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1 2 David Metzker Lei Anticrime (Lei 13.964/2019) Comentários às modificações no CP, CPP, LEP, Lei de Drogas e Estatuto do Desarmamento Edição Revista e Atualizada 2020 Cia do eBook 3 Copyright © 2020 por David Metzker A Cia do eBook apoia os direitos autorais. Eles incentivam a criatividade, promovem a liberdade de expressão e criam uma cultura vibrante. Obrigado por comprar uma edição autorizada desta obra e por cumprir a lei de direitos autorais não reproduzindo ou distribuindo nenhuma parte dela sem autorização. Você está apoiando os autores e a Cia do eBook para que continuem a publicar novas obras. PROJETO EDITORIAL Cia do eBook EDITOR Fabricio Hersoguenrath DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) __________________________________________________________________________________________________________ Metzker, David. Lei Anticrime (Lei 13.964/2019): Comentários às modificações no CP, CPP, LEP, Lei de Drogas e Estatuto do Desarma- mento - Edição Revista e Atualizada / David Metzker. – Timburi, SP: Editora Cia do eBook, 2020. 100 p. 1. Direito. 2. Direito Penal. 3. Direito Processual Penal. 4. Lei de Execuções Penais. 1. Título. CDD 340 __________________________________________________________________________________________________________ EDITORA CIA DO EBOOK Rua Ataliba Souza Silva, 311 Timburi/SP Website: www.ciadoebook.com.br Dúvidas ou sugestões: sac@ciadoebook.com.br https://www.ciadoebook.com.br mailto:sac@ciadoebook.com.br 4 Para se receber a instrução do entendimento, a justiça, o juízo e a eqüidade; Provérbios 1:3 5 PREFÁCIO O magistério é uma das vocações do ser humano que mais exige dedicação. Um sacerdócio. Aquele que abraça a atividade de compartilhar saberes, de forma organizada, canaliza suas aptidões permeando, pelo menos três, elementos essenciais: o amor, a vontade e a disciplina. Para desenvolver, com eficácia a ação de lecionar, esses três aspectos devem interagir, de maneira harmônica. A energia e o desgaste são compensados pelo prazer proporcionado pelo mútuo aprendizado. Conheci o autor destes Comentários ao Pacote Anticrime quando tive a honra de ser por ele convidado para dialogar sobre aspectos do nosso conturbado processo penal brasileiro contemporâneo. A proposta era a de participar de uma Live, no Instagram, algo completamente novo para mim. O receio de não me desincumbir da tarefa foi logo dissipado pela forma como David Metzker conduziu o nosso debate e por ter sido contagiado pela vibração do autor com o conhecimento da nossa disciplina e com a sua preocupação com as fissuras que têm acometido seus fundamentos democráticos. É muito gratificante quando nos identificamos com os objetivos do outro. Conheci a produção científica de David Metzker e a sua dedicação à docência, logo percebendo que a amizade seguiria reforçada pela preocupação que temos pelo processo penal brasileiro. O autor, ainda jovem, já reúne as qualidades necessárias para ofertar ao público importante contribuição, não somente ao direito penal, processual penal e de execução penal, mas, notadamente, à cidadania, ao comentar, artigo por artigo, a Lei nº 13.964/2019. Advogado, professor universitário, pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela tradicional PUC-RS – onde também se tornou especialista em Gestão –, membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM/ES, David Metzker nos brinda com o presente estudo, que descreve como o percurso autoritário do Pacote Anticrime trouxe, surpreendentemente, algum conteúdo progressista para o processo penal, malgrado as resistências que assistimos à implementação do juiz das garantias e, lamentavelmente, o recrudescimento do direito penal e dos institutos da execução penal. Nesse contexto, o livro que ora é apresentado ao leitor, sob o título Lei Anticrime (Lei 13.964/2019): comentários às modificações no CP, CPP, LEP, Lei de Drogas e Estatuto do Desarmamento, também é importante trabalho de pesquisa. Surge em um momento de agonia dos alicerces do direito criminal. Decerto, talvez não tenhamos vivido momento mais confuso na história dos nossos estudos jurídicos. Cuida-se de tempo de intensa preocupação e tristeza, que se agravam 6 com a exacerbação da concentração de poder e com o baixo controle do arbítrio estatal verificado nos tribunais. James Paul Goldschmidt, autor alemão que viveu de 1874 a 1940, teria dito que a medida da democracia seria o acatamento, pela ordem jurídica, do que há de mais relevante nas regras processuais penais. O processo penal seria o termômetro da democracia: se ele, processo penal, vai mal, a democracia, segue de mal a pior. O devido processo legal, compreendido como respeito à tessitura normativa para a proteção da liberdade e para a contenção do poder de punir, destina-se à tutela do “um” contra o perigo de ser acachapado pelo poder de “todos”. Fiquei muito gratificado pelo convite de David Metzker para prefaciar este belo livro. Feliz pelo laço afetivo que construímos. E, sobremodo, renovado, diante da energia que nasce quando temos a certeza de que não estamos sozinhos. Espero que o leitor beba, com a leitura do texto, a satisfação que tive, em travar contato com ele em primeira mão. Maceió, 23 de janeiro de 2020. Rosmar Rodrigues Alencar Doutor em Direito pela PUC/SP Professor – UFAL e UNIT-AL 7 Sumário 1. iNTRODUÇÃO 8 2. NOMeNCLATURA DA Lei 8 3. DO DiReiTO iNTeRTeMPORAL e NATUReZA JURÍDiCA DAS MODiFiCAÇÕeS 9 4. DAS MODiFiCAÇÕeS NO CÓDiGO PeNAL 12 4.1. ARTiGO 25 DO CÓDiGO PeNAL 12 4.2. ARTiGO 51 DO CÓDiGO PeNAL 13 4.3. ARTiGO 75 DO CÓDiGO PeNAL 14 4.4. ARTiGO 83 DO CÓDiGO PeNAL 17 4.5. ARTiGO 91-A DO CÓDiGO PeNAL 19 4.6. ARTiGO 116 DO CÓDiGO PeNAL 21 4.7. ARTiGO 122 DO CÓDiGO PeNAL 23 4.8. ARTiGO 157 DO CÓDiGO PeNAL 25 4.9. ARTiGO 171 DO CÓDiGO PeNAL 28 4.10. ARTiGO 316 DO CÓDiGO PeNAL 31 5. DAS MODiFiCAÇÕeS NO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 34 5.1. ARTiGO 3º DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 35 5.2. ARTiGO 14-A DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 48 5.3. ARTiGO 28 e 28-A DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 50 5.4. ARTiGO 122 e 124-A DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 57 5.5. ARTiGO 157 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 58 5.6. ARTiGO 158 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 61 5.7. ARTiGO 282 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 64 5.8. ARTiGO 283 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 66 5.9. ARTiGO 287 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 67 5.10. ARTiGO 310 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 68 5.11. ARTiGO 311 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 70 5.12. ARTiGO 312 e 313 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 71 5.13. ARTiGO 315 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 73 5.14. ARTiGO 316 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 74 5.15. ARTiGO 492 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 75 5.16. ARTiGO 564 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 77 5.17. ARTiGO 581 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 77 5.18. ARTiGO 638 DO CÓDiGO De PROCeSSO PeNAL 78 6. DAS MODiFiCAÇÕeS NAS LeiS eSPeCiAiS 79 6.1. DAS MODiFiCAÇÕeS NA Lei De eXeCUÇÃO PeNAL 79 6.1.1. ARTiGO 9º-A e 50 DA Lei De eXeCUÇÃO PeNAL 80 6.1.2. ARTiGO 52 DA Lei De eXeCUÇÃO PeNAL 85 6.1.3. ARTiGO 112 DA Lei De eXeCUÇÃO PeNAL 89 6.1.4. ARTiGO 122 DA Lei De eXeCUÇÃO PeNAL 94 6.2. DA MODiFiCAÇÃO NA Lei De DROGAS 95 6.3. DAS MODiFiCAÇÕeS NO eSTATUTO DO DeSARMAMeNTO 97 BiBLiOGRAFiA 99 8 1. INTRODUÇÃO A lei 13.964, publicada no dia 24 de dezembro de 2019, conhecida como lei anticrime, alterou substancialmente o código penal, código de processo penal e diversas leis extravagantes, como a lei de execução penal, lei de crimes hediondos e tantas outras. Em razão dessas modificações e com objetivo de ajudar os acadêmicos e novos advogados da área criminal, tive a pretensão de fazer esse e-book trazendo algumas considerações sobre as principais modificações realizadas pela lei anticrime, assim denominada a lei 13.964/2019. A vacatio legis da nova lei foi de 30 dias, um prazo curto para tamanha alteração. Há ainda numa nebulosidade sobre as principais modificações trazidas na lei, mormente o juiz de garantias, que está previsto no artigo 3º-A do CPP. Independentementedas possíveis interpretações que virão dos tribunais superiores e da doutrina especializada, o presente e-book vem trazer algumas considerações que julgo importantes para esse início de vigência da lei anticrime e que serão tratadas de forma pormenorizada seguindo a estrutura trazida na própria lei, que ordenou com o direito material primeiramente, posteriormente o direito processual e, após, a lei de execução penal, lei de drogas e estatuto do desarmamento. Demais leis alteradas serão objetos do próximo e-book. A lei anticrime foi objeto de bastante discussão nas casas legislativas, sendo alterada diversas vezes. Todavia, em que pese alguns artigos serem, ao meu ver, inconstitucionais, tivemos alterações significativas para reforçar o sistema acusatório bem como as garantias constitucionais. As alterações serão comentadas uma a uma, trazendo considerações sobre as modificações, visto que não é objetivo do autor tecer comentários sobre todos os artigos, de forma exaustiva. 