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2016 - 12 - 15 Revista de Direito Privado 2016 RDPRIV VOL. 69 (SETEMBRO 2016) TEORIA GERAL Teoria Geral 1. Os meios alternativos de resolução de conflitos e a busca pela pacificação social The alternative dispute resolutions and the search for social peace (Autor) MARCO AURÉLIO GUMIERI VALÉRIO Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo; Advogado. marcoaureliogv@usp.br Sumário: Introdução 1 Formas alternativas de resolução de conflitos 1.1 Autocomposição 1.2 Heterocomposição 1.2.1 Mediação 1.2.2 Conciliação 1.2.3 Arbitragem Conclusão Bibliografia Área do Direito: Processual Resumo: O direito moderno passa por uma crise que se manifesta pelo crescimento da procura dos seus serviços, aumento da litigiosidade e pela falta de recursos do sistema judicial. Uma resposta nova a esta crise é caracterizada pela elaboração de opções ao modelo centralizado, formal e profissionalizado que domina a aplicação da justiça pelo estado, baseado no chamado movimento das formas alternativas de resolução de conflitos. Esse artigo busca analisar esse movimento à luz da aprovação do novo Código de Processo Civil. Abstract: Modern law goes through a crisis that is manifested by the growth in demand for its services, increased litigation and lack of resources. A new response to this crisis is characterized by the development of options to the centralized model, formal and professionalized dominating the administration of justice by the state, based on the movement called alternative dispute resolution. This work seeks to analyze this movement in light of the adoption of the new Civil Procedure Code. Palavra Chave: Arbitragem - Conciliação - Mediação - Métodos alternativos de resolução de conflitos - Novo CPC. Keywords: Arbitration - Conciliation - Mediation - Alternative Dispute Resolution - New Civil Procedure Code. Introdução A complexidade do direito moderno manifesta-se, na lição de Souza Santos (2000, p. 128), “em cada um dos três pilares que a sustentam: o estado, o mercado e a comunidade”. No paradigma da modernidade, pode-se identificar e analisar a evolução do direito nos três períodos do capitalismo por meio de uma tensão permanente entre a emancipação e a regulamentação. No primeiro período, a soberania transformou-se no estado-nação e o direito moderno tornou-se instrumento de construção e regulação do mercado. Ainda segundo Souza Santos (2000, p. 135), esse foi um período de grande desenvolvimento do direito privado, uma vez que “as relações entre os indivíduos era o grande agente de autonomização e de regulação do mercado”. No segundo momento, o desenvolvimento da economia, das políticas públicas e, ainda, o nascimento da relação entre o capital e o trabalho como instância de produção e de regulação social, provocaram grandes transformações no direito. Surgiram novos ramos jurídicos, como o Direito do Trabalho, o Direito Previdenciário, o Direito do Consumidor etc. Todas essas novas áreas têm como características o enquadramento de políticas econômicas e de políticas sociais, além da conjugação de elementos de direito público e privado, pondo em xeque, destarte, a fronteira entre o estado e a sociedade. Novamente na lição de Souza Santos (2000, p. 140), o direito foi “despromovido da categoria de princípio legitimador do estado para instrumento de legitimação do estado”. No terceiro e atual tempo, que pode ser visto como a crise desse estado providencial, verifica-se na produção do direito a diminuição do papel estatal, a expansão do mercado e a pequena participação da comunidade, consequência do processo de globalização, sob o impulso do mercado, guiado pela desregulamentação e pela redução das políticas sociais. Mais uma vez acompanhando Souza Santos (2000, p. 140), o direito fica prisioneiro da política ou dos subsistemas regulados. O direito moderno está em crise e parte disso é devido à redução histórica de sua autonomia e de sua eficácia, como consequência do processo de globalização. Esta crise manifesta-se, por um lado, pelo aumento da procura dos seus serviços, explosão de litigiosidade e por falta de recursos