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1 Material esquematizado para estudo CONSTITUCIONAL AVANÇADO PARTE I 2019.2 2 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Aulas 1 e 2 - Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade As premissas do controle de constitucionalidade Para que se possa falar em controle judicial de constitucionalidade, é necessário observar dois conceitos fundamentais, quais sejam a supremacia da Constituição e a rigidez constitucional. Ou seja, as premissas do controle de constitucionalidade são exatamente estes dois conceitos. A ideia de que a Constituição é dotada de supremacia em face das demais normas infraconstitucionais que integram a ordem jurídica como um todo é um fenômeno que somente se consolida com a famosa decisão do Juiz Marshall, nos Estados Unidos da América, no caso Marbury v. Madison, em 1803. No âmbito do constitucionalismo democrático moderno, tal decisão é a origem do controle de constitucionalidade, na medida em que selou, definitivamente, o princípio da supremacia da Constituição, cuja efetividade passou a ser garantida pela intervenção do Poder Judiciário nos casos de violação ao texto constitucional. Assim, ficou consolidada a competência da Suprema Corte para invalidar todos os atos do Poder Público que, por ventura, vierem a contrariar a Constituição, norma suprema que se coloca acima dos poderes constituídos do Estado. Coloca-se assim a Constituição fora da esfera de atuação da vontade circunstancial das maiorias legislativas. Portanto, a ideia de controle de constitucionalidade está vinculada ao conceito de Estado de Direito, aqui vislumbrado como principal produto do constitucionalismo democrático, cujas origens remontam aos grandes movimentos revolucionários liberais do século XVIII (Revolução americana de 1776 e Revolução francesa de 1789). Em linhas gerais, o constitucionalismo democrático e, na sua esteira, o Estado de Direito, surgem como reação ao Estado Absoluto, com o objetivo específico de limitar o exercício arbitrário do poder estatal. Nesse sentido, o leitor vai compreender facilmente que a limitação do poder do Estado ocorre a partir de dois grandes eixos propulsores, a saber: a) separação de poderes, ou seja, poderes independentes e harmônicos entre si; b) positivação de um catálogo de direitos fundamentais do cidadão comum. Observe, aqui, com atenção, que não haverá Estado de Direito se não houver o equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (princípio da separação de poderes). Da mesma forma, não haverá Estado de Direito sem o estabelecimento de um regime jurídico de proteção dos direitos fundamentais, que se coloque acima das razões de Estado. Em consequência, o princípio da supremacia da Constituição pressupõe verticalidade normativa que se impõe aos atos emanados do Poder Constituinte Derivado Reformador, que não podem contrariá-la. Portanto, há que se compreender que a supremacia da Constituição é fruto de uma estratégia hermenêutica liberal de limitação do poder do Estado. Cabe ao Poder Constituinte Originário (único detentor de 3 legitimidade para criar o novo Estado e a nova Constituição) estabelecer as limitações constitucionais que serão impostas ao Poder Constituinte Derivado Reformador (poder constituído). Tais limitações constitucionais são: a) de ordem material (cláusulas pétreas); b) de ordem formal (observância das regras do processo legislativo constitucional); c) de ordem circunstancial (proibição de Emendas Constitucionais durante uma Intervenção Federal, Estado de Defesa ou Estado de Sítio). Assim, observe, com atenção, que, quando o Poder Constituinte Derivado Reformador viola direitos fundamentais do cidadão comum ou fere de morte a supremacia de uma Constituição rígida e escrita, o mecanismo de controle de constitucionalidade é acionado como elemento garantidor da restauração de equilíbrio do sistema jurídico, retirando o ato inconstitucional do mundo jurídico. Manoel Gonçalves Ferreira Filho destaca as diferenças entre rigidez e flexibilidade constitucionais, bem como as diferenças entre Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado, valendo, pois, reproduzir suas palavras: A distinção entre Constituição rígida e Constituição flexível, entre Poder Constituinte originário e Poder Constituinte derivado, implica a existência de um controle de constitucionalidade. De fato, onde este [controle de constitucionalidade] não foi previsto pelo constituinte, não pode haver realmente rigidez constitucional ou diferença entre o Poder Constituinte originário e o derivado. Em todo Estado onde faltar controle de constitucionalidade, a Constituição é flexível; por mais que a Constituição se queira rígida, o Poder Constituinte perdura ilimitado em mãos do legislador. (FERREIRA FILHO, 2009, p. 34) De tudo se vê, portanto, que os conceitos de rigidez constitucional e supremacia da Constituição estão associados diretamente à ideia de controle de constitucionalidade, ou seja, a supremacia e a rigidez constitucionais são as duas premissas imprescindíveis para o controle de constitucionalidade. A questão que se impõe agora é saber se é o controle de constitucionalidade que garante a rigidez constitucional e a supremacia da Constituição, ou, o contrário, isto é, se são estas que garantem aquele? Hans Kelsen muito se aproxima de tal questionamento quando alerta que “uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação de atos inconstitucionais não é, propriamente, obrigatória, (...) não passa de uma vontade despida de qualquer força vinculante”. (MENDES & BRANCO, 2013, p.1003-1004). Assim, a grande reflexão que a questão encerra é a visão de que a plasticidade constitucional (flexibilidade constitucional) inviabiliza um sistema judicial de controle de constitucionalidade, na medida em que o Poder Constituinte Derivado Reformador continuará atuando como se Poder Originário fosse, ou seja, de modo soberano, ilimitado, incondicionado. Portanto, sob os influxos de uma Constituição flexível, não escrita, o legislador ordinário, sem nenhum tipo de limitação, tem o poder de alterar a Constituição da mesma forma com que edita uma lei infraconstitucional, uma vez que o poder constituinte ilimitado e incondicionado continua em suas mãos. Trata-se da supremacia do Parlamento e, não, da Constituição. Assim, já não resta mais nenhuma dúvida de que a rigidez constitucional e a supremacia da Constituição são pressupostos do controle de constitucionalidade, da 4 mesma forma que o controle de constitucionalidade feito por um órgão onstitucionalmente competente é premissa para uma Constituição rígida e suprema. Não existirá controle de constitucionalidade se não houver uma Constituição rígida e com supremacia, da mesma forma que não haverá supremacia constitucional e nem Constituição rígida se não houver controle de constitucionalidade. Além dessa conexão direta entre rigidez constitucional e supremacia da Constituição, é importante destacar, ainda, que o controle de constitucionalidade configura-se como garantia dos direitos fundamentais do cidadão comum, bem como da delimitação da fronteira de atuação do Estado a partir das limitações materiais, formais e circunstanciais ao Poder Constituinte Derivado (Reformador e Decorrente), perfazendo as características da vida democrática em um verdadeiro Estado de Direito. Em outros termos, pode-se afirmar que os conceitos de rigidez constitucional, supremacia da Constituição, limitações constitucionais ao Poder Constituinte Derivado Reformador estabelecidas pelo Poder Constituinte Originário (nítida distinção entre poder originário e poder derivado) e controle de constitucionalidade estão umbilicalmente interligados; formam um único corpo epistemológico. A figura a seguir sintetiza tais ideias. Assim sendo, o leitor haverá de concordar que os conceitos de rigidez constitucional, supremaciada Constituição, limitações constitucionais ao Poder Constituinte Derivado Reformador e controle de constitucionalidade, são mutuamente dependentes, sendo irrelevante determinar quem é pressuposto de quem. Como já se viu, sem um órgão controlador da constitucionalidade das leis não se pode falar em rigidez constitucional, supremacia da Constituição e distinção entre poder constituinte originário e derivado. Firme é a convicção de que a existência de um órgão constitucionalmente competente para exercer o controle de constitucionalidade é a condição de possibilidade da rigidez constitucional, da supremacia da Constituição e da distinção entre poder originário soberano e poder derivado limitado. 