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A INFLUÊNCIA DO ESTRANGEIRISMO NA LÍNGUA PORTUGUESA RESUMO Este texto discorre sobre a influência dos estrangeirismos na língua portuguesa, descrevendo seus conceitos e sua importância ao longo do tempo. Os empréstimos linguísticos e o aportuguesamento de palavras também serão analisados, demonstrando, através de alguns exemplos, a grande presença de palavras oriundas de outros idiomas na nossa língua, e examinando a possível influência negativa dos estrangeirismos na identidade cultural brasileira. Palavras-chave: Estrangeirismo; empréstimo; anglicismo; galicismo; vício de linguagem; identidade cultural. INTRODUÇÃO Atualmente há uma grande discussão sobre a influência de estrangeirismos na língua portuguesa, principalmente em relação à língua inglesa, e se tal influência seria benéfica ou não à nossa língua. A maior controvérsia, entretanto, tem sido sobre o uso exagerado desses estrangeirismos ultimamente, muitas vezes em detrimento da língua portuguesa. Esse artigo tem como objetivo definir o que é o estrangeirismo, mostrando sua influência na nossa língua através dos tempos e a grande presença de termos em inglês nos dias de hoje, principalmente devido à globalização e a dominação norte-americana em nosso território. Primeiramente, apresentamos um breve resumo histórico das influências externas que o português sofreu durante sua evolução, desde a invasão árabe na Península Ibérica, até a dominação francesa durante a época da colonização em terras brasileiras, mostrando também como as línguas indígenas nativas contribuíram para a formação do português brasileiro como conhecemos. Outro ponto interessante a ser abordado é se a grande presença de termos vindos do inglês está sendo prejudicial à língua e à cultura brasileira como um todo, fazendo com que percamos nossa identidade. Conceito e um pouco de história Estrangeirismo é a utilização de palavra, expressão ou construção advinda de língua estrangeira em substituição àquela correspondente em nossa língua, mesmo que possua ou não um equivalente em português. É apontado por muitos gramáticos como um vício de linguagem nos casos em que são utilizadas apesar de haver um equivalente adequado. Alguns, mais puristas, consideram o uso de qualquer estrangeirismo, mesmo aqueles que não possuam um correspondente de igual valor, como barbarismo, ou mesmo idiotismo. Outros gramáticos mais flexíveis consideram o emprego de palavras estrangeiras usadas frequentemente, ou que tenham popularidade na nossa língua, como uma figura de linguagem. Como exemplos de estrangeirismos já consagrados em nossa língua temos: OK, croissant, delivery, drive-thru, designer, fashion, jeans, link, cappuccino, internet, shampoo, site, pizza, hot dog, réveillon, on-line, pink, spaghetti, short (= bermuda). O estrangeirismo na língua portuguesa não é, entretanto, um fenômeno recente. O Português se originou do latim, que era considerado vulgar pelo fato de não possuir sintaxe, morfologia, ou regras gramaticais. Aos poucos o Português foi se aperfeiçoando e adquirindo palavras germânicas introduzidas pelos bárbaros no século V, algumas árabes por volta do século VII, e até mesmo palavras gregas. Também sofreu influências de outras línguas descendentes do latim, como o francês, o espanhol e o italiano. No Brasil, antes da chegada dos portugueses, a língua falada era de origem indígena. A partir da colonização, o Português de Portugal foi imposto como língua oficial. Entretanto, com a convivência com a cultura nativa, várias palavras de origem indígenas, como o tupi, tupinambá e guarani, foram acrescentadas à língua portuguesa ou sofreram um processo de aportuguesamento, criando, assim, o Português utilizado no Brasil, com várias modificações da língua original. A língua africana também contribuiu para a formação do Português do Brasil. Devido à escravidão, negros de várias regiões da África foram trazidos ao Brasil, cada qual utilizando um dialeto diferente, de acordo com sua origem. Assim, aos poucos as palavras utilizadas pelos escravos foram aportuguesadas ou inseridas em nosso idioma. Mais tarde também tivemos influências europeias que acabaram alterando nosso idioma. Por volta do século XVII, uma das línguas de maior importância para a formação do português brasileiro foi o francês, devido principalmente às músicas e à arte