financeiros, técnicos, profissionais e organizacionais do sistema judicial para responder a este aumento da demanda. Assim, arremata Souza Santos (2000, p. 143), ao longo dos últimos anos, as chamadas reformas da administração da justiça balançam entre uma “administração tecnocrática da justiça” e uma “desjudicialização da justiça”. Na Pesquisa intitulada Índice de Confiança dos Advogados na Justiça (Icaj), organizada por Valério e Miranda (2011, 2012, 2013 e 2014), fica exposta a visão negativa dos profissionais que são elementos indispensáveis à realização da Justiça. O indicador é composto por sete itens que avaliam a percepção dos advogados sobre: eficiência, honestidade, morosidade, facilidade de acesso, custo para a solução de litígios, falta de igualdade no tratamento das partes e perspectiva de futuro da Justiça. O objetivo final dos sete indicadores é criar um termômetro de confiança que irá variar de 0 a 100 pontos, sendo 0 uma situação de inexistência de confiança e 100 de confiança plena. A nota mais alta atingida no nível de confiança dos advogados na justiça foi de meros 32,7 alcançado no levantamento de 2011. Em 2014, último levantamento com os dados já consolidados, o indicador com pior avaliação foi o da rapidez na solução de litígios, com apenas 11,5 pontos. Para alguns, a solução está no aumento quantitativo dos recursos disponíveis para o exercício das funções judiciais, ou seja, aumento do número de juízes, funcionários, varas e tribunais. Para outros, a solução está em uma melhor gestão dos recursos existentes, o que envolveria alterações na divisão do trabalho judicial, a delegação descendente do trabalho de rotina e a promulgação de regras que tornem o processo judicial mais rápido. Na opinião de Sousa Santos (2000, p. 144), essas soluções, contudo, “tendem a ser inviabilizadas pelos magistrados, preocupados com a eventual perda do controle da atividade judicial, resistência passiva das rotinas estabelecidas e dos interesses miúdos e graúdos, que elas acabam por criar e reproduzir”. Para além desta tendência de reforma da administração da justiça e de alteração de procedimentos de gestão e processos mais céleres, existe outro tipo de resposta, caracterizada pela elaboração de opções ao modelo centralizado, formal e profissionalizado que domina a aplicação da justiça pelo estado, baseado no chamado movimento das formas alternativas de resolução de conflitos (alternative dispute resolutions), que consistem, na lição de Pedroso e Cruz (2000, p. 20), “na criação de processos, de instâncias e de instituições relativamente descentralizadas, informais e desprofissionalizadas, que substitui ou complementa, em áreas determinadas, a administração tradicional da justiça e a tornam, em geral, mais barata, mais rápida e mais acessível”. A adoção desses instrumentos vem sendo cada vez mais prestigiada, criando-se programas de incentivo à conciliação e à mediação. Dentre eles, merece destaque o programa “Conciliar é Legal” e a Resolução 125, de 29.11.2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. São atitudes que visam aperfeiçoar e incentivar os mecanismos consensuais de solução de conflitos evitando-se a sua judicialização. Diante da carência normativa que regulamentasse os meios alternativos de resolução de conflitos, é digna de destaque a Lei 13.105 de 16.03.2015, que instituiu o novoCódigo de Processo Civil e a Lei 13.140 de 26.06.2015 que instituiu normas específicas para a mediação. Com efeito, essas normas atribuíram maior importância à conciliação e mediação, além de trazer dispositivos tendentes a sistematizar referidos mecanismos em todo o território nacional. 1. Formas alternativas de resolução de conflitos A realização do processo acontece por meio de duas diferentes formas de composição: a autocomposição e a heterocomposição, que se divide entre estatal e paraestatal. Os institutos inseridos nesses planos são equivalentes jurisdicionais e, apesar de apresentarem semelhanças, e de estarem intimamente ligados, dificilmente ocorrendo de forma isolada, não se confundem, cabendo, neste ponto do trabalho, destacar suas principais distinções, evitando-se a eventual confusão terminológica ou conceitual do leitor, colocando-se, para isso, os parâmetros em função dos quais surgem as duas formas de solução de conflitos. 