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Arte em Psicologia e Educação O uso de Recursos Expressivos no Passado Recente

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Arte em psicologia e educação: 
O USO DE RECURSOS EXPRESSIVOS 
NO PASSADO RECENTE2
2. Pesquisa financiada pela Universidade Paulista.
Christina M. B. Cupertino
Ao longo dos anos de prática em atendimentos psicológicos baseados no uso de recursos expressivos foram tornando-se evidentes práticas semelhantes, levadas adiante por profissionais tanto de Psicologia quanto de Educação, o que motivou o projeto para esse estudo, cujo objetivo foi a sistematização e discussão de como vinham sendo oferecidas, vivenciadas e interpretadas as práticas formativas e terapêuticas que utilizam recursos expressivos, através do levantamento e análise de trabalhos acadêmicos publicados ou defendidos como teses ou dissertações, nas principais universidades da cidade de São Paulo.Foram analisados os trabalhos acadêmicos apresentados entre 1996 e 2001 em cursos de pós-graduação stricto sensu na Universidade de São Paulo (Instituto de Psicologia, na Faculdade de Educação e na Escola de Comunicações e Artes) e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (nos vários programas de Psicologia e de Educação), visando explicitar modos de atuação e fundamentos dessa prática relativamente recente, tal como são apresentados e entendidos por aqueles que a desenvolvem. Esse levantamento inicial de como e onde essas atividades estavam sendo oferecidas, em que circunstâncias eram utilizadas e como os praticantes as avaliavam derivou da preocupação 
Material com direitos autorais
I 4 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA
em sistematizar o trabalho que vinha sendo realizado numa área recém- criada e instalar a discussão sobre a questão da contextualização apropriada de tais práticas, com a identificação dos benefícios e limites que os próprios praticantes podiam apontar.Quais seriam, então, os critérios para a busca? O interesse girava em torno dos trabalhos acadêmicos que focalizassem o uso de recursos artísticos, seja com finalidade pedagógica, seja terapêutica. Mas a que se referia exatamente a expressão “uso de recursos expressivos”?Por um lado, na ECA existiam pesquisas que focalizavam, por exemplo, o uso de uma nova metodologia para o ensino de dança que incluía, naturalmente, o dançar. Não era esse o uso de recursos expressivos procurado. Por outro, a consulta a algumas teses da Faculdade de Educação mostrava trabalhos semelhantes, como por exemplo, o aprimoramento do ensino de Língua Portuguesa através da exploração da pluralidade de sentidos de contos tradicionais, usando a própria Língua Portuguesa para fazer isso. E esses trabalhos, ao contrário, podiam ser considerados aceitáveis para a pesquisa. A reflexão sobre essa aparente incongruência mostrou uma diferença que, apesar de sutil, era importante na definição do significado da expressão “uso de recursos expressivos”.Se estamos falando em promover a sistematização e discussão de como vêm sendo oferecidas, vivenciadas e interpretadas as práticas formativas e curativas que utilizam recursos expressivos, é importante, inicialmente, separar as primeiras das últimas.Falando de formação, a expressão “uso de recursos expressivos” pode ser pensada como complemento de intervenções didáticas regulares. Não se trata, entretanto, simplesmente de um uso complementar (como adição pura e simples), mas sim da criação de um espaço para que as outras atividades de formação assumam uma nova configuração, internamente, nos sujeitos das experiências feitas com tais recursos. Estes estariam, então, sendo interpretados como uma forma de expressão (ou linguagem) cuja função é, além de facilitar os processos de aprendizagem, explicitar e tornar disponíveis os aspectos a eles subjacentes, aos quais não temos acesso por meio dos procedimentos educativos tradicionais, baseados na explicação, na argumentação e na lógica racional linear. Dessa forma, o principal critério para a seleção dos trabalhos a serem analisados, no campo da formação, era que o 
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Christina M.B. Cupertino (organizadora) I 5
uso de recursos expressivos funcionasse como abordagem complementar ao ensino e à construção de conhecimento de uma ou mais disciplinas ou áreas de conhecimento que não aquelas que envolvessem esses recursos mesmos. Ficou definida a necessidade de existir um diálogo entre a linguagem expressiva de caráter artístico e a linguagem formal e conceituai de uma ou mais disciplinas.Na consulta aos trabalhos apresentados aos programas de pós- graduação em Psicologia, não houve tantas dúvidas, e os limites estavam mais definidos, uma vez que nessa área o uso de tais recursos restringe- se principalmente aos desenhos livres nas observações lúdicas e aos testes padronizados. Então foram selecionadas todas as teses e dissertações que faziam referência ao uso de recursos expressivos em diferentes contextos de atuação que não esses mencionados.O material foi lido sucessivas vezes e analisado em busca dos modos de funcionamento, fundamentos e resultados das atividades propostas, que foram sistematizados e, quando pertinente, confrontados com a literatura existente referente aos tópicos discutidos. Por ser uma área do conhecimento em construção, ao invés do acesso a um único domínio ou a alguma linha teórica definida, foi necessário recorrer a obras correlatas, que nem sempre tratam especificamente desse assunto, mas que fornecem subsídios para refletir sobre ele.Foram encontrados 41 trabalhos, e o número mais significativo estava nos cursos da USI> nas áreas de Psicologia e Educação (31), e na Escola de Comunicações e Artes (3). Na PUC havia apenas sete trabalhos, com ênfase no uso de recursos expressivos como ferramenta auxiliar na clínica ou no atendimento psicológico institucional. Lá, além disso, prevaleciam os trabalhos analisando práticas já estabelecidas, mais do que os que introduziam as atividades de cunho artístico na prática do pesquisador ou para a pesquisa propriamente dita. A distribuição dos trabalhos pelos anos selecionados, nas duas instituições, indica um aumento gradual do interesse pelo tema.