2. NOMENCLATURA DA LEI Primeiramente, é importante fazer uma consideração sobre a nomenclatura da lei. Desde a época do projeto de alteração das leis penais proposto pelo Ministro da Justiça Sérgio Moro, o projeto foi denominado de “Pacote Anticrime”. Não concordo com a nomenclatura dada ao pacote de alterações, visto que não se tratam de normas contrárias ao crime e sim normas que visam a garantia ao cidadão e proteção de bens jurídicos. Portanto, equivocado está em dizer que as normas penais têm o objetivo de ser contra o crime, ao contrário, têm a função de proteger bens jurídicos e, por óbvio, garantir aos cidadãos uma segurança das condutas que serão penalizadas e quais as penas às respectivas condutas. 9 Entretanto, em razão da nomenclatura ter “pegado”, a sociedade já conhecer as modificações por essa denominação, e, com objetivo de facilitar a referência, utilizaremos a nomenclatura “lei anticrime” para se referir a lei 13.964/2019, em que pese as considerações acima. Feita a análise do todo, pode-se considerar que a maioria das modificações foram boas para o Estado Democrático de Direito, para um sistema mais justo, sem violação da imparcialidade. No mais, resta aguardar as interpretações que serão dadas pelos tribunais superiores e pelo Supremo, esperando que as interpretações não sejam benevolentes aos anseios daqueles que desejam um sistema inquisitivo, arcaico, que preza pela segregação ao invés da liberdade. 3. DO DIREITO INTERTEMPORAL E NATUREZA JURÍDICA DAS MODIFICAÇÕES Após cumprir todo o processo legislativo, uma nova lei entra em vigor no nosso ordenamento jurídico, podendo causar conflitos, pois uma nova lei traz conteúdo diverso da lei anterior. Uma lei somente será revogada com o surgimento de nova lei, que poderá simplesmente revogar a anterior, sem trazer novo conteúdo (ex. lei que extingue um crime) ou trazendo novo conteúdo, que poderá ser mais benéfico (nova legis in mellius), maléfico (novatio legis in pejus) ou até mesmo criando um novo tipo penal (novatio legis incriminadora). Uma lei pode ser revogada de forma parcial (derrogação) ou total (ab-rogação), mas sempre através de uma nova lei, que poderá trazer expressamente a revogação ou de forma tácita, caso se torne incompatível com a anterior. Dentro do nosso ordenamento jurídico, temos as normas penais e as normas processuais penais. Quando surge uma lei nova no decorrer de um processo penal, necessário se faz analisar a natureza jurídica, em razão do direito intertemporal. Quando uma nova lei entra em vigor podem surgir conflitos, em razão do seu conteúdo diferente da lei anterior, sobre o mesmo assunto. Esses conflitos deverão ser solucionados pelo direito intertemporal, com suas regras e exceções. Quando se está diante de uma nova lei cujo conteúdo é de direito material, aplica- se o princípio da irretroatividade da lei penal, previsto no artigo 5º, inciso XL da CF. A regra 10 geral é a não retroatividade da lei penal. A lei vigente à época dos fatos será a lei aplicada. A exceção é a extra-atividade. A extra-atividade é a possibilidade da lei penal continuar regulando os fatos mesmo após a sua revogação ou retroagir e ser aplicada a fatos anteriores a sua vigência. Isso será definido em razão do conteúdo da nova lei, que caso seja benéfico ao réu, deixará de seguir a regra geral e ocorrerá a retroatividade. No entanto, caso o conteúdo da nova lei seja maléfico, ocorrerá a ultra-atividade e a lei revogada continuará regulando os fatos da época de sua vigência. A aplicação de lei penal poderá fugir à regra quando se tratar de lei penal benéfica. A lei penal, a revogada ou nova, se for mais benéfica, essa será aplicada. Esse fenômeno se chama retroatividade da lei penal. Quando se trata de norma de natureza processual, não há dúvida, pois conforme prescreve o artigo 2º do CPP, aplica-se imediatamente, independente se é benéfica ou não. Os atos já realizados permanecerão inalterados e os novos atos deverão obedecer à nova lei, conforme nos ensina o princípio da imediatidade. A lei anticrime, como pode ser observada, modifica lei penal e lei processual, como, por exemplo, a alteração do artigo 92-A, que por se tratar de direito material e ser maléfica, deverá ser aplicado somente aos fatos novos, e o artigo 3º-A do CPP, que trata de direito processual e, portanto, não tem o condão de retroagir e se aplicar a atos já realizados, mas tão somente a atos posteriores, de forma imediata, independentemente de ser benéfico ou não. Todavia, na nova lei aqui em pauta, temos os artigos com conteúdo híbridos, ou normas heterotópicas, que são aquelas normas que possuem natureza penal e processual ou que, apesar de estarem em determinado diploma, possuem natureza distinta do diploma a qual está inserida. O nobre professor Norberto Avena1 nos diz que: “Assim, há dispositivos que, a despeito de incorporados a leis processuais penais, inserem um conteúdo material, razão pela qual devem retroagir para beneficiar o réu. Em outras situações, estas regras encontram-se incorporadas a leis materiais, mas, em sua natureza, possuem conteúdo processual, devendo reger- se pelo critério tempus regit actum. Infere-se, então, que não é a circunstância do diploma em que se encontra inserida a norma legal que define o critério de sua aplicação no tempo e sim a sua essência.” Quando estamos diante de uma norma híbrida, como ocorrerá a intertemporalidade? O STF e o STJ já se pronunciaram quando a esta questão2. 1 AVENA, Norberto. (03/2019). Processo Penal, 11ª edição [VitalSource Bookshelf version]. 2 Contra o juízo negativo de admissibilidade da Presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (fls. 163-5), maneja agravo o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (fls. 11 Verifica-se, portanto, que quando se trata de norma heterotópica, apesar de estar alocada em diploma processual, possui natureza material, assim, não seguirá a regra do artigo 2º do CPP, e sim a regra do artigo 5º, inciso XL da CF. Importante que se faça essa análise de cada alteração trazida na lei anticrime, pois, como veremos, há normas mais benéficas e outras não. Somente a título de exemplo, a alteração quanto à progressão de regime, que aparentemente se mostra maléfica, temos 169-74) com vista a assegurar o trânsito do recurso extraordinário que interpôs. Oposto na origem o óbice da violação, acaso ocorrente, meramente indireta de dispositivo constitucional. Anailson Rocha de Araújo foi condenado às penas de 05 (cinco) e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime semiaberto, e de 13 (treze) dias-multa pela prática do crime de roubo qualificado (art. 157, § 2º, II, do Código Penal). Houve, também, condenação ao pagamento de indenização mínima no valor de R$ 33,33 (trinta e três reais e trinta e três centavos) à vítima, forte no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. O Tribunal de Justiça deu parcial provimento à apelação defensiva somente paraafastar a indenização por danos. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário. Nas razões do RE, sustentou violação do art. 5º, LV, da Constituição Federal, porquanto a indenização mínima é efeito civil da sentença condenatória, decorrente de prévia disposição legal, sem implicar ofensa ao contraditório e à ampla defesa (fls. 145-50). É o relatório. Decido. No julgamento da apelação defensiva, o Tribunal de Justiça rechaçou a condenação à reparação de danos, indicando ofensa aos princípios da inércia da jurisdição e ao exercício da ampla defesa e do contraditório. Do voto condutor do acórdão, extraio os seguintes excertos: “Uma ressalva deve ser feita quanto à indenização por danos. A Lei 11.719/08 alterou o artigo 387 do CPP e incluiu, no inciso IV, o dever de o Magistrado, na sentença condenatória, fixar valor mínimo para a indenização dos danos causados pela infração. A novel legislação passou a permitir que a vítima execute a parcela mínima reparatória. No entanto, mesmo com a reforma, é mister que a reparação ex delito obedeça às demais disposições legais e constitucionais, mormente porque, no Juízo Criminal, “a verdade processual é obtida a partir de critérios mais rigorosos” (…). Assim, além da necessidade de o crime ser posterior à vigência da lei, por tratar-se de norma heterotópica, deve haver pedido formal, seja do Ministério Público ou da assistência da acusação. A providência é essencial para viabilização da ampla defesa e do contraditório. (…). Não houve pedido do Parquet, de modo que a fixação da parcela indenizatória mínima fere o princípio da inércia da jurisdição. Configura também surpresa processual que impede o exercício do contraditório e da ampla defesa. Ausentes pedido e prévia discussão do valor, o Magistrado deve abster-se de aplicar o artigo 387, inciso IV, do CPP”. Como se observa, a justificativa para a reforma da decisão, no que tange à condenação por indenização, foi a aplicação indevida do previsto no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal. Compreensão diversa, exigiria exame da legislação infraconstitucional, o que é inviável em recurso extraordinário, pois eventual inconstitucionalidade seria reflexa, com óbice na jurisprudência uníssona desta Suprema Corte (v.g.: Inviável em recurso extraordinário o exame de ofensa reflexa à Constituição Federal e a análise de legislação infraconstitucional - RE 660.186 AgR/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, DJe 14.02.2012; Os princípios da legalidade, o do devido processo legal, o da ampla defesa e do contraditório, bem como a verificação dos limites da coisa julgada e da motivação das decisões judiciais, quando a verificação da violação dos mesmos depende de reexame prévio de normas infraconstitucionais, revelam ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária - RE 642.408-AgR/ SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 14.02.2012). Ante o exposto, nego seguimento ao agravo (art. 21, § 1º, do RISTF). Publique-se. Brasília, 06 de dezembro de 2013. Ministra Rosa Weber Relatora (ARE 677265, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 06/12/2013, publicado em DJe-243 DIVULG 10/12/2013 PUBLIC 11/12/2013) Informativo Nº: 0509 - Período: 5 de dezembro de 2012 – 6.