1.1. Autocomposição A autocomposição, ou composição amigável, técnica de negociação em que as partes chegam ao acordo de vontades sem a intervenção de terceiro, sucede-se à margem de qualquer atividade estatal, funcionando como substitutivo jurisdicional, ou seja, tem por fim prevenir a instalação de um litígio heterocomposto, todavia, nada impede que se chegue a ela posteriormente. A autocomposição, que tem na transação, na submissão e na renúncia, suas formas mais comuns, pode ocorrer em dois momentos distintos: antes da demanda, evitando sua composição, ou durante, pondo, dessa forma, termo ao litígio. Na lição de Fiúza (1995, p. 45), “a autocomposição é a forma de solução de disputas, em que as partes, por si mesmas, põem fim às suas pendências. Não há, na autocomposição, como sugere o próprio nome, a intervenção de um terceiro mediador. As próprias partes, por meio de discussões e debates, buscam seus direitos, chegando a bom termo”. Cabe salientar que, apesar da ausência de terceiro mediador, característica integrante da heterocomposição, é bastante comum que surja a composição amigável durante a atuação dessa pessoa, pois, ao propor formas de resolução do conflito, ele abre caminho ao diálogo, antes interrompido pelo surgimento da lide entre as partes, podendo surgir daí tanto a transação como a submissão ou a renúncia. A origem do vocábulo transação encontra-se no termo latino transactione, ou seja, o ato ou efeito de transigir. Tratando do assunto, Figueira Júnior (1999, p. 123) define o instituto como “o negócio jurídico bilateral pelo qual as partes interessadas, fazendo-se concessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas”. Já as duas outras espécies de autocomposição, a submissão e a renúncia, ocorrem, respectivamente, quando uma das partes, abrindo mão de suas pretensões, submete-se à vontade da outra e quando o credor abre mão de seu direito, extinguindo- se, pois, a relação jurídica que o vinculava ao devedor. 1.2. Heterocomposição Na heterocomposição existe intervenção jurisdicional do Estado, que pode se materializar frente a um juiz togado, ou árbitro que, embora seja terceiro particular equidistante entre as partes, conta com o amparo legal, inclusive na aplicação de sanções. A heterocomposição, que tanto pode ser estatal ou paraestatal, surge quando um terceiro intervém na disputa, por meio do julgamento togado, da arbitragem, da mediação e da conciliação, para tentar pôr termo à lide. 1.2.1. Mediação A palavra mediação origina-se do latim mediare, que significa intervir, mediar. Segundo o Novo CPC, art. 165 § 3.º, a mediação é uma forma de resolução de conflitos em que um terceiro, neutro e imparcial, facilita a comunicação entre partes que mantém uma relação continuada no tempo, na busca de seus interesses e na identificação de suas questões com uma composição satisfatória para ambas. O mediador, numa interpretação ampla, pode ser uma pessoa desconhecida escolhida para esse fim, alguém vinculado às partes, o árbitro ou ainda o juiz da lide, na medida em que esses dois últimos são obrigados a propor a tentativa de conciliação das partes, vestindo-se de mediadores para tal, tenta aproximar os litigantes promovendo o diálogo entre eles a fim de que as próprias partes encontrem a solução. Para Baptista e Magalhães (1986, p. 142), a mediação tem vantagens, porque ela faculta lidar com tudo aquilo que está subjacente à disputa. Permite, segundo os autores “que as pessoas criem um sentido de aceitação, sentindo que a decisão a que chegaram foi sua própria, e não imposta de fora para dentro”. Tem, portanto, uma tendência de mitigar e eliminar as tensões, criando compreensão e confiança entre os litigantes, evitando a amargura que se segue a uma decisão judicial, para o vencido e muitas vezes também para o vencedor. Pode prover uma base para que as partes, no futuro, renegociem as suas questões e é, na maioria das vezes, menos custosa. A mediação é adequada para a resolução de conflitos de relações