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1 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 Transfusão Sanguínea CONHECER AS TÉCNICAS E INDICAÇÕES DE TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES E HEMODERIVADOS Os hemocomponentes são produtos advindos do sangue total ou do plasma a partir de processos físicos (centrifugação e congelamento), enquanto hemoderivados são oriundos do sangue total ou do plasma, mas a partir de processamento físico-químico. ANTÍGENOS E ANTICORPOS No sangue de cada indivíduo existe um conjunto próprio de antígenos, os quais podem ser proteínas ou carboidratos e são encontrados sobre a superfície das hemácias, leucócitos e plaquetas, além de circularem livremente no plasma. Para fins transfusionais, esses antígenos são subdivididos em grupos → Grupos Sanguíneos, em função da semelhança em sua estrutura bioquímica. Além disso, em cada grupo existem Tipos Sanguíneos, definidos pelo antígeno do grupo que está presente. Quando um indivíduo é exposto a um antígeno sanguíneo estranho ao seu organismo, ele desenvolve anticorpos contra aquele antígeno pelo processo de aloimunização, sendo que os anticorpos formados são chamados de aloantiorpos. Obs: Para alguns indivíduos a aloimunização só ocorre após uma primeira transfusão de sangue não compatível ou gestação (se o feto tiver antígenos diferentes da mãe), entretanto, para outros a aloimunização é dita natural, pois micro- organismo ubíquos do meio ambiente secretam substâncias que “mimetizam” seus antígenos, então as pessoas acabam adquirindo aloanticorpos direcionados contra antígenos que não possuem. Nesse segundo grupo, as reações adversas já ocorrem na primeira hemotransfusão, visto que a pessoa foi aloimunizada de forma “natural”. O grupo sanguíneo “mais importante” para a medicina transfusional é o ABO, isso devido a sua carga antigênica ser quantitativamente grande no sangue humano e também pelo fato de que é o grupo para o qual a aloimunização natural ocorre com mais frequência e intensidade. Existem 5 tipos sanguíneos dentro deste grupo: A, B, AB, O e Obombay → grupo A é definido por um carboidrato (N- acetilgalactosamina) ligado à substancia H presente na superfície celular; grupo B é definido por galactose ligada à substancia H; grupo AB ambos os carboidratos estão presentes; grupo O nenhum desses carboidratos é encontrado, apenas a substancia H; no grupo Obombay (raríssimo <0,1%) nem a substancia H está presente. Os aloanticorpos relacionados ao grupo ABO são chamados de isoaglutininas. O segundo grupo sanguíneo de importância é o Rh, o qual possui mais de 40 antigenos, entre eles, apenas 5 costumam ser encontrados em combinações variadas. O principal é o antígeno D, sendo que a sua presença indica positividade do Rh e a ausência indica negatividade do Rh. As implicações disso é que quem não tem antígeno D (Rh-) desenvolve uma poderosa aloimunização se vier a receber sangue Rh+ ou se tiver uma gestação com feto Rh+. Nessa primeira exposição não é observada nenhuma RA, entretanto, nas subsequentes ocorrerá uma reação hemolítica 2 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 transfusional ou doença hemolítica perinatal (IgG consegue cruzar a placenta). TESTAGEM PRÉ-TRANSFUSÃO : Toda vez que solicitamos uma hemotransfusão, o banco de sangue realiza uma serie de procedimentos visando à seleção da bolsa de sangue mais apropriada para o paciente. Os 3 testes feitos de rotina são: 1) tipagem sanguínea; 2) screening de aloanticorpos; 3) prova cruzada. 1) Tipagem: realizada em 2 etapas → na 1ª – Forward Type, amostras e sangue do paciente são misturadas a diversos “anti-soros” (soros contendo anti-A e anti-B ou anti- D), logo por meio da aglutinação, percebemos a presença do antígeno em questão. Na 2ª etapa – Reverse Type, o soro do paciente é misturado com hemácias de diferentes tipos ABO, permitindo a identificação das isoaglutininas presentes em seu sangue, nessa não se pesquisa o anti-D, pois, em geral não ocorre a “aloimunização natural” contra o antígeno D. EXEMPLO → o sangue O negativo não aglutinará em nenhum momento durante a primeira etapa (ausência de antígenos A, B e D), porém, ocorrerá aglutinação em todos os testes da segunda etapa (presença de isoaglutininas anti-A e B). 