ª Turma. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. NATUREZA DA AÇÃO PENAL. NORMA PROCESSUAL PENAL MATERIAL. A norma que altera a natureza da ação penal não retroage, salvo para beneficiar o réu. A norma que dispõe sobre a classificação da ação penal influencia decisivamente o jus puniendi, pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa, portanto tem efeito material. Assim, a lei que possui normas de natureza híbrida (penal e processual) não tem pronta aplicabilidade nos moldes do art. 2º do CPP, vigorando a irretroatividade da lei, salvo para beneficiar o réu, conforme dispõem os arts. 5º, XL, da CF e 2º, parágrafo único, do CP. Precedente citado: HC 37.544-RJ, DJ 5/11/2007. HC 182.714-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/11/2012. 12 uma situação que é benéfica, pois a regra da progressão de 1/6 da pena, anterior à lei anticrime, equivale a 16,6%, o que faz com que seja pior que os 16% da norma revogada. Assim, por se tratar de norma mais benéfica, quanto a essa parte, deve retroagir para aplicar a fatos anteriores a sua vigência. 4. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO PENAL No presente capítulo, trataremos das modificações realizadas pela lei anticrime no código penal. Deve ser observado que, após a entrada em vigor, as normas benéficas deverão retroagir a fatos anteriores, por se tratar de modificações em norma de direito material. Em resumo, o legislador aqui teve o intuito de evitar a procrastinação dos processos, como pode ser observado na alteração do artigo que trata da prescrição, bem como do endurecimento das penas na parte especial. Tivemos ainda alteração quando a execução da pena de multa, que até estava em discussão no STF, na ADI 3150 e será tratado no momento oportuno. Farei aqui uma comparação com a norma anterior, quando for o caso, e serão trazidas as considerações que julgar necessárias. 4.1. ARTIGO 25 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera- se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. A primeira alteração trazida pela lei diz respeito à legítima defesa. Não se trata de uma alteração substancial, visto que a nova lei somente confirmou o fato do agente lesionar bem jurídico de outrem em defesa de terceiro para repelir uma agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém. Este caso é legítima defesa e não estrito cumprimento do dever legal, visto que atualmente no Brasil não há lei que permita matar, salvo em caso de guerra declarada, que permitirá a pena de morte e, com isso, o carrasco terá autorização legal para matar. 13 O artigo não trata especificamente de casos com morte, vez que se usa o tiro de contenção, ou tiro de comprometimento ou tiro seletivo, que, em qualquer caso, não tem o objetivo levar a pessoa a morte, mas que poderá ocorrer. De qualquer modo, aplica-se a legítima defesa, que já era entendimento da melhor doutrina e da jurisprudência, e, por isso, entendo que não foi uma novidade trazida pela novatio legis, mas sim uma afirmação daquilo que já era pacifico tanto na doutrina quanto nas decisões dos tribunais pátrios. 4.2. ARTIGO 51 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Súmula 521, STJ: A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública. Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. Essa alteração há um fato interessante. A redação anterior a lei anticrime considerou a multa como dívida de valor, além de estabelecer que a cobrança seguirá as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública. Em razão do texto legal, pairaramdúvidas acerca da competência para executar a pena de multa, se seria o juízo da execução penal ou juízo da execução fiscal. O STJ já havia se manifestado em relação à competência do juízo da execução fiscal, consolidando esse entendimento através da súmula 521. Inobstante a súmula do STJ, ainda permaneciam dúvidas sobre a competência. Diante dessa celeuma, foi proposta a ADI 3150. A ADI 3150 julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta, em dezembro de 2018, para, conferindo interpretação conforme a Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal, nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, redator para o acórdão. 14 Foram opostos embargos de declaração e, no momento em que foi publicada a lei, não havia trânsito em julgado e nem ocorrerá até entrada em vigor da lei anticrime, visto o recesso dos tribunais superiores. A ADI 3150 permite a execução da pena de multa na Vara de Execução Penal, sendo legitimado o Ministério Público. Caso o Ministério Público se mantenha inerte por 90 dias, caberá a Procuradoria da Fazenda Pública executar no Juízo da Fazenda, neste caso, em conformidade com a súmula 521 do STJ, divergindo quanto a exclusividade. A despeito dessa decisão, a alteração no artigo 51 veio, a princípio, dissipar a dúvida, deixando claro que a multa será executada perante o juízo da execução penal, sendo somente esse trecho alterado pela lei. O entendimento que prevalece é que a natureza jurídica da multa continua sendo de sanção penal. O fato de ser dívida de valor e seguir as normas da legislação relativa à dívida ativa, apenas confirma sua natureza pecuniária3. Fica a dúvida se, com essa alteração, a legitimidade será exclusiva do Ministério Público ou se a competência subsidiária da Fazenda Pública permanece. Ao meu sentir, não obstante a nova lei não tratar sobre competência subsidiária, entendo que, em razão da decisão do STF na ADI 3150, permanece a competência subsidiária em caso de inércia do Ministério Público por mais de 90 dias. Acredito que o STF manterá esse entendimento, visto que o artigo 51, conforme nova redação, não trouxe a legitimidade exclusiva do Ministério Público. 4.3. ARTIGO 75 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. § 1º - Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. § 1º Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. Creio que muitos já devem saber sobre o tema, independente se é da área jurídica ou não. Uma das maiores lendas jurídicas é sobre o limite de 30 anos. Há quem diga que não se sabe o motivo das condenações serem tão altas se no Brasil somente fica preso por no máximo 30 anos. Outros dizem que não serve para nada a pessoa ser condenada a pena superior a 30 anos, se a própria lei diz que somente ficará preso até o limite 3 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume I. 20. Ed. Niterói, RJ. Impetus. 2018. Pág. 681. 15 estabelecido por ela. Enfim, há muitas afirmações sem uma análise mais detalhada sob o prisma jurídico. A Constituição Federal veda as penas de caráter perpétuo, mormente em razão da função ressocializadora da pena. Não faz sentido existir pena com caráter perpétuo, tendo uma determinada pessoa condenada a pena elevadíssima e não conseguir retornar aos seios da sociedade, havendo um paradoxo caso pudesse ser aplicada pena perpétua. Ademais, a vedação ao caráter perpétuo está em harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo 75 traz o máximo de tempo que a pessoa poderá cumprir quanto a pena privativa de liberdade, ou seja, se trata do tempo que permanecerá na unidade prisional, seja em regime fechado, semiaberto ou aberto. Quando a pena trazida na sentença em razão da condenação for superior a 30 anos, como por exemplo, em concurso de crimes ou crime continuado (a aplicação das regras não foi possível pelo juízo sentenciante), ocorrerá a unificação da pena (transformar várias penas em uma só) para atender o limite estabelecido em lei. Com isso, o apenado cumprirá até o limite de 30 anos. Ocorre também quando a pessoa é condenada em diversos processos e recebe uma pena superior a 30 anos em razão da somatória. Assim, para efeito de benefícios, como por exemplo, a progressão de regime, considera o quantum total da pena. Contudo, para o cumprimento, deve ser observado o limite previsto no artigo 75 do CP. O limite existe em razão da garantia constitucional4 de vedar a prisão perpétua. Seria ilógico não permitir a prisão perpétua e deixar a pessoa cumprir 90, 100 anos, sendo que a expectativa de vida do brasileiro é de 73 anos para homens e 80 anos para mulheres5. A lei anticrime altera o artigo 75, aumentando de 30 anos para 40 anos o limite máximo para cumprimento de pena privativa de liberdade. Essa alteração visa atender a política criminal, que entende que a sociedade clama por enrijecimento no cumprimento de pena, consequentemente um maior cumprimento de pena privativa de liberdade. Importante ressaltar que o parágrafo segundo permanece, e, ao meu ver, ele já permitia que a pessoa cumprisse mais de 30 anos, antes mesmo da alteração. O artigo 75, §2º diz o seguinte: “Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena, far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido”. 