A QUEM SE DESTINAVAM AS ATIVIDADES PESQUISADAS
Com relação aos locais nos quais as pesquisas foram realizadas, a forte predominância da aplicação de recursos expressivos estava nos contextos educacionais ou de formação, com uma pequena preferência 
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I 6 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA
pelo segmento do ensino fundamental e médio (16 casos). Para a educação/formação de adultos foram dedicados dez dos trabalhos analisados: um na educação de adultos, cinco voltados para a formação acadêmica de 3o grau ou pós-graduação e quatro na formação de profissionais em serviço. Na área da saúde (prevenção, manutenção ou recuperação) estavam oito trabalhos, a maioria dentro de instituições de atendimento psicológico e/ou psiquiátrico (seis), e dois em psicopedagogia. As populações excluídas, representadas pelos trabalhos feitos em presídio (um), comunidades carentes (um) ou com moradores de rua (um), começavam a ser alvo desse tipo de atividade, e nesses casos, o uso da arte era associado à possibilidade de transformação pessoal e inserção social. Existiam ainda trabalhos teóricos fornecendo subsídios para a discussão sobre a pertinência ou não da associação entre Arte/Psicologia ou Arte/Educação, ou focalizando aspectos periféricos ainda dentro dessas interfaces.A análise do material desencadeou uma série de descobertas que aprofundavam e iam além daquilo que foi definido como critério para a seleção.No caso dos trabalhos em Educação, por um lado, mantinha-se a idéia de abordagem complementar ao ensino e à construção de conhecimento de uma ou mais disciplinas ou áreas de conhecimento que não aquelas que envolviam os recursos propriamente ditos, e tomou contorno cada vez mais definido a idéia de que não se trata simplesmente de um uso complementar. Na área da Saúde os recursos expressivos também serviam para ampliar possibilidades de aprendizado, mas de uma outra natureza: sua maior utilidade era sensibilizar, promovera expansão dos horizontes existenciais de seus usuários e dos ambientes nos quais estão inseridos.Mas a maior riqueza estava na imensidão de nuances que foi possível descobrir entre o simples uso do desenho para melhorar o aprendizado da geografia, por exemplo, e a sutil insinuação, ainda incipiente, da necessária consideração a ser dada a processos de aproximação da realidade imperceptíveis a olhares “científicos” mais tradicionais, como os que estão contidos nos gestos teatrais de presidiários.A partir da identificação dessas nuances, a apresentação e discussão do material se dá em três segmentos distintos. No primeiro 
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estão as práticas educacionais: o uso da arte como complemento ao ensino das disciplinas escolares e na formação de adultos. No segundo, são discutidas as práticas que usam recursos expressivos na Saúde e em Oficinas de Criatividade, nas quais a arte é vista como forma de expressão do mundo interno e/ou como modo de reinserção social. No último são abordadas algumas atividades consideradas pertinentes, na medida em que discutem questões correlatas ou subsidiárias às principais, mas que não couberam em nenhuma das categorias anteriores.
Recursos artísticos como complemento 
NO ENSINO DAS DISCIPLINAS ESCOLARES
Esse segmento apresenta e discute o conjunto de trabalhos voltados para o Ensino Fundamental e Médio, apresentados aos programas de pós-graduação na área da Educação (com exceção de um, apresentado à Escola de Comunicações). Neles, a principal característica subjacente é a demonstração da necessidade de inovação e ampliação dos recursos didáticos e das diferentes possibilidades pelas quais ela pode ser feita. Os recursos artísticos mais usados são o desenho e o teatro como formas de expressão, associados às diversas modalidades da escrita características do ensino tradicional. Obras de arte de artistas conhecidos (de quadros a letras de música, passando por peças de teatro), além de lendas, mitos e contos, são as maneiras preferenciais de introduzir temas e desencadear o processo de conhecê-los. Mas existe também o uso de atividades corporais e plásticas, bem como a combinação de vários desses itens.Em alguns casos percebe-se a recuperação de um procedimento - o da narrativa oral - que implicitamente aponta tanto para uma crítica aos ambientes escolares tradicionais, organizados de acordo com uma estrutura apoiada na “objetividade” e no distanciamento pessoal frente ao conhecimento do mundo, quanto para a necessidade de ampliação de recursos didáticos aplicados ao ensino das disciplinas escolares tradicionais. Modalidades de expressão artística são usadas, também, como passo intermediário no ensino de algumas disciplinas como a Geografia ou Ecologia, estabelecendo o trânsito entre a vivência concreta e a apreensão de conceitos abstratos.
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I 8 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA
Esses pesquisadores enfatizam o valor da expressão artística como linguagem que pode aproximar o indivíduo do fenômeno estudado pela via da experiência e por meio de sínteses de natureza poética, de uma construção do conhecimento vivenciada e da quebra da estrutura rígida do ambiente escolar. Há uma mobilização no sentido de tornar o ambiente mais lúdico e interessante, de desenvolver habilidade na exploração de diferentes formas de expressão e linguagem, no entrecruzamento da escolha do tema, dos recursos de exploração (plásticos, corporais) e no efeito esperado, estabelecendo a situação de diálogo entre a linguagem expressiva de caráter artístico e a linguagem formal e conceituai de uma ou mais disciplinas.Com a intenção de aproximar o universo acadêmico da realidade lingüística dos aprendizes, alguns trabalhos utilizam a análise linguística de letras de músicas populares como recurso auxiliar ao ensino da Língua Portuguesa. São trabalhos interessantes, na medida em que fornecem a educadores subsídios para refletir sobre a necessidade de aproveitamento de recursos didáticos mais próximos ao cotidiano, e sugerem a importância do estabelecimento de um caminho de mão dupla entre educador e educando, criando um movimento de apropriação do que é conhecido pelo estudante, ao invés da tradicional transmissão neutra, de fora para dentro, de um conhecimento abstrato e descontextualizado.