provençal. Um dos motivos da língua francesa ter sido bem recebida no Brasil era por seu uso ser considerado elegante e relacionado às classes mais abastadas da sociedade. Após a independência, em 1822, o português sofreu influências de imigrantes europeus que se instalaram principalmente no centro e no sul do país, o que explica certas modalidades de pronúncia e algumas mudanças de léxico, os famosos “sotaques”, existentes entre as regiões do Brasil, que variam de acordo com o fluxo migratório que cada uma recebeu. Uma das línguas que mais contribuiu para enriquecer nossa língua foi o italiano. Muitos consideram que o estilo de falar do paulista foi fruto dessa influência, pois foi grande o número de imigrantes da Itália que se instalaram em São Paulo a partir desse período. A influência norte-americana, a mais recente em nossa língua, deu-se a partir da segunda guerra mundial. Com o imperialismo americano cada vez mais crescente, e o predomínio de sua cultura através do cinema, música e televisão, inúmeras palavrasinglesas foram acrescentadas ao nosso vocabulário, especialmente palavras ligadas ao lazer, esporte, alimentação e informática. A partir do século XX, a distância entre as variantes portuguesa e brasileira do português aumentou ainda mais, principalmente em decorrência dos avanços tecnológicos, já que não existia um procedimento unificado para a incorporação de novos termos à língua. Dessa maneira, podemos constatar que mesmo sem os falantes perceberem a influência dos estrangeirismos, várias culturas e vocábulos de diferentes locais foram acrescentados à língua portuguesa e cada vez mais nosso idioma se distinguia daquele utilizado em Portugal, como podemos observar no quadro abaixo , que apresenta alguns exemplos de diferenças lexicais entre o Português brasileiro e o europeu: Tabela 1: |Português brasileiro |Português europeu | |Açougue / Açougueiro |Talho / Talhante | |AIDS |SIDA | |Band-Aid |Penso-rápido | |Banheiro |Quarto de banho | |Boliche |Bowling | |Calça comprida |Pantalona | |Cafezinho |Bica / Biquinha | |Cooper |Jogging | |Cross country |Corrida a corta-mato | |Cueca |Boxer | |Elegante |Gira | |Embarcação |Galera | |Fila |Bicha | |Jeans |Calças de ganga | |Jet ski |Mota de água | |Laptop|Computador portátil | |Meias masculinas |Peúgas | |Mouse |Rato | |Ônibus |Autocarro | |Playground |Parque infantil | |Quadrinhos |Banda desenhada | |Restaurante |Casa de pasto | | Tela (de TV) |Écran | |Torcida |Claque | |Trem |Comboio | |Videogame |Videojogo | Como já dito, a utilização de estrangeirismos é vista por grande parte dos gramáticos como um vício de linguagem, que são, segundo a norma culta, palavras ou construções que deturpam, desvirtuam, ou dificultam a manifestação do pensamento, seja pelo desconhecimento das normas, seja pelo descuido do emissor. Barbarismo é um vício ou figura de linguagem que consiste no erro de português, cometido na grafia ou na pronúncia. De acordo com o Dicionário Priberam, é o uso de palavras estrangeiras por ignorância ou desprezo das vernáculas, emprego de palavras com significação que não lhes pertence, ou incorreção prosódica ou ortográfica. A utilização de estrangeirismos mal adaptados, como stress e croissant, são alguns exemplos de barbarismo. Já o estrangeirismo bem-adaptado, que seja conveniente para representar um conceito novo, sem substituto habitual, não é considerado barbarismo. O idiotismo é um vício de linguagem que consiste em traduzir, literalmente, expressão ou termo que, em português, não faz sentido ou se demonstra, gramatical e sintaticamente, errada. Como exemplo temos: Eu estou indo para chamá-lo (traduzido de“I am going to call him”em vez de “Eu vou chamá-lo”), ou “Estão chovendo cães e gatos” (de “It is raining cats and dogs”, em vez do equivalente “Está chovendo canivete”). Empréstimos e Aportuguesamento Um empréstimo representa generalizadamente a utilização de algo que pertence a outro. Neste contexto, o empréstimo linguístico ocorre quando uma palavra de uma língua integra o vocabulário de outra, geralmente por não haver um termo equivalente nesta que possa ser usada em substituição. À medida que passa a fazer parte da língua que a tomou emprestada, não sendo considerado estranho, esse empréstimo passa a constar, inclusive, nos dicionários. Nas palavras de Pedro Garcez: Estrangeirismo é o emprego, na língua de uma