2) Screening: objetiva identificar a presença de aloanticorpos contra outros grupos sangujneos. Utilizam-se múltiplas amostras de hemácias “tipo O” que sabidamente possuem antígenos específicos de certos grupos. 3) Reação Cruzada: uma bolsa de sangue aprovada nas etapas anteriores terá uma líquota retirada e submetida á mistura direta com o sangue do paciente. Se não houver aglutinação, isso confirma a compatibilidade ABO e Rh, além de afastar a presença de aloanticorpos clinicamente significativos contra outros grupos sanguíneos, nesse caso, a transfusão é segura. HEMOCOMPONENTES: CONCENTRADO DE HEMÁCIAS (CHA): eritrócitos que permanecem na bolsa depois que esta é centrifugada e o plasma extraído para uma bolsa-satélite. Tem validade 35-42 dias. Os CH podem ser desleucocitados/leucodepleção com a utilização de filtros para leucócitos. Esse processo deve ser feito no momento da coleta sanguínea, pois diminui o acúmulo de citocinas pró-inflamatórias secretadas por leucócitos, portanto, ↓ chance de reação febril não hemolítica, bem como a chance de transmissão de citomegalovírus, já que este fica latente dentro dos leucócitos. A irradiação inativa leucócitos remanescentes na bolsa após leucodepleção ao destruir cadeia de DNA de células nucleadas. Assim, não afeta hemácias e plaquetas (não tem núcleo). 3 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 Sendo feito em paciente profundamente imunodeprimidos ou quando o doador for parente de 1° grau do receptor, os quais podem desenvolver a doença de enxerto vesus hospedeiro transfusional (os leucócitos do doador não são eliminados elo sistema imune do receptor, passando a atacar os órgãos e tecidos deste último, o que é evitado com a irradiação da bolsa). OBS: Imunossuprimidos crônicos com anti-CMV negativo só podem receber CH desleucocitado. OBS: Há ainda os CH desplamatizados, pela técnica de lavagem com solução salina fisiológica preferencialmente em sistema fechado, para paciente com história de reação transfusional alérgica (urticária). Nesse segundo caso, o plasma é o grande responsável por esse tipo de reação, principalmente se o receptor possuir uma deficiência congênita de IgA, logo, uma transfusão previa irá induzí-lo a produzir anticorpos anti-IgA, o que justifica a reação alérgica após uma nova transfusão. *Pacientes com história de anafilaxia induzida por hemotransfusão, só poderão receber PFC de indivíduos igualmente deficientes em IgA. - Indicação: hemorragia aguda, pré e perioperatório e anemias. Tratar, prevenir iminentemente a inadequada liberação de O2. Anemias (se Hb < 7g/dl; ou Hb 7-10 + avaliar quadro clínico, pois pacientes com DPOC, cardiopatia isquêmica, > 65 anos sintomáticos são indicações de CH com Hb entre 7-10). Hemorragias agudas quando a perda volêmica for > 30% com sinais e sintomas claros (FC > 100-120 bpm + hipotensão + queda do debito urinário + ↑ FR + enchimento capilar > 2seg + alteração do nível de consciência) requer reposição de CH em conjunto com a reposição de cristaloides. Pré-operatório, se hb < 8g/dl ou Ht< 24% em perdas sanguíneas previstas >250ml/h ou > 1L; -Contraindicação: Condições que não se enquadram na indicação, como hb > 10g/dl. -Dose e administração: Cada bolsa de CH eleva a hemoglobina em 1g/dl e o Ht aumenta em 3%. Tempo de infusão de 1 U é de 60-120 minutos. Em RN o volume transfundido não pode passar de 15mL/Kg/h e velocidade 20-30mL/kg/h. Avalia- se o Hb e Ht 1-2h pós infusão. CONCENTRADO DE HEMÁCIAS CONGELADAS : concentrados de hemácias conservadas em temperaturas iguais ou inferiores a 65ºC negativos,na presença de um agente crioprotetor; CONCENTRADO DE HEMÁCIAS REJUVENESCIDAS: concentrados de hemácias modificados por método que restabeleça os níveis normais de 2,3-difosfoglicerato (2,3 DPG) e adenosina trifosfato (ATP); CONCENTRADO DE PLAQUETAS: suspensão de plaquetas em plasma rico em plaquetas, preparado mediante dupla centrifugação de uma unidade de sangue total ou por aférese de doador único. Pode ser na forma desleucocitado; - Indicação: Plaquetopenias desencadeadas por → 1) Falência medular (doenças hematológicas, radioterapia, quimioterapia, transplante medular); 2) Paciente com disfunção