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O que é Psicanálise?

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O que é psicanálise?
O texto abaixo é do Vocabulário de Psicanálise, de Laplanche e Pontalis:
Disciplina fundada por Freud e na qual podemos, com ele, distinguir três níveis:
a) Um método de investigação que consiste essencialmente em evidenciar o significado inconsciente das palavras, ações, das produções imaginárias (sonhos, fantasias, delírios) de um sujeito. Este método baseia-se principalmente nas associações livres do sujeito, que são a garantia da validade da interpretação. A interpretação psicanalítica pode estender-se a produções humanas para as quais não se dispõe de associações livres.
b) Um método psicoterápico baseado nesta investigação e o especificado pela interpretação controlada da resistência, da transferência e do desejo. O emprego da psicanálise como sinônimo de tratamento psicanalítico está ligado a este sentido; exemplo: começar uma psicanálise (ou uma análise).
c) Um conjunto de teorias psicanalíticas e psicopatológicas em que são sistematizados os dados introduzidos pelo método psicanalítico de investigação e de tratamento.
Freud empregou inicialmente os termos análise, análise psíquica, análise psicológica, análise hipnótica, no seu primeiro artigo “As psiconeuroses de defesa”, de 1894. Só mais tarde introduziu o termo psycho-analyse num artigo sobre a etiologia das neuroses publicado em francês. Em alemão, Psychoanalyse figura pela primeira vez em 1986 em Novas observações sobre as psiconeuroses de defesa. O uso do termo “psicanálise” consagrou o abandono da catarse sob hipnose e da sugestão, e o recurso exclusivo à regra da associação livre para obter o material.
Freud deu várias definições de psicanálise. Uma das mais claras encontra-se no início do artigo da Enciclopédia publicado em 1922: “Psicanálise é o nome:
1) De um procedimento de investigação de processos mentais que, de outra forma, são praticamente inacessíveis
2) De um método baseado nessa investigação para o tratamento de distúrbios neuróticos.
3) De uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que se somam uma às outras para formarem progressivamente uma nova disciplina científica”
A definição proposta na abertura deste verbete produz de forma mais pormenorizada a que Freud apresente neste texto.
Sobre a escolha do termo psicanálise, nada melhor do que dar a palavra àquele que forjou o termo ao mesmo tempo que identificava a sua descoberta: “Chamamos psicanálise ao trabalho pelo qual levamos à consciência do doente o psíquico recalcado por ele. Por que “análise”, que significa fracionamento, decomposição, e sugere uma analogia com o trabalho efetuado pelo químico com as substâncias que encontra na natureza e que leva para o laboratório?
Porque, num ponto importante, essa analogia é, efetivamente, bem fundada. Os sintomas e manifestações patológicas do paciente são, como todas as suas atividades psíquicas, de natureza altamente compósita; os elementos dessa composição são em última análise motivos, moções pulsonais. Mas o doente nada sabe, ou sabe muito pouco, desses motivos elementares.
Nós lhe ensinamos, pois, a compreender a composição dessas formações psíquicas altamente complicadas, reconduzimos os sintomas às moções pulsionais que os motivam, apontamos ao doente nos seus sintomas os motivos pulsionais até então ignorados, como o químico separa a substância fundamental, o elemento químico, do sal em que, em composição com outros elementos, se tornara irreconhecível.
Da mesma maneira, mostramos ao doente, quanto às manifestações psíquicas consideradas não patológicas, que ele só estava imperfeitamente consciente da motivação delas, que outros motivos pulsionais que para ele permaneceram desconhecidos tinham contribuído para as produzir.
Explicamos também a tendência sexual no ser humano fracionando-a nas suas componentes, e, quando interpretamos um sonho, procedemos de forma a pôr de lado o sonho como totalidade, pois é dos seus elementos isolados que fazemos partir as associações.
Essa comparação justificada da atividade médica psicanalítica com um trabalho químico poderia sugerir uma direção nova à nossa terapia (…) Disseram-nos: à análise do psiquismo doente deve suceder a síntese! E logo houve quem se mostrasse preocupado com o fato de que o doente pudesse receber análise a mais e síntese a menos, e desejoso de colocar o peso da ação psicoterapêutica nessa síntese, numa espécie de restauração daquilo que, por assim dizer, tinha sido destruído por vivissecção.
A comparação com a análise química encontra o seu limite no fato de que na vida psíquica lidamos com tendências submetidas a uma compulsão à unificação e à combinação. Mal conseguimos decompor um sintoma, liberar uma moção pulsional de um conjunto de relações, e logo esta não se conserva isolada, mas entra imediatamente num novo conjunto.
Também no sujeito em tratamento analítico a psicossíntese se realiza sem nossa intervenção, automática e inevitavelmente.
A Standard Edition traz uma lista das principais exposições gerais sobre a psicanálise publicada por Freud.
A moda da psicanálise levou numerosos autores a designar por este termo trabalhos cujo conteúdo, método e resultados têm apenas relações muito tênues com a psicanálise propriamente dita
A psicanálise: ciência e ética
Podemos contar a história do mundo, do nosso mundo, em poucas palavras e entender o sentido da psicanálise. A psicanálise só é possível em um mundo onde a ciência está presente. Mas a psicanálise, atualmente, não se considera ciência. Neste texto, você aprenderá mais sobre a psicanálise, como esta disciplina está relacionada com a ciência e com a ética.
O que havia antes da ciência, antes do surgimento da modernidade? Havia um discurso que centralizava o saber. A partir de Aristóteles, pensa-se o mundo como sendo perfeito acima da lua (mundo supra-lunar) e imperfeito abaixo da lua.
Acima da lua era possível criar uma ciência, um conhecimento perfeito e exato: a astronomia.Abaixo da lua, como o mundo nosso é imperfeito, não era possível criar uma ciência, uma física-matemática. E o campo da ética era centralizado pelo discurso da Igreja. Tudo em seu lugar.Este foi o pensamento até o Renascimento.
Com Galileu e Newton, a ideia de que não era possível criar uma ciência nesse mundo foi questionada. Conseguimos chegar a resultados exatos com a nova física (na época ainda uma filosofia natural). Com o pensamentos destes autores, há uma revolução no pensamento humano e uma separação radical entre dois campos de saber:
A episteme ou ciência (o conhecimento exato)
e
A ética (ou moral)
Passamos a viver em um mundo infinito, em que a terra não é o centro. O homem está perdido nesse infinito – quem garante que a ética, a moral está realmente certa? É desta forma que podemos ler a importante obra de Descartes, Discurso sobre o Método, em que ele duvida de tudo, até de que existe e tem um corpo.A dúvida passa a ser fundamental ao homem moderno. Com a dúvida, a filosofia, desde o Renascimento, tem que ser pensada sempre sob a sombra do niilismo, sob a sombra do nada e também do infinito.
O homem perdido busca uma resposta, um sentido, uma orientação. Perdido em si mesmo, ainda acossado por um moralismo excessivo o mundo vê surgir a figura de Sigmund Freud. Polêmico, ele questiona a moralidade reinante. E faz uma nova revolução: o centro da psique não é o eu, mas o inconsciente. O eu é apenas a ponta do Iceberg.
Voltando um pouco na história do mundo, devemos ressaltar a diferença entre ética e episteme. E aí saberemos que a psicanálise não é uma ciência, mas uma ética.Os cientista descobrem que Coca-cola causa celulite. (É uma verdade científica, um conhecimento positivo).
Uma mulher tem então que responder: – Devo ou não tomar Coca-cola?
Responder à esta pergunta é uma questão ética. Não uma questão científica.
Entretanto, esta diferença clara entre ética e episteme é recente na própria história da psicanalise. Tanto Freud como Lacan tentaram fazer da psicanalise uma ciência. Para Freud, a psicanálise era uma ciência natural, empírica. Lacan também, por certotempo, tentou mas depois percebeu que não era possível fazer uma ciência de um sujeito.
E nem por isso a psicanálise é menos.
Nascida das horas e horas no divã, a talking cure (a conversa que cura) ficou mundialmente conhecida e, apesar das atuais controvérsias com a psiquiatria e a neuro-ciência, continua prosperando e ajudando os sujeitos a lidarem com seus sintomas.
Desta forma, entendemos atualmente que a psicanálise situa-se no campo da ética e não no campo da ciência.
Diferença entre o Psicólogo, Psicanalista e Psiquiatra
Existe uma grande confusão sobre as três profissões que são intimamente ligadas à área psi. Muitas pessoas não sabem a diferença sobre o modo como psicólogos, psicanalistas psiquiatras trabalham, muito menos sobre que faculdade ou curso é necessário para seguir cada uma destas profissões.
Assim, é muito comum que pacientes me peçam medicamentos psiquiátricos. O psicologo, não pode receitar nenhum tipo de medicamento. Também é muito frequente as pessoas pensarem que a psicanálise é uma faculdade e não saberem ao certo o que é a psicoterapia.
Neste texto, vamos esclarecer os principais pontos.
PSICOLOGIA
Para ser um profissional da psicologia, a pessoa interessada deve cursar uma faculdade de psicologia (que em geral, tem duração de 4 a 5 anos). Durante o curso, estudamos diversas matérias e disciplinas, inclusive psicofarmacologia, ou seja, os principais remédios psiquiátricos e sua ação no organismo. Mas, mesmo tendo este conhecimento, não podemos receitar nenhum tipo de remédio para nossos pacientes. Esta função cabe somente aos profissionais que se formaram em medicina e fizeram especialização em psiquiatria.
Durante a faculdade, também estudamos diversas abordagens que podem ser utilizadas no consultório e na clínica. Entre estas abordagens, podemos encontrar a psicanálise. A psicanálise foi fundada por Sigmund Freud e é, além de uma técnica muito útil para tratar diversos sintomas, problemas e dificuldades mentais e emocionais, uma importante teoria sobre o ser humano, que teve influência em diversas outras áreas, como a antropologia, filosofia, letras.