comunidade, de elementos oriundos de outras línguas. No caso brasileiro, posto simplesmente, seria o uso de palavras e expressões estrangeiras no português. Trata-se de fenômeno constante no contato entre comunidades linguísticas, também chamado de empréstimo. A noção de estrangeirismo, contudo, confere ao empréstimo uma suspeita de identidade alienígena, carregada de valores simbólicos relacionados aos falantes da língua que originou o empréstimo. (GARCEZ; Pedro, 2004, p. 15). No momento do empréstimo, é comum haver o “aportuguesamento”, ou seja, a grafia e a pronúncia da palavra são adaptadas para o português, como no exemplo de abajur, que foi aportuguesada da forma em francês “abat-jour”. Outras vezes, não há o aportuguesamento, conservando-se a forma original da palavra, como em mouse, que veio do inglês “mouse”. A maioria das palavras da língua portuguesa tem origem latina, grega, árabe, espanhola, italiana, francesa ou inglesa. Essas palavras são introduzidas em nossa língua por diversos motivos, sejam eles fatores históricos, socioculturais e políticos, modismos ou avanços tecnológicos. Durante a época da colonização, adotou-se no Brasil a língua portuguesa como padrão. Mesmo assim, os vocábulos de origem indígena não deixaram de ser empregados concomitantemente com os de origem europeia e africana. Na verdade, o empréstimo linguístico já se registrava na própria língua portuguesa europeia. As pessoas, em geral, estão tão acostumadas com a presença dos estrangeirismos que, muitas vezes, desconhecem que uma série de palavras têm sua origem em outros idiomas. Veja a seguir uma lista com exemplos de palavras que passaram pelo processo de aportuguesamento, bem como a origem e definição de cada uma delas: Tabela 2: |Idioma |Palavra original |Em português | |Aramaico |abba |Abade | |Francês |abat-jour |Abajur | |Francês |atelier |Ateliê | |Divehi |atolu |Atol | |Francês |baguette |Baguete | |Uólofe |banana |Banana | |Inglês |bungalow |Bangalô | |Inglês |basket ball |Basquetebol | |Francês |bâton |Batom | |Inglês |beef |Bife | |Dharuk |bumariny |Bumerangue | |Cantonês |cha |Chá| |Guguyimidjir |gaNurru |Canguru | |Hindi |gymkhana |Gincana | |Grego antigo |hypokrisis |Hipocrisia | |Tupi |jaguara |Jaguar | |Algonquiano |moccasin |Mocassim | |Inuit |qajaq |Caiaque | |Checo |robotnik |Robô | |Tungus |shaman |Xamã | |Árabe |shiikh |Xeque | |Cantonês |shî-yaÅ« |Soja | |Italiano |squadrone |Esquadrão | |Sânscrito |svastika-s |Suástica | |Tonganês |ta-bu |Tabu | |Nahuatl |tomatl |Tomate | |Francês |tourisme |Turismo | Essa utilização de palavras de outros sistemas linguísticos acontece, na maioria das vezes, quando se importam objetos ou modelos que não possuem nomenclatura equivalente na língua portuguesa. Para Câmara Júnior (1989, p. 269), os empréstimos abrangem “(...)todas aquelas aquisições estrangeiras que uma língua faz em virtude das relações políticas, comerciais ou culturais, propriamente ditas, com povos de outros países”. Por vezes, as palavras emprestadas podem mudar de significado na língua de destino, denominando-se neste caso de “falsos amigos”. Por exemplo, a palavra portuguesa marmelada (doce de marmelo) foi tomada de empréstimo pela língua inglesa como marmalade, não com o significado que tem na nossa língua, mas significando geleia de laranja com pedaços de casca e também usada para qualquer espécie de compota ou doce pastoso em geral. Uma das maiores contribuições para a formação da língua portuguesa foram os empréstimos linguísticos advindos do árabe. Durante cerca de oito séculos, a Península Ibérica foi ocupada por povos árabes. Tal ocupação deixou grandes marcas em nossa língua-mãe e, provavelmente, tenha sido a maior contribuição não-latina para o vocabulário português. As palavras derivadas do árabe geralmente são relativas à geografia, agricultura, arquitetura, astronomia, matemática, instituições jurídicas e sociais, química, culinária e ao vestuário. Muitas destas palavras é facilmente identificável, pois começa pelos prefixos al- (correspondente ao artigo definido árabe “o”) ou od- (que significa rio). Existem várias listas com centenas de palavras portuguesas derivadas do árabe. Estas são apenas algumas delas: Tabela 3: |Português |Árabe |Português |Árabe | |Açafrão |Azzafaran |Arroz |Arruzz | |Açoite |Assaut |Azar |Azzahr | |Açougue |Assuk |Azul |Al-lzaward | |Açucena |Assusana |Azulejo |Al-zuleij| |Açude |Assudd |Bafafá |Bafaf | |Açúcar |Assukar |Café |Qahwah | |Alazão |Al-Hiçân |Ceroulas |Sarawil | |Albatroz |Al-ghattas |Cotovia |Al-kutubia | |Alcachofra |Alkharshof |Elixir |Al-Axir | |Alcateia |Alkataia |Esmeralda |Zumúrrud | |Álcool |Alkohul |Fulano |Flan | |Alcorão |Alkuran |Garrafa |Karafâ | |Alecrim |Aliklil |Harém |Harim | |Alface |Al-khaç |Haxixe |Hashish | |Alfafa |Al-Hâfa |Imã |Imam | |Alfaiate |Al-khayyât |Laranja |Naranj | |Alfândega |Al-funduq |Limão |Laimun | |Algarismo |Alkawarizmi |Masmorra |Matmura | |Algema |Aljami'a |Nora |Na'ûra | |Algodão |Alkutun |Papagaio |Babaga | |Algoz |Al-gozz |Prisão |Prasioner | |Alicate |Allikkát |Safra |Safaria| |Almanaque |Almanakh |Sultão |Sultan | |Almirante |Amir-al-bahr |Tambor |Tanbur | |Almofada |Almukhadda |Xadrez |Xatranj | |Almôndega |Albundeca |Xarope |Sharab | |Armazém |Al-Makhzan |Zarabatana |Zarba tãnâ | A língua portuguesa sofreu grande influência do inglês e do francês. Tal valorização de elementos pertencentes a outras sociedades sempre aconteceu na história de nosso país. Desde o período da colonização, Portugal e outros países da Europa serviam de referência para o Brasil e valorizava-se o que vinha de lá, desde roupas e móveis até expressões e valores morais. Logo em seguida, a França passou a ser o modelo a ser seguido, com a sofisticação na indumentária e na decoração, enriquecendo nossa língua com vocábulos e expressões franceses. Depois os Estados Unidos passaram a ser o alvo dessas aspirações. Galicismo ou francesismo é o uso de uma palavra ou expressão de origem francesa, que manteve ou não a sua grafia original. Como exemplos de palavras que mantiveram a sua forma original temos avalanche, cabine, madame e vitrine. Outras sofreram aportuguesamento, como podemos observar nos exemplos abaixo: boite para boate ballet para balé bâton para batom bidet para bidê bouquet para buquê boutique para butique buffet para bufê champagne para champanhe châlet para chalé camelot para camelô chic para chique chauffeur para chofer crochet para crochê filet para filé garage para garagem garçon para garçom mayonnaise para maionese maquette para maquete maquillage para maquiagem marron para marrom sabotage para sabotagem toilette para toalete À introdução de termos, locuções ou expressões próprios da língua inglesa, seja devido à necessidade de designar objetos ou fenômenos novos, para os quais não existe designação adequada na língua alvo, seja por qualquer motivo como, por exemplo, dificuldades nas traduções, chamamos de Anglicismo. Tanto o português de Portugal como o do Brasil incorporaram um número considerável de anglicismos em décadas recentes. Alguns anglicismos foram aportuguesados, outros permaneceram com a sua grafia original, como podemos observar na relação abaixo: Palavras inglesasaportuguesadas: – Bife (“beef”, pedaço de carne de gado); – Futebol (football); – Handebol (handball); – Tênis (de “tennis”, esporte, ou de “tennis shoes”, calçado); – Videoclipe (de “videoclip”). Usos de palavras ou expressões originais da língua inglesa: – Browser (navegador, leitor de hipertexto); – Cowboy (vaqueiro); – Drag queen (travesti, homem vestido de mulher); – Hit (grande sucesso, canção que faz sucesso); – Home theater (cinema em casa, aparelho para produzir filmes com ótima qualidade); – Home video (vídeo doméstico); – Link (ligação – em informática); – Mouse (rato: periférico de computador); – Performance (desempenho, alta performance); – Piercing (perfuração ornamental em orelhas, dentes, umbigos etc.); – Pub (bar, cervejaria); – Ranking (classificação); – Remake (regravação musical); – Remix (mistura musical); – Shopping center ou apenas shopping (centro de compras, centro comercial); – Site (sítio, em informática). Na época atual, observamos uma presença maciça de vocábulos advindos da língua inglesa, por influência principalmente norte-americana, no país. Infante (2001, p. 193) ressalta que “deve-se levar em conta que muitos empréstimos da língua portuguesa atual do Brasil não ocorreram em Portugal e nas colônias africanas, onde a influência cultural e econômica dos Estados Unidos é menor”. Essa grande presença de empréstimos estrangeiros associa-se a uma valorização de tais termos como elemento indicativo de elevada posição social ou de refinamento, num processo de estereotipagem e de dominação. Assim, a grande