4 CF, art. 5.º, XLVII, “b” 5 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/02/expectativa-de-vida-por-que-as- mulheres-vivem-mais-do-que-os-homens.shtml. Acessado em 6.1.2020. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/02/expectativa-de-vida-por-que-as-mulheres-vivem-mais-do-que-os-homens.shtml https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2019/02/expectativa-de-vida-por-que-as-mulheres-vivem-mais-do-que-os-homens.shtml 16 Quando uma pessoa já está cumprindo a pena e, após o início da execução penal, sobrevier uma condenação, o tempo já cumprido é desprezado e nova unificação será realizada com intuito de obedecer ao limite estabelecido no caput do artigo 75. Como exemplo, imaginemos que uma pessoa é condenada por homicídio qualificado a uma pena de 30 anos. Após o início do cumprimento da pena, dentro da unidade prisional, o apenado pratica outro homicídio e venha ser condenado a 30 anos, com o processo tendo sua tramitação pelo período de 10 anos após o início do cumprimento da pena anterior. Os 10 anos já cumpridos serão desprezados e será feita nova unificação, para atender o parágrafo primeiro, dos 20 anos restantes da primeira condenação e os 30 anos da nova condenação. Com isso, o apenado cumprirá 30 anos da nova unificação, sendo que ele já cumpriu 10 anos que foram desprezados na segunda unificação. Assim, ele ficará preso privativamente por 40 anos. Agora imaginem que ele pratique novo homicídio. No fim das contas, poderá ele ter uma prisão com caráter perpétuo, violando à Constituição. Há quem critique a unificação, pois o cumprimento da pena do segundo crime será praticamente inócuo, visto que pouco ele cumprirá. A presente modificação também afetará a medida de segurança. Certo que medida de segurança é uma espécie de sanção penal aplicada aplicadas aos inimputáveis, salvo os menores de 18 anos, e semi-imputáveis, sendo necessárioque ambos possuam periculosidade. Possui caráter preventivo, tem por finalidade a cura ou tratamento de quem praticou fato típico e ilícito, porém inimputável. O artigo 97, §1º, primeira parte do CP diz que “a internação ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade”. Surge a dúvida se o fato de prever prazo indeterminando viola a vedação do caráter perpétuo previsto na Carta Magna. O prazo indeterminado é trazido pelo legislador, pois o tratamento ou internação (espécies de medidas de segurança) persistirá enquanto houver necessidade. Parte da doutrina entende que a expressão “prazo indeterminado” atinge a Constituição. Esse foi o entendimento dos tribunais superiores, que divergiram quanto ao limite. O STF6 se manifestou no sentido de não permitir que as medidas de segurança tenham caráter perpétuo, limitando sua duração ao prazo máximo de 30 anos. 6 STF, HC 84.219, relator ministro marco Aurélio, primeira turma, julgado em 16.8.2005, DJ 23.9.2005. 17 Quanto ao tema, o STJ7 se manifestou informando que o limite para a duração da medida de segurança deve ser o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, de forma a não conferir tratamento mais severo e desigual ao inimputável, em razão aos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade. Este entendimento foi sumulado no verbete 5278. Todavia, não poderá ultrapassar o limite estabelecido no artigo 75 do CP9. Com isso, haverá reflexo da modificação na medida de segurança, que a partir da vigência da lei anticrime deverá obedecer ao limite de 40 anos. A modificação ainda trará reflexo na lei de Migração. Na lei 13.445/2017, o artigo 96, inciso III, prevê que não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos, seguindo a redação do artigo 75 do CP antes da modificação. Diante da novel redação deste artigo, entendo que alterará a lei de Migração. Sem delongar muito no tema, não via necessidade na alteração, todavia, o aumento de 10 anos não entendo como inconstitucional, de acordo com algumas vozes tem dito sobre o novo limite. 4.4. ARTIGO 83 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; Art. 83. III - comprovado: bom comportamento durante a execução da pena; não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto . Entendo que alteração trazida no artigo 83 não seja tão substancial, vez que na prática já ocorria dessa forma. Antes da alteração, o STJ, em julgamento na terceira seção no ERESP n. 1.176.486/SP, sedimentou a orientação de que a prática de falta grave resulta em novo 7 STJ; HC 412.089; Proc. 2017/0200624-0; BA; Quinta Turma; Rel. Min. Ribeiro Dantas; Julg. 20/09/2018; DJE 26/09/2018; Pág. 2073 8 Súmula 527 do STJ: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. (Súmula 527, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015) 9 STJ; HC 208.336; Proc. 2011/0125054-5; SP; Quinta Turma; Relª Min. Laurita Vaz; Julg. 20/03/2012; DJE 29/03/2012 18 marco interruptivo para concessão de novos benefícios, exceto indulto, comutação e livramento condicional. Todavia, para concessão, era necessário ter um bom comportamento, expressão trazida na nova redação do artigo 83, inciso III, alínea “a”, alterando a expressão “comportamento satisfatório”. Conforme o artigo 78, 79, 80 e 81 do Decreto 6.049/2007, bom comportamento carcerário, expressão equiparada ao comportamento satisfatório, é aquele decorrente de prontuário sem anotações de falta disciplinar, desde o ingresso do preso no estabelecimento penal federal até o momento da requisição do atestado de conduta. Equipara-se ao bom comportamento carcerário o do preso cujo prontuário registra a prática de faltas, com reabilitação posterior de conduta. No caso da falta grave, o prazo para reabilitação é de 12 meses a partir do término do cumprimento da sanção disciplinar. Portanto, antes mesmo da alteração trazida pela nova lei, o cometimento de falta grave não interrompia o prazo para concessão do benefício, todavia o impedia em razão de não possuir bom comportamento. Passados 12 meses sem cometimento de nova falta grave, poderia ser concedido o benefício. Ou seja, para cumprir o comportamento satisfatório, que equivale ao bom comportamento, não poderia ter praticado falta grave, ou caso tenha sido praticado, que não tenha praticado novamente no período de 12 meses. Ou seja, caso tenha praticado fato grave no período de 12 meses, não seria beneficiado pelo livramento condicional, visto não ter alcançado a reabilitação. Vejo, com isso, fazendo uma leitura do inciso III, alínea “a” com o Decreto 6.049/2007, surte o mesmo efeito da alínea “b”. Em razão do termo “bom comportamento” trazido na alínea “a”, caso a falta grave seja praticada com violência ou grave ameaça, para se reabilitar, será necessário 24 meses, conforme inciso VI do artigo 81 do Decreto 6.049/2007. 19 4.5. ARTIGO 91-A DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Não existia dispositivo correspondente. Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito. § 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. § 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. § 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. § 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. § 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. Essa modificação é uma das que mais me preocupa. Há uma clara inconstitucionalidade nesse artigo ao alterar o ônus probatório do Ministério Público para o réu, violando o princípio do devido processo legal e da presunção de inocência, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LVII da CF. Um dos efeitos da condenação é o perdimento do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Por questões lógicas, o produto do crime deverá ser considerado perdido em favor da União, com as devidas exceções legais. Os bens adquiridos através de produto do crime também serão considerados perdidos. Assim,o avião comprado e usado para o tráfico de drogas ou armas de uso exclusivo do Exército ou utilizadas sem o devido porte serão considerados perdidos em razão da condenação. Quanto a isso, não há discussão. Ocorre que o novo artigo trazido pela lei anticrime não trata dos produtos do crime ou bens que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso, e sim de bens que presumem ter sido adquiridos com produtos do crime. Primeiramente importante registrar que o artigo 91-A somente se aplica a crimes cuja pena máxima prevista em lei seja superior a 6 anos. Frisa-se que não se trata de 20 pena em concreto, aquela aplicada na sentença, mas de pena em abstrato, o preceito secundário do tipo penal. Com a nova redação, havendo uma sentença condenatória a uma infração com pena máxima superior