congênita (mas somente algumas doenças); 3) Pré-procedimentos cirúrgicos ou invasivos; 4)Sangramentos que não foram contidos com antifibrinolíticos; 5) Coagulopatia Intravascular Disseminada (CID) + hemorragia; 6) Púrpura trombocitopênica imune + sangramento grave; 7) Plaquetometria < 50.000 + sangramento ativo. OBS: As plaquetopenias por tempo determinado, como quimioterapia e radioterapia, se faz infusão profilática se contagem < 10.000μL sem fatores de risco, ou <20.000μl se febre, manifestações hemorrágicas (petéquias, equimoses, gengivorragia), esplenomegalia, hiperleucocitose >30.000/mm3, queda rápida da contagem de plaquetas. Nos pacientes pediátricos, se faz caso tenho <5.000μL. Se for de caráter crônico, a transfusão no adulto é avaliada quando <5.000 ou 10.000, se sangramento. -Contraindicação: Plaquetopenia induzida por heparina e púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) - Dose e administração: 1 dose de CP para 7-10Kg do paciente. Tempo de infusão 20-30ml/kg/hora. Reavaliar após 30 min da transfusão. A transfusão de 6 concentrados deve aumentar, em 1 h, em 30.000 as plaquetas. Se o incremento após esse período for inferior a 10.000/mm3, diz-se que é refratário a transfusão. PLASMA FRESCO CONGELADO (PFC): contém TODOS os fatores de coagulação, além das outras proteínas 4 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 circulantes, como a albumina. Atualmente, não se utiliza mais o PFC para expansão volêmica ou cicatrização pós-operatória, ainda que seja útil nessas circunstâncias. -Indicação: Intoxicação por cumarínicos, Insuficiência hepática (perda dos fatores I, II, VII, IX, X); CIVD (coagulopatia intravascular disseminada); Coagulopatias hereditárias (exceto hemofilia A); PTT (púrpura trombocitopênica trombótica). Indica-se também se o paciente tiver alguma dessas doenças anteriores e for submetido a procedimento invasivo, associado a um coagulograma com INR > 1,5, atividade de protrombina < 50% ou PTTa > 55s (relação > 1,5) ou sangramento por coagulopatia. Na PTT, a transfusão de plasma fresco pode ser uma alternativa à plasmaférese. -Contraindicação: Sangramentos sem coagulopatia, usar como expansor volêmico, testes anormais de coagulopatia sem sangramento, perda proteica. - Dose e administração: 10-15 mL/Kg aumenta 20-30% os níveis de fatores de coagulação. Tempo máximo de infusão é 1h. Quando for usar, descongelar em banho maria a 37°C. Não há necessidade da realização de provas de compatibilidade antes da transfusão de PFC. CRIOPRECIPITADO: fração de plasma insolúvel em frio, obtida a partir do plasma fresco congelado, contendo glicoproteínas de alto peso molecular, principalmente fator VIII, fator de Von Willebrand, fator XIII, fibronectina e fibrinogênio; - Indicação: 1) CIVD 1) Hipofibrinogenemia congênita ou adquirida (<100mg/dl); 2) Disfibrinogemia; 3) Doença de von Willebrand, deficiência do fator XIII; 4) Tratamento de sangramentos ou procedimento invasivo em pacientes urêmicos -Contraindicação: Hemofilia A, doença de von willebrand (exceto se não responder ao DDAVP, nesse caso, pode usar crioprecipitado). -Dose e administração: O crioprecipitado contém anticorpos ABO, portanto sempre que possível utilizar componente ABO compatível. Antes da infusão, o crioprecipitado deve ser descongelado entre 30°C e 37°C no prazo de até 15 minutos e transfundido de imediato. Cálculo para saber a quantidade de crioprecipitado será necessário para corrigir fibrinogênio (<80-100mg/dl). Ou pode fazer a estimativa de 1-1,5 bolsas de crioprecipitado para cada 10Kgs do paciente e reavaliar a cada 3-4 dias. CONCENTRADOS DE GRANULÓCITOS (CG): são hemocomponentes obtidos por aférese de doador único. Como a função dos granulócitos se deteriora mesmo durante curto armazenamento, os CG devem ser transfundidos, assim que possível após a coleta. -Indicação: Neutropenia < 500/μl; pacientes com graves defeitos hereditários da função neutrofílica, como os portadores de doença granulomatosa crônica, durante episódios infecciosos que coloquem em risco suas vidas. Neonatos sépticos com infecção grave com neutrófilos <3000/μl -Contraindicação: uso de transfusões de granulócitos a inexistência de possibilidade terapêutica para a patologia de