OS RECURSOS ARTÍSTICOS NA FORMAÇÃO DE ADULTOS
Nos trabalhos realizados com adultos, é investigado o uso de recursos expressivos específicos como ferramentas complementares para a aquisição de conceitos ou incorporação de conteúdos também específicos. São trabalhos mais complexos, que abrangem aspectos mais sutis da experiência de uma verdadeira incorporação de conhecimentos, encarada de uma maneira mais visceral que o mero registro e reprodução de informações.Nos trabalhos apresentados ao IPUSI’ a defesa mais interessante e paradigmática desse uso foi feita por Rusche (1997), que analisa a linguagem gestual de presidiários como forma de expressar e lidar com conteúdos afetivos, ao longo de atividades grupais dirigidas à prevenção de DST/AIDS. O autor tem como pressuposto a idéia do 
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processo educacional como promotor de mudanças de atitudes, e não como condição para reprodução do conhecimento acumulado, e apóia- se na idéia de que a arte tem como função dar vazão às emoções e atitudes do indivíduo.Em tais trabalhos, os autores defendem os efeitos que o contato com a arte e o fazer artístico produzem no adulto, ampliando suas possibilidades de conhecimento e de leitura do mundo, pressupondo um “modo artístico” de aprender, fundamental por integrar afetividade, sensibilidade e cognição. Têm subjacente a retomada de uma idéia aparentemente óbvia e bastante antiga, que é a do benefício da associação entre a aprendizagem formalmente estruturada, hegemônica nos sistemas educacionais, e a aprendizagem pela experiência. A introdução dos recursos artísticos, nesse caso, não apenas facilitaria a experiência, como daria a ela e a todo o processo educativo uma outra configuração.A base dessa reflexão nos remete, de imediato e inicialmente, a John Dewey,3 mais especificamente na conferência “Experience and Education”, ministrada por ele em 1938, e na qual dois aspectos se destacam como relevantes para discussão. Um deles é a afirmação de que a escola é uma instituição afastada das outras formas sociais de organização, fato que podemos reconhecer como predominante na maioria dos sistemas educacionais ocidentais até hoje (Dewey, [1938] 1997).
3. Cuja obra vem sendo revista, segundo Ana Mae Barbosa (2001), por uma série de áreas do conhecimento humano.
O esclarecimento das razões para que essa afirmação seja correta ancora-se na compreensão do modelo através do qual o conhecimento vem sendo acumulado e transmitido há, pelo menos, cinco séculos.A trajetória desse processo, desencadeado a partir do Renascimento, mostra o desalojamento do sujeito humano a partir da falência da crença em Deus como origem de todas as coisas e das decisões ligadas ao destino humano. Situando a si mesmo no centro do universo, não mais na condição de criatura, o ser humano assume a tarefa de conhecê-lo e explicá-lo (Vattimo, 1991), através de mecanismos de assepsia que tornem esse conhecimento confiável, definidos como o método científico tradicional, cujas limitações são evidentes hoje em dia.
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Martin Heidegger ([1962] 1990), em sua palestra “O princípio de razão”, discute a raiz dessa situação atual, ao explicitar suas críticas aos fundamentos do empreendimento científico-tecnológico moderno, que, de acordo com ele, trata o mundo e as coisas como objetos à disposição do homem, a serem subjugados através do que se estabeleceu como o que ele chama de “reinado da razão, da positividade e do método”. Ou seja, apenas quando explicitamos as razões de um evento, podemosdizer que ele é verdadeiro. Isso pressupõe que já se tenha definido e nomeado, de antemão, uma realidade e uma ordem. Podemos não nos questionar o tempo todo sobre as razões pelas quais alguma coisa é, mas nos apoiamos na certeza de que ela é, de que é em relação com outras coisas, numa realidade ordenada, com leis definidas que a regem.A problematização dessa realidade conduz à necessidade de estabelecer se essas suposições (razões e relações) são verdadeiras, o que deve ser feito através de uma linguagem que as represente com precisão. Ao lidarmos com as representações, o fazemos como quem lida com as coisas mesmas, num processo de verificação que nada mais seria, então, do que julgar a correspondência entre os acontecimentos e seus enunciados. Prestar contas das razões para que cada coisa seja é estabelecer sua veracidade, ou a correspondência entre o objeto e sua representação lingüística, por meio da experimentação, nesse caso entendida como manejo controlado de cada fragmento da realidade.A articulação lógica e progressiva das representações constituiría com segurança, dessa forma, o conhecimento acumulado e o controle sobre as coisas. Assim procedendo, ao nos confrontarmos com alguma coisa nova, imediatamente temos que definir a qual das categorias daquilo que é conhecido ela pertence, articulando-a com as demais, para que tudo faça sentido dentro do pressuposto de uma ordem fundamental. E a linguagem representativa, entendida em sua imprescindível necessidade de precisão, objetifica a realidade, colocando- a à disposição por meio de conceitos operacionais para manipulação. Ao representar, o sujeito humano objetifica o mundo.A manipulação e a articulação dos conceitos em sistemas organizados dependem, assim, da fragmentação inicial da realidade em partes, num processo de dividir para governar. A partir disso, cada 
