Buscar

TEXTO - O significado do trabalho humano

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ti 
O Sis^nificado do Trabalho Humano 
Ma-na Elizabeth Ârdunes Lima''-
Introdução 
Historicamente é possível verificar uma evolução na concepção 
a respeito do trabaJho humano de acordo com o modo de produção 
predominante e as relações de trabalho geradas a partir dele. 
Obsen,-ando todas as etapas da evolução dos sistemas produtivos, 
podemos concluir com certa facilidade que até o início da chamada 
Era Moderna, o homem trabalhava essencialmente pela sua sobre-
vivência material. Em outras palavras, tudo indica que, apesar de 
ter sido mais ou menos valorizado em determinados períodos da histó-
ria o tra.balho significou, até o início do capitalismo, mna fonte de 
sobre^^vência para o individuo. Com a evolução da sociedade indus-
trial moderna, o processo de trabalho-sofreu radicai; transformações, 
tanto uas seus aspectos estrutiirais quanto ideolój-icos,,-' o que tem 
possibilitado a emergência dei interrogações sobrí os seus novos 
significados. 
Alguns autores têm estudado essa problemát ca na tentativa 
de obter uma resposta realmeâtfi satisfatória. Um primeiro grupo 
concluiu que trabalhar para o homem moderno transformou-se niima 
mera venda do seu tempo, não importando a quem ou para o que 
seja. O que importa é o resultado económico, já que o tipo de tarefa 
que executa não tem o menor sentido. Neste caso, o que parece 
importar realmente é a sobrerivência material, o que implicaria 
a permanência do significado de trabalho anterior ao capitalismo. 
Professora Assisienie da Faculdade de Ciências E c o n ó m i c a s da L T J I G . I.Ic3tre 
em A d i n i c i s t r a ç á o peli L T F M G . 
; 
B C T . G E R (19S3), cita duas dessas traasformaçftes que considera determinantes 
no problema da busca dos novos significados do trabalho: i extrema intensi-
f i c a ç ã o da divisão do trabalho, a través de qual o trabalhador fica ú n p e d i d o de 
se relacionar com o processo total de trabalho; e a secular izaçâo do conceito de 
v-ocaçâo, que passa a exigir total comprometimento do indiriduo, canalizando 
todos os seus e s f o r ç o s no sentido de alcançar a reaí izaçào rnixiraa de sua vida 
a t r a v é s do trabalho. A lém dessas duas t rans formações , acrescento a perda 
do produto pelo trabalhí-dor. 
69 
No entanto, um segundo grupo de autores admite uma mudança 
radical "na relação do homem moderno com o trabalho. Vv^EBER 
(1967), um dos precursores deste grupo, constata uma reavaliação _ 
do_trabalho dentro. dQXXÍstianjsmp_,..a4iandr.ca„Rè^rmã yroiastai.te, 
guando""passa' a represe_ntar,p:.cuniprjmejjto d e ^ ^ 'dever £_a busca 
dêTe"áIl2á"çãã.~Tudb indica oue, 2. part i£ deste mpniento 
profissiòh.áillpiisõu^á^^t^^^ signíBcado' intrínseco 'e" o trabalho 
deixou de ser um meio, lornando-se umTim''em slmesm^^ 
No prêienl¥~ãítígõ7~preTin^ di'scutír"ãrgumas das conclusões 
a que cheguei após um estudo sobre as concepções que prevalecem 
na sociedade capitalista moderna a respeito do trabalho humano. 
Ao iniciar este estudo, acreditava como os autores do segundo grupo 
que o significado do trabalho para o homem moderno não se res-
tringe à sobre\'ivência material, tendo sofrido modificações junta-
mente com as radicais transformações ocorridas até 'chegar ao 
atual modo de produção. Decidi abordar esta problemática espe-
cialmente complexa porque estava ciente de sua importância e da 
carência de estudos voltados para a sua compreensão.^ 
Analisando os dados fornecidos pelas diversas categorias pesqui-
sadas percebi alguns aspectos comuns a todas elas, os quais considerei 
como o sentido geral atribuido ao trabalho na nossa sociedade. 