base, sendo também irreal transfundir granulócitos em receptores dos quais não se espera recuperação da MO em um período razoável de tempo. Pacientes aloimunizados para os antígenos HLA e/ou de neutrófilos, quando não for possível a obtenção de granulócitos compatíveis. Dose e administração: CG apresentam importante quantidade de hemácias que devem ser ABO compatíveis com o plasma dos receptores, sendo obrigatória a realização de teste de compatibilidade entre as hemácias do doador e o soro/plasma do receptor da transfusão. Os concentrados de granulócitos devem ser administrados em ambiente hospitalar, sob supervisão médica, utilizando-se filtros-padrão de transfusão de 170-200µm, lentamente em 1 a 2 horas de infusão (1,0 x 1010/hora). USO CLÍNICO DE HEMOCOMPONENTES A Hemoterapia moderna se desenvolveu baseada no preceito racional de transfundir-se somente o componente que o paciente necessita, baseado em avaliação clínica e/ou laboratorial, não havendo indicações de sangue total. As indicações básicas para transfusões são restaurar ou manter a capacidade de transporte de oxigênio, o volume sanguíneo e a hemostasia. Esse procedimento só deve ser feito se existir uma indicação precisa + nenhuma outra opção terapêutica possível. 5 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 Antes de fazer a transfusão o médico deve ter em mente alguns princípios: 1- a indicação deve ser feita apenas por médicos e baseada em critérios clínicos; 2- toda transfusão traz riscos; 3- esta só deve ser feita quando os benefícios forem maiores que os malefícios. Entre as considerações gerais da transfusão, há: ❖ Não existe contraindicação absoluta à transfusão em pacientes com febre. É importante diminuir a febre antes da transfusão, porque o surgimento de febre pode ser um sinal de hemólise ou de outro tipo de reação transfusional; ❖ Nenhuma transfusão deve exceder o período de infusão de 4 horas. Se maior, parar; ❖ Não deve ser adicionado nenhum fluido ou droga ao produto hemoterápico a ser transfundido; ❖ Hemácias podem ser transfundidas em acesso venoso compartilhado, apenas, com cloreto de sódio 0,9% (SF). É desnecessário diluir o concentrado de hemácias antes da infusão. HEMODERIVADOS São medicamentos produzidos em escala industrial, obtidos a partir do plasma sanguíneo. São utilizados para doenças como Hemofilia; Doença de Von Willebrand; Coagulopatias raras; imunodeficiências primárias. Os tipos mais frequentes de hemoderivados disponíveis no Brasil são: - Albumina: para pacientes queimados, com cirrose e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). - Complexo Protombínico: conjunto de proteínas que atua na coagulação sanguínea, indicado para o tratamento de alguns casos de hemofilia A e B e de pacientes com sangramento devido à cirrose hepática. Também pode ser usado no processo de recuperação de pessoas que utilizam medicamentos anticoagulantes e apresentam hemorragias. - FatorVIII: proteína da coagulação utilizada no tratamento de pessoas com hemofilia A. - Fator IX: proteína da coagulação utilizada no tratamento de pessoas com hemofilia B. - Fator de von Willebrand: proteína de coagulação indicada para o tratamento da doença de von Willebrand. - Imunoglobulina: hemoderivado de maior consumo no mundo, empregado no tratamento de pessoas com AIDS e outras deficiências imunológicas, além de doenças autoimunes e infecciosas. OBS: TRANSFUSÃO MACIÇA Tem diversas definições, entra as quais destaca-se: Reposição de sangue correspondente a uma volemia (75mL/kg), ou superior, em 24 horas (10U a 12U de concentrados de hemácias em um indivíduo adulto); ou reposição equivalente a 50% da volemia corporal de sangue em 3 horas; ou perda de 1,5 mL de sangue por kg/min por pelo menos 20 minutos; ou transfusão de mais que 4 U de CH em 1 hora. ALTERNATIVAS À HEMOTRANSFUSÃO O sangue oriundo do próprio paciente (transfusão autóloga) pode ser empregado em situações bastante restritas (ex.: coleta e reinfusão do sangue extravasado no sítio cirúrgico ou obtido numa drenagem pós-operatória estéril). Contudo, mesmo nestes casos, a hemotransfusão não é um procedimento isento de riscos, haja vista que os mesmos erros logísticos e técnicos por parte do serviço de hemoterapia podem incidir