influência atual de termos em inglês em nossa língua deve-se à dominação da cultura norte-americana, principalmente nas últimas décadas. Infante (2001, p. 193) destaca que atualmente, na língua portuguesa do Brasil, “a maior fonte de empréstimos é o inglês norte-americano”. Destarte, a aquisição de empréstimos linguísticos, que inicialmente representava a necessidade de se utilizar um vocábulo estrangeiro pela falta de correspondentes na língua portuguesa, passou a ser empregada como recurso de afirmação de identidade cultural. Usar o empréstimo linguístico se tornou uma demonstração de eloquência e enriquecimento cultural. Ou, como Zilles aponta (2004, p. 28), falar inglês é mostrar-se um indivíduo superior aos outros, capacitado para falar essa língua elitizada. O estrangeirismo, por conseguinte, deixa de ser mera necessidade e passa a ser um mecanismo de inclusão ou de exclusão de indivíduos numa determinada esfera social. De qualquer forma, é interessante ressaltar que não se pode, num mundo cujo funcionamento tem se globalizado e cujas relações se fazem por meios como a televisão e a Internet, isolar completamente uma cultura ou uma língua. Mais importante seria tornar os usuários dessa língua cientes do fenômeno para que essa adoção de estrangeirismos seja meramente uma opção. É preciso ter essa consciência para que se faça melhor uso de tão rica troca. A língua como identidade cultural A identidade cultural de um país pode ser caracterizada por vários aspectos, porém um dos mais importantes é a língua. É através dela que a comunicação entre as pessoas é possível, possibilitando as relações afetivas e ideológicas dentro ou fora de um grupo. O Brasil, apesar de seu grande território, possui invejável homogeneidade linguística, o que contribui para consolidar nossa identidade cultural. Contudo, é impossível não ocorrer a influência de idiomas estrangeiros na nossa língua, principalmente devido às relações entre os países, tanto na base econômica como cultural, o que pode ser muito positivo para a evolução natural da língua. O que se tem observado atualmente, no entanto, é uma invasão de termos estrangeiros, muitas vezes sem sentido. Não é incomum vermos termos em inglês espalhados pelas ruas e vitrines, sem sentido algum, como São Paulo Fashion Week, home delivery, summer, sale, rent a car, fast food, e outros. O uso dos estrangeirismos tornou-se comum na língua portuguesa; recebemos novos vocábulos como resultado das relações políticas, culturais e comerciais com outros países. A entrada de elementos estrangeiros é um fenômeno sociolinguístico ligado ao prestígio de um povo, e com a língua inglesa não é diferente. As manifestações culturais receberam, durante séculos, contribuições vindas da chegada de outros povos, da importação de objetos, da utilização constante de termos associados a ações ou a expressões estrangeiras. Constata-se que essa liderança idiomática é reflexo de vários fatores, entre o mais relevante, a globalização. É perceptível e inegável a predileção por termos estrangeiros por usuários de nosso idioma, resultando em influência na língua e na cultura brasileira. No entanto o que está sendo causa de algumas discórdias e de constantes reportagens nos jornais é a maçante influência norte-americana, que não acontece apenas na utilização de alguns termos, mas sim na substituição total de vocábulos, muitas vezes motivados por modismo. Na França, há uma forte campanha para manter a soberania da língua nacional sem a interferência de outros idiomas. O governo francês indica palavras, com a publicação de listas nos jornais, que podem substituir os termos estrangeiros, tendo sido criada, inclusive, uma lei que proíbe a utilização de palavras estrangeiras em documentos oficiais, na mídia e em lugares públicos. No Brasil, algo parecido foi proposto pelo deputado Aldo Rebelo, do PCdoB-SP, já aprovada pela Comissão de Educação da Câmara, faltando apenas o aval do Senado. O projeto de lei tem como objetivo vetar o uso de expressões estrangeiras em eventos públicos, nos meios de comunicação e em estabelecimentos e produtos, sendo aceitas apenas palavras já integradas oficialmente em nosso vocabulário oficial. Segundo o projeto, toda a vez em que for usada uma palavra estrangeira para uma comunicação ao público, o emissor da mensagem deve disponibilizar a tradução em português. Além disso, o