Tal generalização foi possível graças à escolha de uma população 
abrangente, pois estudei várias categorias profissionais, além de 
grupos que estão fora do sistema produtivo, como as crianças e 
os aposentados. Além disso, estudei uma comunidade indígena< 
que estabelece luna relação com o trabalho nitidamente diferente 
da nossa, o que acrescentou muito à minha compreensão de como 
percebemos e vivemos o trabalho. 
Inicialmente, abordarei a visão do trabalho em nossa cultura, 
logo após a visão dos Maxakalis e, finalmente, falarei das conclusões 
a que cheguei ao confrontar as duas realidades. 
O significado do trabalho human) na nossa sociedade 
Um aspecto comum a todos os grupos pesquisados e que 
reflete um dos principais significados do trabalho na nossa sociedade 
ia_relaião_entrêJ-tividade^ e cumprimento.de um dever. 
O trabalho deve ser bem execúfãad;"dé forma disciplinada e eficiente, 
para que o indi\'iduo sinta-se em paz consigo mesmo. Neste sentido, 
percebe-se que o trabalho, em nossa cultura_rLeEre_seiLta-Jim_xalqr'̂ 
mórã^aiiS^_de ce.rtaj .ojina.-±jepassadãaa.ín^i 'duo que o exeputã, 
'o estudo abordou uma população const i tu ída de diversas categroiias: Crianças 
rde classe operária burguesa), operários , trabalhadores de escritório, exe-
cutivos, profissionais e aposentados. F o r a m entrevisUdas 222 pessoas. 
^Estudei o snipo indigena Hajcakali, localizado no nordeste de JDnas Gerais. 
70 
iiim outras palavras, aquele que se dedicar de forma intensa e 
disciplinada à sua atividade profissional, será mais valorizado social-
mente. Além da sobrevivência material o trabalho passa a implicar 
uma sobrevivência moral. Independentemente do ssu cout^rjdo, dos 
óbjetivos que visa atingir, do prazer que proporciona a quem o 
executa, o trabalho representa um valor. £ um valor em si mesmo.^] 
Observando a evolução do capitalismo, percebe-se que esse senso 
de dever e todo valor atribuído ao trabalho desenvolveram £.0 mesmo 
tempo em que este mesmo trabalho foi-se empobrecendo, perdendo 
o seu conteúdo, e tomando-se, para a maioria das pessoas, mecânico e 
rotineiro. Parece ter sido necessário encontrar uma outra Justifi-
cativa p&ra''Xlledicação ao trabalho, já que a execução das tarefas 
liêrdêu seu sentido em quase tooas as atlvrdã3?s'"p"ro'fÍ5SÍonaIs'r É õ 
cumprimento' de um dever para consigo""inésmó' e com "a' sociedade 
mostrou-se uma excelente justificativa, pois até mesmo o trabalhador 
mais insatisfeito com as suas tarefas admite, por outro lado, estar 
feliz porque sua consciência está tranqiiila e sente-se útil à socie-
dade. Ele está plenamente convencido de que o trabalho, repre-
sentando um valor tão superior na nossa cultura, por mais simples 
que sejam suas tarefas, um pouco deste valor é repassado a quem 
as executa. 
Mas, afinal, o trabalho representa realmente um valor em 
si mesmo? 