sobre esses pacientes. Diversos produtos que visam substituir o sangue já foram desenvolvidos e estudados, mas nenhum demonstrou eficácia e segurança. Sempre que possível, na ausência de contraindicações, devemos tentar o tratamento conservador de potenciais candidatos à hemotransfusão, utilizando fatores estimuladores da hematopoiese (ex.: eritropoietina recombinante, GM-CSF, análogos da trombopoietina). DIAGNOSTICAR E TRATAR AS REAÇÕES ADVERSAS E COMPLICAÇÕES TRANSFUSIONAIS SEMPRE que suspeitarmos de qualquer complicação a transfusão deve ser imediatamente interrompida, notificando-se o banco de sangue para que tenha início um processo investigativa. As reações adversas podem ser imunes ou não imunes, as primeiras geralmente são mediadas por anticorpos pré-formados no soro do receptor ou do doador e, mais raramente, por leucócitos do doador presentes no hemocomponente transfundido. Já as segundas são mediadas por fatores químicos ou físicos relacionados aos hemocomponentes ou seus aditivos (ex: conservantes, anticoagulantes). 6 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 REAÇÃO FEBRIL NÃO HEMOLÍTICA : É a + comum de todas as reações (1-4 casos a cada 100 transfusões). A causa dessa reação é a presença de anticorpos anti-HLA no soro do receptor que “atacam” os leucócitos do doador → citocinas pirogênicas → processo febril. Tal reação pode ser prevenida com a leucodepleção dos hemocomponentes. É um diagnostico de exclusão, quando outras causas possíveis de febre são descartadas em um paciente com calafrios e aumento de temperatura > ou = 1ºC durante a transfusão. Conduta: interrupção da transfusão e administração de antitérmicos, sendo o prognostico excelente. OBS: Politransfundidos e as multíparas tem chances maiores de aloimunização contra o HLA, logo possuem maior risco de desenvolver uma RFNH. INJÚRIA PULMONAR AGUDA RELACIONADA À TRANSFUSÃO (TRALI) É a principal causa de morte relacionada a transfusão. É também causada pela presença de anticorpos anti-HLA (sangue doador) só que dessa vez os anticorpos atacam os leucócitos do receptor, promovendo sua agregação e degranulação no interior do leito vascular pulmonar → aumenta a permeabilidade dos capilares alveolares → edema pulmonar não cardiogênico. O quadro se inicia durante ou até 6h após o término da transfusão, evoluindo com dispneia progressiva, hipoxemia e infiltrados bilaterais no RX de tórax. Geralmente os doadores são multíparas. Conduta: medidas de suporte de acordo com a necessidade (ex: VNI, intubação + ventilação mecânica), sendo que a maioria se recupera sem sequelas pulmonares após 3 ou 4 dias. OBS: o diagnóstico é feito pela documentação de anticorpos anti-HLA no sangue doado, e o banco de sangue deve notificar o evento à rede nacional de hemovigilância. REAÇÃO HEMOLÍTICA TRANSFUSIONAL AGUDA: Ocorre devido a presença de aloanticorpos pré-formados no soro do receptor que “atacam” as hemácias transfundidas, causando hemólise intravascular. A forma + comum é a incompatibilidade ABO e na maioria das vezes ocorre devido a um erro operacional, por etiquetagem incorreta ou transfusão do paciente errado. O quadro é marcado pela ocorrência (minutos após a transfusão) de desconforto na região do acesso venoso, febre com calafrios, taquipneia, taquicardia, hipotensão arterial, dor no peito, nos flancos e hematúria. Em relação a achados laboratoriais temos → marcadores de hemólise (aumento de LDH e bilirrubina indireta, queda da haptoglobina, hemoglobinemia, hemoglobinúria) e coagulação intravascular disseminada (queda de plaquetas e do fibrinogênio, aumento de PDF’S) a qual é induzida pela liberação de fator tecidual das hemácias lisadas. Em casos + graves pode ocorrer IRA pela deposição de imunocomplexos e/ou necrose tubular aguda (NTA) secundaria à hemoglobinúria. Conduta: interromper a transfusão, hiper hidratar o paciente, “forçando” sua diurese. Nesse sentido, com o paciente volemicamente reposto pode-se administrar furosemida ou manital, lavando a hemoglobina dos túbulos renais e evitando uma possível NTA. Confirmação diagnóstica: achados de hemólise comparando amostras do sangue antes e após a transfusão e comprovando que é um mecanismo imunomediado através do teste de Coombs