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fragmento é despojado de suas particularidades e afastado de seu contexto natural, para que possa ser compreendido e usado universalmente, em procedimentos de repetição dos experimentos que visam explicar o mais detalhadamente possível suas origens, composição e funcionamento. Apenas de posse desse conhecimento é possível controlar e prever os desdobramentos de situações futuras, bem como sistematizar o conhecimento obtido.Heidegger enfatiza sua crítica a esse movimento que, segundo ele, trata o ser das coisas apenas como uma “essência” ideal dos entes, ao afirmar que, do ponto de vista da ciência tradicional, “a experiência não é possível a não ser a partir do conhecimento da natureza transformada em pesquisa” (1990:106). Isso significa que os eventos, fluidos e efêmeros por natureza, devem ser devidamente fixados por meio de definições precisas, para que possam ser submetidos e manejados de modo sistemático, confirmando ou rejeitando expectativas registradas como hipóteses e extraindo daí sua veracidade, ou sua razão de ser.Esse procedimento, por um lado, vem proporcionando um desenvolvimento científico e tecnológico sem precedentes, responsável pelas principais conquistas humanas em termos de melhoria da qualidade de vida no planeta, enquanto que, ao mesmo tempo, tem sido fonte de destruição tanto de recursos naturais quanto de vidas humanas, num processo de dominação do homem pelo mesmo mundo que ele teve uma vez a ilusão de subjugar (Heidegger, 1997).Correlata dessa forma de construção do conhecimento acumulado é a maneira de difundir esse conhecimento, pretendendo que ele seja disseminado e incorporado por toda a humanidade de modo cumulativo, progressivo e uniformizante. Esse projeto foi iniciado com os descobrimentos dos séculos XV e XVI, que visavam a colonização dos povos bárbaros e sua absorção às sociedades “civilizadas”, e tomou fôlego com o aprimoramento das comunicações e com a ilusão de que constituiriamos um dia uma aldeia global. Esse empreendimento, entretanto, favoreceu sua própria implosão, uma vez que a expansão mundial na direção do que Vattimo (1991) chama de “sociedade transparente” nada mais fez do que evidenciar a diversidade e a impossibilidade de anulação dos contextos e das diferenças, tanto entre indivíduos e povos, quanto de interpretações e usos do conhecimento.Uma das críticas mais bem articuladas à pretensão de fazer prevalecer a lógica linear num processo cumulativo de iluminação 
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progressiva vem dos estudos da complexidade, representados nas ciências humanas e da educação, principalmente por Edgar Morin.Originados no âmbito das ditas ciências “duras”, ou exatas, esses estudos derivam da constatação de que a ciência pouco tem a acrescentar, atualmente, ao entendimento de fatos e elementos da natureza isolados.Waldrop (1992) nos conta que John Holland e Christopher Langton, biólogos do Instituto Santa Fé de Estudos da Complexidade, em seus estudos sobre o surgimento e a existência da vida, afirmam que já chegamos ao conhecimento da matéria e da energia em suas menores partículas e fragmentos, e isso ainda não explica grande parte do que acontece na natureza e nas relações humanas, confrontando- nos com a necessidade do estudo das relações entre os diferentes elementos e dos contextos onde os eventos ocorrem: “as leis da vida devem ser leis dinâmicas, independente dos detalhes de qualquer química particular que possa ter acontecido há bilhões de anos” (p. 277).Edgar Morin (1994) critica a idéia da objetividade pretendida pelas teorias, que relacionam dados por meio da articulação dos conceitos da linguagem representativa, e o faz contestando a assumida pureza dos fatos, e afirmando que eles não se encontram apenas lá, na realidade, à nossa disposição para serem encontrados. Ao contrário, eles estão diluídos em um conjunto de eventos do mundo real, cuja lógica nós, humanos, definimos antecipadamente para poder manipular.Essa manipulação exige que eles sejam inicialmente selecionados entre uma variedade, despojados de suas particularidades e conduzidos a situações artificiais, de laboratório, onde se pode proceder às variações necessárias. Morin, aqui, quer acentuar a impossibilidade da neutralidade pretendida, uma vez que, em todo o seu empreendimento, o fazer científico depende de processos humanos: na antecipação dos eventos que possibilita a escolha de fatos relevantes, na definição da linguagem apropriada para representá-los e na articulação dessa linguagem em sistemas que façam sentido e que expliquem os acontecimentos selecionados, relacionando-os com outros.As teorias são construções, e não a simples tradução de uma ordem suposta da realidade. Sua comprovação ou rejeição depende da comunicação entre seres humanos e da inserção em contextos apropriados. A própria articulação do pensamento depende de 
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habilidades humanas que escapam às tentativas de previsão e controle, como é o caso da imaginação e da criatividade: “no dia em que a invenção for programada, deixará de haver invenção” (p.40).Conhecer e aprender, então, acontecem não só pela via da repetição, mas também pelo desvio e pela divergência, pela navegação em processos que escapam às formulações de qualquer linguagem que vise apenas representar fielmente o que está presente e visível.Depende também, como defende o economista William Brian Arthur (in Waldrop, op.citS) de condições como a transformação ocasionada pelo aprendizado através da experiência, que faz com que uma situação não seja nunca igual a outra, o que nos traz de volta às posições defendidas por Dewey.Em seus argumentos, ele identifica nas filosofias da educação dois movimentos distintos: o modelo tradicional e o progressista, assentados em pólos opostos, cujas alternativas são:
À imposição vinda de cima se opõem a expressão e o cultivo da individualidade; à disciplina externa opõe-se a atividade livre; ao aprendizado através de professores e textos, o aprendizado pela experiência;à aquisição de habilidades isoladas e técnicas através da repetição, opõe-se à aquisição como meio para atingir fins que tenham direto apelo vital; à preparação para um futuro mais ou menos remoto, opõe-se o maior aproveitamento possível das oportunidades oferecidas pela vida atual; aos objetivos e materiais estáticos, opõe-se o contato com um mundo em transformação. (Dewey, op.cit., pp. 19-20)
Assinalando que o problema não está em delimitar territórios, mas no grau de abstração dos princípios enumerados, aos quais podem ser atreladas quaisquer práticas, Dewey dedica-se a fazer uma reflexão sobre a qualidade da experiência, alvo e resultado de qualquer processo educacional. De todas as relevantes considerações, que não cabe aqui expor detalhadamente, uma parece estreitamente relacionada à presente discussão: a idéia de que a experiência deve inserir-se num continuum, ou seja, cada experiência vivida deve promover, além daquilo que lhe é intrínseco, o desejo de experimentar novamente, de experimentar outras coisas.