Deste modo, podemos dizer que o profissional da psicologia não receita remédios. Com relação à psicanálise, o profissional pode se especializar na abordagem psicanalítica. Mas também existem diversos profissionais que preferem outras abordagens ou formas de tratar seus pacientes como o behaviorismo, humanismo, psicologia analítica, entre outras.
Neste texto sobre o Mercado de Trabalho, você encontrará mais informações sobre as matérias na faculdade de psicologia.
PSIQUIATRIA
A psiquiatria é uma especialidade da medicina. Para ser um profissional da psiquiatria, a pessoa deve cursar 6 anos de faculdade de medicina e, após este período, realizar a especialização em psiquiatria (geralmente em 4 anos). Após a conclusão, o profissional estará habilitado a receitar medicamentos para os pacientes que sofrem de determinados problemas mentais, que vão desde problemas simples como insônia e ansiedade até os pacientes com transtornos mais graves, como esquizofrenia.
Além da prescrição de medicamentos, o psiquiatra também pode realizar consultas mais psicoterapêuticas, utilizando formas de terapia que não fazem uso de nenhum tipo de remédio. De forma que, em uma consulta com um psiquiatra, o paciente pode apenas conversar com o profissional, expor seus problemas e obter do psiquiatra formas de solucionar aquela dificuldade específica.
PSICANÁLISE
Para se tornar um psicanalista, existem basicamente duas formas. A forma mais completa é realizar um curso de formação em uma instituição vinculada à outra instituição internacional. Existem também diversas linhas da psicanálise e isto se reflete na existência de instituições diferentes.
Mas de modo geral, podemos dizer que esta forma mais “completa” é um curso extremamente intensivo que tem duração de cerca de 5 anos. Durante este período o profissional vai conhecer profundamente os conhecimentos teóricos deixados por Freud e outros teóricos, bem como se submeter a fazer análise ele mesmo. Após a análise, ele terá que fazer estágio, atendendo pacientes e tendo supervisão (orientação) de profissionais mais experientes.
Outro modo de ser um psicanalista, é primeiro fazer uma faculdade. Em geral, qualquer faculdade da área de ciências humanas (psicologia, filosofia, história, letras, etc) e depois fazer uma pós-graduação em psicanálise. Nesta pós-graduação, o estudante aprenderá também as técnicas e teorias, mas o período é mais breve: por volta de 2 anos.
Também encontramos cursos de psicanálise que são mais breves do que 2 anos e não exigem que o aluno tenha uma graduação anterior. Mas estes cursos, em geral, não são recomendados.
CONCLUSÃO
Após as explicações acima, podemos entender porque quem não é da área pode confundir uma profissão com a outra. Afinal, um psicólogo pode ser psicanalista, assim como um psiquiatra pode ser psicólogo e utilizar a psicanálise para atender seus pacientes!
O que é importante saber é que cada profissão possui um grupo que coordena e fiscaliza os profissionais:
Profissionais da Psicologia – Conselho Federal de Psicologia
Profissionais da Psiquiatria – Conselho Federal de Medicina
Profissionais da Psicanalise – Institutos Internacionais como a Associação Internacional de Psicanálise ou a Associação Mundial de Psicanálise.
E ainda fica uma pergunta a ser respondida – como escolher o melhor profissional para se tratar?
Bem, se você avalia que existe a necessidade de medicação ou se o seu médico lhe orientou a tomar um determinado medicamento psiquiátrico, busque um psiquiatra.
Se você deseja entender melhor os seus problemas e encontrar formas para mudar, escolha um profissional da psicologia e lhe pergunte em qual abordagem ele se especializou. Você poderá procurar por informações sobre aquela abordagem e, depois de conhecer melhor, poderá avaliar se você se sente bem com a abordagem ou não.
Se você quer realizar um profundo processo de auto-conhecimento, sugiro a procura de um psicanalista. Mas como disse acima, um psicanalista também pode ser psicólogo, de forma que você pode também procurar um psicólogo que se especializou em psicanálise.
O mais importante é avaliar que tipo de problema você está vivenciando no momento, se é necessário o uso de algum medicamento, se sim, também avaliar se este medicamento está lhe ajudando ou não. Também é de extrema importância avaliar se a terapia com um psicólogo ou psicanalista está trazendo resultados e crescimento pessoal e, por fim, se você se sente bem e confia naquela profissional.
A técnica da psicanálise para Freud
Embora haja uma modificação dos conceitos teóricos de Freud ao longo de sua obra dois pontos são mantidos no que concerne à sua importância: a sexualidade infantil e o inconsciente.
No que diz respeito à técnica da psicanálise, após adotar a associação livre, Freud não a abandona. Isto porque ao associar livremente o paciente no decorrer do tratamento vai superando as suas resistências e deste modo os conteúdos do inconsciente são trazidos para a consciência.
Freud e a Técnica da Psicanalise
O paciente neurótico é aquele no qual o conflito psíquico entre consciente e inconsciente é intenso. O recalque incide sobre os últimos e a satisfação é realizada nas “formações de compromisso”, principalmente nos sintomas.
Segundo Freud, a mola mestra da psicanálise é a transferência, que é ambígua, ou seja, positiva e negativa ou então amor transferencial ou hostilidade. É através da transferência, da inserção do psicanalista na cadeia de representações do paciente que aquele pode por meio da interpretação e construção dar prosseguimento à análise.
Como a doença inicial do paciente não é estática, com a transferência ela se transforma em neurose de transferência. Segundo Freud, “eliminar essa neurose equivale a eliminar a doença inicial”.
A construção designa a atividade do analista de completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que foram deixados pelo paciente e a interpretação indica o desejo.A psicanálise se contrapõe à sugestão na medida em que esta tenta solucionar os sintomas, e por outro lado o seu próprio emprego acarreta no encobrimento do recalque. A psicanálise é uma terapia causal pois se propõe a remover suas causas; embora não incida só sobre as raízes dos fenômenos.
Deste modo, a psicanálise com seu arcabouço teórico se insere no campo da ética, e como ética se revela ética do impossível já que não impõe uma determinada moral aos seus pacientes, mas deixa a cargo dos mesmos tomar a decisão por si mesmos.
A entrevista na psicanálise
Também a psicanálise se utiliza das entrevistas em seu método clínico, porém o faz com algumas peculiaridades em relação às teorias psicológicas. Vejamos alguns pontos. 
Freud, em seus textos técnicos, menciona o hábito de praticar o que chamava de tratamento de ensaio. Este ocorria antes da análise propriamente dita, e nesta etapa decidia se aceitaria ou não o paciente. Posteriormente, Lacan irá falar em entrevistas preliminares, que seriam correlatas ao tratamento de ensaio de Freud. Esta fase seria anterior ao paciente deitar-se no divã. 
O objetivo principal das entrevistas preliminares consiste em direcionar a transferência àquele analista específico. Simultaneamente, há a elaboração de uma hipótese diagnóstica, a produção de um sintoma analítico – o qual não é necessariamente aquele do qual o sujeito chega se queixando – e a produção de uma demanda de análise propriamente (Quinet, 1991; Ariadne, 1998). 
As entrevistas preliminares marcam que o início de uma análise não se dá com a entrada do paciente no consultório do analista. É o fim das entrevistas preliminares que cumpre a função de estabelecer um corte, marcando a entrada no discurso analítico. 
Numa primeira vista essa diferença pode não ser facilmente perceptível, pois as entrevistas preliminares seguem as mesmas regras da análise: também nas entrevistas preliminares o sujeito deve associar livremente. 
Contudo, não se interpreta o discurso do paciente durante as entrevistas; neste momento o analista fala o mínimo possível, apenas o suficiente para que o sujeito prossiga em seu discurso. Isto porque está em jogo a questão diagnóstica: deixa-se o paciente falar para que uma hipótese possa ser formulada acerca da estrutura do sujeito (neurose, perversão, psicose), e também porque é próprio paciente quem introduz os significantes que irão “guiar” sua análise. 
É neste momento que o analista decide se irá ou não acatar aquela demanda de análise. “O fato de receber alguém em seu consultório não significa que o analista o tenha aceito em análise” (Quinet, 1991, p.15).
O analista pode recusar-se a autorizar uma análise se, por exemplo, percebe uma estrutura psicótica (devido aos riscos de desencadeamento de um surto, pelo qual terá que se responsabilizar), ou porque o paciente já se encontra num estágio que o analista acha por bem não levar adiante – lembremo-nos daquela máxima que uma análise só vai até o ponto onde foi a análise do analista. 
As entrevistas preliminares servem também para que se configure o sintoma analítico enquanto tal. O sintoma do qual o sujeito chega ao consultório se queixando expressa, geralmente, uma demanda de cura, ou de amor, mas não uma demanda de análise: esta deverá ser produzida através da retificação subjetiva. 
Quando o sujeito procura o analista, ele se apresenta a este através de seu sintoma: um significante. É este significante que irá representá-lo, num primeiro momento, ao menos, para o analista. Este, por sua vez, é um outro significante, um significante qualquer fabricado pelo analisante em sua fantasia.
Assim, o sujeito, no início do processo, acredita que o analista detém um saber ou um poder de cura, e coloca o analista no lugar do Sujeito Suposto Saber. 
Se no início do processo a demanda do sujeito é a de se desvencilhar, de se curar de um sintoma, a retificação subjetiva fará com que o sintoma inicial passe ao estatuto de sintoma analítico, constituindo uma demanda de análise propriamente dita, endereçada àquele analista específico.
Concomitantemente, estabelece-se a transferência, simbólica, em relação ao analista, fenômeno fundamental para que se dê uma análise. Ao se configurar o sintoma analítico, este passa a ser um enigma a ser decifrado pelo sujeito, um enigma que aponta para sua divisão. É o que se chama de histericização do discurso. 
Assim, resumidamente, as entrevistas preliminares cumprem as seguintes funções: instaurar a transferência num nível simbólico; implicar o sujeito no sintoma, para que se configure um sintoma analítico; retificar a demanda, transformando a demanda de amor ou de cura em demanda de análise; colocar o sujeito a questionar-se sobre seu sintoma, histericizando seu discurso e elaboração, por parte do analista, de uma hipótese diagnóstica.