Direto. É mandatório que a tipagem sanguínea e a prova cruzada sejam repetidas e que aja uma revisão de prontuário e da prescrição. REAÇÃO HEMOLÍTICA TRANSFUSIONAL TARDIA Também é causada por aloanticorpos no soro de um receptor previamente aloimunizado, entretanto, diferente da RHT aguda, aqui esses aloanticorpos inicialmente estão presentes em baixos títulos, sequer sendo detectados nas testagens pré-transfusionais de rotina, logo, nem sempre dá pra prevenir. Depois de 1-2 semanas da transfusão, por um mecanismo de “memoria imunológica” a síntese desses 7 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 aloanticorpos aumenta, levando a hemólise progressiva e gradual das hemácias transfundidas. O quadro é muito mais brando do que a forma aguda e a principal manifestação é a queda dos níveis hematimétricos (podem retornar aos valores pré-transfusionais); o teste de Coombs direto é positivo. Conduta: não há necessidade de nenhuma intervenção terapêutica. REAÇÃO ALÉRGICA/ANAFILÁTICA: Ocorre devido a proteínas plasmáticas do doador para a quais o receptor já foi previamente sensibilizado. Nas formas brandas, onde há reações cutâneas urticariformes, a conduta é interromper a hemotransfusao e administrar anti- histaminicos, podendo retomar o processo de hemotransfusao quando os sintomas forem resolvidos. Pacientes que já tem histórico de reações urticariformes devem ser pré-medicados com anti-histaminicos, recebendo concentrados de hemácias “lavadas”. Nas formas + graves, o quadro anafilático (urticaria, edema de glote, broncoespasmo, hipotensão arterial) já começa após a transfusão dos primeiros mL de sangue, devendo ser suspensa imediatamente a hemotransfusão e administração subcutânea de adrenalina + glicocorticoide IV + anti-histamínicos. OBS: as chances dessa reação anafilática são maiores em portadores de deficiência congênita de IgA, os quais só podem receber hemácias lavadas e PFC oriundo de pacientes igualmente deficientes para a IgA. DOENÇA ENXERTO VS HOSPEDEIRO TRANSFUSIONAL Mediada por LT do doador, cursa com quadro clinico essencialmente idêntico ao da doença enxerto vs hospedeiro, a qual acomete receptores de transplante de células hematopoiéticas → febre,rash cutâneo, diarreia e alterações da função hepática, a diferença é que nessa as chances de aplasia medular e consequente pancitopenia são maiores. É possível que os LT do doador não sejam eliminados pelo sistema imune do receptor por 2 motivos: 1) o receptor está profundamente imunodeprimido; 2) o doador e receptor são parentes, apresentando compatibilidade parcial em relação ao HLA. Em ambos os casos, os LT sobreviventes irão elaborar uma resposta imune voltada contra o HLA do receptor, o que vai causar lesão de múltiplos órgãos e tecidos simultaneamente. A doença é de péssimo prognostico, geralmente é resistente ao tratamento imunossupressor, a sintomática inicia 8-10 dias após a transfusão. Para pacientes de alto risco a prevenção é feita com a irradiação das bolsas de hemocomponentes “celulares”. PÚRPURA PÓS-TRANSFUSIONAL Surgimento de trombocitopenia progressiva 7-10 dias após transfusão de plaquetas. Ocorre devido a formação, pelo sistema imune receptor, de anticorpos direcionados contra antígenos das plaquetas exógenas (geralmente antiHPA 1ª), os quais acabam exercendo reatividade cruzada contra antígenos semelhantes encontrados nas plaquetas nativas do receptor. Conduta: imunoglobulina humana intravenosa (bloqueio à destruição das plaquetas opsonizadas no baço), podendo-se associar plasmaferese em casos mais graves REAÇÕES NÃO IMUNES SOBRECARGA CIRCULATÓRIA ASSOCIADA À TRANSFUSÃO (TACO): Principal diagnóstico diferencial da TRALI, sendo que aqui há um aumento nas pressões de enchimento do coração esquerdo, isto é, trata-se de um edema agudo de pulmão cardiogênico. Infusão rápida e em altas quantidades de hemocomponentes que são excelentes expansores volêmicos, logo, indivíduos com função cardíaca limítrofe uma infusão rápida demais ou em grandes quantidades pode levar a uma congestão circulatória. O quadro clínico é semelhante ao da TRALI, com dispneia, hipoxemia e infiltrados bilaterais no RX de tórax, além de HAS principalmente sistólica. Conduta: suspensão temporária da transfusão + diureticoterapia + medidas de suporte quando necessárias (VNI, suplementação de O2). HIPOTERMIA Como as bolsas de hemácias são armazaenadas sob 4ºC e alguns hemocomponentes (ex:plasma) são mantidos a -18ºC uma infusão às pressas e em grandes quantidades, como numa hemotransfusao maciça (8-10 bolsas em 24h), isso pode fazer com que haja a redução da temperatura corporal subitamente. Isso pode afetar o nódulo sinoatrial, o sistema 8 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 hemostático (as plaquetas “geladas” não funcionam direito). A prevenção dessa complicação é o uso de sistemas de aquecimento acoplados ao equipo de transfusão. DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS E ACIDOBÁSICOS Com o passar do tempo é normal que o K+ extravase das células presentes nas bolsas de sangue, logo, a hemotransfusao de bolsas “mais velhas” pode levar a hipercalemia, principalmente em neonatos e portadores de DRC avançada. Nesses casos, os indivíduos só devem receber hemácias frescas ou lavadas (processo que ao remover o plasma, elimina o excesso de K). O citrato é muito utilizado como anticoagulante na conservação do CHA, visto que é um quelante de cálcio (lembrando que o Ca é importante para a cascata de coagulação), logo em uma transfusão maciça também há risco de hipocalcemia aguda e alcalose metabólica (citrato → bicarbonato). TROMBOCITOPENIA E COAGULOPATIA “DILUCIONAIS” Numa hemotransfusão maciça pode surgir trombocitopenia, já que as bolsas de CHA não possuem plaquetas, logo, um grande volume de CHA acaba diluindo as plaquetas circulantes do paciente. Não é indicada a transfusão profilática de plaquetas nesta situação, mas se houver sangramento associado a uma plaquetometria < 50.000 → transfusão terapêutica. O mesmo raciocínio serve para os fatores de coagulação circulantes → redução na capacidade de formar coágulos. HEMOCROMATOSE SECUNDÁRIA Portadores de doenças anêmicas crônicas podem acabar sendo hipertransfundidos, visto que uma unidade de CHA contém 200-250mg de ferro. Logo isso pode acarretar uma sobrecarga tecidual de ferro (disfunção hepática, cardíaca e endócrina). Conduta: o ideal é prevenir, transfundindo esses pacientes somente quando necessário e utilizando estratégias antianemicas alternativas (eritropoetina recombinante). Quando o quadro já está instalado, pode-se utilizar os quelantes de ferro como a deferoxamina (parenteral). EPISÓDIOS HIPOTENSIVOS Assim como o K, conforme o tempo passa a bolsa armazenada acumula bradicinina, nesse sentido, pacientes que fazem o uso de inibidores da ECA possuem níveis aumentados de bradicinina, logo, após a transfusão esses níveis podem ser subitamente aumentados, o que reduz a RVP e a PA. IMUNOMODULAÇÃO A hemotransfusão é um processo que diminui a imunidade, devido a liberação de citocinas imunomodulatórias pelos leucócitos presentes no hemoderivado. A leucodepleção teoricamente diminui esse risco. SEPSE BACTERIANA Poucas bactérias conseguem sobreviver em baixas temperaturas, entretanto, germes gram-negativos como a Yersinia, Pseudomonas, Escherichia são capazes de sobreviver e se proliferar entre 1-6ºC, responsáveis pela maioria dos raros casos de contaminação desses hemoderivados. Nesse caso, as chances de contaminação são maiores em concentrados de plaqueta (mantidos em temperatura ambiente) do que em CHA e PFC, esses primeiros podem ser contaminados por germes gram-positivos da pele como o Staphylococcus. O quadro clinico é de sepse grave/choque séptico fulminante. Conduta: interrupção imediata da transfusão + medidas de suporte + antibioticoterapia empírica de amplo espectro. ASPECTOS BIOÉTICOS RELACIONADOS A TRANSFUSÃO SANGUÍNEA: DIREITOS DO PACIENTE, LEGISLAÇÃO E DIRETRIZES • Segundo a resolução de 17 de julho de 2019, a recusa terapêutica é um direito do paciente a ser respeitado pelo médico, desde que esse o informe dos riscos e das consequências previsíveis de sua decisão, em tratamento eletivos e para maiores de 18 anos. • O médico, diante da recusa terapêutica do paciente, pode propor outro tratamento quando disponível. • Em situações de risco relevante à saúde, o médico não deve aceitar a recusa terapêutica de paciente menor de idade ou de adulto que não esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, independentemente de estarem representados ou assistidos por terceiros. • Em caso de discordância insuperável entre o médico e o representante legal, assistente legal ou familiares do 9 Paula Gabriela Nascimento Gonçalves – M14P1 paciente menor ou incapaz quanto à terapêutica proposta, o médico deve comunicar o fato às autoridades competentes (Ministério Público, Polícia, Conselho Tutelar etc.), visando o melhor interesse do paciente. • A recusa terapêutica não deve ser aceita pelo médico quando caracterizar abuso de direito (a recusa terapêutica que coloque em risco a saúde de terceiros ou ao tratamento de doença transmissível ou de qualquer outra condição semelhante que exponha a população a risco de contaminação), isso em casos de gestantes deve ser analisado na perspectiva do binômio mãe/feto. • O médico assistente em estabelecimento de saúde, ao rejeitar a recusa terapêutica do paciente deverá registrar o fato no prontuário e comunicá-lo ao diretor técnico para que este tome as providências necessárias perante as autoridades competentes, visando assegurar o tratamento proposto. • É direito do médico a objeção de consciência (consiste no direito do médico de se abster do atendimento diante da recusa terapêutica do paciente, não realizando atos médicos). • A interrupção da relação do médico com o paciente por objeção de consciência impõe ao médico o dever de comunicar o fato ao diretor técnico do estabelecimento de saúde, visando garantir a continuidade da assistênciapor outro médico. • Na ausência de outro médico, em casos de urgência e emergência e quando a recusa terapêutica trouxer danos previsíveis à saúde do paciente, a relação com ele não pode ser interrompida por objeção de consciência, devendo o médico adotar o tratamento indicado, independentemente da recusa terapêutica do paciente. • A recusa terapêutica regulamentada nesta Resolução deve ser prestada, preferencialmente, por escrito e perante duas testemunhas quando a falta do tratamento recusado expuser o paciente a perigo de morte. CONHECER AS POLÍTICAS DE SANGUE DO PAÍS • Em 1969, o Professor Pierre Cazal, consultor da OMS, elaborou um diagnóstico conhecido como “Relatório Cazal”, sinalizando estratégias que, a partir da década de 1980, influenciariam o processo de reforma da política de sangue no Brasil. O relatório cita, por exemplo, a sistematização da doação voluntária como uma legítima finalidade social, a organização da rede de instituições ligadas à prática de hemoterapia, a normatização da produção, distribuição e utilização do sangue e seus componentes, a regulação da indústria dos hemoderivados, a promoção da pesquisa científica e do desenvolvimento tecnológico, a instituição de controle de qualidade e a fiscalização sanitária. • A perspectiva das redes de hemoterapia e regulação é garantir sangue e componentes oportunamente e com qualidade e segurança à população distribuída por toda a extensão territorial do país. • Os procedimentos e as atividades técnicas são estabelecidos pelo Ministério da Saúde, e os requisitos de boas práticas aplicadas ao ciclo produtivo do sangue e aos procedimentos transfusionais são determinados pela autoridade reguladora nacional. • Além disso, outra atribuição dada pela Lei do Sangue à regulação, além da vigilância de serviços e produtos do sangue, é a obrigatoriedade de registros e autorizações sanitárias para comercialização de materiais e insumos que, de alguma forma, entrem em contato com o sangue coletado para fins transfusionais, por exemplo, bolsas de sangue, dispositivos de transfusão e de aféreses, dispositivos para conexão estéril, soluções estéreis para lavagem de hemocomponentes e reagentes e insumos para laboratórios de triagem. • O modelo de regulação de sangue adotado no Brasil é fruto da percepção histórica do papel do Estado no contexto do gerenciamento dos riscos transfusionais. Assim como em todo o mundo, no Brasil observou-se o sucesso das políticas de sangue após a década de 1990, com base em doação voluntária, obrigatoriedade de testes de triagem para agentes infecciosos, constituição de rede estruturada de serviços produtores e assistenciais e em uma forte instituição estatal reguladora.