fornecer o conceito de legítima defesa trazendo no tipo permissivo do art. 25 todos os seus elementos caracterizadores. O ordenamento permite aos cidadãos a possibilidade de, em determinadas situações, agir em sua própria defesa. Contudo, tal permissão não é ilimitada, pois encontra suas regras na própria lei penal. Na ótica de Jiménez de Asúa apud NUCCI, “é a repulsa da agressão ilegítima, atual ou iminente, por parte do agredido ou em favor de terceira pessoa, contra o agressor, sem ultrapassar a necessidade de defesa e dentro da racional proporção dos meios empregados para impedí-la ou repeli-la”. Para GROSSO, citado por Miguel Reale Júnior, aduz que “a natureza do instituto da legítima defesa é constituída pela possibilidade de reação direta do agredido em defesa de um interesse, dada a impossibilidade da intervenção tempestiva do Estado, o qual tem igualmente por fim que interesses dignos de tutela não sejam lesados.” Logo, para que se possa falar em legítima defesa, jamais sendo confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, e só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa ou na de terceiros: Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Existem 05 requisitos para delinear e estabelecer a legítima defesa: injustiça, atualidade ou iminência, uso de meios necessários, moderação e ser contra direito próprio ou de terceiro. Em relação ao elemento subjetivo, deve existir a vontade de se defender. (NUCCI,____ ). - Agressão injusta A legítima defesa é um instituto destinado à proteção de bens que estejam sendo lesados ou ameaçados de lesão por uma conduta proveniente do homem. Desse modo, é impossível estabelecer a legítima defesa contra o ataque de animais. Neste caso, a defesa está vinculada ao estado de necessidade. Rogerio Grecco cita o esclarecimento de Welzel, “por agressão deve entender-se a ameaça de lesão de interesses vitais juridicamente protegidos (bens jurídicos), proveniente de uma conduta humana”. Concluindo, somente a agressão injusta abre a possibilidade ao agredido de se defender legitimamente nos limites legais, o mesmo não acontecendo com aquele que reage a uma provocação, pois responderá pelo seu dolo, não havendo exclusão da ilicitude de sua conduta. Assim, por outro lado, e justificando, como a agressão é injusta, não pode também, ser amparada pelo nosso ordenamento jurídico. - Atualidade ou iminência Atual é a que está acontecendo no presente, e iminência é o que está em vias de acontecer, em um futuro imediato. Diferente do estado de necessidade, na legítima defesa é admitida a configuração das duas formas de agressão, passíveis de proteção pela defesa necessária presente no art. 25. Consequentemente, não se admite que o instituto se aplique agressão futura ou passada, nem contra provocação, pois seria admitir o duelo ou a vingança. Estes não são repelidos e não protegidos pelo ordenamento penal. (NUCCI, ____). - Meio necessário Meios necessários são aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão atual ou prestes a acontecer. Alguns doutrinadores defendem que pode ser utilizado o meio que está disponível no momento da agressão, mesmo que não seja exatamente proporcional. Porém, outros, como Rogerio Greco entendem que, para que se possa falar em meio necessário é preciso que haja proporcionalidade entre o bem que se quer proteger e a repulsa contra o agressor. Deve haver proporção entre o que se quer defender e a repulsa utilizada como meio de defesa. Como exemplo, é possível ilustrar o caso do proprietário que, para defender seu patrimônio, tinhaà sua disposição somente uma espingarda. Ao avistar uma criança que entra em seu pátio para apanhar frutas, atira e causa sua morte. Alguns elementos objetivos e subjetivos para saber se o proprietário agiu em defesa de seu patrimônio, estão presentes: o patrimônio é um bem passível de ser defendido legitimamente, houve a injustiça da agressão, (a criança, mesmo que inimputável, estava praticando uma agressão injusta ao patrimônio alheio), a agressão era atual. Porém, ao avaliar se o agente utilizou um meio necessário, mesmo que o único à sua disposição, não é possível considerar como necessário o meio utilizado pelo agente que, para defender o seu patrimônio, causou a morte de uma criança usando uma espingarda. Não está presente na situação, a proporção entre o que se quer defender e a repulsa utilizada como meio de defesa. - Uso moderado do meio A exigência de moderação no uso do meio é relativo ao excesso. O agente que, inicialmente, agia amparado por uma causa de justificação, não pode ultrapassar o limite permitido pela lei. Conforme Greco, “se, mesmo depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente não interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento já estará incorrendo em excesso”. Desse modo, o início do excesso é o momento em que o agente, com a sua repulsa, fez cessar a agressão que contra ele era praticada. O