O início da análise na psicanálise
Quando dizemos que uma pessoa está fazendo análise, queremos dizer que esta pessoa está fazendo um tratamento clínico com psicanálise, ou seja, ela faz terapia com um psicanalista.
Neste texto você aprenderá como é o início de um processo de análise, e falamos também sobre a diferença entre demanda e desejo. Utilizaremos a teoria de Freud e algumas elaborações de Jacques Lacan, fazendo referência principalmente a Jacques Allain Miller.
Veja:
O AMOR PARA A PSICANÁLISE
Jacques-Alain Miller é um importante psicanalista francês. Ele trabalhou muitos anos ao lado do psicanalista Jacques Lacan – um dos mais influentes psicanalistas de todos os tempos.
J. A Miller, psicanalista
Além das relações profissionais, Alain Miller casou-se com a filha de Lacan. Abaixo, reproduzo uma importante entrevista de Jacques-Alain Miller sobre o amor. Achei interessantíssima a definição que ele dá de amor: “Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si”.
Em outras palavras, amamos alguém porque (no fundo, inconscientemente) esperamos encontrar alguma resposta sobre nós mesmos, sobre quem nós somos.
A entrevista foi publicada na Psychologies Magazine em outubro 2008. A entrevistadora é Hanna Waar.
Psychologies: A psicanálise ensina alguma coisa sobre o amor?
Jacques-Alain Miller: Muito, pois é uma experiência cuja fonte é o amor. Trata-se desse amor automático, e freqüentemente inconsciente, que o analisando dirige ao analista e que se chama transferência. É um amor fictício, mas é do mesmo estofo que o amor verdadeiro. Ele atualiza sua mecânica: o amor se dirige àquele que a senhora pensa que conhece sua verdade verdadeira. Porém, o amor permite imaginar que essa verdade será amável, agradável, enquanto ela é, de fato, difícil de suportar
P.: Então, o que é amar verdadeiramente?
J-A Miller: Amar verdadeiramente alguém é acreditar que, ao amá-lo, se alcançará a uma verdade sobre si. Ama-se aquele ou aquela que conserva a resposta, ou uma resposta, à nossa questão “Quem sou eu?”.
P.: Por que alguns sabem amar e outros não?
J-A Miller: Alguns sabem provocar o amor no outro, os serial lovers – se posso dizer – homens e mulheres. Eles sabem quais botões apertar para se fazer amar. Porém, não necessariamente amam, mais brincam de gato e rato com suas presas. Para amar, é necessário confessar sua falta e reconhecer que se tem necessidade do outro, que ele lhe falta. Os que crêem ser completos sozinhos, ou querem ser, não sabem amar. E, às vezes, o constatam dolorosamente. Manipulam, mexem os pauzinhos, mas do amor não conhecem nem o risco, nem as delícias.
P.: “Ser completo sozinho”: só um homem pode acreditar nisso…
J-A Miller: Acertou! “Amar, dizia Lacan, é dar o que não se tem”. O que quer dizer: amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se possui, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é preciso se assegurar de sua falta, de sua “castração”, como dizia Freud. E isso é essencialmente feminino. Só se ama verdadeiramente a partir de uma posição feminina. Amar feminiza. É por isso que o amor é sempre um pouco cômico em um homem.Porém, se ele se deixa intimidar pelo ridículo, é que, na realidade, não está seguro de sua virilidade.
P.: Amar seria mais difícil para os homens?
J-A Miller: Ah, sim! Mesmo um homem enamorado tem retornos de orgulho, assaltos de agressividade contra o objeto de seu amor, porque esse amor o coloca na posição de incompletude, de dependência. É por isso que pode desejar as mulheres que não ama, a fim de reencontrar a posição viril que coloca em suspensão quando ama. Esse princípio Freud denominou a “degradação da vida amorosa” no homem: a cisão do amor e do desejo sexual.
P.: E nas mulheres?
J-A Miller: É menos habitual. No caso mais freqüente há desdobramento do parceiro masculino. De um lado, está o amante que as faz gozar e que elas desejam, porém, há também o homem do amor, feminizado, funcionalmente castrado. Entretanto, não é a anatomia que comanda: existem as mulheres que adotam uma posição masculina. E cada vez mais. Um homem para o amor, em casa; e homens para o gozo, encontrados na Internet, na rua, no trem…
P.: Por que “cada vez mais”?
J-A Miller: Os estereótipos socioculturais da feminilidade e da virilidade estão em plena mutação. Os homens são convidados a acolher suas emoções, a amar, a se feminizar; as mulheres, elas, conhecem ao contrário um certo “empuxo-ao-homem”: em nome da igualdade jurídica são conduzidas a repetir “eu também”. Ao mesmo tempo, os homossexuais reivindicam os direitos e os símbolos dos héteros, como casamento e filiação. Donde uma grande instabilidade dos papéis, uma fluidez generalizada do teatro do amor, que contrasta com a fixidez de antigamente. O amor se torna “líquido”, constata o sociólogo Zygmunt Bauman (1). Cada um é levado a inventar seu próprio “estilo de vida” e a assumir seu modo de gozar e de amar. Os cenários tradicionais caem em lento desuso. A pressão social para neles se conformar não desapareceu, mas está em baixa.
P.: “O amor é sempre recíproco”, dizia Lacan. Isso ainda é verdade no contexto atual? O que significa?
J-A Miller: Repete-se esta frase sem compreendê-la ou compreendendo-a mal. Ela não quer dizer que é suficiente amar alguém para que ele vos ame. Isso seria absurdo. Quer dizer: “Se eu te amo é que tu és amável. Sou eu que amo, mas tu, tu também estás envolvido, porque há em ti alguma coisa que me faz te amar. É recíproco porque existe um vai-e-vem: o amor que tenho por ti é efeito do retorno da causa do amor que tu és para mim. Portanto, tu não estás aí à toa. Meu amor por ti não é só assunto meu, mas teu também. Meu amor diz alguma coisa de ti que talvez tu mesmo não conheças”. Isso não assegura, de forma alguma, que ao amor de um responderá o amor do outro: isso, quando isso se produz, é sempre da ordem do milagre, não é calculável por antecipação.
P.: Não se encontra seu ‘cada um’, sua ‘cada uma’ por acaso. Por que ele? Por que ela?
J-A Miller: Existe o que Freud chamou de Liebesbedingung, a condição do amor, a causa do desejo. É um traço particular – ou um conjunto de traços – que tem para cada um função determinante na escolha amorosa. Isto escapa totalmente às neurociências, porque é próprio de cada um, tem a ver com sua história singular e íntima. Traços às vezes ínfimos estão em jogo. Freud, por exemplo, assinalou como causa do desejo em um de seus pacientes um brilho de luz no nariz de uma mulher!
P.: É difícil acreditar em um amor fundado nesses elementos sem valor, nessas baboseiras!
J-A Miller: A realidade do inconsciente ultrapassa a ficção. A senhora não tem idéia de tudo o que está fundado, na vida humana, e especialmente no amor, em bagatelas, em cabeças de alfinete, os “divinos detalhes”. É verdade que, sobretudo no macho, se encontram tais causas do desejo, que são como fetiches cuja presença é indispensável para desencadear o processo amoroso. As particularidades miúdas, que relembram o pai, a mãe, o irmão, a irmã, tal personagem da infância, também têm seu papel na escolha amorosa das mulheres. Porém, a forma feminina do amor é, de preferência, mais erotômana que fetichista : elas querem ser amadas, e o interesse, o amor que alguém lhes manifesta, ou que elas supõem no outro, é sempre uma condição sine qua non para desencadear seu amor, ou, pelo menos, seu consentimento. O fenômeno é a base da corte masculina.
P.: O senhor atribui algum papel às fantasias?
J-A Miller: Nas mulheres, quer sejam conscientes ou inconscientes, são mais determinantes para a posição de gozo do que para a escolha amorosa. E é o inverso para os homens. Por exemplo, acontece de uma mulher só conseguir obter o gozo – o orgasmo, digamos – com a condição de se imaginar, durante o próprio ato, sendo batida, violada, ou de ser uma outra mulher, ou ainda de estar ausente, em outro lugar.
P.: E a fantasia masculina?
J-A Miller: Está bem evidente no amor à primeira vista. O exemplo clássico, comentado por Lacan, é, no romance de Goethe (2), a súbita paixão do jovem Werther por Charlotte, no momento em que a vê pela primeira vez, alimentando ao numeroso grupo de crianças que a rodeiam. Há aqui a qualidade maternal da mulher que desencadeia o amor. Outro exemplo, retirado de minha prática, é este: um patrão qüinquagenário recebe candidatas a um posto de secretária. Uma jovem mulher de 20 anos se apresenta; ele lhe declara de imediato seu fogo. Pergunta-se o que o tomou, entra em análise. Lá, descobre o desencadeante: ele havia nela reencontrado os traços que evocavam o que ele próprio era quando tinha 20 anos, quando se apresentou ao seu primeiro emprego. Ele estava, de alguma forma, caído de amores por ele mesmo. Reencontra-se nesses dois exemplos, as duas vertentes distinguidas por Freud: ama-se ou a pessoa que protege, aqui a mãe, ou a uma imagem narcísica de si mesmo.
P.: Tem-se a impressão de que somos marionetes!
J-A Miller: Não, entre tal homem e tal mulher, nada está escrito por antecipação, não há bússola, nem proporção pré-estabelecida. Seu encontro não é programado como o do espermatozóide e do óvulo; nada a ver também com os genes. Os homens e as mulheres falam, vivem num mundo de discurso, e isso é determinante. As modalidades do amor são ultra-sensíveis à cultura ambiente. Cada civilização se distingue pela maneira como estrutura a relação entre os sexos. Ora, acontece que no Ocidente, em nossas sociedades ao mesmo tempo liberais, mercadológicas e jurídicas, o “múltiplo” está passando a destronar o “um”. O modelo ideal do “grande amor de toda a vida” cede, pouco a pouco, terreno para o speed dating, o speed loving e toda floração de cenários amorosos alternativos, sucessivos, inclusive simultâneos.
P.: E o amor no tempo, em sua duração? Na eternidade?