continuadas, isto é, de relações que se mantêm mesmo existindo controvérsias. Geralmente tais disputas envolvem sentimentos, o que dificulta a comunicação. O instrumento, contudo, tem os seus efeitos, pois consome muito tempo, não dispõe de um mecanismo executório quando feita fora dos tribunais, ainda que se possa utilizar um instrumento de transação que seja um título executivo, e ainda depende, principalmente, da boa vontade das partes e nem sempre resulta num acordo e, portanto, na solução da disputa. Falhou tanto o Novo Código Processo Civil quanto a Lei de Mediação no trato do tema. Cabe ao mediador, no início da sessão, explicar o procedimento, bem como os princípios que o fundamentam, não olvidando que o poder de decisão pertence às partes e que ele atua apenas para auxiliá-las. Deve esclarecer, ainda, que apesar das controvérsias, ambas as partes podem ser beneficiadas, uma vez que prevalece o acordo por elas estabelecido e que, por esta razão, deve ser fielmente cumprido. 1.2.2. Conciliação O termo conciliação origina-se do latim conciliare, que significa atrair, ajudar, harmonizar. Trata-se de um meio alternativo de pacificação social. Segundo o Novo CPC, art. 165 § 2.º, a conciliação é uma forma de resolução de conflitos, em que um terceiro, neutro e imparcial, facilita a comunicação entre pessoas que mantém uma relação pontual na busca de seus interesses e na identificação de suas questões, por meio de sua orientação pessoal e direta, buscando um acordo satisfatório para ambas. A conciliação pode ser entendida, de forma ampla, como uma espécie de mediação, só que em juízo. O terceiro imparcial aproxima as partes e controla as negociações, podendo apresentar propostas e apontar alternativas, no fim de facilitar e alcançar a autocomposição. Na lição de Figueira Júnior (1999, p. 123), a “conciliação significa composição amigável sem que se verifique alguma concessão de quaisquer das partes a respeito do pretenso direito alegado ou extinção de obrigação”. A conciliação em muito de assemelha à mediação e, como bem aponta Sales (2007, p. 42), a diferença fundamental está na forma de condução do diálogo entre as partes. A conciliação é empregada em conflitos em que as partes não possuem vínculo emocional, afetivo. Trata-se de litígios esporádicos, mais simples. Geralmente é utilizada para solucionar conflitos patrimoniais, como colisão de veículo, recálculo de dívida, relações de consumo, isto é, em conflitos que não sejam de relações contínuas. Trata-se de um procedimento mais simples do que a mediação, apresentando em média quatro etapas; sendo a abertura, os esclarecimentos, a criação de opções e oacordo. No ordenamento jurídico brasileiro, a conciliação pode ser extrajudicial ou judicial. Árbitros e juízes têm a obrigação de fazer conciliação. Tendo o processo como fim a pacificação das partes em suas guerras civilizadas, nada mais obvio que os mesmos atuem como conciliadores, propondo o término da lide. Consta no § 4.º do art. 21 da Lei de Arbitragem a determinação ao árbitro ou tribunal arbitral de, no início do procedimento, tentar a conciliação das partes, valorizando os meios de composição amigável da lide. Determina, o art. 139, inc. V do Novo CPC que o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe “promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais”. 1.2.3. Arbitragem A arbitragem é um dos assuntos mais fascinantes do Direito, tanto do ponto de vista material, quanto do ponto de vista processual. Trata-se de um meio extrajudicial de resolução de contendas, capaz de dirimir conflitos contratuais entre particulares, podendo ser determinada antes, pela cláusula arbitral, ou depois do surgimento da questão controvertida, pelo compromisso arbitral. Tem, por virtude, a informalidade e a opção das partes envolvidas no conflito poderem estabelecer as regras e indicar, por sua livre vontade, a pessoa que deve decidir a matéria posta em questão. A sanção da Lei 9.307, de 23.09.1996 inovou a concepção desse instituto no direito pátrio. Prestes a completar dezoito anos, essa norma operou uma verdadeira revolução no ordenamento jurídico interno, colocando o país na vanguarda das legislações sobre arbitragem. O Projeto de Lei do Senado 406/2013, que deu origem à Lei 13.129, de 26.05.2015, em reconhecimento à qualidade dessa norma, foca alterações pontuais que não afetam a estrutura da Lei de Arbitragem, consolidando tanto entendimentos doutrinários quanto jurisprudenciais. A Lei de Arbitragem definiu, de forma separada, cláusula compromissória e compromisso arbitral. Ambos constituem espécies distintas do gênero convenção de arbitragem. 