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24 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA
Ao estudarem a introdução de recursos expressivos de natureza artística nas atividades educativas tradicionais, os pesquisadores cujos trabalhos foram até aqui analisados afirmam, de certa maneira, essa posição: buscam validar as iniciativas que abrem o espaço necessário para que a escola saia do modelo clássico na direção de uma educação mais próxima da vida.De fato, se essa busca dá visibilidade a algumas iniciativas, ao mesmo tempo encobre o fato de que, até agora, aparentemente, fazer coisas desse tipo não era possível ou viável. Se considerarmos que esses trabalhos foram defendidos em alguns dos principais cursos de pós- graduação do país, temos uma medida que indica o descompasso da Educação diante das demandas do mundo contemporâneo.Cláudio de Moura Castro, em crônica escrita para a revista Veja4, já havia constatado a mesma coisa ao fazer referência ao julgamento dos candidatos ao prêmio “Professor Nota 10”, dado pela Fundação Vitor Civita a professores capazes de iniciativas que promovam um melhor aprendizado. Os exemplos citados por ele referem-se, predominantemente, à associação de conteúdos de diferentes disciplinas com experiências que dão vida aos conceitos ou teorias, e consolidam o aprendizado. São exemplos de criatividade no manejo de realidades, a maior parte das vezes, muito adversas, o que em si já valoriza seus autores. Mas com relação a alguns deles, nos diz ele:
4. Edição 1774, de 23 de outubro de 2002.
Só que se referem a práticas que deveríam ser aprendidas pelos mestres durante sua formação, para aplicação rotineira em sala de aula. Ou seja, o professor reinventou o que já foi inventado e deveria ser parte do repertório de técnicas de todos os mestres. Tais profissionais não são menos criativos. São apenas vítimas de uma escola que lhes sonegou tais conhecimentos.
E, finalmente, podemos pensar: por que o uso específico da arte? Parte da resposta a essa pergunta está no que foi acima formulado como a necessidade de explorar linguagens complementares à que foi chamada de representacional, que funciona dentro dos preceitos da estrita racionalidade e da lógica da demonstração. Dessa forma, estariam 
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sendo considerados variados processos de apreensão e compreensão do mundo, como a intuição (entre outros), até agora pouco explicitados e entendidos, por se manifestarem por outras vias.Kastrup (1999) resgata essa necessidade ao criticar o que ela chama de “redução do conhecimento à representação”, referindo-se a uma outra forma de conhecer defendida por Bergson: a intuição. Segundo a autora, esse filósofo “recusou-se a reservar o termo conhecimento para a função de reconhecimento, a fazer da teoria do conhecimento uma teoria do conhecido.” (p. 37).Um dos principais esforços na direção do esclarecimento da importância da intuição como forma de conhecer é feito por Arnheim (1989, p. 13), do ponto de vista da produção artística. Criticando a artificial oposição normalmente feita entre intuição e intelecto, e a tendência habitual a valorizar apenas o último, inicia seu texto “A duplicidade da mente: a intuição e o intelecto” dizendo que
[...] há educadores que negligenciam ou até mesmo desprezam a intuição. Estão certos de que a única forma de adquirir um conhecimento digno e útil é pelo intelecto, e que a única arena mental onde o intelecto pode se exercitar e aplicar é a da linguagem verbal e matemática. Além disso, estão convictos de que as principais disciplinas da educação se baseiam exclusivamente em operações de pensamento intelectual, ao passo que a intuição está reservada às artes visuais, à poesia e à música. (...) Em conseqüência, no planejamento dos currículos escolares, os programas ‘sólidos’ são distinguidos dos de ‘peso leve’, que dão espaço indevido às artes.
0 USO DE RECURSOS EXPRESSIVOS EM SAÚDE MENTAL
Esse segmento detém-se nas teses e dissertações que abordam o uso de recursos artísticos na área da Saúde Mental, apresentadas aos programas de pós-graduação em Psicologia, na PUC-SP e na USRApresentados ao programa de mestrado em Psicologia Clínica da PUC, dois trabalhos investigam práticas já estabelecidas em instituições de Saúde Mental, nas quais acontece o uso de oficinas de arte como parte das atividades terapêuticas. Refletindo sobre o valor de 
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26 ESPAÇOS DE CRIAÇÃO EM PSICOLOGIA:OFICINAS NA PRÁTICA
atividades (artísticas, como música, teatro, somadas a passeios e festas) realizadas com internos de instituições psiquiátricas, esses autores focalizam sua atenção nos profissionais da área da Saúde, e não nos benefícios usufruídos pelos pacientes. Concluem que o uso das oficinas é benéfico na medida em que alarga os horizontes dos profissionais envolvidos, permitindo a transdisciplinaridade e provocando conexões entre os diferentes campos de atuação. Nesses trabalhos não há considerações sobre a associação da Arte à Psicologia. Os recursos artísticos são apenas mais uma das possibilidades de intervenção dos profissionais, sendo considerados como equivalentes às festas e passeios, e o enfoque não está na análise dos benefícios que eles podem ocasionar aos internos. A principal função de todas essas atividades é proporcionar ao profissional um repertório de situações que podem adquirir caráter terapêutico.Nos trabalhos dirigidos aos usuários dos serviços, são apontados os benefícios da criação artística como atividade terapêutica para a reinserção social dos participantes, que passam a ser reconhecidos por sua produção e não por seus distúrbios. O trabalho com arte e com histórias, além disso, possibilita uma experiência de permanência, que cria um sentido de continuidade para a existência. O teatro também foi alvo específico de pesquisas, que defendem a diferenciação entre arte e ciência na abordagem do humano e na ressignificação de experiências vividas. O registro fotográfico também foi investigado, por permitir resgatar aspectos ligados à percepção de si dos sujeitos e à identidade de grupos. A fotografia, nesse caso, foi vista com a função de espelho: das pessoas, das relações, e das situações vividas.