J-A Miller: Dizia Balzac: “Toda paixão que não se acredita eterna é repugnante” (3). Entretanto, pode o laço se manter por toda a vida no registro da paixão? Quanto mais um homem se consagra a uma só mulher, mais ela tende a ter para ele uma significação maternal: quanto mais sublime e intocada, mais amada. São os homossexuais casados que melhor desenvolvem esse culto à mulher: Aragão canta seu amor por Elsa; assim que ela morre, bom dia rapazes! E quando uma mulher se agarra a um só homem, ela o castra. Portanto, o caminho é estreito. O melhor caminho do amor conjugal é a amizade, dizia, de fato, Aristóteles.
P.: O problema é que os homens dizem não compreender o que querem as mulheres; e as mulheres, o que os homens esperam delas…
J-A Miller: Sim. O que faz objeção à solução aristotélica é que o diálogo de um sexo ao outro é impossível, suspirava Lacan. Os amantes estão, de fato, condenados a aprender indefinidamente a língua do outro, tateando, buscando as chaves, sempre revogáveis. O amor é um labirinto de mal entendidos onde a saída não existe.
O inicio de uma análise, segundo Jacques Allain Miller, não pode ser pensado sem sua inter-relação intrínseca ao fim. Isso porque, para o próprio paciente entrar em analise já implica projetar um fim para a mesma, e para o analista, o inicio assinala o abalo do fantasma (ou fantasia), e o fim, a travessia deste.
A questão do desejo, no planoteórico da psicanálise, pode ser traçado desde o Projeto para uma Psicologia Científica (que enquanto projeto só foi publicado postumamente) no qual Freud o elabora. Sendo que o que marca propriamente esta elaboração – no campo teórico da psicanálise propriamente dita, embora este conceito perpasse toda a obra do autor – pode ser melhor traçado no Interpretação dos sonhos.
Neste livro, Freud define o desejo como sendo a força que traz o elemento mnêmico de uma experiência de satisfação. Neste sentido, o elemento primordial da satisfação do sujeito, o protótipo de satisfação, é o seio materno. Por essa via, é que lemos Freud ao escrever que o “sentido de todos os sonhos é a realização de um desejo”. (Freud, 1992 :153). Para Miller, “o desejo é um conceito complexo, que segundo Freud, pode ser recalcado e aí realizado nos sonhos, e, sobretudo, pode ser modificado na experiência analítica”. (Miller, 1997: 35).
“o desejo é sempre um lamentar-se, um deplorar, uma nostalgia ou um anelo, de tal maneira que, se buscarmos a palavra desejo em Freud, vamos encontrá-la predominantemente na palavra Wunsch – o anelo que segundo ele, está em cada sonho e aí se satisfaz” (Miller, 1997:447).
O desejo “é uma pergunta, uma interpretação, conflui com o discurso” (Miller, 1997: 339); a relação entre demanda e pulsão: “a pulsão designa um nível onde o sujeito parece estar sob uma demanda, da qual não pode se defender”. (Idem).
Em outras palavras, “Em Freud, a pulsão é uma demanda muito particular: não pede nada a ninguém” (Miller, 1997:445). Ainda segundo Miller, “o que chamamos desejo é algo que pomos não ao nível de significante, mas debaixo dessa articulação, (S1 S2/d), como algo que circula entre os elementos da articulação mecânica e que não responde ao mecanismo” (Miller, 1997: 340)
Foi Lacan, quem introduziu esta distinção entre demanda e desejo (D/d) da qual, segundo Miller, “a matriz de todas essas distinções é a distinção primária entre significante e significado (S/s; S1 S2/d; E/ e; D/d)” (Idem). De modo que o desejo não pode ser dito, ao menos de forma direta; é o que não se consegue dizer dentro do que se diz: “o desejo aponta para uma impotência da palavra e, mais além, para uma impossibilidade”. (Miller, 1997: 449).
Há a formulação lacaniana, desenvolvida, segundo Miller, a partir do Relatório de Roma, de que “O desejo é o desejo do outro” (Lacan apud Miller, 1997: 50). Definição ambígua, ou melhor, que pode ser desenvolvida na abertura que permite nas próprias palavras da formulação, em sua oscilação de desejo imaginário ou de desejo simbólico.
Miller (1997: 353), em seu seminário A patologia da ética, diz que na analise: “há momentos de ‘quero saber’ e outros onde, ao contrario, dentro do ‘quero saber’ há o ‘não quero saber (…) Para utilizar a barra (…) há um ‘quero saber’, que se pode apresentar enunciado como uma demanda, quando o desejo secreto dentro é ‘não quero saber’ de nada.
Na relação da entrada em analise, seguindo o percurso de Miller, em seu texto Demanda e Desejo, a demanda deve no inicio de uma analise ser abandonada, já que “toda demanda é fundamentalmente sem saída e porque é preciso desistir da própria demanda” (Miller, 1997:440), e paralelamente o fim de analise poderia ser definido como a desistência radical de toda demanda endereçada ao Outro, sem que esta demanda seja deslocada para outros.
A demanda, de acordo com o mesmo texto, tenta, em seu pedido ao Outro, preencher uma falta impossível de ser preenchida na falta-a-ser que é o sujeito. A desistência de tal pedido, de tal demanda, pode ser relacionada com a destituição subjetiva, na qual “se perde para o sujeito toda a possibilidade de obter um lugar no Outro” (Miller, 1997: 441).
E, o desejo do mesmo pode, pode ser descrito de acordo com a falta, na medida em que “seu motor e sua causa são sempre uma falta (…) Falta um objeto – que dizemos perdido – e o essencial é que o objeto reencontrado nunca é o adequado”. (Miller, 1997: 447).
Miller, neste trecho abaixo citado, correlacionada os dois termos lacanianos, de demanda e desejo, com a entrada em analise:
A entrada em analise precisa ser solicitada, mas o sujeito que faz uma demanda de analise não sabe o que está pedindo. Deve-se somente aceitar uma demanda de analise se, mais além da analise que é pedida, o analista consegue entender o que o sujeito deseja.
É por isso que se necessita não de uma demanda determinada, para que se aceite um sujeito em analise, mas de um desejo decidido que não tem nada a ver com o imperativo, com a urgência, a pressão, e que é escutado entre as palavras. (Miller, 1997:451).
A importância teórica do conceito de desejo é evidente, e por diversas vezes, e através de diversos autores, foi colocado enquanto o ponto central da elaboração teórica da psicanálise.
Por outro lado, o conceito de demanda, não foi utilizado por Freud, mas sim elaborado por Lacan, sendo que ambos representam uma oposição fundamental na clinica e em sua elaboração teórica, que pode ser remetida a sua distinção primordial de significante e significado, à medida em que ele elabora a ideia do inconsciente estruturado como uma linguagem.
A relação destes dois conceitos, tão fundamentais quanto complexos, em sua relação com a clinica, tanto em seu inicio como em sua conclusão, deve ser antes de tudo pensando em função das três estruturas clinicas desenvolvidas por Lacan: neurose, perversão e psicose.
No entanto, alguns princípios podem ser colocados, de forma preliminar, ou seja, a necessidade de não se atender a demanda do analisando, ou do sujeito que inicia uma analise, para que então, a questão do desejo emerja. Em outras palavras, a demanda deve ser abandonada pelo sujeito.
Além disso, como ficou exemplificado, na fala supracitada de Miller que correlaciona demanda, desejo e inicio de analise, de que para o analista, sob o seu ponto de vista, não é necessário uma demanda determinada, mas sim que este perceba para além da demanda solicitada o desejo do sujeito enquanto tal, ainda que este desejo, sempre escape às palavras
A personalidade para a psicanálise
A psicanálise, que surgiu a partir da obra de Sigmund Freud, é bastante complexa e difícil de ser explicada em poucas palavras. Mas tentarei, na medida do possível, explicar os diferentes tipos de pessoas que encontramos por aí através do conceito de estrutura e mecanismos de defesa.
Poderíamos definir a personalidade, na psicanálise, de várias formas. Aqui, vou dizer sobre as diferenças individuais, principalmente com as contribuições feitas pelo psicanalista francês Jacques Lacan.
A partir do Complexo de Édipo, a psique é estruturada de determinado modo. Cada estrutura exclui a possibilidade de outra. Ou seja, um sujeito que se encontra em uma estrutura nunca pulará para outra estrutura nessa vida.
Temos, então, a partir do Édipo, 3 grandes estruturas:
No pensamento da psicanálise, qualquer um de nós pode ser classificado em um destes três tipos de personalidade. Cada um está dentro de uma determinada estrutura e sempre estará dentro desta estrutura.
O sofrimento que leva as pessoas a buscarem a psicologia clínica ou a psicanálise é a base para este sistema de pensamento. Como se vê, as três estruturas são muito ligadas à ideia de doença psíquica. E qual é a diferença entre a doença e a normalidade? Para Freud, a única diferença é de grau. Uns apresentarão mais sintomas, e, com isso, mais sofrimento. Mas, em última análise, pode-ser classificar cada pessoa em uma determina estrutura.
Cada estrutura apresenta subdivisões:
A psicose se divide em: Esquizofrenia, Autismo e Paranóia.
A neurose se divide em: Neurose Obsessiva e Histeria.
A perversão engloba algumas formas de manifestação, mas é não é dividida. Entre estas formas, nota-se como exemplo o fetichismo.
Repito, a noção de que cada indivíduo “pertence” à uma estrutura – a partir do Complexo de Édipo – é fundamental para a compreensão da psicanálise, em geral, e da teoria lacaniana de sujeito, em particular.
Se um sujeito é neurótico ele nunca surtará (terá um surtopsicótico), assim como é praticamente impossível que um perverso tenha a culpa de um obsessivo.
Cada estrutura exclui a possibilidade da existência da outra. A psique é do jeito que é. E mesmo com a análise, não é possível modificar a nossa estrutura.
Veja no quadro abaixo as 3 estruturas e o mecanismo de defesa de cada uma delas:
Em outras palavras, em cada estrutura há um modo – inconsciente – de lidar com o sofrimento provocado pelo Complexo de Édipo. Este “modo de lidar” é o que se chama mecanismo de defesa.