5 Com rigor, somente é correto falar em Estado Democrático de Direito se a supremacia da Constituição puder ser garantida por órgão competente (Poder Judiciário) com força de fiscalização sobre os atores responsáveis pela elaboração normativa ordinária (Poder Constituinte Derivado Reformador). Para que haja controle de constitucionalidade, é necessário que a Constituição determine qual é o órgão ou quais são os órgãos com legitimidade democrática para aferir possíveis violações à Constituição. Realmente, se não houver tal órgão próprio destinado a negar validade às leis atentatórias aos princípios e regras da Constituição, não há como resguardar sua superioridade perante as leis ordinárias. Em um verdadeiro Estado Democrático de Direito, devem existir meios de aferição da compatibilidade vertical dos atos estatais inferiores com a Constituição por órgão próprio destinado para esta finalidade, ou pelo Poder Judiciário, sendo que este último apresenta a vantagem de não participar da produção de leis. O legislador ordinário poderá modificar a seu talante as regras constitucionais, se não houver órgão destinado a resguardar a superioridade destas sobre as ordinárias. Mas ainda, órgão com força bastante para fazê-lo. Isto não quer dizer que é preciso prever expressamente a Constituição esse controle, para que ela seja de fato rígida. Basta que de seu sistema tal deflua. (FERREIRA FILHO, 2009, p. 34). O sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição mesma. As Constituições rígidas, sendo Constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. (BONAVIDES, 2010, p. 296). Com efeito, de nada adiantaria a imposição de limites materiais ao Poder Constituinte Derivado Reformador, se Emendas Constitucionais violadoras de cláusulas pétreas não fossem declaradas inconstitucionais, por órgão constitucionalmente competente para tanto. Da mesma forma, de nada adiantariam as limitações formais, se os atos legiferantes dos Poderes Legislativo e Executivo desrespeitassem o processo legislativo constitucional e não fossem retirados do mundo jurídico. Finalmente, de nada adiantaria estabelecer limitações de ordem circunstancial, se Emendas Constitucionais fossem promulgadas durante uma Intervenção Federal, Estado de Defesa ou Estado de Sítio e, mesmo assim, continuassem a gerar efeitos no ordenamento jurídico. É de se concluir, portanto, que as limitações materiais, formais e circunstanciais que informam a rigidez e a supremacia constitucionais seriam inócuas se não existisse órgão constitucionalmente competente para realizar o controle de constitucionalidade das leis. Sem fiscalização por órgão independente, não há controle de constitucionalidade, sem controle de constitucionalidade, não há rigidez constitucional, não há distinção entre poder originário e derivado, não há supremacia da Constituição, não há efetiva separação de poderes e não há garantia dos direitos fundamentais. Logo, não há Estado Democrático de Direito. Uma vez examinadas as premissas do controle de constitucionalidade, é preciso agora estudar os diferentes tipos de inconstitucionalidade. A ideia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à de rigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais. 6 Ocupando a constituição a hierarquia do sistema normativo é nela que o legislador encontrará a forma de elaboração legislativa e o seu conteúdo. A ideia de intersecção entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas é tamanha que o Estado onde inexistir o controle, a Constituição será flexível, por mais que a mesma se denomine rígida, pois o Poder Constituinte ilimitado estará em mãos do legislador ordinário. A supremacia constitucional adquiriu tamanha importância nos Estados Democráticos de Direito, que Cappelletti afirmou que o nascimento e expansão dos sistemas de justiça constitucional após a Segunda Guerra Mundial foi um dos fenômenos de maior relevância na evolução de inúmeros países europeus. A primordial finalidade de controle de constitucionalidade, qual seja, a proteção dos direitos fundamentais. O controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de supremacia dos direitos e garantias fundamentais previstos na constituição que, além de configurarem limites ao poder do Estado, são também uma parte da legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o processo democrático em um Estado de Direito. CONCEITO Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a constituição, verificando seus requisitos formais e materiais. Somente as normas constitucionais positivadas podem ser utilizadas como paradigma para a análise da constitucionalidade de leis ou atos normativos estatais (bloco de constitucionalidade). BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE Em razão da pluralidade de acepções de constituição, a abrangência material do bloco de constitucionalidade pode variar conforme o significado atribuído. - Em sentido estrito, compreende a totalidade de normas constitucionais, expressas ou implícitas, constantes da constituição formal. Corresponde, portanto, ao conceito de parâmetro (ou "norma de referência") do controle de constitucionalidade. - Em sentido amplo abrange, além das normas formalmente constitucionais, as apenas materialmente constitucionais - e.g., normas de direitos humanos compreendidas no Pacto de São José da Costa Rica -, além de outras que, embora situadas abaixo da constituição, são "vocacionadas a desenvolver, em toda a sua plenitude, a eficácia dos postulados e dos preceitos inscritos na Lei Fundamental."1 NATUREZA DA NORMA INCONSTITUCIONAL Primeira concepção: parte do pressuposto de que uma norma só existe, em termos jurídicos, quando pertence a um ordenamento jurídico vigente, ou seja, quando é reconhecida pelos órgãos primários ou quando sua edição está autorizada por outra norma pertencente ao sistema. As normas inconstitucionais, por não reunirem tais condições, devem ser consideradas como atos inexistentes. 7 Segunda concepção: adotada pelo sistema austríaco, situa-se no extremo oposto ao considerar a norma inconstitucional como ato anulável, ou seja, válido e eficaz enquanto não houver a decretação de inconstitucionalidade pelo tribunal constitucional. Sob essa óptica, a decisão judicial tem natureza constitutiva por anular (ou cassar) a norma, e não apenas declarar uma nulidade preexistente. Terceira concepção (clássica): adotada nos EUA e no Brasil, considera a norma inconstitucional como ato nulo. Nessa perspectiva, a inconstitucionalidade é vício insanável capaz de fulminar a norma desde a sua origem, tendo a decisão judicial natureza declaratória, ou seja, o órgão judicial apenas reconhece algo preexistente. FORMAS DE INCONSTITUCIONALIDADE No âmbito da teoria constitucional contemporânea,deve prevalecer como um dos grandes pilares de um verdadeiro Estado de Direito o princípio da separação de Poderes, que juntamente com o catálogo de direitos fundamentais do cidadão comum irão perfazer a essência do constitucionalismo democrático. Em consequência, o equilíbrio entre os três poderes e o respeito ao texto constitucional tornam-se o eixo central do Estado de Direito, sem o qual não haverá verdadeira sociedade democrática e plural. Portanto, quando um dos Poderes do Estado extrapola as fronteiras que lhe foram traçadas pela Constituição, cria as condições de possibilidade para os demais Poderes agir no sentido de restaurar a ordem constitucional. Isto significa dizer que existe uma série de atos que se caracterizam como inconstitucionais, devendo, pois, serem retirados do mundo jurídico. Um ato inconstitucional nada mais é do que a ação ou omissão que não se coaduna, total ou parcialmente, com o texto constitucional, seja formal, seja materialmente. É correto afirmar, portanto, que a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo pode ser aferida a partir de diferentes critérios, como, por exemplo, quanto ao objeto (inconstitucionalidade material ou formal), quanto à conduta (inconstitucionalidade por ação/comissiva ou por omissão/omissiva), quanto à relação que mantém com a Constituição (inconstitucionalidade direta ou por derivação/reflexa); quanto ao tempo (inconstitucionalidade originária ou superveniente) e muitos outros. Portanto, não resta nenhuma dúvida de que a inconstitucionalidade de um determinado ato estatal poderá se manifestar de várias maneiras. Daí a importância de uma sistematização acerca de suas principais espécies. 1. Quanto à norma constitucional ofendida ou quanto ao objeto: formal ou material A inconstitucionalidade quanto ao objeto pode ser decomposta em dois tipos, a saber: inconstitucionalidade material e a inconstitucionalidade formal. A figura a seguir sintetiza tal divisão. 8 A inconstitucionalidade material ocorre quando há violação ao conteúdo do texto constitucional, ou seja, quando uma norma fere, por exemplo, um princípio ou preceito constitucional ou um direito fundamental. Assim sendo, uma norma que, por exemplo, afronte o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana seria materialmente inconstitucional. Observe, com atenção que a ofensa ao conteúdo da Constituição representa um vício insanável, vale dizer, essa norma sempre seria considerada inconstitucional, mesmo que tivesse cumprido rigorosamente todas as etapas formais do processo legislativo. O vício material de inconstitucionalidade pressupõe a violação de uma conduta imposta pela Constituição, ou seja, há um descompasso entre o conteúdo do ato público e a Constituição. Isto significa dizer que a inconstitucionalidade material da lei ou ato normativo surge com a discrepância entre o ato do legislador (em sua substância) e as regras e princípios constitucionais. Em termos simples, a inconstitucionalidade material, também denominada de inconstitucionalidade de conteúdo ou substancial, está relacionada à "matéria" do texto constitucional, ao seu conteúdo jurídico-axiológico. No dizer do Min. Barroso: A inconstitucionalidade material expressa uma incompatibilidade de conteúdo, substantiva entre a lei ou ato normativo e a Constituição. Pode traduzir-se no confronto com uma regra constitucional - e.g., a fixação da remuneração de uma categoria de servidores públicos acima do limite constitucional (art. 37, XI) - ou com um princípio constitucional, como no caso de lei que restrinja ilegitimamente a participação de candidatos em concurso público, em razão do sexo ou idade (arts. 5º, caput, e 3º, IV), em desarmonia com o mandamento da isonomia. O controle material de constitucionalidade pode ter como parâmetro todas as categorias de normas constitucionais: de organização, definidoras de direitos e programáticas. (BARROSO, 2009, p. 29) Em síntese, a inconstitucionalidade material, diferentemente da formal, diz respeito ao mérito conteudístico da Carta Ápice, não podendo, por via de consequência, ser sanada. Nesse sentido, a inconstitucionalidade material envolve a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo a partir da aplicação do princípio da proporcionalidade e seus subprincípios da adequação e necessidade. O vício de inconstitucionalidade substancial por violação ao subprincípio da adequação ocorre quando se constata a incompatibilidade da lei com os fins 9 constitucionalmente previstos. Já a inconstitucionalidade substancial por violação ao subprincípio da necessidade ocorre quando a lei impugnada não é aquela que traz a menor restrição ao outro direito constitucional em colisão. Já a inconstitucionalidade formal pressupõe a violação das normas do devido processo legislativo (seja um vício de iniciativa, seja outro vício qualquer do curso normal de feitura da norma), bem como a violação das normas determinantes do sistema constitucional de repartição de competências. Observe, com atenção, que a institucionalidade formal se configura quando uma regra qualquer do devido processo legislativo deixa de ser observado, seja um vício de iniciativa, como, por exemplo, os projetos de iniciativa privativa do Presidente da República, seja um quórum qualificado que deixa de ser cumprido, como, por exemplo, a maioria absoluta para um projeto de lei complementar. Quando o vício de inconstitucionalidade é relativo à violação do sistema constitucional de repartição de competências, temos a chamada inconstitucionalidade formal orgânica. Assim, observe que a inconstitucionalidade formal orgânica é apenas uma espécie do gênero inconstitucionalidade formal. Sua caracterização ocorre quando um ente federativo legisla na competência de outro. Como exemplos de inconstitucionalidade formal orgânica, podemos citar uma lei federal que regula o tempo de espera em filas de banco em determinado município, ou, então, lei estadual que legisla sobre direito penal sem autorização de lei complementar federal. Além da inconstitucionalidade formal orgânica atrelada ao vício de competência dos entes federativos, existem ainda duas outras modalidades de inconstitucionalidade formal propriamente dita e que são: a) a inconstitucionalidade formal subjetiva (vício de iniciativa no processo legislativo); b) a inconstitucionalidade formal objetiva (qualquer outro vício do processo legislativo, exceto o vício de iniciativa). - Inconstitucionalidade formal (ou nomodinâmica) ocorre quando há violação de norma constitucional definidora de formalidades ou procedimentos relacionados à elaboração de atos normativos. Subdivide-se em três subespécies. - inconstitucionalidade formal propriamente dita procede da violação de norma constitucional referente ao processo Legislativo. Pode ser: - subjetiva, no caso de Leis e atos emanados de autoridades incompetentes; ou, - objetiva, quando Leis ou atos normativos são elaborados em desacordo com as regras procedimentais; - inconstitucionalidade formal orgânica resulta da violação de norma constitucional definidora do órgão competente para tratar da matéria. - inconstitucionalidade formal por violação a pressupostos objetivos decorre da inobservância de requisitos constitucionalmente previstos para a elaboração de determinados atos normativos como, por exemplo, a relevância e urgência exigidas para edição de medidas provisórias (CF, art. 62). 10 - Inconstitucionalidade material (ou nomoestática) ocorre quando o conteúdo de Leis ou atos normativos contraria normas constitucionais de fundo, como as definidoras de direitos ou deveres. Finalmente, é importante destacar que a Súmula número cinco não mais vigora, pois, o atual entendimento do STF é no sentido de que a sanção do Presidente da República não sana o vício de iniciativa, isto é, o fato de o Chefe do Poder Executivo ter sancionado uma leicuja iniciativa legislativa era sua, não livra tal ato de ser declarado inconstitucional por vício de iniciativa (inconstitucionalidade formal subjetiva). 2. Quanto ao tipo de conduta A inconstitucionalidade quanto à conduta pode ser decomposta em dois tipos, a saber: inconstitucionalidade por ação (comissiva) e a inconstitucionalidade por omissão (omissiva). A inconstitucionalidade por ação surge quando uma lei ou ato normativo viola o texto constitucional, extrapolando os limites jurídicos impostos por ela. Portanto, a inconstitucionalidade por ação pressupõe um ato positivo contrário à Constituição. Ou seja, diferentemente da inconstitucionalidade por omissão que pressupõe uma inação estatal relativa a um dever constitucional de legislar, a inconstitucionalidade por ação é aquela que nasce com uma ação positiva do Estado, que por algum motivo afronta a Constituição. Em linhas gerais, a inconstitucionalidade por ação tem um campo de atuação que projeta a imagem de atos estatais reais incompatíveis com a Carta Ápice, não importando a caracterização dessa violação, seja relativa à forma ou conteúdo. O que importa aqui ressaltar é que esse tipo de inconstitucionalidade requer uma conduta ou ação positiva do Estado-legislador, cujo conteúdo ou forma são incompatíveis com a ordem constitucional. Já a inconstitucionalidade por omissão será configurada quando o Estado deixar de agir positivamente diante de um comando constitucional. A omissão inconstitucional, seja do legislador/administrador democrático, seja do juiz contramajoritário, pressupõe um “não fazer” do Estado, que neutraliza a eficácia positiva ou simétrica da norma constitucional em tela. Com rigor, somente pode ser objeto de uma declaração de inconstitucionalidade por omissão, um não fazer do Estado relativo a uma norma de eficácia limitada, na medida em que tais normas têm sua efetividade ou eficácia social atrelada a uma ação legiferante superveniente do legislador democrático. Nesse sentido, a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal entende que a inconstitucionalidade por omissão somente se caracteriza quando o “não fazer estatal” deixa de regulamentar normas constitucionais de eficácia limitada, exatamente porque são as únicas cuja aplicabilidade depende da intervenção legislativa superveniente do legislador. (STF, Pleno, ADO n. 297, julgamento em 25/04/96, rel. Min. Octávio Gallotti) Observe que as normas de eficácia plena e as normas de eficácia contida, cuja característica em comum é a entrada no mundo jurídico com aplicabilidade direta e imediata, vale explicitar, a entrada no mundo jurídico com eficácia positiva ou simétrica, não são suscetíveis de gerar a declaração de inconstitucionalidade por 11 omissão. Em termos simples, contra normas de eficácia plena ou normas de eficácia contida, não cabe a declaração de inconstitucionalidade por omissão. Além disso, a doutrina costuma também classificar a inconstitucionalidade por omissão em dois subtipos, a saber: a omissão total ou omissão parcial. Na omissão total ou absoluta, o non facere do Estado atinge por completo o mandamento constitucional, que deixa de ser cumprido integralmente. Ou seja, não existe nenhuma norma regulamentadora do dispositivo constitucional em apreço. Já a inconstitucionalidade por omissão parcial ocorre quando houver o descumprimento parcial da norma constitucional, vale dizer, quando a lei regulamentadora até existe, porém regula de modo deficiente ou insuficiente a norma de eficácia limitada paradigma do controle. Nesse sentido, é importante destacar que o STF já reconheceu a inconstitucionalidade por omissão parcial no caso da lei que regulamentou o salário mínimo (artigo 7°, IV, da CRFB/88). Entendeu a Corte Suprema Constituição que a lei fixou o salário mínimo em condições insatisfatórias em relação ao determinado no mandamento constitucional. Salário Mínimo. Valor Insuficiente. Situação de Inconstitucionalidade por Omissão Parcial. A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. (...) As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. (STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar n. 1.458, julgada em 23/05/96). Mas o que significa dizer que a lei regula de modo deficiente, imperfeito ou insuficiente? A não observância do princípio da isonomia pode ser enquadrada como uma regulamentação deficiente, imperfeita ou insuficiente? Significa dizer que a regulamentação de modo deficiente, imperfeito ou insuficiente não viabiliza o pleno gozo dos efeitos pretendidos pela norma constitucional de eficácia limitada. Portanto, a resposta ao segundo questionamento é afirmativa, ou seja, a omissão parcial também estará caracterizada quando a lei existente violar o princípio da isonomia, não permitindo que a regulamentação integral seja aproveitada por todos os beneficiários possíveis. Em outros termos, a regulamentação será deficiente, imperfeita ou insuficiente, por exemplo, quando determinada lei regulamentadora conceder benefícios apenas a determinado grupo, não incluindo outros. Nesse sentido, a exclusão implícita de benefícios, embora não tenha sido positivada pela lei que outorga benefícios a certo grupo, caracteriza também a regulação deficiente, imperfeita ou insuficiente, na 12 medida em que exclui sua aplicação a outros segmentos. Em suma, é a própria Lei nº 13.300/16 (Lei que disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo) que, inovando a ordem jurídica, faz referência direta à expressão “falta total ou parcial de norma regulamentadora”, expressão esta que não se encontra positivada na Constituição de 1988. Portanto, agora, a figura jurídica do Mandado de Injunção também é instrumento hábil para combater a omissão parcial, vale repetir, situações em que, apesar da existência de regulamentação, esta for insuficiente, nos termos do art. 2º, caput, e parágrafo único da referida lei. (GÓES & MELLO, 2016, p. 101). Art. 2º da Lei nº 13.300/16. Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente. Em síntese, resta indubitável que o reconhecimento da existência de omissão parcial representa um grande avanço no combate à síndrome de inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada. A figura jurídica do Mandado de Injunção é vocacionada para suprimir omissões normativas do legislador democrático, que tenham latitude para esvaziar completamente direitos e liberdades dos cidadãos, como no caso das normas constitucionais de eficácia limitada, em que a garantia de sua eficácia positiva ou simétrica fica dependente, necessariamente, de lei regulamentadora ulterior. Com isso, o direito que é garantidopela Constituição fica sem ser exercido porque condicionado à edição normativa superveniente. Eis aqui a importância do Mandado de Injunção: combater a síndrome de inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada a partir da concretização do direito faltante no caso concreto. - Inconstitucionalidade por ação: decorre de condutas comissivas (facere) contrárias a preceitos constitucionais. Verifica-se, portanto, quando os poderes públicos agem ou editam normas em desacordo com a constituição. - Inconstitucionalidade por omissão: ocorre quando não adotadas (non facere ou non praestare), ou adotadas de modo insuficiente, medidas legislativas ou executivas necessárias (conduta negativa) para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais carentes de intermediação. Quando o parlamento se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar. Estado de coisas inconstitucional: O termo "estado de coisas inconstitudonal", indica lesões decorrentes de ações e omissões dos poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal. Tem como pressupostos centrais: - pressuposto fático consiste na ocorrência de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais a afetar um número elevado, e indeterminado de pessoas. A atuação judicial, nesse ambiente, se voltada a assegurar o direito apenas de determinados indivíduos ou grupos implicaria em proteção deficiente dos direitos fundamentais na sua dimensão objetiva. 13 - pressuposto político é a constatação da existência de reiteradas condutas comissivas e omissivas, por parte das autoridades públicas, tendentes a perpetuar ou agravar o quadro de inconstitucionalidade. - pressuposto jurídico refere-se às medidas necessárias à superação de tais violações. A correção do mau funcionamento sistêmico do Estado depende da atuação conjunta das autoridades no sentido de aprimorar as políticas públicas existentes, realocar recursos orçamentários e reajustar os arranjos institucionais. Tais providências consistem em determinações judiciais voltadas ao redimensionamento dos ciclos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, a fim de viabilizar melhor coordenação estrutural. Deve ser assegurada uma margem de ação constitucionalmente adequada, não podendo o Judiciário substituir o Legislativo e o Executivo na implementação de tarefas que Lhes são próprias. 3. Quanto à extensão - inconstitucionalidade total atinge a Lei, o ato normativo ou o dispositivo em sua integralidade, não restando partes válidas a serem aplicadas; - inconstitucionalidade parcial ocorre quando os poderes públicos deixam de adotar medidas suficientemente adequadas para tornar efetiva normas constitucionais (omissão parcial) ou quando apenas parte da Lei ou do dispositivo Legal afronta a constituição. 4. Quanto ao momento - inconstitucionalidade originária ocorre quando a criação da norma-objeto contida na lei ou no ato normativo é posterior à norma-parâmetro ofendida. Nessa hipótese, a norma infraconstitucional possui vício de origem, independente do momento a partir do qual a declaração de inconstitucionalidade começa a produzir efeitos ("modulação dos efeitos temporais da decisão"). - inconstitucionalidade superveniente a norma-objeto é anterior à norma-parâmetro e, embora originariamente constitucional, torna-se posteriormente incompatível. Na jurisprudência do Supremo, essa relação é categorizada como não recepção (ou revogação), 5 seja a mudança decorrente de emenda ou do surgimento de nova constituição. 5. Quanto ao prisma de apuração A inconstitucionalidade quanto à relação que mantém com a Constituição pode ser classificada em duas categorias, a saber: inconstitucionalidade direta e inconstitucionalidade indireta, também chamada de inconstitucionalidade por derivação ou inconstitucionalidade reflexa. Para compreender melhor esses dois tipos de inconstitucionalidade, é importante examinar os conceitos de atos primários e atos secundários, dentro da pirâmide normativa de Hans Kelsen. A figura a seguir mostra tal pirâmide de modo detalhado. 14 Observe, com atenção, pela pirâmide hierárquica (verticalidade fundamentadora kelseniana), que existe uma linha vertical de hierarquia, na qual uma norma constitui o fundamento de validade de outra. Ou seja, uma norma encontra fundamento naquela outra que lhe é imediatamente superior. Assim, os atos secundários (decretos regulamentadores de leis, ordens de serviço e portarias de Ministérios e Secretarias dos Estados, resoluções do Banco Central etc.) encontram seu fundamento de validade no âmbito normativo dos atos primários, que, por sua vez, se subordinam diretamente à Constituição, norma superior, ocupando o vértice da pirâmide hierárquica. Pela figura, fácil é perceber que os atos normativos primários (leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, leis delegadas, decretos legislativos, resoluções do poder legislativo, decretos autônomos do Presidente da República, tratados internacionais que não versem sobre direitos humanos, regimentos Internos dos tribunais, resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público) retiram seus fundamentos diretamente da Constituição. Tais atos primários são considerados atos normativos dotados de autonomia nomológica, isto é, são atos normativamente autônomos, na medida em que, na pirâmide kelseniana, estão localizados imediatamente abaixo da Constituição. Ou seja, o fundamento direto e imediato de validade desses atos primários é a própria Carta Magna. É nesse sentido que parte da doutrina entende que a Constituição atua como fundamento de validade, engate lógico, enfim razão de ser dos atos primários. Em termos figurados, os atos primários bebem diretamente na norma superior constitucional, sua nascente e fonte geradora. Os atos normativos primários possuem força normativa capaz de criar, modificar ou revogar relações jurídicas, desde que observadas as diretrizes constitucionais. São atos com autonomia monológica que se caracterizam por possuir aptidão normativa capaz de inovar a ordem jurídica como um todo. Podem, portanto, alterar o universo normativo-político do Estado, gerando direitos e deveres em nível infraconstitucional. O mesmo não acontece com os secundários, que podem, no máximo, regular a aplicação desses direitos e 15 deveres, mas, nunca, determinar sua criação, modificação ou revogação no mundo jurídico. Assim sendo, fácil é perceber que os atos secundários, também denominados atos infralegais ou atos não-primários, estão localizados em patamar inferior aos atos primários, que lhes servem de nascente e engate lógico. Ou seja, os atos normativos secundários encontram como fundamento direto de validade os atos normativos infraconstitucionais, não havendo, portanto, nenhum vínculo direto com a Constituição. Tais atos estão direta e materialmente atrelados aos atos primários e não à Constituição, ou seja, para os atos infralegais, a Constituição aparece apenas como fundamento indireto, reflexo. É por isso que surge a classificação de inconstitucionalidade direta e indireta/ reflexa/indireta, ou seja, a inconstitucionalidade direta caracteriza a violação da Constituição por intermédio de um ato primário, enquanto a inconstitucionalidade indireta ocorre quando uma norma secundária viola indiretamente a Constituição. Na primeira modalidade, a norma primária viola a Constituição sem intermediação de qualquer outro ato ou veículo normativo. Há, portanto uma relação direta com a Constituição. É o caso, por exemplo, de lei estadual criando tipo penal, ou, então, medida provisória versando sobre direitos políticos. A afronta dessas espécies normativas é direta à Constituição (art. 22, I, a / art. 62, § 1º, I, a, ambos da CRFB/88). Diferente é a inconstitucionalidade indireta como, por exemplo, na hipótese de um decreto editado pelo Presidenteda República para regulamentar uma determinada lei infraconstitucional e feito de forma incompatível com a Constituição. Observe, com atenção, que nessa hipótese, o controle não é de constitucionalidade e, sim, controle de ilegalidade. O decreto regulamentador de lei não violou diretamente a Constituição. Assim sendo, é correto afirmar que o direito brasileiro não admite a existência de uma inconstitucionalidade por derivação, indireta, derivada, mediata, uma vez que a norma fundamentadora não é a Constituição, mas, sim, a lei infraconstitucional sendo regulamentada. É por isso que o conflito das normas infralegais com a Constituição caracteriza o vício de ilegalidade, que, em última instância, equivale à inconstitucionalidade indireta, reflexa ou oblíqua. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a inconstitucionalidade indireta ou por derivação não deixa de representar uma violação de norma jurídica por ato de poder, porém não se confunde com a inconstitucionalidade direta, exatamente pela dignidade normativa do preceito violado, qual seja uma norma de dignidade normativa infraconstitucional. No Brasil, jurisprudência e doutrina não admitem a inconstitucionalidade indireta, reflexa, oblíqua, mediata ou por derivação, na medida em que o conceito de inconstitucionalidade fica restrito à inconstitucionalidade direta, deixando-se a inconstitucionalidade indireta o campo da ilegalidade. A figura a seguir, retirada da obra “Controle de Constitucionalidade” dos autores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de Moraes Mello, mostra com precisão a diferença entre controle de constitucionalidade e controle de legalidade. 16 Com a devida sensibilidade acadêmica, o leitor haverá de compreender que os conceitos de “inconstitucionalidade” e “ilegalidade” não se confundem. Com efeito, o controle que incide sobre atos infralegais (atos normativos secundários que retiram sua fonte de validade diretamente das leis infraconstitucionais) não é propriamente de constitucionalidade, mas sim de legalidade. (GÓES & MELLO, 2016, p. 85) Em conclusão, de tudo se vê, portanto, que o controle de legalidade é feito contra atos secundários ou infralegais e transita no campo do direito administrativo, enquanto que o controle de constitucionalidade é feito contra atos primários e milita no campo do direito constitucional. Uma vez examinada a diferença conceitual entre controle de constitucionalidade e controle de legalidade, é importante agora examinar as espécies do controle de constitucionalidade no âmbito do direito constitucional brasileiro. - inconstitucionalidade direta (imediata ou antecedente) resulta da violação frontal à constituição, ante a inexistência de ato normativo situado entre a norma-objeto e o parâmetro ofendido. - inconstitucionalidade indireta (ou mediato) ocorre quando da presença de norma interposta entre o objeto e o dispositivo constitucional. Quadro: formas de inconstitucionalidade Quanto ao tipo de conduta Ação Omissão Estado de coisas inconstitucional Quanto à norma ofendida Formal (normodinâmica) Propriamente dita Subjetiva e Objetiva Material (normoestática) Orgânica Por violação e pressupostos objetivos Quanto à extensao Total Parcial Quanto ao momento Originária Superveniente (não recepção/revogação) Quanto ao prisma de apuração Direta (imediata ou antecedente) Indireta (mediata) Consequente Reflexiva (oblíqua) FORMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE 17 O primeiro ponto a ser destacado deve ser o fato de que o sistema de controle de constitucionalidade das leis pode ser classificado segundo três grandes critérios, a saber: a) Quanto ao momento de realização do controle: controle preventivo ou repressivo; b) Quanto à natureza do órgão de controle: controle político ou judicial; c) Quanto ao órgão judicial que exerce o controle: controle difuso ou concentrado. O sistema brasileiro adotou diferentes modelos estrangeiros de controle de constitucionalidade, bem como criou diversas ações genuinamente brasileiras, que foram sendo concebidas após a redemocratização do País a partir da promulgação da Constituição de 1988. Com isso, temos um dos sistemas mais complexos do mundo, que engloba tanto o modelo repressivo quanto o modelo preventivo. O primeiro é uma espécie de controle que é feito após a norma entrar no mundo jurídico, já o segundo é o controle que é feito durante as fases de elaboração da norma, isto é, a norma ainda se encontra em fase de elaboração (projeto), mas já é objeto de controle de constitucionalidade. Da mesma forma, quanto à natureza do órgão de controle, o sistema brasileiro adotou tanto o controle político feito pelos Poderes Legislativo e Executivo, quanto o controle judicial feito pelo Poder Judiciário em determinada ação judicial. Finalmente, com relação ao critério relativo ao órgão judicial que exerce o controle, nosso sistema optou pelos dois modelos existentes, quais sejam, o sistema norte-americano do Judicial Review (controle difuso) e o sistema kelseniano -austríaco (controle concentrado). O sistema difuso norte-americano, também denominado de Judicial Review, é um sistema que se caracteriza pelo controle de constitucionalidade feito por qualquer um dos órgãos do Poder Judiciário (daí a designação de controle difuso) a partir de um determinado caso concreto (daí a designação de controle concreto ou subjetivo), tendo-se a questão de inconstitucionalidade como uma questão incidental (daí a designação de controle incidental). Portanto, o Judicial Review norte-americano projeta, a um só tempo, a ideia de controle difuso, concreto e incidental. Já o sistema concentrado, também denominado de sistema kelseniano-austríaco, é um sistema que se caracteriza pelo controle de constitucionalidade feito por apenas um órgão de cúpula do Poder Judiciário (daí a designação de controle concentrado no Tribunal Constitucional) sem depender de nenhum caso concreto (daí a designação de controle abstrato ou objetivo), tendo-se a questão de inconstitucionalidade como uma questão principal da ação (daí a designação de controle principal). Portanto, o sistema kelseniano-austríaco projeta, a um só tempo, a ideia de controle concentrado, abstrato e principal. Além disso, como bem destacam os professores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de Moraes Mello: Resta indubitável, portanto, os fatores que permitem afirmar que o Brasil ostenta o mais perfeito sistema de controle de constitucionalidade do mundo, sem rival em perspectiva comparada com o direito de outros Estados nacionais. Sem nenhuma dúvida, existem diversos mecanismos, situações, oportunidades e instrumentos de controle de constitucionalidade que só se encontram no Brasil, não se tendo notícia de similares no resto do mundo. O quadro a seguir mostra, em visão panorâmica, as diferentes modalidades de controle de constitucionalidade do nosso sistema. (GÓES & MELLO, 2016, p. 126/127) QUANTO AO MOMENTO DA REALIZAÇÃO DO CONTROLE Controle Preventivo: feito antes da norma entrear no mundo jurídico Controle repressivo: feito depois da norma entrar no mundo jurídico 18 QUANTO À NATUREZA DO ÓRGÃO CONTROLADOR Controle Político: feito pelos Poderes legislativo e executivo Controle Judicial ou jurídico: feito pelo Poder judiciário QUANTO AO ÓRGÃO JUDICIAL QUE EXERCE O CONTROLE Controle difuso: feito por qualquer órgão do judiciário Controle concentrado: feito exclusivamente peso STF QUANTO À FORMA DE CONTROLE JUDICIAL Controle por via incidental: feito a partir de um caso concreto Controle por via principal: feito de forma abstrata de lei ou ato normativo em tese Uma vez examinados os principais critérios e modelos de controle de constitucionalidade, você deve agora estudar, com maiores detalhes, o complexo sistema brasileiro, valendo, pois, começar com o controle preventivo de constitucionalidade, seja o controle político,seja o controle judicial. 1. Quanto ao momento CONTROLE PREVENTIVO Tem como objeto leis ou atos normativos em formação. Pode ser exercido pelo: - Poder Legislativo: - em regra, pelas comissões de constituição e justiça, sem prejuízo de seu exercício pelo plenário das casas; - Outra possibilidade é no caso de delegação atípica, quando o Congresso aprecia o projeto de lei delegada elaborada pelo Presidente da República (CF, art. 68, § 3. º). - Poder Executivo: O Chefe do Executivo pode exercer o controle, de forma preventiva, opondo o veto jurídico a projeto de lei Considerado inconstitucional (art. 66, §1). - Poder Judiciário: ocorre excepcionalmente, nos casos de impetração de mandado de segurança por parlamentar (e apenas eles, nunca terceiros estranhos à atividade parlamentar) quando violadas as regras do processo legislativo. No caso de perda superveniente do mandato pelo impetrante, o mandado de segurança deve ser extinto por ausência superveniente de legitimidade ativa ad causam. Como já visto, o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, quanto ao momento de sua realização, pode ser classificado como preventivo ou repressivo. O controle será preventivo quando a tarefa de aferição de compatibilidade vertical Constituição-ato normativo for desempenhada durante o processo de elaboração do respectivo ato normativo, ou seja, antes mesmo de ele adentrar ao mundo jurídico. Você pode verificar facilmente que tal tipo de controle incide, portanto, sobre projetos, sejam projetos de emenda constitucional (PEC), sejam projetos de lei (PL) ou qualquer outro ato normativo, passível de sofrer controle prévio ou preventivo. O fato é que, diferentemente das normas já formadas, cujo controle será repressivo, os projetos de emendas constitucionais e de leis ordinárias e complementares sofrerão controle preventivo, com o objetivo de impedir que atos normativos inconstitucionais entrem em vigor. Observe, com atenção, que o objetivo do controle preventivo ou prévio é evitar a publicação e promulgação de normas suscetíveis de serem declaradas 19 inconstitucionais. Portanto, a tarefa de fiscalização da constitucionalidade de projetos de emendas e leis é realizada ainda durante o processo de elaboração do ato legislativo correspectivo, isto é, antes mesmo de ele se completar; de adentrar ao mundo jurídico. Sua finalidade principal é evitar a entrada em vigor de um ato inconstitucional antes do término do