As Oficinas de Criatividade
Cinco dos trabalhos apresentados tratam do que se convencionou chamar de “Oficina Criativa”, ou “Oficina de Criatividade”, universo do qual faz parte a atividade que eu mesma desenvolvo e investigo, e que deu origem a essa pesquisa. Por essa razão, esses estudos serão descritos mais detalhadamente, para discriminar a especificidade de cada modalidade de oficina.Em um dos trabalhos (Alessandrini, 2000), temos o pólo mais positivista das oficinas, uma vez que ela investiga, objetiva e 
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detalhadamente, de acordo com o referencial piagetiano, como ocorre o processo de construção pessoal de um projeto de trabalho em argila proposto em Oficina Criativa.Analisa material, obtido em vídeo e áudio, de condutas e relatos verbais de três sujeitos, em quatro níveis de relação: consigo mesmos, com os outros, com os objetos e com a tarefa, concluindo pela presença da regulação das ações e do ajustamento das estruturas afetivo-cognitivas compatíveis com a fase de desenvolvimento.Carvalho (2000), por sua vez, trabalha com o uso de recursos artísticos em Oficinas Criativas, visando a produção de novos significados para a prática profissional de educadores da rede pública, concluindo que as oficinas criam o espaço necessário para novos modos de escuta para os problemas vividos pelos educadores, bem como novas formas de contato e discussão desses problemas, em busca de soluções coletivas. Em Gomes (2000) encontramos proposta semelhante, baseada nos mesmos fundamentos (a arte-terapia gestáltica), mas com educadores de creche e educação infantil. Os resultados mostram o aumento da valorização da equipe multidisciplinar e do trabalho do psicólogo na formação contínua dos educadores. Os resultados em geral mostram o que aconteceu com a população submetida às atividades: expressão de afetos e sentimentos por meio da produção; contato mais próximo com os demais elementos dos grupos; trocas significativas; descoberta de aspectos desconhecidos, tornados aparentes nas obras concluídas ou durante o processo de execução. Aparecem também a constituição dos territórios comuns compartilhados pelos membros dos grupos, e a concomitante aceitação de particularidades e diferenças. São discutidos os efeitos de ampliação das possibilidades de atuação profissional, da oportunidade para que o “aplicador” dos recursos seja melhor aceito em grupos e instituições.Bernardo (2001), por sua vez, associa os processos de aprendizagem, quando efetuados numa base vivencial ancorada no uso de recursos artísticos, com o desenvolvimento psíquico. Baseada na psicologia analítica, enfatiza o papel do uso criterioso, ético e criativo de recursos expressivos na facilitação da aquisição do conhecimento integrado ao autoconhecimento. O pressuposto aqui é que o verdadeiro aprendizado passa pelo autoconhecimento.A manifestação mais abrangente desse tipo de trabalho acontece na tese de Jordão (2001), que articula diferentes saberes na defesa da 
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necessidade do flanar na transformação individual, apontando a deficiência das sociedades contemporâneas em oferecer tais espaços de criação. Defende o valor terapêutico da vivência lenta e ociosa do contato com o corpo e com o espaço, expressa em gestos posteriormente transformados em produções artísticas, seja pela palavra, seja pelo grafismo ou argila. Sua prática e sua argumentação baseiam-se numa vasta gama de autores e vertentes, que passam por Feldenkrais, Eutonia e Tai-Chi (na abordagem corporal), Bachelard e Anzieu (quanto à 
rêverie), e Mario de Andrade (com seu preguiçoso Macunaíma), além de recursos expressivos gráficos, plásticos e literários.Na área da Saúde Mental e nas Oficinas de Criatividade podemos perceber que o que fundamenta o uso de recursos expressivos é, por um lado, o mesmo raciocínio que apóia o uso de técnicas projetivas, ou seja, supõe-se que o indivíduo externalize e atualize aspectos pessoais (afetos, sentimentos, visão de mundo) na produção artística, sendo transformado por ela. Além disso, os trabalhos analisados mostram a visibilidade dessa produção como fator importante para a (re) integração dos clientes/artistas na sociedade, sugerindo que a transformação ocasionada não atinge apenas a eles, mas também as instituições e a própria sociedade.São pontos comuns, também, a ampliação do autoconhecimento e do conhecimento do outro, a possibilidade de compartilhar o que é comum e a aceitação da diversidade. As atividades artísticas facilitam um acesso a aspectos da experiência humana inacessíveis através da fala, e estabelecem alternativas de comunicação de outra natureza. Como no segmento anterior, podemos perceber a existência do reconhecimento da cisão entre arte e ciência, e das particularidades de cada uma, diferenciadas nos meios de expressão e por promoverem acesso a instâncias e a processos (mentais, emocionais, motores) diferentes.Se no contexto da Educação o sentido do uso da arte está, entre outras coisas, na ampliação do campo da aprendizagem pela experiência, próxima da realidade e da vida do aprendiz, no campo da Psicologia o sentido está no uso dos recursos artísticos para expressão de sentimentos e emoções. Observamos como princípios que regem esse uso a tendência de pensar a obra de arte como algo que tem que ser decifrado em busca da mensagem de seu autor e a falta de 
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obrigatoriedade de uma representação fiel da realidade, o que exigiria um padrão técnico que não está presente no cidadão comum. Esses pontos de apoio para o uso de recursos artísticos com as finalidades e resultados apresentados nesse segmento, podem ser associados a alguns aspectos da discussão sobre o sentido da arte e das radicais transformações pelas quais ela passou a partir do século XX.Ao introduzirem o conceito de arte-terapia, Pain e Jarreau (1996) ressaltam que usar recursos artísticos com finalidades terapêuticas depende de