Na psicose entramos três sub-divisões: paranoia, autismo e esquizofrenia. O mecanismo de defesa é a foraclusão.
O psicótico encontra fora o que exclui dentro, ele fora-inclui, inclui fora o que, na neurose representa a dinâmica do recalque. Em outras palavras, na psicose o problema é encontrado fora, o problema está sempre fora, nas outras pessoas.
Na paranoia é o outro que persegue. No autismo é o outro que (quase) não existe. Na esquizofrenia, como é o outro? O outro pode aparecer como um surto, estranho-bizarro como um monstro, um ET ou Napoleão Bonaparte. Na esquizofrenia a dissociação psíquica é o mais evidente.
Uma das características da paranóia consiste no fato de que nesta estrutura os próprios pacientes possuem, de acordo com Freud, a peculiaridade de revelar (de forma distorcida) exatamente aquelas coisas que outros neuróticos mantêm escondidas como um segredo.
A neurose possui duas sub-divisões: a histeria e a neurose obsessiva. O mecanismo de defesa é o recalque ou repressão.
Na neurose, a manutenção do conteúdo problemático como segredo é o que chamamos recalque ou repressão. O paciente neurótico esconde de si mesmo o problema, o sintoma ou a dificuldade que o psicótico encontra fora de si.
Ou seja, na neurose há uma cisão da psique. Alguns conteúdos ficam recalcados, escondidos, em segredo e causa sofrimento nos sintomas dos quais a pessoa reclama.
Na histeria, a reclamação dá voltas e voltas sobre o problema. É como se pessoa nunca conseguisse chegar ao ponto sobre o qual quer falar mesmo. O seu desejo é sempre insatisfeito, como se a pessoa procurasse alguma coisa (seja um objeto, seja uma relação amorosa) para a satisfazer – mas nunca a satisfação aparece. A reclamação é sem fim.
Na neurose obsessiva, há também voltas e voltas ao redor do problema. Mas na neurose obsessiva o que notamos mais frequentemente é a tentativa de organização, de organizar as coisas ao redor para tentar não pensar no que é, realmente, o problema principal.
E, finalmente, na estrutura perversa, há o mecanismo de defesa da denegação.
Podemos entender a perversão e a denegação com a seguinte citação do texto de Sigmund Freud, intitulado “Fetichismo”:
“Nos últimos anos tive oportunidade de estudar analiticamente certo número de homens cuja escolha objetal era dominada por um fetiche. Não é preciso esperar que essas pessoas venham à análise por causa de seu fetiche, pois, embora sem dúvida ele seja reconhecido por seus adeptos como uma anormalidade, raramente é sentido por eles como o sintoma de uma doença que se faça acompanhar por sofrimento. Via de regra, mostram-se inteiramente satisfeitos com ele, ou até mesmo louvam o modo pelo qual lhes facilita a vida erótica. Via de regra, portanto, o fetiche aparece na análise como uma descoberta subsidiária”.
O trecho em itálico descreve a relação entre a ideia de anormalidade (de um fetiche) e a sensação por parte do sujeito perverso de que esta anormalidade não é uma doença que traz sofrimento. Ou seja, o sujeito denega, o que, por exemplo, para um neurótico seria motivo de muito sofrimento.
Temos outra forma de entender as estruturas.
Pode-se também dividir as estruturas através da angústia de fundo em cada uma delas. Inclui-se aqui a Depressão por estar relacionada com a Psicose (no que diz respeito ao sintoma, por exemplo, da chamada Psicose maníaco depressiva – hoje transtorno bipolar)
Psicose – Angústia da entrega
Depressão – Angústia da realização
Neurose obsessiva – Angústia da mudança
Histeria – Angústia de permanência
Na psicose, o problema, o sintoma retorna de fora (foraclusão). Por isso, é pouco comum que um psicótico busque análise pois o “inferno são os outros” – não o eu. A angústia é da entrega ao outro.
Na depressão, a questão é com a auto-realização. Há uma ferida narcísica – que não há na psicose – de que o eu não é bom o bastante, nunca bom o bastante…
Na histeria, o desejo nunca permanece, está sempre a mudar…a mudar… A angústia, então, seria de permanecer fixo em um lugar ou em um desejo.
Na neurose obsessiva, seria o contrário: o desejo está sempre morto (como a questão insolúvel do Hamlet – ser ou não ser…), ou seja, não está em movimento, está parado-morto… A angústia seria a angústia de mudar.
A perversão não aparece neste quadro didático. Do mesmo modo que a psicose, a perversão dificilmente aparece no divã. Poder-se-ia dizer que a perversão também denega a angústia… (a angústia, nesse sentido, não existe para o perverso)…
Aparelho psíquico para Freud, Winnicott e Klein
Distanciamentos e aproximações do conceito de Aparelho Psíquico
1. SIGMUND FREUD
Freud se referiu ao termo aparelho psíquico a uma organização psíquica divida em instâncias (ou sistemas) psíquicas, com funções específicas e que estão interligadas entre si. Nesse sentido, Freud descreveu dois modelos, sendo eles o topográfico e o estrutural.
Segundo (LAPLANCHE, 2001) o aparelho psíquico seria: Expressão que ressalta certas características que a teoria freudiana atribui ao psiquismo: a sua capacidade de transmitir e transformar uma energia determinada e a sua diferenciação em sistemas ou instancias.
Ao falar de aparelho psíquico Freud sugere a ideia de certa organização, de uma disposição interna, mas faz mais do que ligar diferentes funções a lugares psíquicos específicos, atribui a estes uma dada ordem que acarreta uma sucessão temporal determinada. A coexistência dos diferentes sistemas que compõem o aparelho psíquico não deve ser tomando no sentido anatômico que lhe seria atribuído por uma teoria das localizações cerebrais. Implica apenas que as excitações devem seguir uma ordem fica o lugar dos diversos sistemas. (LAPLANCHE, 2001)
Conforme PERVIN (2004) O conceito de inconsciente sugere que existem aspectos do nosso funcionamento do qual não estamos cientes, e que grande parte de nossos comportamentos são determinados por ele. Nesse sentido a vida psíquica pode ser descrita em grau que estamos conscientes com o fenômeno: o consciente que se relaciona com fenômenos dos quais estamos consciente em dado momento, o pré-consciente que podemos estar conscientes se prestarmos a atenção a eles e o inconsciente que não estamos conscientes e dos quais não podemos estar conscientes.
Segundo Hall, Lindzey e Campbell (2000) a personalidade é constituída por três grandes sistemas: id, ego e superego. O id é o sistema original da personalidade, a matriz do qual surge o ego e o superego. Freud chamou de verdadeira realidade psíquica porque representa o mundo interno da experiência subjetiva e não tem nenhum conhecimento da realidade objetiva. Opera pelo principio de prazer que seria uma redução da tensão. Já o ego é segundo Pervin (2004) expressar e satisfazer os desejos do ide de acordo com a realidade e as demandas do superego. Enquanto o Id opera pelo principio de prazer, o ego opera pelo principio da realidade. E por último o superego, que representa o ramo da moral do nosso funcionamento, ideais que lutamos e a culpa que esperamos quando violamos nossa moral.
“No id, encontramos não só representações inconscientes de coisas gravadas no psiquismo sob o impacto do desejo dos outros, mas também representações inatas, próprias da espécie humana, inscritas e transmitidas filogeneticamente.” (NASIO, 1999, pág. 75)
“No texto “O ego e o Id”, Freud considera que o Eu advém do Id, por um processo de diferenciação, por exemplo, quando diz que “um indivíduo é, portanto, para nós, um isso (Id) psíquico, não conhecido e inconsciente, sobre ele se encontra colocado na sua superfícieo eu (Ego), desenvolvido a partir do sistema-Pcs como um núcleo” e continua, mais à frente,
“É fácil de perceber que o eu (Ego) é a parte modificada do isso (Id) sob a influência direta do mundo exterior por intermédio do Pc-Cs, de certa maneira é uma continuação da diferenciação de superfície” e 3., ainda, neste mesmo texto, ele expressa sinteticamente sua posição afirmando que o eu surge dessa diferenciação, marcando um limite entre um dentro e um fora, limite que em última instância é identificável com os limites que o corpo dá marcando um dentro e um fora, ao dizer que “o eu (ego) é antes de tudo um eu corporal, não é somente um ser de superfície, mas ele mesmo a projeção de uma superfície [nota de Freud: quer dizer: o eu é finalmente derivado das sensações corporais, principalmente aquelas que têm sua fonte na superfície do corpo. Ele pode, assim, ser considerado como uma projeção mental da superfície do corpo, mais ainda, como já vimos antes, ele representa a superfície do aparelho mental]” (FULGENCIO, 2012, pág. 105-106)
O superego será concebido como uma instância responsável, ao mesmo tempo, por diversas funções e é em seu seio que Freud vai tentar integrar as várias dimensões que balizara anteriormente. Vai terminar por atribuir ao superego três funções: a auto-observação, a consciência moral e a “base de apoio” dos ideais. (FREUD ,apud CARDOSO, 2000).
A dimensão persecutória do superego, dimensão que parece-nos central no funcionamento dessa instância, está nitidamente indicada por Freud. Na apresentação formal do superego, este será concebido como uma instância de observação, como uma parte separada do ego, que exerce vigilância sobre a outra. (CARDOSO, 2000).
Para Laplanche, tratar-se-ia da “pulsão sexual de morte” (des-ligação), que se opõe à “pulsão sexual de vida” (ligação): “Trata-se, no entanto, de uma distinção no regime econômico das pulsões, em sua maneira de trabalhar; somente a partir daí é que é possível conceber-se uma única e mesma libido em ação nos dois tipos de pulsões” (Laplanche, 2001; p. 259).