excesso, segundo o parágrafo único do art. 23 do Código Penal, pode ser considerado doloso ou culposo. O excesso doloso, portanto, pode ocorrer quando o agente, sabendo que com a sua conduta inicial já havia feito cessar a agressão que era praticada contra a sua pessoa: - Continua o ataque, sabendo que não podia prosseguir, porque já não se fazia mais necessário; - Continua o ataque, porque incorre em erro de proibição indireto (erro sobre os limites de uma causa de justificação); Ocorre o excesso culposo nas situações em que o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que ainda está sendo ou poderá vir a ser agredido e dá continuidade à repulsa quando o agente, em virtude da má avaliação dos fatos e da sua negligência no que diz respeito à aferição das circunstâncias que o cercavam, excede- se por erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação. É o excesso culposo em sentido estrito. - Contra direito próprio ou de terceiro O direito admite a hipótese em que o agente defenda terceiros que nem mesmo conhece, incentivando a solidariedade. Questão levantada por NUCCI: para configurar tal situação, é necessário que o terceiro dê seu consentimento para que seja protegido de um ataque? O doutrinador acredita que dependa do interesse em jogo: tratando-se de bem indisponível, como a vida, o consentimento é desnecessário. - Legítima defesa sucessiva A agressão praticada pelo agente, embora inicialmente legítima, transforma-se em agressão injusta quando incide no excesso. Nessa hipótese, quando a agressão praticada pelo agente deixa de ser permitida e passa a ser injusta, podemos falar em legítima defesa sucessiva, no que diz respeito ao agressor inicial. Aquele que viu repelida a sua agressão, considerada injusta inicialmente, pode agora alegar a excludente a seu favor, porque o agredido passou a ser considerado agressor, em virtude de seu excesso. - Espécies de legítima defesa: autêntica (real) e putativa (imaginária). Podemos exemplificar com a situação do vizinho que diz que mataria o outro assim que o encontrasse de uma próxima vez. O ameaçado, com medo de encontrar o outro, adquire uma arma para sua defesa. Dias depois, encontra-o e este, que ao avistá-lo, leva uma das mãos à cintura, dando a entender que iria sacar uma arma, oportunidade em que, supondo que seria morto, saca seu revólver, o aponta contra aquele e efetua o disparo. O autor da ameaça inicial, em verdade, não deu início da nenhuma agressão injusta. Poderá também, uma vez agredido injustamente, sacar sua arma e exercer legítima defesa. Temos, portanto, uma situação de legítima defesa putativa (a que foi levada a efeito por João) e, logo em seguida, uma situação de legítima defesa. Nesse sentido, a decisão e relatório do AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.811.544 - RO (2019/0128113-9). Trata-se de agravo regimental interposto pelo réu contra a decisão de e-STJ fls. 615/622, que deixou de conhecer do recurso especial por ele proposto (vide a íntegra da decisão em anexo ao final do presente trabalho). O réu apelante fora condenado a 04 anos de reclusão, em regime aberto, pelo crime de homicídio na modalidade tentada, em que a defesa pugnou pelo reconhecimento da legítima defesa putativa, alegando para tanto que não só não há qualquer elemento de prova que corrobore a tese de que o Recorrente teria atingido a vítima por puro desfastio, 'deboche' ou 'descontrole', como há prova coerente para amparar tese defensiva de incidência da discriminante putativa do CP, art. 20, parágrafo único (e-STJ fl. 575). A alegação é de que: "todas as circunstâncias, máxime a principal de que a própria vítima admitiu que se aproximou do Agravante com as mãos atrás das costas, estão lavradas no v. acórdão objurgado, e reafirma que "exatamente pela putatividade do cenário em que se encontrava é que [o ora agravante] alvejou uma única vez, decerto que evitou percorrer o iter criminis para a consumação do delito" (e-STJ fl. 636). Requereu, assim, a defesa, a reconsideração do decisum agravado ou a apreciação do presente recurso pelo colegiado da Sexta turma. Na decisão, a Relatoria não conheceu dos pleitos contidos no recurso especial considerando sem êxito o recorrente. No arrazoado, a Corte de origem concluiu que a dinâmica do fato delitivo – revelada pelas imagens da cena do crime – não permitiu confirmar que a vítima pretendesse fazer algum mal injusto e iminente ao ora recorrente, de tal sorte a caracterizar a excludente de ilicitude da legítima defesa. Alega a Corte ainda que, para alterar a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias e decidir pelo afastamento da causa excludente de ilicitude da legítima defesa de terceiro, seria necessário o reexame do acervo fático-probatório delineado nos autos, procedimento inadmissível na via do recurso especial. Incidência do Enunciado n. 7 da Súmula do STJ. Por fim, da mesma forma, estabelece que a Corte de origem , ao decidir acerca do iter criminis percorrido, reduziu a pena pela tentativa em ½ estabelece que rever tal conclusão, como requer a parte recorrente, no sentido da aplicação da fração de 2/3, em relação à tentativa, demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, por força da incidência da Súmula n. 7/STJ. - Legítima defesa e aberratio ictus Pode haver a hipótese de legítima defesa com erro na execução. Diz o Código Penal: Art. 73. Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo- -se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. Pode ocorrer que determinado agente, almejando repelir agressão injusta, agindo com animus defendendi, acabe ferindo outra pessoa que não o seu agressor, ou mesmo a ambos (agressor e terceira pessoa). Assim, embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra pessoa que não o seu agressor, o resultado advindo da aberração no ataque (aberratio ictus) estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não podendo, por ele responder criminalmente. Todavia, em relação ao terceiro inocente, permanece a responsabilidade civil do agente. De acordo com Assis Toledo, apud Rogerio Greco: “Não se aplica, pois, ao terceiroinocente a norma do art. 65 do Código de Processo Penal, já que, quanto a ele, a lesão, apesar da absolvição do agente, não pode ser considerada um ilícito civil. Trata-se, portanto, de uma hipótese em que a exclusão da responsabilidade penal não impede a afirmação da responsabilidade civil, restrita é claro ao terceiro inocente”. - Ofendículos – legítima defesa x exercício regular de direito Os ofendículos são aceitos pelo nosso ordenamento jurídico. Porém, Aníbal Bruno lembra que a zona do lícito termina necessariamente onde começa o abuso, não sendo possível criar perigo a inocente. Na definição de Mirabete: “Ofendículos são aparelhos predispostos para a defesa da propriedade (arame farpado, cacos de vidro em muros etc.) visíveis e a que estão equiparados os ‘meios mecânicos’ ocultos (eletrificação de fios, de maçanetas de portas, a instalação de armas prontas para disparar à entrada de intrusos etc.).” Além dos aparelhos e instrumentos destinados à proteção dos bens, considera-se, também, como ofendículos a utilização de cães ou de outros animais de guarda. Há uma discussão a respeito dos ofendículos que se refere à sua natureza jurídica. Hungria os considerava como uma situação de legítima defesa preordenada, pois os instrumentos somente agiriam quando os bens estivessem sendo agredidos e, dessa forma, já haveria uma situação de defesa legítima. Damásio E. De Jesus entende tratar-se de legítima defesa pré-ordenada e não exercício regular de direito. Excepcionalmente pode haver excesso e diante do excesso haverá crime. Aníbal bruno também entende que aqueles que utilizam os ofendículos atuam no exercício regular de um direito. Afirmava que “a essa mesma categoria de exercício de um direito pertence o ato do indivíduo que, para defender a sua propriedade, cerca-a de vários meios de proteção, as chamadas defesas predispostas ou offendicula.” - Defesa mecânica pré-disposta (oculta, invisível) – armadilha, gradil Quando a colocação e o seu funcionamento são regulares (sem excesso, sem abuso, proporcional, moderado, equilibrado) não existe criação de risco proibido, logo, fica desde logo excluída a tipicidade material (e o crime). Na colocação regular não há desvalor da conduta nem do resultado (proporcional). Contudo, deverá o agente tomar certas precauções na utilização desses instrumentos, sob pena de responder pelos resultados dela advindos. Lembrando que segundo NUCCI (2015) é necessária a proporcionalidade na legítima defesa e, caso o agente defenda bem de menor valor fazendo perecer bem de valor muito superior, deve responder por excesso. Na defesa mecânica pré-disposta, por ser oculta, na prática quase sempre configurará excesso, sendo tido como crime doloso ou culposo. O agente responderá por aquilo que ocasionar depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada. Nesse caso há a criação de risco proibido. Logo, existe tipicidade material. Já em outra situação, pode haver a situação em que o aparato predisposto (o ofendículo) mata justamente quem anunciou previamente que queria pular o muro da casa para estuprar a esposa e/ou matar o marido, nesse caso há legítima defesa (pela natureza dos bens jurídicos envolvidos). Fala-se aqui em legítima defesa preordenada ou predisposta. Fica excluída a antijurididicade. O resultado é justificado. 