a 6 anos, obrigatoriamente haverá uma prestação de contas do réu, caso o seu patrimônio seja muito superior a sua renda. Uma modificação de duvidosa constitucionalidade. Havendo a verificação que a renda da pessoa é incompatível com o seu patrimônio, a diferença auferida será perdida em favor da União ou do Estado, a depender da competência de quem julgar, caso seja assim requerido pelo Ministério Público em sede de denúncia. Independe se o patrimônio esteja sob a titularidade do réu ou de terceiros, mas que seja de uso do réu. Também poderá ocorrer o perdimento do bem que seja passado a terceiro apenas para dissimular a titularidade, com preço simbólico de transferência. O ponto nevrálgico é a alteração do ônus probatório, além do confisco de bens e valores sem o devido processo legal, violando a individualização da pena. Sob o pretexto de efeito condenatório, foi permitido o confisco de bens e valores não relacionados a condenação, violando claramente a Constituição. Não estamos falando de bens e valores relacionados ao crime praticado, mas simplesmente em razão da diferença de patrimônio e renda do réu. Entendo ainda que viola o direito à propriedade, visto que o confisco do bem se dá não em razão de uma sentença condenatória, pois os bens e valores não estão relacionados ao crime praticado. O saudoso Ministro Teori Zavascki, em voto proferido no RExt 795.567, afirmou que os efeitos da condenação “exigem a formação de juízo prévio a respeito da culpa do acusado, portanto, só podem ocorrer automaticamente como efeito acessório direto de condenação penal, nunca em sentença de transação penal, de conteúdo homologatório, na qual não há formação de culpa.” Depreende-se que para que ocorra o efeito da condenação, demanda formação de culpa e, por óbvio, os bens e valores estejam relacionados com a conduta praticada. No artigo 91-A, há uma clara afronta a presunção de inocência, pois não cabe ao Ministério Público provar que é produto de crime ou bem ou valor auferido pelo agente em razão do fato criminoso, que tem previsão no artigo 91, mas cabe ao réu, de acordo com parágrafo segundo do artigo 91-A, provar que ele tinha condições de ter um patrimônio acima de sua renda. Ocorrerá perda de bens e valor, que presumidamente, foram adquiridos em razão da prática delituosa. Estamos falando de efeitos condenatórios em razão de presunção e não de certeza. De bens e valor que não foram utilizados na prática do crime ou adquiridos com dinheiro ilícito. 21 A Constituição é clara ao afirmar que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, e o que vemos no artigo 91-A é exatamente a privação de bens sem o devido processo legal, sem a ampla defesa e o contraditório, passando o ônus de comprovar para a defesa. Espero que os Tribunais Superiores possam corrigir essa inconstitucionalidade, evitando assim perda de bens e valores sem a garantia da ampla defesa e do contraditório. 4.6. ARTIGO 116 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: Art. 116. (...) - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. Parágrafo único - Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo. I – (...) - enquanto o agente cumpre pena no exterior; - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. A alteração acima surge no momento de discussão da impunidade em razão da morosidade processual. Dia 7 de novembro de 2019 o STF, por maioria apertada, decidiu pela não possibilidade de se executar a pena provisoriamente antes do trânsito em julgado. Essa decisão trouxe uma acirrada discussão sobre a impunidade, pois a demora nos julgamentos poderia levar a prescrição dos crimes sem que houvesse o cumprimento da pena. O Poder Legislativo, observando essa discussão e, com objetivo de atender aos anseios de uma parcela da sociedade, que, equivocadamente, acredita que a prisão é a função do direito penal, que a prescrição durante a fase recursal é a culpada pela impunidade, alterou o artigo 116, que traz as hipóteses em que o prazo prescricional não corre, inserindo o inciso III e IV. Antes de entrar no tema, importante trazer à baila que o artigo 116 do CP traz as causas suspensivas da prescrição, ou seja, havendo uma das hipóteses do artigo, o prazo prescricional fica suspenso. Não subsistindo o motivo que ensejou a suspensão, o prazo volta a correr pelo tempo restante. A alteração trazida no inciso II nada mais é que uma modificação da redação, trocando “no estrangeiro” para “no exterior”. Continuará não correndo o prazo prescricional 22 enquanto o agente não for extraditado e cumprir pena no exterior. O legislador manteve essa situação, vez que o cumprimento da pena no exterior possa ser maior que o prazo prescricional, podendo ensejar a perda do direito de punir do Estado. No inciso III, temos uma novidade que é a impossibilidade do prazo prescricional correr durante o processamento e julgamento dos Embargos de Declaração, não importando em que instância isso ocorra. Portanto, sempre que houver a interposição de Embargos declaratórios, o prazo prescricional não correrá. A lei não faz distinção em relação à parte que interpuser o recurso, entendendo que havendo interposição, estará suspenso. Creio que os tribunais acertarão essa lacuna, pois a interposição de recurso por parte do Ministério Público não pode beneficiar o Estado, que demandará mais tempo para exercer o seu direito de punir. Em razão dos motivos que ensejaram essa modificação, vislumbro aplicação somente nos casos em que o recurso foi interposto pela defesa. Da mesma forma ocorrerá quando houver recursos aos tribunais superiores, casos eles sejam inadmissíveis. Quando houver a interposição de recurso especial ou extraordinário (em que pese o STF não ser um tribunal superior e sim Supremo Tribunal, mas classificado como tribunal superior), se forem julgados inadmissíveis, o tempo do processamento será desconsiderado para efeitos da prescrição. Na prática, ocorrerá da seguinte forma: Ao protocolar o REsp ou RE no tribunal estadual ou regional federal, irá para o desembargador competente para realizar o juízo de admissibilidade e, caso seja inadmitido, o tempo transcorrido não será considerado para prescrição. A parte, por certo, entrará com o agravo previsto no artigo 1042 do CPC, que remeterá ao Tribunal Superior para julgar o recurso. O agravo poderá ser julgado conjuntamente com o Recurso Especial ou Extraordinário. De qualquer forma, mesmo conhecendo do agravo e não dando provimento, o recurso ao tribunal superior se manterá inadmissível, não correndo o prazo prescricional. O prazo prescricional somente correrá quando o recurso ao tribunal superior for admitido, independente da forma com que será julgado,através de agravo ou não. Sendo inadmissível, o tempo despendido para processar e julgar o recurso não será considerado para o prazo prescricional. Vejo que essa alteração trará mais morosidade ao processo, pois não haverá pressa estatal diante da suspensão da prescrição. De igual forma como foi concluído em relação aos embargos, entendo também que o prazo somente ficará suspenso quando o recurso for interposto pela defesa, não suspendendo em casos de interposição por parte acusação ou de assistente de acusação. 23 No que se refere ao acordo de não persecução penal, enquanto não for cumprido a prescrição não correrá. Faz sentido, visto que o acordo de não persecução penal tem o intuito de evitar uma ação penal caso o investigado cumpra as condições e não aguardar uma prescrição. 4.7. ARTIGO 122 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.968/19) Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar- se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Parágrafo único - A pena é duplicada: Aumento de pena - se o crime é praticado por motivo egoístico; - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar- se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça: Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. § 1º Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. § 3º A pena é duplicada: - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil; - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência. § 4º A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. § 5º Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou de rede virtual. § 6º Se o crime de que trata o § 1º deste artigo resulta em lesão corporal de natureza gravíssima e é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime descrito no § 2º do art. 129 deste Código. § 7º Se o crime de que trata o § 2º deste artigo é cometido contra menor de 14 (quatorze) anos ou contra quem não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responde o agente pelo crime de homicídio, nos termos do art. 121 deste Código. Não através da lei anticrime, mas sim através da lei 13.968/2019, foi alterado o artigo 122 do CP. Apesar de não fazer parte da lei anticrime, entendo ser pertinente trazer essa modificação, que além de ser importante, foi realizada logo após a publicação da lei anticrime. 