2. MELANIE KLEIN
As teorias de Sigmund Freud e de Melanie Klein fazem parte do modelo estrutural-pulsional. A diferenciação fundamental estabelecida é feita entre o modelo estrutural-pulsional e a perspectiva alternativa de um modelo estrutural-relacional. As premissas fundamentais do modelo estrutural-pulsional podem ser assim resumidas: 1. por uma concepção de indivíduo como unidade fundamental, pensado como divorciado do contexto relacional desde os primórdios da constituição de seu psiquismo; 2. pela ausência da pressuposição de laços pré-ordenados com o ambiente humano, fazendo do outro uma criação da pulsão; 3. pela concepção de pulsão como a origem de toda ação humana, determinando os contornos de sua relação original e atual com o mundo externo. (SIGLER, 2011)
A teoria de Melanie Klein que, de maneira decisiva, insistiu nos aspectos destrutivos do superego, não deixou Freud indiferente e ele vai levar em conta suas contribuições. Entretanto, não podemos deixar de lado a observação de que no próprio Freud, bem antes de Melanie Klein, se encontram indícios muito interessantes a propósito da face pulsional do superego. De certa maneira, a teoria kleiniana constitui um desenvolvimento das aberturas apontadas por Freud. (CARDOSO, 2000).
Para Klein o superego arcaico inicia sua formação num momento em que as tendências pré-edipianas sádico-orais e sádico-anais estão no auge. A criança equaciona pênis, seio, boca, vagina, barriga, bebê, já que sua primeira realidade é uma realidade corpórea. (OLIVEIRA, 2004)
Em Melanie Klein, o superego torna-se nitidamente arcaico, pulsional e feroz. A autora traz efetivamente uma nova perspectiva de análise: o ataque pulsional vai finalmente assumir aí um estatuto crucial. A concepção kleiniana do superego resulta justamente do privilégio atribuído à singularidade do mundo interior. Constatando a oposição ou o contraste entre a severidade que o superego pode desenvolver, e a tolerância dos pais, essa concepção supõe que a formação do superego não seria calcada sobre as interdições parentais. Não se trata aqui dos pais reais, mas sim de uma imago que se constitui no interior do psiquismo (Klein, apud CARDOSO, 2000).
Klein elucida como se formaria o superego arcaico, dizendo que “o ego tem ainda um outro meio de controlar aqueles impulsos destrutivos que ainda permanecem no organismo. Pode mobilizar uma parte deles como uma defesa contra a outra parte. Desse modo o id sofrerá uma cisão que é, creio eu, o primeiro passo na formação das inibições pulsionais e do superego”(OLIVEIRA, 2004)
Segundo Klein, o superego retira sua força totalmente do sadismo do id, força que ela considera “biológica”. Uma vez que o caráter atacante e feroz do superego provém da força das pulsões, as raízes pulsionais das interdições superegóicas são, portanto, reconhecidas por ela. A questão da interdição moral fica, enfim, nitidamente secundarizada, o que só se torna possível aqui porque a alteridade não é central nesse sistema teórico. (OLIVEIRA, 2004)
Vemos que na teoria kleiniana o superego termina portanto por alcançar, embora secundariamente, um caráter ético e moral. É a transformação do “superego perseguidor” num “superego legislador”, passagem que vem evocar a culpabilidade e a idéia de uma síntese (KLEIN, apud OLIVEIRA, 2004). O “superego legislador” teria, dessa maneira, de ser situado num registro secundário, formulação sem dúvida interessante, mas que não soluciona o problema do “paradoxo” do superego.
No sistema kleiniano, o superego tenderá, portanto, a apresentar um duplo caráter – superego “mau” e superego “bom” –, sendo que este está diretamente ligado à culpa reparadora. A relação entre ataque pulsional e culpa mantém, assim, um caráter muito ambíguo, apesar das indicações de Klein que nos orientam para a idéia de uma articulação complexa. (OLIVEIRA, 2004)
3. DONALD WINNICOTT
Winnicott conserva a tradição de maneira curiosa, em grande parte distorcendo-a. A sua interpretação dos conceitos freudianos e kleinianos é tão idiossincrática e tão pouco representativa da formulação e intenção originais deles a ponto de torná-las, às vezes, irreconhecíveis. Ele reconta a história das ideias psicanalíticas não tanto como se desenvolveu, mas como ele gostaria que tivesse sido, reescrevendo Freud para torná-lo um predecessor mais claro e mais fácil da própria visão de (WINNICOTT, apud FULGENCIO, 2000)
Para Winnicott é nos primeiros seis meses de vida, aproximadamente, que o ser humano bebê acha-se num estado de total dependência do meio, representado, nessa época, pela mão ou por um seu substituo. O bebê depende inteiramente do que que lhe é oferecido pela mãe, porém o mais importante, e que constitui a base da teoria, é o desconhecimento de seu estado de dependência por parte do bebê. Na mente do bebê, ele e o meio são uma coisa só. Ora, idealmente, seria uma perfeita adaptação às necessidades do bebe que a mãe permitiria o livre desenrolar dos processos de manutenção. (NASIO, 1995)
Winnicott diz que o inconsciente (Id) só pode existir depois que houver um Eu (ego) que possa constituí-lo como reprimido, para ele nos estágios mais precoces do desenvolvimento da criança, portanto, o funcionamento do ego deve ser considerado um conceito inseparável daquele da existência da criança como pessoa. Não há id antes do ego. (FULGENCIO, 2000)
O sonho é a realização de um desejo
Freud se questiona sobre a origem da forma enigmática do sonho, pelas alterações dos pensamentos oníricos no sonho manifesto, pela fonte das peculiaridades do sonho, e averigua então se os sonhos, todos eles, podem ser considerados como realização de desejo.
Em outras palavras, o sonho manifesto é o sonho tal qual é relatado da primeira vez. Pode ocorrer que o sonho manifesto não aponte de imediato o desejo que lhe corresponde no chamado sonho latente.
Após mostrar as peculiaridades dos sonhos e a diferença entre o sonho manifesto e o sonho latente, Freud passa sem seguida a demonstrar exemplos,como os da realização do desejo de beber água, o desejo de continuar dormindo, sonhos que predizem a gravidez e o desejo dessas mulheres de ficar grávida ou ficar mais tempo livre da maternidade. Também aparecem no texto sonhos de crianças.
Estes últimos são “pura realização desejos. Não levantam problemas a ser solucionados, mas são de inestimável importância para provar que, em sua natureza essencial, os sonhos representam realizações de desejos”. Freud descreve então alguns sonhos de seus próprios filhos.
Considera que as crianças às vezes apresentam sonhos mais complexos e os adultos em condições adversas sonhos “infantis”. E conclui o capítulo mostrando alguns provérbios alemães, judeus e húngaros que corroboram a sua tese: os sonhos são realizações de desejo.
Foi Freud quem redescobriu, há mais de cem anos, a importância dos sonhos. Bobagens sem sentido? Pesadelos que você não ousa lembrar? Sonhos tão bons que deveriam se repetir?
Quem consegue interpretar os próprios sonhos, possui uma chave mágica para a descoberta de si mesmo: a via régia para o Inconsciente.
Dicas simples para começar a descoberta:
1) Escreva em um caderno o sonho completo assim que dele lembrar. O melhor é manter o caderno do lado da cama e anotar no momento em que abrir os olhos.
2) Sublinhe as palavras mais importantes. Aquelas que resumem o texto. Atente para os sujeitos, objetos e as qualidades desses dois.
3) Pegue cada um dos elementos sublinhados e pense em cada um separadamente. O que lhe vem à mente? Exemplo: isso (o elemento do sonho) me lembra…
4) Relacione os elementos entre si e conte novamente o sonho. Como o sonho parece agora? Claro? O sentido é seguro e certo?
Se o sonho continuar incompreensível, há duas saídas: esperar pelos sonhos seguintes e fazer o mesmo processo ou procurar o seu psicólogo ou psicanalista.
Para saber mais: Fundamentos de psicologia analítica. Quarta conferência. Autor: C.G. Jung. Editora Vozes.
ATO FALHO?
Ato falho é um termo utilizado pela psicanálise para descrever uma série de atos que podem ser interpretados por terem um sentido inconsciente. De certo modo, apesar de serem atos que falharam, são atos bem sucedidos, de acordo com Freud.
O Vocabulário de Psicanálise, de Laplanche e Pontalis, dá a seguinte definição para o termo:
“A expressão ‘ato falho’ traduz a palavra alemã Fehlleistung, que para Freud engloba não apenas ações strictu sensu, mas todo tipo de erros, de lapsos na palavra e no funcionamento psíquico.
A língua alemã põe em evidencia o que há de comum em todas essas falhas pelo prefixo ver, que vamos encontrar em das Vergessen (esquecimento), das Versprechen (lapsus linguae), das Verlesen (erro de leitura), das Verschreiben (lapsus calami), das Vergreifen (equívoco na ação), das Verlieren (perda de um objeto)”.
Portanto, todos os atos acima – esquecer de alguma coisa, perder um objeto, trocar na fala ou na escrita uma palavra ou expressão – podem ser considerados atos falhos, em certas situações.
Há dois exemplos fantásticos, que ajudam na compreensão:
1) Antes de uma aula de faculdade, a aluna diz: “Vamos embora, este professor não faz falta”. Inconscientemente, a aluna considerava que realmente aquele professor não fazia diferença, não era importante assistir à sua aula. A frase foi uma combinação de dois pensamentos: a) o professor não faz chamada, b)  o professor não dá falta. No final, foi o inconsciente quem falou: ele não faz falta.
2) Na CPI do Mensalão perguntaram a José Dirceu se ele era inocente. Sua resposta foi: “Eu sou Inocêncio”. Não sabemos quem é Inocêncio, nem se ele foi realmente culpado. O que podemos dizer é que, inconscientemente, ele se considerava um pouco culpado (Inocêncio mas não inocente) pelos fatos.
A obra de Freud, A  psicopatologia da vida cotidiana, tem exemplos maravilhosos e engraçados de atos falhos. A leitura não é tão complexa quanto outras obras do mesmo autor.
O que é incrível nos atos falhos é que sua estrutura inconsciente é muito parecida com o sintoma, que por sua vez é semelhante ao sonho e às piadas – chistes. Ou seja, um sonho, uma piada, um ato falho, um sintoma (como a melancolia) são muito próximos.