deputado defende que existam comissões para que sejam sugeridas expressões em português para as palavras estrangeiras normalmente usadas, especialmente nas áreas científicas e tecnológicas. Muitos estudiosos concordam com a iniciativa de Aldo Rebelo, enquanto outros admitem que certos estrangeirismos tornam a nossa língua mais rica, alegando que tais influências são inevitáveis num mundo globalizado. O fato é que a língua, sendo um organismo vivo, está sujeita a sofrer mudanças, transformações. Ela não é estática, inerte, imutável, e tais mudanças ocorrem com todas as línguas. Marcos Bagno acrescenta que: Embora os puristas se recusem a aceitar o fato, a ciência linguística já demonstrou fartamente que as línguas não se desenvolvem, não progridem, não decaem, não evoluem, nem agem conforme qualquer uma dessas metáforas, que implicam um ponto final específico e um nível de excelência: as línguas simplesmente mudam (...) (BAGNO, Marcos. 2004, p. 70). Outro ponto que dificulta a implantação de tal lei é a dificuldade na distinção do que é ou não é estrangeirismo, pois, na verdade, todas as línguas têm influências de outras línguas, e a língua portuguesa, como já dito antes, é uma miscelânea de outras línguas e culturas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim como hoje, políticos e linguistas tem criticado o uso de estrangeirismos há muito tempo. Desde tempos remotos, os mais puristas já demonstravam sua indignação pela “invasão” de termos estrangeiros no português, como o uso que a burguesia fazia do francês e o macarrônico português falado pelos italianos. Tal combate, entretanto, sempre foi feita de forma incoerente, pois não levavam em consideração a própria construção e a história da língua portuguesa. É muito difícil tentar alterar o uso de uma língua através de leis ou decretos. Se o falante e a sociedade forem valorizadas, a língua será igualmente valorizada, assim como toda a cultura. Claro que esse assunto ainda será muito discutido, pois, como já explicitado, a língua não é algo imutável, e o que é comum nos dias de hoje podenão ser mais no futuro. É impossível querer refrear um processo que é natural. Não se pode negar que o grande uso de estrangeirismos, principalmente aqueles vindos da língua inglesa, é o reflexo de um mundo globalizado e não há como impedir essas influências em nossa língua, ainda mais considerando a importância norte-americana nos dias de hoje. Não se pode negar a importância em se valorizar a língua e a cultura de nosso povo, entretanto vivemos em uma sociedade democrática, e chega a ser um absurdo proibir as pessoas de agirem e pensarem livremente. Temos que ter em mente que cada indivíduo sabe discernir o que é importante e não é o uso de estrangeirismos que vai fazer com que os indivíduos percam o apreço pelo Brasil. Na maioria das vezes, o uso de estrangeirismos é apenas mais um modismo dos falantes, e acabará por permanecer somente o que for necessário, sendo que o restante cairá no desuso, portanto não há motivos para se preocupar com uma “desculturalização brasileira”. Na verdade, a existência de expressões e palavras estrangeiras em outra língua não a torna mais frágil ou inferior a outras, nem afeta o patrimônio cultural da nação. Ao contrário, temos que ter em mente que o intercâmbio de culturas é sinônimo de progresso. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Graziela. Estrangeirimos: por que proibi-los? http://www.psicopedagogia. com.br/artigos/artigo.asp?entrID=705 (acesso em 5 de setembro de 2011). BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico. São Paulo: Edições Loyola, 2001. CÂMARA Jr., Joaquim Mattoso. Princípios de linguística geral. Rio de Janeiro: Padrão, 1989. Dicionário Pribberam. http://www.priberam.pt (acesso em 07 de setembro de 2011). GARCEZ, Pedro; ZILLES, Ana Maria S. “Estrangeirismos: desejos e ameaças.” In: Estrangeirismos: guerras em torno da língua, por Carlos Alberto FARACO, 15-30. São Paulo: Parábola, 2004. GOIS, Miguel Ventura Santos. 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Estrangeirismo já irritava estudiosos da década de 20. http://www2.uol.com.br/aprendiz/n_noticias/academia/id040402.htm (acesso em 12 de setembro de 2011). Wikipédia: a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org (acesso em 20 de agosto de 2011).
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