24 Primeira mudança que pode ser visualizada na nova redação é no preceito primeiro. Na descrição da conduta temos duas alterações importantes. A primeira diz respeito à inclusão do induzimento, instigação ou prestar auxílio a prática de automutilação. Quem se recorda do jogo “baleia azul”, sabe que consistia na relação entre os jogadores e administradores. Os administradores passavam determinadas tarefas aos jogadores, que incluía a automutilação e ao final, a última tarefa, era o suicídio. Alguns denominam a modificação de “criminalização da baleia azul”, vez que o induzimento, instigação ou auxílio à automutilação não era prevista em lei. A segunda alteração dentro do preceito primário se trata da retirada da condicionante para configuração do crime. No texto anterior, para a consumação do crime do artigo 122 era necessária a morte da vítima ou produção de lesão de natureza grave. Com a retirada dessa condição, não se faz mais necessário com a ocorrência do resultado naturalístico. Isso implicará em duas situações. Primeiro, que a discussão na doutrina se cabia ou não a forma tentada caiu por terra. Entendo que hoje admite a forma consumada e tentada. A segunda situação é o fato que agora é possível aplicação do artigo 122 quando a vítima sofre lesão de natureza leve. Antes, quando a vítima sofria lesões leves, não havia crime do artigo 122 do CP. No preceito secundário temos uma redução da pena do caput, que antes era de 2 anos a 6 anos, se resultasse morte, ou de 1 ano a 3 anos quando resultasse lesão de natureza grave. Diante da retirada da condição do caput, somente o fato de induzir, instigar ou auxiliar, independente do resultado, terá uma pena de 6 meses a 2 anos. Todavia, o resultado sendo lesão de natureza leve (artigo 129, caput, do CP), também será aplicado o caput do artigo 122. Em relação ao resultado da vítima, ficou como qualificadora, previstas no §1º e §2º. Em caso de lesão como resultado, a pena será de 1 ano a 3 anos, devendo ser lesão de natureza grave ou gravíssima. O artigo 129, caput do CP, denominada de lesão corporal de natureza leve fica na conduta do caput do artigo 122, vez que somente os resultados morte e lesão corporal de natureza grave nos dois parágrafos que a compõe são qualificados. Importa aqui registrar que o legislador mencionou a lesão gravíssima sem que a mesma exista dentro do texto legal. O artigo 129 do CP que trata dos crimes de lesão corporal possui a forma qualificada nos parágrafos primeiro e segundo, tendo como nomen iuris lesão corporal de natureza grave. Por possuir duas gradações com penas diferentes, a doutrina passou a chamar o parágrafo segundo de lesão corporal de natureza gravíssima. 25 Antes da reforma, a condicionante para consumação do delito era morte ou lesão de natureza grave, abarcando os dois parágrafos do artigo 129, §2º do CP. Essa era a forma correta de se referir a natureza das lesões. O parágrafo terceiro aumentou as hipóteses de majorar a pena. Foram incluídos os motivos torpe e fútil. Neste caso, a pena será duplicada, mantendo a redação anterior. Os parágrafos quarto e quinto trouxeram novas majorantes. A pena será aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitida em tempo real. Importante mencionar que a vítima deve ser determinada. O critério de aumento deverá ser a verificação da potencialidade lesiva da conduta praticada. Quanto maior a lesividade, mais próxima do dobro. No segundo caso, a pena será aumentada até a metade caso o agente seja o líder ou o coordenador de grupo ou de rede virtual. Há de se entender a desvaloração da conduta o fato de exercer liderança. Nos parágrafos sexto e sétimo temos as hipóteses de crime mais grave. Caso a vítima menor de 14 (quatorze) anos ou quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, responderá conforme o resultado naturalístico: lesão corporal de natureza gravíssima (artigo 129, §2º do CP) ou homicídio (artigo 121 do CP) 4.8. ARTIGO 157 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 157. (...) Art. 157. (...) § 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: VII - se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca; § 2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. No artigo 157 do CP houve alteração a fim de resolver uma lacuna deixada na reforma realizada pela lei 13.654 de 2018. Nessa lei, foi revogado o inciso I do parágrafo segundo do artigo 157. Essa revogação tiroua majorante do emprego de arma. Não havia especificação se era arma de fogo ou branca, apenas trazia que o emprego de arma majorava a pena. Portanto, a sua aplicação era para os dois tipos de armas. 26 Com o advento da lei 13.654/2018, dia 23 de abril de 2018 foi revogada essa majorante, incluindo no §2º-A, inciso I do artigo 157 a majorante “emprego de arma de fogo”, aumentando o grau de aumento, que de um terço a metade, passou a ser de 2/3 somente. Pode ser enxergar uma novatio legis in mellius e uma novatio legis in pejus. Quanto a arma branca, deixou de ser considerada majorante e passou a ser aplicado o caput do artigo 157. Quanto a arma de fogo, passou a ser aplicado o §2º-A, que é prejudicial ao réu. Lembre-se que a lei benéfica retroagirá e a maléfica valerá somente para fatos posteriores a sua vigência. Reparem que houve uma lacuna. Até 23 de abril de 2018, o emprego de arma branca na prática do crime de roubo era uma majorante, aplicando o aumento de um terço até a metade. Após essa data, o emprego de arma branca no crime de roubo passou a ser aplicado a pena do caput. Agora, com a lei anticrime, a partir de 23 de janeiro de 2020, volta a ser majorante. Assim, aquele que praticou roubo usando arma branca, a lei 13.654/2018 retroagiu para retirar a causa de aumento de pena e fazer uma nova dosimetria com base na pena do caput do artigo 157. Quem praticou crime de roubo usando arma de fogo, ainda com fulcro na lei supramencionada, permaneceu com a pena e os novos fatos de roubo com uso de arma de fogo, a partir de 23 de abril de 2018, passaram a ter o aumento de 2/3. O legislador, tentando acertar essa modificação benéfica que ocorreu na lei 13.654/2018, incluiu, através da lei anticrime, o “emprego de arma branca” como majorante no inciso VII do 2º do artigo 157. O uso de arma branca no cometimento do crime de roubo fará com que a pena seja majorada de um terço até a metade. Essa alteração, por ser maléfica, somente será aplicada a fatos posteriores a vigência da lei. Tivemos ainda o acréscimo do §2º-B no artigo 157. Aqui têm a inclusão da qualificadora por emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, cuja pena será o dobro da prevista no caput. Menciono qualificadora, pois a diferença de qualificadora para majorante é que aquela altera as penas mínima e máxima do tipo penal, além de trazer novas elementares para o tipo, caracterizado por ser um tipo derivado autônomo ou independente, e será considerada na primeira fase da dosimetria da pena (1ª fase: Pena-base; 2ª fase: Agravantes e atenuantes; 3ª fase: Causa de aumento e diminuição da pena), ao passo que a majorante é uma causa de aumento de pena, aplicando-se uma fração à sanção estabelecida no tipo penal e, consequentemente, deve ser levada em consideração na 3ª fase da dosimetria da pena. Verifica-se que com essa alteração, a majorante prevista no §2º-A, inciso I será aplicada somente ao uso de arma de uso permitido. Assim, temos três penas para emprego 27 de arma, a depender do tipo de arma. Temos o emprego de arma branca, arma de uso permitido e arma de uso restrito ou proibido, cada um com preceito secundário diferente. Para ser utilizado somente o caput do artigo 157, não poderá fazer uso de qualquer arma. A partir do momento que usou arma, será verificado o tipo de arma para saber se aumentará de um terço até a metade, ou se aumentará 2/3 ou se seguirá a pena de 8 a 20 anos. Lembrando sempre que empregar a arma significa utiliza-la para roubo, não necessariamente saca-la, mas o fato de mostrar que estar armado já configura a majorante ou qualificadora. Para facilitar o entendimento quanto a aplicação da lei penal no tempo do artigo 157, com suas alterações, segue o quadro: Lei Penal no tempo do artigo 157 Tipo de Arma Antes da Lei 13.654/18 Com a lei 13.654/18 Com a Lei 13.964/19 Branca Majorante: 1/3 até a metade Pena do caput Majorante: 1/3 até a metade Uso Permitido Majorante: 1/3 até a metade Majorante: 2/3 Majorante: 2/3 Uso Restrito ou probido Majorante: 1/3 até a metade Majorante: 2/3 Pena de 8 a 20 anos Nesta última alteração, entendo pela sua inconstitucionalidade, visto a violação do princípio da proporcionalidade. Em matéria penal, a exigência de proporcionalidade é necessária para trazer um equilíbrio entre o crime e a pena, para que a pena seja proporcional à combater risco à lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico. Como muito bem ensina os doutrinadores penalistas, a proporcionalidade deve estar presente tanto no plano abstrato (legislador que comina as penas) quanto no plano concreto (magistrado que aplica as penas). Desta forma, o princípio da proporcionalidade funciona como limite não somente ao magistrado, que aplicará a pena, mas também ao legislador, que deverá observar essa proporcionalidade entre o crime e a pena. Como assevera o Prof. Cleber Masson10, o princípio da proporcionalidade apresenta três dimensões: a) Adequação da pena: a pena criminal deve ser um meio adequado, entre todos os outros menos gravosos, para realizar o fim de proteger um bem jurídico. b) Necessidade da pena: a pena criminal deve ser (meio adequado entre outros) é, também, meio necessário (outros meios podem ser adequados, mas não seriam necessários) para realizar o fim de proteger um bem jurídico. c) Proporcionalidade em sentido estrito: a pena criminal cominada e/ou aplicada (considerada meio adequado e necessário), deve ser proporcional à natureza e extensão da lesão abstrata e/ou concreta do bem jurídico. 