tomar a palavra ‘arte’ no sentido que ela adquiriu na segunda metade do século XX, onde não é mais o ofício da recriação da Beleza ideal, como também não está a serviço da religião ou da exaltação da natureza. A ruptura brutal da arte contemporânea com aquelas que a precedem interrogou nossa época sobre a própria função da arte. [...] Essas diversificações da expressão artística inspiraram e garantiram as diferentes abordagens arte- terapêuticas. (pp. 9-10)
Read (1978), apresenta uma definição possível de arte para além da mera reprodução da realidade, e ao mesmo tempo a ela inexoravelmente atrelado: a expressão. A arte, para ele, expressa o ideal, mas não qualquer ideal, e sim aquele possível de ser representado plasticamente. Dessa forma, enquanto expressão do ideal, a representação plástica é sempre estranha, e não uma réplica exata da realidade: ela depende de um ponto de vista, e de um meio através do qual se expressar, constituindo-se como uma linguagem específica.Expressão, no entanto, é um termo ambíguo. Pode significar emoções diretas a serem transmitidas, mas é também a disciplina e a restrição do meio escolhido pelo artista. Essa ambigüidade de certa forma é o que viabiliza o uso de recursos artísticos em atividades que não a produção artística propriamente dita, como no caso dos trabalhos em Psicologia, que mostram o uso da arte apenas como expressão, desprezando a habilidade técnica e o domínio apropriado dos meios.O sentido da arte está, também, em desencadear as emoções, por meio do sentimento de empatia: “A obra de arte é de certo modo liberação da personalidade; normalmente os nossos sentimentos estão 
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inibidos ou reprimidos. Contemplamos uma obra de arte e imediatamente realiza-se uma liberação.” (idem, p. 31)A identificação do que está sendo liberado na obra através da interpretação, segundo Sontag (1987), é uma tendência geral, passada e contemporânea, caracterizada pela necessidade de avaliar a obra por seu conteúdo:
quer nossa concepção de obra de arte utilize o modelo do retrato, da representação (a arte como um retrato da realidade), quer o modelo de uma afirmação (arte como afirmação do artista), o conteúdo ainda vem em primeiro lugar. O conteúdo pode ter mudado. Agora pode ser menos figurativo, menos lucidamente realista. Mas ainda pressupomos que a obra de arte é seu conteúdo. Ou, como se diz hoje, que uma obra de arte, por definição, diz alguma coisa, (p. 12).
Esse pressuposto é um dos aspectos mais relevantes na compreensão do uso dos recursos artísticos com finalidades terapêuticas ou educativas. É a partir de uma obrigatoriedadede interpretação dos produtos de natureza artística que os consideramos úteis na compreensão de seus autores.Além dos aspectos de forma e de conteúdo, é importante assinalar o papel da visão do artista sobre o tema representado. Para Read (1978, 
op.cit.), numa obra de arte perfeita, os elementos combinam-se de maneira a constituir uma unidade de valor maior que a soma das partes:
os elementos de uma pintura se combinam por meio da personalidade que os domina e os modela em unidade tal, que é a unidade da apreensão emocional direta do pintor com relação ao assunto diante dele. Quando acabarmos de analisar todos os elementos físicos que entram em uma pintura, ainda teremos que justificar o elemento intangível que representa a individualidade do artista e que [...] conduz a resultados totalmente diferentes, (p. 47)
Essa possibilidade de representação de um segmento do mundo a partir de uma síntese pessoal é um dos pontos fortes do uso de recursos expressivos por não artistas, ou seja, mesmo quando não se trata da 
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“obra de arte perfeita”. É esse arranjo emocional-perceptivo, que acaba por constituir-se em material precioso para a exploração de valores e visões de mundo nas atividades aqui analisadas.Outro argumento de Read quanto ao sentido da arte que clarifica o valor de seu uso em outros ramos de atividade é o que considera a arte como apreensão intuitiva, mais que percepção consciente: “A obra de arte não está presente em pensamento, e sim em sentimento; constitui símbolo de preferência à afirmação direta da verdade”, (idem, p.48). Como símbolo, pode ser decodificada em conjunto com o autor, na procura de uma maior compreensão sobre ele e sobre o tema, mesmo que não se trate, como foi dito, “da obra de arte perfeita”.Com relação às transformações sofridas pela arte na era contemporânea, diz ainda Read que: “A característica distintiva de tudo quanto é representativo e vivo na arte moderna inclina-se para (...) a interpretação imaginosa do atual e contra a simples reprodução, pelo transcendente contra o materialista”, (idem, p. 108). Ao artista cabe colocar-se entre a natureza e o observador, ressignificando-a, o que acontece hoje em dia mesmo com recursos nos quais a tecnologia contemporânea está presente, como a fotografia. Mesmo pintando uma paisagem, o artista está comunicando uma descoberta original, mais que um mero retrato exato da realidade. Quanto mais original a descoberta, melhor o artista. O que ele tem a nos mostrar é sua compreensão da natureza. E é essa compreensão do mundo que se acredita que transpareça nas manifestações ditas “artísticas” do cidadão comum, quando a ele é oferecido o acesso a essa forma intuitiva de expressão.Por outro lado, ainda com relação a pensarmos a arte como expressão (de sentimentos, de visões de mundo), Read ressalta a afirmação enfática dos artistas, principalmente os expressionistas, de que não é qualquer expressão que pode ser chamada de arte: “Expressão não consiste no pronunciamento espontâneo de sentimento, mas no reconhecimento de imagens ou objetos que incluem sentimento” (idem, p. 139). Esse é um argumento que define, mais uma vez, o aproveitamento parcial do sentido da arte, quando ela é utilizada em outras atividades humanas que não a produção de obras de arte propriamente ditas. Como no caso da arte como expressão, no qual descartamos a necessidade da habilidade e da técnica, aqui podemos concluir que 