3. ESTRITO CUMPRIMENTO DE UM DEVER LEGAL Encontra-se disposto no inciso III do artigo 23 do código Penal, onde diz que não há crime quando o agente pratica o fato no estrito cumprimento do dever legal: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Estrito cumprimento do dever legal é a prática de um fato típico sem antijuridicidade, exatamente para assegurar o cumprimento da lei, em elementos objetivos e subjetivos, no qual o agente tem que ter um dever legal imposto, que normalmente é delegado aos agentes da Administração Pública, como os policiais, oficiais de justiça e entes que cuidam do cumprimento da lei e ordem. A obra de Rogério Greco traz um conceito de Juarez Cirino dos Santos, onde conceitua o inciso como “o estrito cumprimento de um dever legal compreende os deveres de intervenção do funcionário na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de superiores da administração pública, que podem determinar a realização justificada de tipos legais, como coação, privação de liberdade, violação do domicílio, lesão corporal etc.” e sendo que, o cumprimento deve ser no exato termo da lei, não podendo nada a ultrapassar. O cumprimento de um dever legal nada mais é que a intervenção de entidades públicas e/ou privadas onde precisam fazer com que haja, por vezes, uma intervenção quando existem dois bens jurídicos ou patrimoniais em risco, entrando um terceiro com um dever legal de cumprimento para proteção dos mesmos, agindo nos limites impostos pela lei. A exclusão da ilicitude do inciso III tem uma melhor compreensão com Fernando Capez, que conceitua também sobre o assunto tratado no presente trabalho: "é a causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei, nos exatos limites dessa obrigação". De forma mais clara, Capez diz que a lei não pode punir quem cumpre um dever que ela mesma impõe. Greco nos dá um exemplo bem elucidativo que diz “se um oficial de justiça cumprindo seu mandato de busca e apreensão de um televisor, por sua conta resolver também fazer a apreensão de um aparelho de som, já antevendo um pedido futuro, não terá agido nos limites estritos que lhe foram determinados, razão pela qual, com relação à apreensão do aparelho de som, não atuará amparado pela causa de justificação”. Isto quer dizer que, se pegou algo que a justiça não havia expressamente mandado, não estará amparado pala lei, mas se tivesse pego somente o que lhe foi imposto, estaria amparado nos termos do inciso III do art. 23 do Código Penal. 4. EXERCÍCIO REGULAR DE UM DIREITO Está previsto expressamente na segunda parte no art. 23, inciso III do código penal, onde para Rogério Greco, não haveria uma explicação do conceituado pelo legislador, e sua definição ficando a cargo da doutrina e dos tribunais, onde através da interpretação de Paulo José da Costa Junior: “O conceito de direito empregado pelo inciso II do art. 23 compreende todos os tipos de direito subjetivo, pertençam eles a este ou aquele ramo do ordenamento jurídico – de direito penal, de outro ramo do direito público ou privado- podendo ainda tratar-se de norma codificada ou consuetudinária.“ Para se tornar mais simples a compreensão, o exemplo de QUEDAS (2007): o pugilista, durante uma luta, provoca inúmeras lesões corporais em seu adversário. De acordo com o Código Penal, o pugilista pratica fato típico (previsto no art. 129 do mesmo diploma), porém lícito (o exercício regular de direito exclui a ilicitude). O mesmo raciocínio deve ser aplicado ao soldado que, agindo no estrito cumprimento de dever legal, mata seu inimigo no campo de batalha. Para o vigente art. 23, “o agente não responde pelo crime de homicídio, tendo em vista que o seu comportamento é típico, mas não antijurídico”. 5. CONSENTIMENTO DO OFENDIDO O consentimento do ofendido significa, em linhas gerais, o ato da vítima (ou do ofendido) em anuir ou concordar com a lesão ou perigo de lesão a bem jurídico do qual é titular. Com maior detalhamento, dir-se-ia que o consentimento do ofendido significa o ato livre e consciente da vítima (ou do ofendido) capaz em anuir ou concordar de modo inquestionável com a lesão ou perigo de lesão a bem jurídico disponível do qual é o único titular ou agente expressamente autorizado a dispor sobre ele. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARAÚJO, Kleber Martins de. O estrito cumprimento do dever legal como causa excludente de ilicitude.Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 90, 1 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4262. Acesso em: 28 set. 2019. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2002. COSTA JUNIOR, Paulo José da. Direito Penal Objetivo, p.62. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – Parte geral. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2014. NUCCI, Gilherme de Souza QUEDAS, Thiago Vinicius de Melo. O exercício regular de direito e o estrito cumprimento de dever legal sob a ótica das teorias da tipicidade conglobante e imputação objetiva. Excludentes da antijuridicidade ou da tipicidade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1557, 6 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10504. Acesso em: 27 set. 2019. REALE JÚNIOR, Miguel. Teoria do delito, p. 76 SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. P. 187. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal.
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