1 Como bem destaca Carreira Alvim (2000, p. 210), a convenção de arbitragem é uma modalidade especial de acordo. Diferentemente do contrato stricto sensu, no qual a vontade dos contratantes é antagônica e a relação jurídica tem o propósito de harmonizar interesses contrastantes, a vontade dos convenentes cumpre uma função processual e conduz ao caminho do juízo arbitral. A cláusula compromissória é, por sua vez, o pacto inter partes pelo qual se obrigam, de maneira voluntária e antecipada, a resolver, por meio da arbitragem, divergências decorrentes da relação jurídica estabelecida entre elas, surgidas, geralmente, quando da execução ou da interpretação do contrato. Mediante sua estipulação, as partes comprometem-se a acatar o procedimento que for instituído para resolver pendências que serão submetidas ao veredicto de árbitros, escolhidos no momento oportuno. Constitui-se, assim, numa promessa de contratar ou num contrato preliminar dependente do conflito, único elemento que o torna exigível. Para Fiúza (1995, p. 107), a cláusula compromissória é “um negócio jurídico plurilateral, assim como o compromisso. A vontade das partes não é antagônica, uma desejando algo, e a outra, exatamente o oposto, como na compra e venda, na locação ou no deposito, negócios bilaterais”. Suas aspirações seguem, na verdade, no mesmo sentido: renunciar à jurisdição ordinária e abraçar a instância arbitral para dirimir possíveis controvérsias. A Lei 9.307/1996 não exige forma solene à cláusula compromissória, contentando-se que seja estipulada por escrito. Permite sua inclusão em documento apartado, desde que conste alguma referência, no contrato, quanto à sua existência, sob pena de invalidade. Pode, ainda, ser avençada mediante troca de correspondência epistolar entre as partes desde que comprovada a proposta de uma das partes e a aceitação da outra. 2 A doutrina divide a cláusula compromissória em dois tipos. Denomina uma espécie de cheia em oposição à chamada vazia. Ao contrário desta última, a primeira indica, antes mesmo de configurada uma disputa concreta, as regras de um órgão arbitral ou entidade especializada responsável pela condução do juízo arbitral. Embora as partes possam redigir a cláusula compromissória de forma genérica, recomenda-se aproveitar a oportunidade para estabelecer condições mínimas de operacionalização da arbitragem. Mesmo que resulte inequívoca a manifestação de vontade dos contratantes em submeter futuros litígios à arbitragem, sua instalação pode ser prejudicada ou dificultada pela falta de previsão completa do procedimento para sua constituição. 3 As lacunas não só podem como devem ser supridas pela celebração de um compromisso arbitral. O problema está no fato de que uma das partes contratantes pode resistir à instalação do juízo arbitral. Assim, a via arbitral pode tornar-se ainda mais morosa que a via estatal, já que a parte adimplente terá que se socorrer ao Poder Judiciário para instituir a arbitragem. Atualmente, a cláusula compromissória não é mais considerada um mero pactum de contrahendo ou pactum de compromitendo, desprovida de força obrigacional e resolúvel, tão somente, em perdas e danos. 4 Adotada a possibilidade de execução específica, pelo art. 7.