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daquilo que é produzido nas atividades que utilizam recursos expressivos, aproveitamos apenas a oportunidade de expressão plástica dos sentimentos.Além de todos os aspectos discutidos até agora, é importante assinalar algumas particularidades presentes nos trabalhos sobre Oficinas de Criatividade.Uma delas refere-se aos nomes dados a esse tipo de trabalho (Oficinas de Criatividade ou Oficinas Criativas) que, em sua imprecisão, acabam por assinalar a dificuldade em descrever, a partir de uma linguagem operacional e unívoca, o âmbito dos acontecimentos por ele englobados.Podemos observar que essas atividades não tratam, especificamente, do desenvolvimento da criatividade, pelo menos da forma como ele é entendido em programas mais tradicionais, como os usados nas empresas, por exemplo. O que essas atividades pretendem, aparentemente, é focalizar o potencial e o processo de transformação dos participantes, com a intenção de promover uma espécie de conscientização dos afetos (no sentido da abertura para o que afeta o sujeito) e a reorganização da experiência, a partir da introdução de formas de expressão que, pelo menos inicialmente, circulem por outras vias que não a lógico- racional.Por meio de um recurso único (como a argila, por exemplo), ou de uma multiplicidade de recursos, procura-se atingir e dar visibilidade a uma multiplicidade de processos, que envolvem o funcionamento amplo do indivíduo, seu modo de ser, mais do que qualquer capacidade específica.Todos esses trabalhos,5 excluindo-se o de Alessandrini, que segue mais claramente os padrões do fazer científico tradicional, têm duas características comuns, que podem ser discutidas. Uma delas é a multidisciplinaridade. São todos trabalhos que lançam mão de diferentes áreas do conhecimento (Sociologia, Psicologia, Filosofia, Artes, Abordagens Corporais). A outra questão é decorrente desse aspecto, e diz respeito à forma como esses trabalhos são redigidos. Mais do que relatos lineares, fiéis às normas que definem os trabalhos científicos 
5. Incluo aqui também minha própria tese de doutorado - “O resgate do marginal: atividades impertinentes para psicólogos em formação”, defendida na PUC, em 1995, e publicada posteriormente com o título “Criação e formação: fenomenologia de uma oficina”, pela Editora Arte e Ciência, em 2001.
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acadêmicos, essas são teses que mais exercitam uma costura, que estabelecem um trânsito entre diferentes saberes, caminhando por vezes por sendas isoladas, cuja completude de sentido só aparece no final da história.Esses sinais parecem anunciar uma prática emergente, cuja elaboração extrapola os limites das disciplinas isoladas, uma modalidade de conhecimento que apenas se inicia, prometendo articulações inéditas.
Temas Complementares
Como não poderia deixar de acontecer, esse segmento trata das exceções, isto é, das teses e dissertações que não correspondem exatamente aos critérios estabelecidos para a seleção, mas que trazem à luz o debate sobre questões fundamentais para as práticas analisadas, e sobre as condições para que se estabeleça o trânsito entre diferentes áreas.Investigam o papel da fotografia como um exercício de vida por meio da análise da vida e do trabalho de um fotógrafo e o uso de jogos como facilitadores no processo de aquisição da leitura e da escrita para portadores de necessidades educativas especiais. Apesar de não referir-se explicitamente a recursos artísticos, e sim aos jogos, a autora desenvolve toda uma argumentação relativa ao uso de recursos complementares aos tradicionais como forma de desenvolver uma participação mais ativa e crítica por parte do aprendiz.Um dos trabalhos defende um limite necessário entre o ensino da arte propriamente dita e o seu uso como recurso para ilustrar outros conteúdos, enquanto outro aborda a educação de educadores para o ensino da arte, defendendo a posição de que ela deve ser realizada através da arte, cujo espaço reduzido dentro da escola prejudica o desenvolvimento da dimensão estética, forma importante de habitar o mundo.Na ECA há trabalhos que auxiliam na discussão dos fundamentos que viabilizam o estabelecimento do trânsito entre diferentes formas de expressão e de transmissão e apropriação do conhecimento: uma reflexão sobre o conhecimento visual a partir da abordagem fenomenológica; uma discussão sobre a separação entre as diferentes esferas do conhecimentodesencadeada a partir do iluminismo, e a sua superação 
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pela arte pública como familiarização com a arte contemporânea; o estudo do “viver criativo” de pessoas que procuram o desenho como forma de expressão; a relação entre criatividade e saúde, partindo de depoimentos de cinco participantes de um programa de estímulo à criatividade.
Considerações finais
O trabalho realizado pelos pesquisadores, de estabelecer relações entre disciplinas estanques, formando as novas interfaces que estão no título dessa pesquisa -Arte, Psicologia e Educação, traz à luz aspectos essenciais que ficam como sugestão para outras pesquisas.Por um lado, tornam evidentes lacunas importantes na educação, que merecem uma consideração mais detalhada. Por outro, abrem perspectivas para diferentes formas de atuação na área da Saúde e da Psicologia, que também podem ser consolidadas através de outros estudos.Além disso, as teses e dissertações traduzem e introduzem uma saudável tendência à composição e complementação entre atividades, disciplinas e práticas, distinta da habitual oposição existente entre abordagens, característica marcante da produção de conhecimento tradicional. E são, ao mesmo tempo, práticas que visam desorganizar as estruturas nas quais estão inseridas (settings terapêuticos ou ambientes escolares), algumas mais timidamente que as outras, pondo em questão essas estruturas mesmas.Em todos os casos, a exposição ao desconhecido e a coragem de navegar por áreas híbridas nos leva para além do estabelecido (como linguagem, como produção de conhecimento, como forma de ensinar ou de atender clientes), desvelando formas de pensamento e expressão cuja compreensão, ainda em estado embrionário, abre caminhos para transformações futuras.
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