devido processo constitucional legislativo. O controle preventivo é típico do direito francês, ou pelo menos, a França é o país mais citado por adotar tal tipo de controle. Com efeito, em França, o controle preventivo de constitucionalidade é feito exclusivamente pelo Conselho Constitucional, órgão encarregado de examinar previamente a constitucionalidade dos projetos de lei que tramitam no Parlamento, o que evidente faz com que o controle francês seja classificado como controle preventivo. O Conselho Constitucional é composto por nove Conselheiros escolhidos pelo Presidente da República e pelo Parlamento, tendo como membros natos os ex- Presidentes. Com rigor, não é propriamente um órgão de jurisdição constitucional, na medida em que se manifesta previamente à promulgação das leis, em regra. Isto significa dizer por outras palavras que não há controle jurisdicional feito pelo Poder Judiciário, inabilitado que está para declarar a inconstitucionalidade das leis francesas. Nesse sentido, Luis Roberto Barroso mostra que: Embora o modelo francês seja frequentemente referido como o arquétipo do controle político de constitucionalidade das leis, afigura-se mais apropriada a designação de controle não judicial. É que, no fundo, é o fato de não integrar o Poder Judiciário e de não exercer função jurisdicional o que mais notadamente singulariza o Conseil Constitutionnel – junto com o caráter prévio de sua atuação. (BARROSO, 2009, p. 43) De tudo se vê, portanto, que o Conselho Constitucional francês, nos termos do artigo 62 da Constituição de 1958, é o órgão responsável pelo controle preventivo de constitucionalidade, não podendo nenhuma lei ser promulgada nem posta em vigor se for declarada inconstitucional por ele. Em termos simples, o Conselho Constitucional afere previamente as propostas legislativas com o objetivo de verificar se existe alguma inconstitucionalidade. Entretanto, essa ideia de exclusividade do controle preventivo está sendo desfeita a partir do artigo 61-1 da Constituição de 1958 que autoriza o Conselho Constitucional a realizar o controle repressivo de determinada lei que “atente contra os direitos e liberdades que a Constituição garante”, desde que os pedidos de inconstitucionalidade sejam feitos pelo Conselho de Estado ou pela Corte de Cassação. Outro ponto importante a destacar é a ideia de que o controle preventivo ou prévio de constitucionalidade tanto pode ser exercido pelos Poderes Legislativo e Executivo, quanto pelo Poder Judiciário, daí sua divisão em duas modalidades distintas: controle preventivo político e controle preventivo judicial. Controle preventivo político Em linhas gerais, o controle preventivo político é aquele que é exercido pelos poderes do Estado encarregados das decisões de caráter político-democrático, legitimados pelo voto popular, ou seja, pelos Poderes Legislativo e Executivo. Trata-se, portanto, do controle preventivo político, que é feito durante o processo de criação de lei ou ato normativo, seja pelo Chefe do Poder Executivo, seja pelo Congresso nacional. A doutrina costuma destacar duas grandes modalidades desse tipo de controle, a saber: 20 a) controle preventivo político feito pelo Poder Legislativo a partir das Comissões de Constituição e Justiça (CCJ); b) controle preventivo político feito pelo Poder Executivo a partir do veto do Chefe do Poder Executivo. A figura a seguir sintetiza tal tipo de controle. Observe, com atenção, que o sistema constitucional brasileiro comporta duas hipóteses de controle preventivo político, nos moldes do sistema francês. A primeira hipótese surge com a atuação das Comissões Permanentes de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), que tem sua base jurídica fincada no art. 58 da CRFB/88. Com efeito, durante o processo legislativo, a função da CCJ é avaliar previamente a compatibilidade dos projetos que serão apreciados pelo Plenário das respectivas Casas Legislativas, ou seja, julgam preliminarmente a constitucionalidade dos projetos que serão enviados para a sessão plenária do Parlamento, nos termos do Regimento Interno de cada uma das duas Casas Legislativas. Em termos gerais, cabe à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania analisar os aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação do Plenário, bem como assunto de natureza jurídica ou constitucional que lhe seja submetido, em consulta, pelo Presidente da Casa Legislativa, pelo Plenário ou por outra Comissão, ou em razão de recurso previsto no próprio Regimento. Questão fundamental que surge é saber se o parecer dessas Comissões tem sempre força vinculante, ou seja, o que acontece quando a CCJ decide pela inconstitucionalidade de um projeto qualquer? A resposta é negativa. Com efeito, o parecer da CCJ não tem efeito vinculante, uma vez que tal parecer é suscetível de revisão pelo Plenário da Casa Legislativa. Assim, por exemplo, nos termos do art. 101, §§ 1º e 2º do Regimento Interno do Senado Federal, quando os projetos receberem pareceres contrários da CCJ, quanto ao mérito, serão tidos como rejeitados e arquivados definitivamente, salvo recurso de um décimo dos membros do Senado no sentido de sua tramitação. Além disso, tratando-se de inconstitucionalidade parcial, a Comissão poderá oferecer emenda corrigindo o vício. Trata-se da assim chamada Emenda Saneadora de Inconstitucionalidade. Em consequência, nãoobstante o parecer negativo da CCJ, seja do ponto de vista formal ou material, tal pronunciamento não tem força vinculante absoluta, podendo, assim, ser derrubado em certas situações. É exatamente por isso que parte 21 da doutrina (posição minoritária) entende que o parecer da CCJ não caracteriza realmente um controle preventivo político de constitucionalidade. Finalmente, é importante salientar que não existe controle preventivo político exercido pela CCJ nos projetos de medidas provisórias, resoluções dos tribunais e decretos autônomos do Chefe do Poder Executivo. Além do controle da CCJ, existe, também, uma segunda modalidade de controle preventivo político feito Poder Executivo e que é o veto do Presidente da República na elaboração das leis infraconstitucionais (leis complementares e leis ordinárias), conforme o art. 66, § 1º, da Constituição de 1988. Observe, com atenção, que o veto do Chefe do Poder Executivo, durante a criação da lei ou do ato normativo, caracteriza uma modalidade específica de controle preventivo político. Aqui, a atuação do Presidente da República e demais Chefes de Governo de âmbito estadual e municipal (Governador e Prefeito) no âmbito de controle preventivo político ocorre a partir do chamado veto jurídico. Somente o veto jurídico pode ser caracterizado como sendo um controle preventivo político, uma vez que é baseado na inconstitucionalidade do projeto de lei, total ou parcialmente. Ou seja, a compreensão de que um determinado projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo não se coaduna com o interesse público (veto político) não tem o condão de caracterizar controle de constitucionalidade, na medida em que não existe nenhuma incompatibilidade vertical com a Constituição. Trata-se de juízo estritamente político de conveniência e oportunidade. (BARROSO, 2009, p. 68). Em consequência, a figura do veto político, que é oferecido em virtude de contrariar o interesse público, não viabiliza controle preventivo de constitucionalidade pelo Presidente da República. Diferentemente do que ocorre com a atuação das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania, a atuação do Presidente da República tem o condão de impedir que o projeto inconstitucional se converta em lei, não havendo, por isso, dúvidas quanto à caracterização do veto jurídico como modalidade de controle de constitucionalidade preventiva. No entanto, não há, por outro lado, nenhuma dúvida de que o veto do Presidente da República pode vir a ser derrubado pela maioria absoluta das Casas do Congresso Nacional, em sessão conjunta, nos termos do art. 67 da Constituição da República federativa do Brasil. Controle preventivo judicial Em regra, o controle preventivo no Brasil é político, ou seja, feito pelos Poderes Legislativo e/ou Executivo. Normalmente, não se atribui ao Poder Judiciário a competência para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade. Entretanto, existe uma hipótese na qual o controle preventivo será jurisdicional e não político. Trata-se aqui de mandado de segurança impetrado por parlamentar em nome de seu direito líquido e certo de participar do devido processo legislativo. Ou seja, somente o parlamentar tem esse direito de participação em processo legislativo hígido, no qual as limitações constitucionais do poder constituinte derivado reformador serão observadas. Em consequência, toda vez que as limitações constitucionais (materiais, formais e circunstanciais) não forem observadas durante a execução de um projeto de lei ou ato normativo, surge para o parlamentar (deputado ou senador) a legitimidade ad causam para impetrar mandado de segurança. (GÓES & MELLO, 2016, p. 142). Ou seja, somente o parlamentar é legitimado para pleitear, mediante a impetração de mandado 22 de segurança em defesa de seu direito líquido e certo de participar do devido processo legislativo, o trancamento do processo legislativo que viole uma cláusula pétrea ou que deixe de observar as regras atinentes ao processo legislativo constitucional ou, ainda, que não cumpra as limitações de ordem circunstancial (proibição de aprovar emendas constitucionais durante uma intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio). Veja a questão a seguir. Na hipótese de apresentação de um projeto de emenda constitucional (PEC) que vise transformar o Brasil em um Estado Unitário, poderá determinado parlamentar impetrar mandado de segurança perante o STF solicitando a imediata interrupção da votação de tal PEC, arguindo violação de seu direito líquido e certo de participar do processo legislativo hígido? A resposta é afirmativa, pois, essa hipótese não caracterizaria uma questão “interna corporis” e, sim, violação de uma cláusula pétrea. Assim, é importante compreender que, muito embora ao Poder Judiciário, em geral, não se atribua competência para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade, o direito brasileiro admite tal hipótese nos projetos de emenda à Constituição que vão de encontro às cláusulas pétreas. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de afirmar que os parlamentares estão legitimados para pleitear, mediante a impetração de mandado de segurança perante aquela Corte, o trancamento do processo legislativo nessas hipóteses, ou seja, deputados federais e senadores da República têm o direito público subjetivo de não deliberar sobre qualquer proposta de emenda tendente a abolir qualquer das cláusulas pétreas. Em suma, é correto afirmar que existem três modalidades de controle preventivo, duas do controle político (veto jurídico do Chefe do Poder Executivo e parecer negativo das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania) e uma do controle judicial (Mandado de Segurança impetrado por Parlamentar perante o STF). Uma vez examinadas as espécies do controle preventivo, resta, agora, estudar as modalidades do controle repressivo ou posterior de constitucionalidade, cujo objetivo é retirar do ordenamento jurídico uma norma inconstitucional. CONTROLE REPRESSIVO (OU TÍPICO) 23 Tem por objeto leis e atos normativos já promulgados, editados e publicados. Pode ser exercido pelo: - Poder Legislativo: a) o Congresso pode: - sustar atos do Presidente da Repúb. que exorbitem os limites da delegação legislativa ou do poder regulamentar (art. 49, V). - rejeitar medidas provisórias: (I) por ausência dos requisitos objetivos de relevância e urgência (art. 62, §5); (II) por terem conteúdo incompatível com a Constituição ou por ela vedado (art. 62, §1); (III) por terem sido reeditadas na mesma sessão legislativa em que foram rejeitadas ou que tenham perdido sua eficácia por decurso de prazo (art. 62, §10). b) o Tribunal de Contas, órgão auxiliar do Legislativo, pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos do Poder Público no exercício de suas atribuições (Súmula 347 /STF). - Pode Executivo: O Chefe do Poder Executivo pode negar cumprimento a leis e atos normativos considerados inconstitucionais. Para legitimar a negativa de cumprimento, de modo a evitar eventuais responsabilizações, deve justificá-la por escrito e dar publicidade ao ato. Tal prerrogativa é exclusiva do Chefe do Executivo, não sendo extensível a outras autoridades e órgãos. - Poder Judiciário: A competência para exercer o controle concentrado é reservada, quando o parâmetro violado for norma da constituição da República, ao Supremo Tribunal Federal; quando for norma da constituição estadual, aos tribunais de justiça. O controle difuso pode ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, inclusive de ofício, dentro de suas respectivas competências. O controle repressivo também pode ser dividido em duas modalidades, quais sejam o controle repressivo político feito pelos Poderes Executivo e Legislativo e o Controle repressivo judicial feito pelo Poder Judiciário, seja em sede difusa, seja em sede abstrata. Vale, pois, iniciar, agora, o estudo docontrole repressivo político. Controle repressivo político O controle repressivo político é aquele que é exercido, depois de completo o processo de elaboração legislativa, pelos Poderes Executivo e Legislativo. Existem duas grandes modalidades desse controle, quais sejam: a) controle repressivo político feito pelo Poder Legislativo: exercido a partir de um Decreto Legislativo do Congresso Nacional que suspende a eficácia de um ato do Poder Executivo que tenha exorbitado de sua função regulamentar ou extrapolado os limites de delegação legislativa recebida, com amparo no art. 49, V, da CRFB/88; b) controle repressivo político feito pelo Poder Executivo: exercido a partir de um Decreto autônomo do Chefe do Poder Executivo, nas esferas federal, estadual e municipal, que suspende a aplicação de uma lei considerada inconstitucional, sob pena de crime de responsabilidade. 24 A primeira modalidade mostra que o Poder Legislativo exerce o controle repressivo político quando resolve suspender a eficácia de um ato normativo do Poder Executivo que tenha exorbitado de sua função regulamentar (Decreto Regulamentador de Lei) ou extrapolado os limites de delegação legislativa concedida (Lei Delegada), com amparo no art. 49, V, da CRFB/88. Observe que nesta modalidade de controle repressivo, um determinado ato normativo do Poder Executivo (Decreto Regulamentador de Lei ou Lei Delegada) está sendo privado de sua regular produção de efeitos pelo fato de ter invadido a esfera de competências do Poder Legislativo. A espécie normativa que susta os atos normativos do Poder Executivo (Decreto Regulamentador de Lei ou Lei Delegada) é um Decreto Legislativo do Congresso Nacional. Nesse sentido, a questão que se impõe, agora, é saber se tal Decreto Legislativo editado pelo Congresso Nacional pode ser objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o Supremo Tribunal Federal? A resposta deve ser afirmativa, na medida em que o Decreto Legislativo editado pelo Congresso Nacional é um ato normativo primário e federal, previsto no art. 59, VI, da CRFB/88, logo, ato passível de ser objeto de uma ADI. Em termos simples, cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade de Decreto Legislativo que sustou um Decreto Regulamentador de Lei ou uma Lei Delegada do Chefe do Poder Executivo. Além desse caso, parte da doutrina também entende que fica caracterizado o controle repressivo político feito pelo Poder Legislativo quando o Congresso Nacional rejeita uma Medida Provisória em razão de algum vício de inconstitucionalidade, seja material ou formal. Com efeito, nos termos do art. 62, §5.º, da Constituição de 1988, o Poder Legislativo tem competência para proceder a rejeição de uma Medida Provisória no prazo de 60 dias, prorrogável uma única vez por mais 60 dias. Entretanto, aqui, o leitor deve observar, com atenção, que não há consenso na doutrina, com grandes dificuldades para a aceitação desta tese (que reconhece tal tipo de modalidade de controle repressivo político). Ou seja, há uma controvérsia acerca da classificação desse tipo de controle: seria controle preventivo ou repressivo. Parte da doutrina entende que: Neste último caso, contudo, não há consenso doutrinário, bem como existem também algumas dificuldades para se aceitar essa tese. Em primeiro lugar, tem-se dificuldade de se concluir que a rejeição se deu por motivo de inconstitucionalidade, especialmente porque as decisões legislativas, nestes casos, não vêm acompanhadas de fundamentação ou de motivação eminentemente políticas que são. Por outro lado, temos dúvidas em afirmar que essa seria uma hipótese de controle repressivo. Nesta perspectiva, interessa saber se o controle de constitucionalidade que incide sobre uma medida provisória seria preventivo ou repressivo. (GÓES & MELLO, 2016, p.146) Com isso, fica claro que o controle repressivo político comporta duas modalidades, que a figura a seguir ressalta com precisão. 25 Observe, com atenção, que o sistema constitucional brasileiro comporta duas hipóteses de controle preventivo político, nos moldes do tradicional sistema político francês. Controle repressivo judicial O controle judicial leva em consideração a natureza do órgão que exerce o controle e que no caso é o Poder Judiciário, daí a denominação de controle técnico como sinônimo de controle judicial, jurisdicional ou jurídico. Como toda decisão judicial, de caráter técnico, o ato de controle de constitucionalidade necessita de fundamentação jurídica, daí a ideia de que o sistema de controle de constitucionalidade judicial representa a chamada jurisdição constitucional. A questão que agora se impõe é saber se o ato judicial de controle de constitucionalidade é exclusivo do Supremo Tribunal Federal ou não?. Nesse mesmo sentido, é importante questionar quais são as duas modalidades do controle repressivo judicial? Em termos simples, a resposta à primeira pergunta é negativa, ou seja, o sistema brasileiro tanto admite o controle jurisdicional feito pelo Supremo Tribunal Federal quanto por qualquer outro órgão do Poder Judiciário com função jurisdicional. Ou seja, já respondendo o segundo questionamento, pode-se afirmar que o controle repressivo judicial tem duas modalidades, a saber: o controle difuso feito por qualquer juiz ou tribunal e o controle concentrado feito exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal. Em consequência, o controle judicial concentrado, também denominado controle abstrato ou principal, tem como característica marcante o fato de que cabe ao órgão de cúpula do Poder Judiciário a tarefa de controlar a constitucionalidade das leis num processo abstrato e cuja questão principal da ação é exatamente a declaração ou não de inconstitucionalidade dessas leis supostamente inconstitucionais. Observe, com atenção, que o controle concentrado de constitucionalidade fica restrito às hipóteses nas quais as ações serão propostas pelos