10 Masson, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – vol. 1 / Cleber Masson. – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014. 28 Nota-se em todas estas dimensões, que se almeja evitar uma resposta penal excessiva frente à infração penal considerada. Por isso que a utilização do princípio da proporcionalidade envolve a apreciação da necessidade e da adequação da resposta penal. Considerando que o artigo 157 protege o bem jurídico patrimônio e que o roubo de qualquer bem com emprego de arma de uso restrito terá uma pena mínima de 8 anos e máxima de 20 anos, passará a ter uma pena mais gravosa que o homicídio simples, que possui pena mínima de 6 anos (a pena máxima será igual). Vejamos uma situação: Brian ameaça Louis com uma arma de numeração raspada a fim de subtrair seu celular. Por se tratar de arma com numeração raspada e que se enquadra no artigo 16 da Lei 10.826/2003, que trata das arma de uso restrito ou proibido, a pena em abstrato será de 8 a 20 anos, uma pena maior que a prática de um homicídio simples. Não pode o bem jurídico patrimônio, em caso de violação, ter uma pena mais excessiva que a violação ao bem jurídico vida. Entendo que o STF e até mesmo o STJ deverá se posicionar quanto a essa inconstitucionalidade. 4.9. ARTIGO 171 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Não existia dispositivo correspondente. Art. 171. (...) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I – a Administração Pública, direta ou indireta; II - criança ou adolescente; III - pessoa com deficiência mental; ou IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. A principal alteração aqui é a mudança do tipo de ação penal. As ações penais podem ser públicas ou privadas. As ações penais públicas podem ainda ser condicionadas ou incondicionadas. As ações penais privadas podem ser as propriamente ditas ou subsidiárias da pública. Guilherme de Souza Nucci11, em sua obra, assim define: A classificação mais comum das ações penais se faz com base na titularidade do seu exercício, pois é dessa forma que o Código Penal cuida do assunto. No art. 100, estabelece a regra (a ação penal é pública), bem como a exceção (a ação penal é privativa do ofendido quando a lei expressamente indicar). No § 1.º do mesmo artigo, fixa a subdivisão das ações públicas, indicando a regra (a ação será promovida pelo Ministério Públicoindependentemente de qualquer 11 Nucci, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal / Guilherme de Souza Nucci. – 12. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015. 29 autorização da parte ofendida ou de outro órgão estatal), bem como a exceção (a ação será promovida pelo Ministério Público caso haja autorização do ofendido ou do Ministro da Justiça). Em suma, pode-se dizer que as ações são: a) públicas, quando promovidas pelo Ministério Público, subdivididas em: a.1) incondicionadas, quando propostas sem necessidade de representação ou requisição; a.2) condicionadas, quando dependentes da representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. Deve-se analisar o tipo penal incriminador existente na Parte Especial do Código Penal (ou em legislação especial); caso não se encontre nenhuma referência à necessidade de representação ou requisição, bem como à possibilidade de oferecimento de queixa, trata-se de ação penal pública incondicionada. Por outro lado, deparando-se com os destaques “somente se procede mediante representação” (ex.: art. 153, § 1.º, CP) ou “procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça” (ex.: art. 145, parágrafo único, CP), está-se diante de ação penal pública condicionada. E caso se encontre a especial referência “somente se procede mediante queixa” (ex.: art. 145, caput, CP), evidencia-se a ação penal privada. Pois bem. Diante da alteração trazida no artigo 171, a regra geral quanto a espécie de ação penal, em relação ao crime de estelionato, passou a ser pública, condicionada a representação do ofendido. Antes, o Ministério Público não dependia de nenhuma condição, o que agora passa a depender que a vítima represente em face do suposto autor dos fatos. A regra geral, antes da vigência da lei anticrime, era ação penal pública incondicionada. Havia a exceção prevista no artigo 183, conhecida como imunidade relativa, que traz a exigência que a vítima represente, para iniciar ação penal ou para instauração de inquérito policial. Não concordo com a nomenclatura, visto que não traz nenhuma imunidade, somente uma condição de procedibilidade. De qualquer modo, em razão do artigo 183 ser aplicado a todos os crimes contra o patrimônio, permanece vigente, somente não se aplicando quando o crime contra o patrimônio já exigir representação, como é o caso do crime de estelionato a partir da nova redação, ou quando se tratar de ação privada, sendo cabível a queixa-crime. Essa modificação deve ser analisada com mais profundidade, mormente quanto à aplicação da lei penal no tempo. Conforme já manifestado no capítulo 3, na lei anticrime temos normas penais, normais processuais e normas híbridas. No presente caso, estamos diante de uma norma com conteúdo processual e material. Processual, pois trata de condicionalidade da ação penal pública, e, material, pois a representação está atrelada ao prazo decadencial, cujo a vítima poderá renunciar. Como dito anteriormente, por ser norma penal híbrida, deverá seguir o princípio da irretroatividade, podendo retroagir caso a nova lei seja mais benéfica ao réu, como no caso em voga. 30 Ao alterar a ação penal pública de incondicionada para condicionada, estar- se-á diante de uma alteração que beneficia o réu/investigado, visto que a vítima poderá renunciar ou não representar e, com isso, a ação penal não poderá ser iniciada, visto a ausência de requisito de procedibilidade, caracterizando assim uma despenalização, ocorrendo, se for o caso, causa de extinção de punibilidade. Professor Badaró, em artigo publicado12 em seu site, diz o seguinte: Além disso, no processo penal, as chamadas “condições de procedibilidade” se enquadrariam nas condições da ação, como requisitos da possibilidade jurídica do pedido. São elas: (1) representação do ofendido na ação penal pública condicionada (CP, art. 100, § 1º, c.c. CPP, art. 24); (2) requisição do Ministro da Justiça (CP, art. 100, § 1º, c.c. CPP, art. 24); (3) entrada do agente brasileiro, em território nacional, nos crimes cometidos no estrangeiro (CP, art. 7º, § 2º); (4) a sentença civil de anulação do casamento, no crime do art. 236 do CP (art. 236, parágrafo único); (5) exame pericial homologado pelo juiz, nos crimes contra a propriedade imaterial (CPP, art. 529, caput); (6) a autorização do Poder Legislativo, para processar o Presidente da República, o Vice-Presidente e os Governadores, nos crimes comuns ou de responsabilidade. Consequentemente, o pedido seria juridicamente impossível, se não estivesse presente uma das condições de procedibilidade. Todavia, surge a dúvida se a retroatividade será aplicada aos casos em curso, tanto em fase de investigação quanto em fase processual. A meu ver, aplica-se a todos os casos não transitado em julgado, devendo ser realizada a notificação da vítima ou de seu representante legal para informar se deseja representar criminalmente, para que o processo ou inquérito possa permanecer tramitando, ou até mesmo para continuar o cumprimento da pena. O prazo deverá ser de 30 dias, por analogia ao previsto no artigo 9113 da lei 9099/1995. A partir da vigência, notificada a vítima ou seu representante legal, e, não havendo representação ou manifestação de interesse em 30 dias, entendo que a ação penal ou o inquérito policial deverá ser extinto em razão da decadência. Caso não seja extinto, o réu/ investigado poderá utilizar a via do habeas corpus para trancar a ação penal ou inquérito. Portanto, com a alteração, vejo que a vítima deverá ser notificada a fim de demonstrar o devido interesse em ver o ofendido processado, caso já não tenha sido demonstrado no processo ou inquérito. Todavia, há vozes trazendo interpretação contrária, dizendo que não foi essa a intenção do legislador e que deverá ser aplicado somente nos casos em que a denúncia 12 http://www.badaroadvogados.com.br/20-062017-as-condicoes-da-acao-penal.html. Acessado em 7.1.2020 13 Art. 91. Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência. http://www.badaroadvogados.com.br/20-062017-as-condicoes-da-acao-penal.html 31 não fora recebida. Por ser questão de procedibilidade, o recebimento da denúncia se torna ato jurídico perfeito, aplicando somente aos casos em que a instrução não tenha sido iniciada. Este foi entendimento chegado diante do artigo 90 da lei 9.099/1995. Entendo que não merece prosperar tal entendimento em razão da indevida modulação, pois encontraríamos situações distintas para casos idênticos. No entanto, provável que seja esse o entendimento que prevalecerá nos tribunais. Outro ponto que merece destaque é o fato da jurisprudência entender que para representar não demanda formalidades, bastando mera demonstração de interesse do ofendido em fazer o agressor responder a Ação Penal14. Com isso, havendo já nos autos a demonstração do interesse, o requisito de procedibilidade já fora preenchido. Por fim, registra-se que a ação penal pública condicionada é a regra, tendo por exceção quando a vítima for administração pública direta ou indireta, criança ou adolescente, deficiente mental ou pessoas acima de 70 anos ou incapaz. Lembrando que muitas vezes não se sabe quem é a vítima no estelionato, o que, com a alteração, não poderá ser instaurado inquérito policial, pois necessita de representação. Não há que se falar das exceções, pois para que ocorra essas hipóteses, necessário que se saiba quem é a vítima, para saber se configura ou não a exceção. Por fim, importa registrar que em razão da pena mínima ser 1 ano, cabe a suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89 da lei 9099/1995. 4.10. ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL Código Penal Anterior Atual (Lei 13.964/19) Art. 316. (...) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. Art. 316. (...) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12(doze) anos, e multa. Última alteração no código penal, ocorre uma exasperação da pena máxima em abstrato do crime de concussão, passando de 8 anos para 12 anos, com intuito de fomentar que os funcionários públicos não pratiquem tal crime. No momento hodierno, o legislador entendeu que houve aumento na pratica deste crime e agiu com intuito de evitar novos fatos. Todavia, merece destaque o restante do artigo, os seus parágrafos. Diferentemente dos outros tipos penais, temos nos parágrafos um tipo penal autônomo, que independe do caput para ser aplicado. 14 RHC-21.596/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 29.10.07)” (HC 93.026/MS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 22/2/2010 32 No parágrafo primeiro temos o excesso de exação. Exação significa a cobrança rigorosa de impostos15. Nessa cobrança, o funcionário público exige ilegalmente tributo ou contribuição social em benefício da administração púbica16, diferente do caput, em que o funcionário pratica o crime exigindo vantagem indevida em razão do cargo, em benefício próprio ou de outrem. No parágrafo primeiro temos duas situações. A primeira se refere a ilegalidade do tributo. Pode ser praticado com dolo direto (que sabe) ou na modalidade de dolo eventual (deveria saber). Como por exemplo do primeiro caso, temos uma cobrança de um tributo já pago ou acima do valor devido. No dolo eventual, caso o funcionário público tenha dúvidas quanto a legalidade e mesmo assim realiza a cobrança sem a devida verificação, incorrerá no crime do parágrafo primeiro. Na segunda situação temos uma cobrança de um tribulo legal, porém a forma de cobrar causou constrangimento ao contribuinte. A forma foi vexatória (humilhante) ou gravosa (causou despesas a mais), desde que não autorizados por lei. Percebe-se uma lesividade maior que a do caput. Não está a tratar de somente exigência de uma vantagem indevida em benefício próprio ou de outrem, em razão da sua função ou fora dela, mas de uma cobrança de tributos ilegais para os cofres públicos, para onde o dinheiro do contribuinte irá, ou uma cobrança humilhante, causando mais danos ao contribuinte. Diante dessa lesividade mais gravosa, o legislador optou colocar a pena mínima maior que a do caput, de acordo com a reação anterior. No parágrafo segundo temos a forma qualificada do parágrafo primeiro. Não se trata de qualificadora do caput, visto se tratar de mudança nas bases da pena a quem desvia para si ou para outrem a vantagem indevida recebida que iria aos cofres públicos, portanto, ligada diretamente ao parágrafo primeiro, que trata dessa cobrança ilegal. Todavia, no parágrafo primeiro, o dinheiro chega a ir aos cofres públicos, o que não ocorre no parágrafo segundo em razão do desvio praticado pelo funcionário público. Veja que há duas condutas estranhas: i) o fato de realizar cobrança e receber indevidamente, e ii) o fato de desviar o dinheiro dos cofres públicos, que nem deveria ter recebido. Observa que no parágrafo segundo a conduta é mais gravosa que a do primeiro parágrafo e do caput. O funcionário público, além de receber indevidamente, colocando o contribuinte como vítima, desvia dos cofres públicos, causando uma segunda vítima. Em razão dessa qualificadora, a pena será maior que a do caput e do parágrafo primeiro, aumentando a pena máxima para 12 anos, conforme redação anterior à lei anticrime. 15 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral, volume III. 20. Ed. Niterói, RJ. Impetus. 2018. Pág. 757 16 Masson, Cleber, Código Penal comentado / Cleber Masson. 3. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. Pág. 1166. 33 Depreende da análise feita que as condutas dos parágrafos são mais gravosas que a do caput, em razão da pena mais elevada. Contudo, com a alteração, a conduta do caput passou a ser mais gravosa que a do parágrafo primeiro e de gravidade igual em relação ao segundo, pois estes não tiveram seus preceitos secundários alterados. Entendo que, diante das condutas descritas, há uma inconstitucionalidade por violar o princípio da proporcionalidade, pois o novo preceito secundário do caput é desproporcional à conduta, tendo como base os crimes previstos nos parágrafos. Deverá uma nova lei adequar os parágrafos ou ocorrer a repristinação17 da pena do caput anterior a lei anticrime. 17 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO PERTINENTE AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL: UMA REALIDADE INSTITUCIONAL QUE NÃO PODE SER DESCONHECIDA - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL SER SUBSTITUÍDO, NESSA CONDIÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DO ESTADO-MEMBRO - AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. OS ESTADOS-MEMBROS, NA ORGANIZAÇÃO E COMPOSIÇÃO DOS RESPECTIVOS TRIBUNAIS DE CONTAS, DEVEM OBSERVAR O MODELO NORMATIVO INSCRITO NO ART. 75 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA . - Os Tribunais de Contas estaduais deverão ter quatro Conselheiros eleitos pela Assembléia Legislativa e três outros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo do Estado- membro. Dentre os três Conselheiros nomeados pelo Chefe do Poder Executivo estadual, apenas um será de livre nomeação do Governador do Estado. Os outros dois deverão ser nomeados pelo Chefe do Poder Executivo local, necessariamente, dentre ocupantes de cargos de Auditor do Tribunal de Contas (um) e de membro do Ministério Público junto à Corte de Contas local (um). Súmula 653/STF . - Uma das nomeações para os Tribunais de Contas estaduais, de competência privativa do Governador do Estado, acha-se constitucionalmente vinculada a membro do Ministério Público especial, com atuação perante as próprias Cortes de Contas. O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS NÃO SE CONFUNDE COM OS DEMAIS RAMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DA UNIÃO E DOS ESTADOS-MEMBROS . - O Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas - que configura uma indiscutível realidade constitucional - qualifica-se como órgão estatal dotado de identidade e de fisionomia próprias que o tornam inconfundível e inassimilável à instituição do Ministério Público comum da União e dos Estados-membros . - Não se reveste de legitimidade constitucional a participação do Ministério Público comum perante os Tribunais de Contas dos Estados, pois essa participação e atuação acham-se constitucionalmente reservadas aos membros integrantes do Ministério Público especial, a que se refere a própria Lei Fundamental da República (art. 130) . - O preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar, ao Ministério Público comum, as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando, ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um “status” jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva, a possibilidade de atuação funcional exclusiva e independente perante as Cortes de Contas. A QUESTÃO DA EFICÁCIA REPRISTINATÓRIA DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE “IN ABSTRACTO” . - A declaração final de inconstitucionalidade, quando proferida em sede de fiscalização normativa abstrata, importa - considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente - em restauração das normas estatais anteriormente revogadas pelo diploma normativo objeto do juízo de inconstitucionalidade, eis que o ato inconstitucional, por juridicamente inválido (RTJ 146/461-462), não se reveste de qualquer carga de eficácia derrogatória. Doutrina. Precedentes (STF). (STF - ADI: 2884 RJ, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 02/12/2004, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 20/05/2005 PP-00005 EMENT VOL- 02192-03 PP-00379 RTJ VOL-00194-02 PP-00504) 34 5. DAS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL Passarei agora para as análises das modificações realizadas no Código de Processo
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