º da Lei de Arbitragem, seu descumprimento concede o direito da parte obter a instalação do juízo arbitral, pondo fim no principal obstáculo ao seu desenvolvimento no país. 5 O mérito da demanda instaurada perante o Poder Judiciário não será o conflito de direito material, mas sim as questões procedimentais que envolvem a instituição da arbitragem. Nem mesmo o fato do recurso cabível contra a sentença judicial que instituir o juízo arbitral ser recebido meramente no efeito devolutivo e, portanto, dar eficácia imediata ao compromisso arbitral, anula o efeito indesejável de retardar a solução de conflitos sujeitos à arbitragem. Deve-se, portanto, evitar a presença de cláusula compromissória vazia em contratos de toda e qualquer espécie. Basta dispensar cuidado e atenção na redação para que esta seja apta a instituir o juízo arbitral, sem a necessidade de celebração de compromisso arbitral. 6 Conclusão Hodiernamente, há um movimento de valoração das formas alternativas de composição de conflitos, pois, além de afastar o litígio do âmbito do Poder Judiciário, estruturalmente deficitário, busca-se a aproximação dos contendores, procurando uma solução menos traumática e boa para ambas as partes, lembrando que, de tais soluções não restam vencidos nem vencedores, em decorrência do entendimento mútuo resultante da análise de propostas e eliminação de riscos e ônus maiores. O Poder Judiciário passa por grave crise, uma vez que o acesso ao direito e à justiça se torna cada vez mais difícil por causa do formalismo, do alto custo processual e da lentidão do processo, que aumentam a dor e a angústia dos envolvidos. Diante desses obstáculos, os operadores do direito notaram a necessidade de desenvolver meios mais simplificados e céleres capazes de diluir desavenças. Assim, surgiram os meios alternativos de pacificação de conflitos, sendo que dentre estes meios se destacam a mediação, a conciliação e a arbitragem. Os três apresentam o mesmo objetivo, que é a pacificação extrajudicial de litígios. Entretanto, não se confundem, uma vez que cada um apresenta natureza e características peculiares. Tais meios são, seguramente, aptos para a pacificação de conflitos, contudo, as pessoas não os conhecem ou não têm a cultura de utilizá-los. Carregam a errônea ideia de que um conflitopode ser composto, apenas, perante o Poder Judiciário e com a presença de um advogado. Esta cultura é alterada aos poucos desde a criação dos Juizados Especiais, do advento da Lei de Arbitragem, da Lei de Mediação e do Novo Código de Processo Civil. Isso corrobora que tais mecanismos de pacificação estão sendo gradativamente implantados no ordenamento jurídico pátrio, contudo, esta implantação não ocorrerá apenas com a elaboração de leis. É necessário que a sociedade seja informada sobre estes meios alternativos a fim de conduzi-la na utilização destas formas para a resolução de seus conflitos. Além de incluídas no cotidiano da sociedade, devem ser também incluídas na formação dos operadores do direito. Para impregnar as futuras gerações do entendimento de que os meios alternativos existem e de que cumprem sua finalidade, isto é, de que pacificam litígios. Diante do exposto, conclui-se que cabe ao governo e as instituições privadas de mediação, conciliação e arbitragem incentivar a utilização destes meios, para que os litígios sejam resolvidos fora do Poder Judiciário. Assim, o número de demandas tramitando no Poder Judiciário irá diminuir e, por sua vez, a sociedade será beneficiada, tendo com facilidade acesso à justiça. Será beneficiada, ainda, pois na mediação, na conciliação e na arbitragem as partes não estão em posições antagônicas, mas estão lado a lado, cooperando para que seja alcançada a melhor solução para o conflito. Desta maneira, transformando os sentimentos de dor, de angústia e de sofrimento, presentes no processo judicial, em sentimentos de felicidade e de esperança de uma solução eficaz e satisfatória para as partes envolvidas no conflito. Bibliografia ALVIM, Arruda. Exegese dos artigos 6.º e 7.º da Lei n. 9.307, de 1996. In: MARTINS, Pedro Antonio Batista; ROSSANI GARCEZ, José Maria. Reflexões sobre arbitragem: in memoriam ao Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002. ALVIM, José Eduardo Carreira. Tratado geral da arbitragem. Belo Horizonte: Mandamentos, 2000. AZEVEDO, André G. de. Estudos em arbitragem, mediação e negociação. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. BACELLAR, Roberto Portugal. Juizados Especiais: a nova mediação paraprocessual. São Paulo: Ed. RT, 2003. 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