O que querem as mulheres?
É natural que Freud, que tudo explica, não tenha explicado o que as mulheres querem. É natural pois as mulheres mesmo não sabem o que querem…
No consultório, onde observamos o desenrolar de milhares de histórias, percebemos que as mulheres apresentam-se sempre insatisfeitas. Com o próprio corpo, com os homens com quem lidam, com as mulheres com quem competem… (isto independe de serem heterosexuais ou lésbicas)…
Podemos então perceber que esta insatisfação é crônica. Porque mais que tentem sempre parece que falta algo. Como diz Fernando Pessoa:
“E falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase,
E a vida dói quanto se goza e quanto mais se inventa”. (Álvaro de Campos – Passagem das horas)
Existe uma música da Alanis Morisset que resume bem este sentimento de insatisfação feminina:
Bem, poderíamos dizer que as mulheres querem o que não possuem… (afinal, nunca queremos mais o que possuímos…)
Nesse sentido, existem dois grandes grupos de desejo feminino: o poder e o amor.
O poder significa conseguir fama, status, reconhecimento pelo sucesso na carreira…
Amor significa ter alguém para amar – e alguém que a ame – mas também signifca ter alguém que seja compatível com um eu ideal: os outros também têm que de certa forma aprovar quem recebe o amor… ou mesmo invejar…
Não é interessante notar como a inveja está sempre ao redor de todas as mulheres? O invejar e o ser invejada… o gozar de outra pessoa, o gozar com outra pessoa, o ser gozada…
A palavra gozo, na teoria lacaniana, tem outro sentido do que normalmente pensamos quando pensamos em gozar (por exemplo, no ato sexual). A grosso modo, significa o fato de se insistir em uma insatisfação, insistir em um sintoma, em um problema, em uma dor… [Em francês, a palavra é juissance]
Mesmo sendo ruim o que se vive, mesmo sendo um desprazer, há algo que impele a continuar seguindo neste caminho… este é o gozo (um desprazer), uma insatisfação, algo que está para além (do princípio) do prazer…
Ora, porque então, se não há prazer, a pessoa continua onde está? Porque mesmo sofrendo, chorando, sentindo mágoa, culpa ou remorso não há reação?
Estes são os mistérios da mulher – também dos homens, talvez – o desejo de ser alguém, o desejo de ter alguém, o desejo de não sofrer e assim sofrer mais.
COMPLEXO DE ÉDIPO: HISTÓRIA E CONCEITO
O complexo de Édipo é um dos conceitos mais famosos de Sigmund Freud, que passou anos  e anos pensando e repensando-o, elaborando e reelaborando até chegar ao conceito final. Inicialmente, o complexo de Édipo era articulado com a chamada escolha de objeto e, lentamente, torna-se central para a psicanálise com o desenvolvimento do conceito de identificação.
Neste texto, refaço o longo percurso de elaboração feito por Freud, com a ajuda do livro de Renato Mezan, um dos maiores psicanalistas brasileiros, Freud: a trama dos conceitos, que deve ser comprado por todos aqueles que se interessam por psicanálise e psicologia.
O Complexo de Édipo em Freud
Inicialmente, o termo nem sequer aparecia na primeira elaboração da teoria da sexualidade infantil, embora Freud, em uma carta a Fliess, desde 1897, relate “ter descoberto em si mesmo impulsos carinhosos quanto à mãe e hostis em relação ao pai, estes complicados pelo afeto que lhe dedicava”. (Mezan, 2003: 189). A peça teatral de Sófocles, enquanto origem mitológica do tema, assim como o Hamlet de Shakespeare, são tomados como exemplo da universalidade do conflito edipiano, desde então.
Segundo Renato Mezan, Freud já reconhecia a preponderância da sexualidade na década de 1890, no entanto, o desenvolvimento deste conceito se correlaciona com o próprio desenvolvimento e constituição da psicanálise. (Mezan, 2003:128). “O tema do Édipo, se aparece praticamente desde os inícios da psicanálise, só recebe uma elaboração definitiva na fase final da obra de Freud” (Mezan, 2003: 189).
O termo Complexode Édipo enquanto tal aparece apenas em 1910 em seu artigo Sobre um Tipo Especial de Escolha de Objeto no Homem.
Em 1905, o conflito típico do Édipo ainda não esta formulado, e, embora esta passagem dos Três Ensaios sobre a sexualidade apresente-o, o esquema não menciona o termo posteriormente adotado por Freud:
Ao mesmo tempo em que estas fantasias claramente incestuosas são superadas e repudiadas, completa-se uma das conquistas mais significativas, mas também mais dolorosas, do período puberal: a emancipação da autoridade dos pais, único processo que permite o surgimento da oposição entre a velha e a nova geração, tão fundamental para o progresso da civilização. (Freud apud Mezan:2003:136)
Segundo Mezan, neste período “a própria concepção da sexualidade infantil como um feixe desorganizado de pulsões parciais impede a colocação do problema edipiano na sua totalidade (…) posteriormente, a introdução das organizações pré-genitais permitiria uma reformulação completa do problema”. (Mezan, 2003: 137)
No caso clinico intitulado o Pequeno Hans, que Freud não analisou diretamente, mas interviu através do pai do garoto, este, no momento maior de sua crise para Freud “é verdadeiramente um pequeno Édipo, que gostaria de fazer seu pai desaparecer para ficar sozinho com sua mãe e dormir com ela”. (Freud apud Mezan: 2003: 189).
Neste caso, ainda que o termo e conceito complexo de Édipo não tivesse sido elaborado, segundo Mezan,
“o conceito inicial já era empregado por Freud. Chamamos de conceito inicial a forma dita ‘simples e positiva’ do complexo, em que a criança se sente atraída pelo progenitor do sexo oposto e hostiliza o do mesmo sexo” (Mezan, 2003: 190)
No entanto, embora com a experiência do caso anteriormente citado, Freud manteve sua posição de que o conflito se desenrolava verdadeiramente na adolescência, ou melhor, na puberdade, como expresso nas conferencias de 1910, ainda que neste texto e nas Teorias Sexuais Infantis, Freud já estabelecesse a relação entre pais e filhos como “complexo nuclear das neuroses”.
Mezan (2003: 191) analisa esta questão temporal, que até então era colocada na puberdade, como se dando em conseqüência da ausência do conceito de identificação; em virtude disso, o complexo de Édipo seria teorizado apenas com relação à escolha de objeto, pois neste momento da elaboração teórica da psicanálise a escolha de objeto era tida no período em que havia a subordinação das pulsões parciais à zona genital, período este que coincide com a puberdade.
No texto Sobre um tipo Especial de Escolha de Objeto, Freud utiliza, como já foi dito, o termo Complexo de Édipo”:
As revelações sexuais (que situamos nos anos imediatamente anteriores à puberdade) despertam no menino as recordações das impressões e desejos infantis mais precoces, reanimando consequentemente determinados impulsos psíquicos. Começa, pois, a desejar a mãe, no sentido descoberto, e a odiar o pai, como um rival que estorva a realização deste desejo. Em nossa terminologia, dizemos que o sujeito fica dominado pelo Complexo de Édipo. (Freud apud Mezan, 2003: 192).
Somente com a elaboração dos conceitos de narcisismo e a lenta elaboração do conceito de identificação é que o Complexo de Édipo passa gradativamente de uma situação secundaria na teoria psicanalítica para a posição primordial que teria no final da obra freudiana. Isso se dá na medida em que o narcisismo implica em que a escolha narcisista de objeto recai sobre o sujeito, e por outro lado, a identificação (que em um primeiro momento é relacionada à identificação às figuras paternas) leva ao questionamento quanto a origem do ego. Segundo Mezan, “é no terreno do ego que o Complexo de Édipo assumirá sua significação completa” (Mezan, 2003:194).
No Caso Schreber, Freud se depara com o problema da chamada forma “negativa” do Édipo, no qual o sujeito ama o progenitor cujo sexo é o mesmo que o seu, e hostiliza o que possui sexo oposto ao seu. Mesmo permanecendo não explorado o Édipo infantil é colocado como a mola mestre da doença, e tal correlação entre doença e Édipo se deve à conceituação do narcisismo, ou seja, na etapa narcisista e na escolha narcísica de objeto. Para Mezan “o conceito de ‘escolha narcisista de objeto’ fornece uma ponte para a identificação” (Mezan, 2003: 196), e por isso, o passo seguinte de Freud na elaboração da temática edipiana é dado na analise do Homem dos Lobos.
Na analise do Homem dos Lobos, pode-se depreender a dita forma completa do Édipo, na medida em que tanto a identificação como a escolha de objeto incidem sobre o pai, fonte então de ambigüidade para o garoto, de forma que o pai é hostilizado e amado. Embora este caso especifico, bem como o Caso Schreber, não tenham o Édipo por temática privilegiada, pois cada um dos casos cumpre a elaboração de outros conceitos freudianos.
O texto que vincula explicitamente o Édipo na primeira infância, ou melhor, por volta dos dois anos de idade é intitulado: Batem em uma criança. Este artigo datado de 1919, por vincular o complexo tão precocemente “abre pela primeira vez (…) a possibilidade do seu efeito estruturante sobre a personalidade total, seja no plano pulsional, seja no do ego” (2003:201). No entanto, “será preciso esperar pelo tournant de 1920, a partir de Além do Principio do Prazer, para que o Édipo ascenda ao primeiro plano da teoria psicanalítica” (Mezan, 2003:202).
 
Traumas de Infância
Existe uma ideia bastante comum de que na infância a pessoa tem a experiência de um trauma – que causa uma marca para a vida toda. A psicologia, então, ajudaria na superação deste trauma.
Na verdade, não é bem assim! Neste texto você vai saber mais sobre o surgimento da infância – pois a ideia de infância não existia até bem pouco tempo atrás – e também como surgiu o conceito de trauma na infância e como a psicanalise e a psicologia trabalha esta questão atualmente.
Existe um livro muito utilizado nas Ciências Humanas (na psicologia, na pedagogia, na história) chamado História Social da Criança e da Família, do historiador de final de semana Phillipe Ariès.