legitimados do art. 103 da CRFB/88 e apresentadas diretamente ao órgão de cúpula do Poder Judiciário, isto é, o Supremo Tribunal Federal. Enquadram-se na modalidade de controle repressivo judicial concentrado, as seguintes ações: 26 a) ação direta de inconstitucionalidade (ADI); b) ação declaratória de constitucionalidade (ADC); c) arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); d) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO). Alguns autores ainda incluem a chamada ação direta interventiva (ADINT) como uma quinta modalidade de controle concentrado efetuado pelo STF. Já o controle repressivo judicial difuso de constitucionalidade das leis se caracteriza pela possibilidade de qualquer juiz ou tribunal aferir – de forma incidental - a questão da inconstitucionalidade a partir de um determinado caso concreto. Assim, sendo, em sede de controle difuso, admite-se que qualquer órgão jurisdicional exerça essa tarefa de fiscalização de compatibilidade vertical com a Carta Ápice. Tal questão surge naturalmente durante a apreciação da causa como uma questão incidental, nunca como questão principal da lide, daí a designação de controle incidental de constitucionalidade. Portanto, observe, com atenção, que o controle difuso no Brasil é exercido no bojo de ações comuns, como, por exemplo, os mandados de segurança, as ações de conhecimento, de execução, cautelares etc. Ou seja, a atuação fiscalizadora do juiz ou tribunal não é a questão principal do processo, figurando, apenas, como um incidente que o magistrado deve antes aferir para poder apreciar o pedido formulado pelo autor da ação. 2. Quanto à natureza do órgão - controle político é o realizado por órgãos sem poder jurisdicional. Adotado por países nos quais o exercício é atribuído ao Legislativo ou a órgãos criados especificamente para esse fim como, por exemplo, o Conseil Constitutionnel francês. - controle jurisdicional é o exercido por órgãos do Poder Judiciário. Ex: Brasil. - controlemisto: Quando adotados simultaneamente, como na Suíça, onde leis locais são submetidas ao controle jurisdicional e leis nacionais ao controle político realizado pela Assembleia Nacional. 3. Quanto à finalidade - controle concreto (por via de defesa ou por via de exceção): a pretensão é deduzida em juízo através de processo constitucional subjetivo, exercido com a finalidade principal de solucionar controvérsia envolvendo direitos subjetivos. Nessa modalidade, antes de julgar a procedência do pedido, o juiz analisa, incidentalmente, a compatibilidade entre a norma impositiva da obrigação questionada e o parâmetro constitucional supostamente violado. - controle abstrato (por via de ação, por via direta ou por via principal): é voltado a assegurar a supremacia da constituição. Trata-se de processo constitucional de índole objetiva, sem partes formais, passível de ser instaurado incependentemente de interesse jurídico subjetivo. 4. Quanto ao tipo de pretensão deduzida em juízo - Quando o controle de constitucionalidade visa primordialmente à proteção da ordem constitucional objetiva: a pretensão é deduzida em juízo através de processo constitucional objetivo. 27 - Quando tem por finalidade primordial a proteção de direitos subjetivos, a pretensão é deduzida em juízo através de processo constitucional subjetivo, no qual se busca não a declaração da inconstitucionalidade em si, mas a prevenção ou reparação da lesão a direito concretamente violado. 5. Quanto à competência - controle difuso (ou aberto) pode ser exercido por qualquer órgão do Poder Judiciário. - controle concentrado (ou reservado) é atribuído exclusivamente a determinado tribunal. No direito brasileiro, pelo STF e pelos TJs. Quadro: formas de controle de constitucionalidade Quanto ao momento Preventivo PL Comissões de Constituição e Justiça, Plenário e delegação atípica (CF, art. 68, § 3.0 ) PE Veto jurídico PJ Mandado de segurança impetrado por parlamentar quando houver inobservância do processo legislativo constitucional Quanto ao momento Repressivo PL Lei delegada/decreto (CF, art. 49, V) Medida provisória (CF, art. 62) Tribunal de Contas (Súmula 347 /STF) PE Negativa de cumprimento PJ Controle difuso Controle concentrado PL: Poder Legislativo PE: Poder Executivo PJ: Poder Judiciário Quanto à natureza do órgão Controle político Controle jurisdicional Quanto à finalidade do controle Concreto (incidental, por via de defesa ou por via de exceção) Abstrato (por via de ação, direta ou principal) Quanto ao tipo de pretensão deduzida em juízo Processo constitucional objetivo Processo constitucional subjetivo Quanto à competência Controle difuso (aberto ou sistema norte-americano) Controle concentrado (fechado, sistema austríaco ou sistema europeu) PRESSUPOSTOS OU REQUISITOS DE CONSTITUCIONALIDADE DAS ESPÉCIES NORMATIVAS a) Requisitos formais O art. 5º, II, da Constituição Federal, consagra o princípio da legalidade ao determinar que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Como garantia de respeito a este princípio básico, a própria Constituição prevê regras básicas na feitura das espécies normativas. Assim, o processo legislativo é verdadeiro corolário do princípio da legalidade (arts. 59 a 69, da Constituição Federal). Assim, inobservância das normas constitucionais de processo legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo método concentrado. 28 Requisitos formais Subjetivos: Referem-se à fase introdutória do processo legislativo, ou seja, à questão de iniciativa. Requisitos formais Objetivos: Referem-se às duas outras fases do processo legislativo: constitutiva e complementar. Assim, toda e qualquer espécie normativa deverá respeitar todo o trâmite constitucional previsto nos arts. 60 a 69. Por exemplo, um projeto de lei complementar aprovado por maioria simples na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, sancionado, promulgado e publicado, apresenta um vício formal objetivo de inconstitucionalidade, uma vez que foi desrespeitado o quorum mínimo de aprovação, previsto no art. 69, qual seja, a maioria absoluta. b) Requisitos substanciais ou materiais Trata-se da verificação material da compatibilidade do objeto da lei ou do ato normativo com a Constituição Federal. DESCUMPRIMENTO DA LEI OU DO ATO NORMATIVO INCONSTITUCIONAL PELO PODER EXECUTIVO O Poder Executivo, assim como os demais Poderes de Estado, está obrigado a pautar sua conduta pela estrita legalidade. Dessa forma, não há como exigir-se do chefe do Poder Executivo o cumprimento de uma lei ou ato normativo que entenda flagrantemente inconstitucional, podendo e devendo, licitamente, negar-se cumprimento. Essa possibilidade restringe-se apenas ao Chefe do Poder Executivo, negando-se a possibilidade de qualquer funcionário administrativo subalterno descumprir a lei sob a alegação de inconstitucionalidade. Sempre que um funcionário subordinado vislumbrar o vício de inconstitucionalidade legislativa deverá propor a submissão da matéria ao titular do Poder. Poderá o Chefe do Poder Executivo determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos normativos que considerar inconstitucionais. ESPÉCIES DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE a) Em relação ao momento de realização Relativo ao momento do ingresso da lei ou ato normativo no ordenamento jurídico: - controle preventivo: pretende impedir que alguma norma maculada pela eiva da inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídico, em regra realizado pelos poderes Executivo e Legislativo, evitando que uma espécie normativa inconstitucional passe a ter vigência e eficácia no ordenamento. - controle repressivo: busca dele expurgar a norma editada em desrespeito à Constituição. Em regra, realicado pelo Judiciário por meio da retirada do ordenamento da lei ou ato normativo contrários à Constituição. b) Controle repressive em relação ao órgão controlador - Político: Ocorre em Estados onde o órgão que garante a supremacia da 29 constituição sobre o ordenamento jurídico é distinto dos demais Poderes do Estado. - Judiciário ou jurídico: É a verificação da adequação (compatibilidade) de atos normativos com a constituição feita pelos órgãos integrantes do Poder Judiciário. É a regra adotada pelo Brasil. - Misto: Esta espécie de controle existe quando a constituição submete certas leis e atos normativos ao controle político e outras ao controle jurisdicional. c) Modelos clássicos de controle de constitucionalidade - Modelo norteamericano: O direito norte-americano – em 1803, no célebre caso Marbury v. Madison da Corte Suprema – afirmou a supremacia jurisdicional sobre todos os atos dos poderes constituídos, inclusive sobre o Congresso dos Estados Unidos da América, permitindo-se ao Poder Judiciário, mediante casos concretos postos em julgamento, interpreter a Carta Magna, adequando e compatibilizando os demais atos normativos com suas superiores normas. (criação do controle difuso) - Modelo austríaco: em 1920, a Constituição austríaca criou, de forma inédita, um tribunal – Tribunal Constitucional – com exclusividade para o controle judicial de constitucionalidade das leis e atos normativos, em oposição ao sistema adotado. Não se pretendia a resolução dos casos concretos, mas a anulação genérica da lei ou ato normativo incompatível com as normas constitucionais. (controle concentrado) No entanto, a consagração efetiva da necessidade de sujeição da vontade parlamentar às normas constitucionais, com a consequente criação dos Tribunais Constitucionais europeus, ocorreu após a constatação de verdadeira crise
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