O livro mostra historicamente a constituição da família desde o século XV até o século XVIII e o papel da escola e do “conceito” de infância neste processo.
Na Inglaterra da Idade Média as crianças eram mandadas para a casa de outras pessoas para trabalharem com a idade de sete anos e eram chamadas aprendizes. Este tratamento acontecia em todas as famílias não importando a fortuna, ao mesmo tempo em que mandavam suas crianças para outras casas, recebiam meninos ou meninas nas suas.
Provavelmente, este gênero de vida foi comum ao Ocidente medieval, onde a aprendizagem se confundia com o serviço doméstico. A criança aprendia pela prática, não somente os conhecimentos do mestre que a recebia mas também os valores morais.
Como a transmissão do “conhecimento” era de maneira prática e de uma geração para outra não havia lugar para a escola. Deste modo, a criança participava integralmente na vida dos adultos. Não havia a segregação das crianças, como posteriormente aconteceria.
Em outras palavras, não havia a noção que temos hoje de infância. Uma criança era um pequeno adulto, um adulto pequeno e tratado como tal.
A família não podia nesta época alimentar um sentimento existencial profundo entre pais e filhos, era uma realidade moral e social mais do que sentimental.
A partir do século XV, essa realidade começou a se transformar, lentamente, com a extensão da frequencia escolar. Dessa época em diante, a educação passou a ser fornecida mais pela escola.
As famílias ao mesmo tempo, não queriam mais se separar de seus bebes e começaram a trazer amas-de-leite até as suas casas. Assim, as crianças cresciam e aprendiam a civilidade através do contato com suas famílias.
A palavra “civil” era quase sinônimo de nosso “social” moderno. Existiam, no século XVI até o século XVIII umaliteratura sobre civilidade, os tratados ou manuais de cortesia, nos quais as pessoas aprendiam como se comportar em sociedade.
A escola durante este período foi se desenvolvendo e a infânciase particularizando.
Na segunda metade do século XVII a família já está organizada em torno das crianças. A primeira família moderna foi a de homens ricos e importantes. Contudo, havia ainda uma grande socialização, não se tendo espaço para a criação de uma maior intimidade.
Até o século XVII a densidade social proibia o isolamento. Somento no século XVIII a família começou a manter à sociedade à distância. A organização das casas passou a corresponder a essa nova preocupação contra o mundo. A independencia dos cômodos e o conforto surgiu junto da intimidade, do isolamento, da discrição.
A especialização dos cômodos, nas familias da nobreza e da burguesia foi uma das maiores mudanças na vida cotidiana das pessoas. Ou seja, até bem pouco tempo atrás não existiam quartos individuais – todos conviviam no mesmo espaço. Além disso, a casa era uma extensão da rua e estava sempre aberta para os vizinhos.
A partir do século XVIII, começou-se a se seperar a vida mundana, a vida profissional e a vida privada, e surgiu um novo código de boas maneiras que recebeu o nome de polidez, que obrigava à descrição e ao respeito pela intimidade alheia.
A criança tornou-se um elemento indispensável da vida quotidiana e os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro.
À medida em que as transformações na sociedade modificaram a escola, a aprendizagem, os costumes, as relações da criança com a família e da famílica com esta constituiram um importante fator no surgimento da família moderna.
Traumas de Infância
Nos últimos séculos, portanto, o modo como as pessoas tratavam as crianças começou a ser modificado. A infância como a entendemos hoje foi surgindo também com a criação das escolas fundamentais e obrigatórias – inicialmente uma exigência dos protestantes que desejavam que as pessoas pudessem ler a Bíblia sem o intermédio dos padres.
Sigmund Freud elaborou logo no começo de sua carreira como psicanalista o conceito de trauma na infância. De acordo com suas pesquisas iniciais, o adulto neurótico – com problemas e sintomas psíquicos – teria passado por um ou mais eventos traumáticos na primeira infância.
Estes eventos estavam já relacionados à ideia do Complexo de Édipo.
Porém, depois de pesquisar mais, Freud percebeu que na verdade, não haviam estas traumas. Ou ainda melhor, experiências ruins podiam até acontecer – mas o que mais importava para o surgimento da neurose era a fantasia inconsciente do paciente.
Em outras palavras, o trauma perdeu importância como o causador do problema. O problema, então, não seria mais o trauma (o evento que aconteceu no passado) mas a fantasia inconsciente do passado.
Com isso, a psicanalise não trabalha mais hoje com a ideia de trauma e solução do trauma. Os psicanalistas trabalham com a ideia de sintoma e fantasia (ou fantasma) inconsciente.
Chegar à fantasia inconsciente que é a origem dos sintomas – é o que permite ao paciente libertar-se de seu sofrimento.
PULSÃO DE MORTE
Para falarmos de Pulsão de Morte devemos lembrar um pouco da história da psicanálise, a partir já de Freud. Para tanto, devemos lembrar da polaridade pulsão do eu X pulsão sexual e, posteriormente, pulsão de vida X pulsão de morte.
No começo de sua obra, Freud acreditava que o inconsciente era puro desejo, ia em busca do prazer no desejo – o famoso princípio do prazer. Este prazer era frequentemente contrário ao eu.
Pensemos em uma dicotomia:
Pulsão do eu (ou pulsão do ego) X Pulsão Sexual
Neste começo, Freud relacionava o princípio do prazer à sexualidade. Claro, a sexualidade entendida de uma forma ampla; não apenas o coito, a relação sexual propriamente dita.
Neste caso, a sexualidade englobaria, por exemplo, os fênomenos da transferência (em que o paciente crê no analista), o apaixonar-se, os conflitos amorosos…
Importante lembrar este ponto. Em psicanálise sexualidade é um conceito amplo – que não quer dizer imediatamente o ato sexual.
Contra a pulsão sexual havia a pulsão do eu ou pulsão de autoconservação. Enquanto a pulsão sexual impeliria o sujeito a se reproduzir, a pulsão de autoconservação impeliria o sujeito a se proteger, a se defender, a manter a própria vida.
Portanto, o princípio do prazer expresso pela pulsão sexual se contrapõe à pulsão de autoconservação, à pulsão do eu.
Como o que não é o eu, neste começo da psicanálise, é o inconsciente, o inconsciente é representado pelo princípio do prazer.
Posteriormente, no famoso livro Mais além do princípio do prazer, Freud entendeu que o princípio do prazer não era único, não representava o todo da dinâmica do inconsciente.
Havia um mais além, um algo a mais do prazer.
E o que é? A pulsão de morte.
Neste segundo momento – que coincide com a construção da ideia de Id, Ego e Superego – Freud entende a psique como sendo constituída por outra polaridade:
Pulsão de vida X Pulsão de morte
É esta polaridade, até certo ponto, que nos permitirá entender a polaridade entre o desejo e o gozo na psicanálise lacaniana.
O desejo para Lacan aproxima-se do conceito de desejo em Freud.
Enquanto que a ideia de gozo (juissance) aproxima-se da ideia de mais além do prazer, de Freud.
Podemos pensar, para começar, em um exemplo:
Imagine uma mulher, bonita, inteligente, com boas condições financeiras, estrutura familiar tranquila.
Em sua vida de vinte e poucos anos, começa a namorar. Apaixona-se. O caso é que o objeto de sua paixão é um bandido. Um malandro, alguém que só lhe fará mal. O malandro bate nela, a maltrata, a xinga, a trai… e…ela continua com ele. Porque? Porque continua?Para responder à esta questão, porque ela continua, temos que fazer referência aos dois conceitos:
desejo X gozo(princípio do prazer) X princípio de morte
Mesmo o inconsciente não sendo lógico, racional, previsível, seria de se esperar que esta mulher jovem e bonita procurasse o prazer, o bem, alguém que lhe tratasse de forma boa, solícita…Seria lógico se pensarmos no princípio do prazer. O inconsciente buscaria apenas o prazer, apenas o que lhe desse satisfação. Mas como vimos, este não é o caso. Há aí um mais além do princípio do prazer, um gozo na psicanálise de Lacan, um desprazer que, mesmo sendo desprazer, satisfaz… É uma paradoxo, mas é o paradoxo do gozo. Continuaremos a explicação do conceito de pulsão de morte, juntamente com o conceito de gozo, em seguida. Aguardem.
Depressão e Melancolia
O melhor texto de Freud, para entendermos como ele via a depressão, é o chamado Luto e Melancolia. Na época de Freud, e em alemão, depressão era sinônimo de melancolia, sendo esta a palavra mais usada. Se fossemos traduzir, poderíamos arriscar chamar o texto de Luto e depressão.
No texto Luto e Melancolia, de 1917, Freud realiza um estudo comparativo entre os dois estados: o estado de ter perdido alguém (luto) e o estado depressivo – como chamamos hoje – ou melancolia.
Freud foi sempre genial em suas explicações. O mundo soube reconhecer a importância de seu pensamento quando ele ainda estava vivo, e, deste modo, ele gozou de fama e reconhecimento internacionais.
Vamos pensar juntos os trechos mais importantes do texto de Freud. Para tanto, selecionei alguns trechos que nos servirão de guia – são os trechos que resumem o texto como um todo.
Freud inicia o texto dizendo que a melancolia é apresentada de diversas formas na psiquiatria. Lemos no texto, a opinião de que alguns problemas da melancolia certamente terão como causa problemas físicos (orgânicos). Freud analisará apenas os casos em que o problema é psíquico (de natureza psicogênica) ou seja: emocional e mental.
Para entender a melancolia, ele analisa conjuntamente a melancolia junto do luto.
Vejamos as semelhanças:
– Influências do ambiente;
– Desânimo profundo;
– Perda do interesse no mundo e nas coisas;
– Perda da capacidade de amar;
– Inibição das atividades (cotidianas ou habituais);
Principal diferença entre o Luto e a Melancolia:
– Diminuição no sentimento de autoestima (na melancolia). Esta diminuição da autoestima não está presente no Luto.
Em seguida, podemos ler no texto a definição do que o luto faz, ou,

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