Acredito que esta seja uma questão que mereça uma reflexão 
maior. 2 interessante observar como evoluiu este significado e a 
que tipo de interesse ele veio atender. O trabalho transformou-se 
nima dever, num valor moral somente com a evolução do modo 
capitalista de produção. WEBER (1967) afirma que a tradição 
predominante na era medieval percebia o trabalho como ilgo eti-
camente neutro, mas que à medida em que evoluía o cap.talismo, 
através dos diversos desdobramentos, a 'v isão do trabalho foi-se 
modificando e este passou a ser qualificado moralmente.^ 
' F R . O M (1974:224) diz que o hoaem moderno nâo poderia trabalhar somente 
movido por necessidades extemaa, j i que o moderno sistema Industrial i m p õ e 
que a maior parte dé sua energia seja orientada para o trabalho. E le deve 
ser impelido para o tmbaJho «través de outros mecanismos: <em vez de 
obedecer a autoridades externa» ostensivas ele construiu uma autoridade 
Interior — c o n s c i ê n c i a ou dever que a ç e mais eficazmente para contro lá - lo 
do que qualquer autoridade exteina poderia fazer.> 
\N (1981) cita S C H E L E R como um autor que neg^ este valor do 
trabalho em sl mesmo, colocaado-o como cneutro a toda Idéla de dever, 
de princípios e fins fundamentais que possam estar na base da vida soc ia l» 
(p. 47) . O próprio Bagolini diz que a palavra a l e m l A R B E T T E N ( T r a b a -
lhador) n&o implica e m sl mesiaa a realizaç&o de u m a meta, nem um Ideal, 
*mas simplesmente uma atividade arracional. Idealmente neutra e, podemos 
dizer,emplrica> (p. 44 ) . Resume, enfim, que para S C H E L E R ca qualidade 
moral do trabalho n&o e s t á no próprio trabalho, mas depende dos sistemas 
de fins e da organlzaç&o moral e jurídica noa quais o trabalho estA inserido. 
71 
Obseixálido a evolução do ;^rop.esso_àe_JrabaIho_capitalista, 
p°rffbr>-!:e também que^a_jneQida em que o homem é desvaJõnzacíi) 
neste.-PXOcesso,_xnaior-valQr_£5tHBu'íaF'̂ ^^ ji_mesmo. 
Em outras palaNT^s, enquanto o trabaíhad'or foi-se tornando mais 
desvalorizado o trabalho foi assumindo um valor cada vez maior, 
. independentemente de quaisquer fatores presentes no seu modo de 
organização. E ainda mais: verifica-se uma tendência de se valorizar , 
qualquer tipo de trabalho pelo simples fato de ser trabalho, ou seja, 
todas as ati^^dades profissionais passam a ser consideradas essen-
cialmente iguais em importância. 
Desta forma, se as pessoas acreditarem nessas ideias e se não 
necessitarem de muita vigilância, porque elas mesmas se encarregam 
disso, alguns dos principais óbjetivos do modo de produção capi- • 
talista estarão plenamente atendidos: todos dedicando-se exces-
sivamente ao trabalho, preocupados com a eficiência e sentido-se 
bem por estar cumprindo seu dever e sendo valorizados sociahnente___̂ 
por isto. 
Outra mudança de fundamental importância ocorrida com o 
capitalismo, foi a transformação do trabalho em mercadoria, ou 
seja, é somente neste momento da história que surge uma grande 
massa de pessoas "li^Tes" para se oferecer no mercado em troca 
de um salário. Pela primeira vez na história o homem está li\Te 
para vender sua força de trabalho a quem desejar. Mas o capitalista 
ao comprar esta força de trabalho não possui controle sobre a sua 
qualidade e quantidade. 
v:;;* "O que ele compra é infimto em poteiicial, mas limitado im 
SIM concretização pelo estado subjeiivo dos trabalhadorrs, 
por sita história passada, por suas coiidiçôes sociais gereis 
sob as quais trabalham, assim como pelas próprias corn\i-
çôes da empresa e condições técnicas do seu trabalho." 
(BRAV'ER.\L\N, 19S1:5S) 
Portanto, ao alugar seu tempo ao capitalista para que este possa 
utilizar sua força de trabalho, o trabalhador irá dedicar-se às 
tarefas de acordo com a sua disposição pessoal, ou seja, vai depender 
do quanto ele estará convencido de que tal dedicação será válida 
para si mesmo. Quanto mais convencido estiver o trabalhador a 
. este respeito, mais empenhado ficará na execução de suas tarefas 
e menores os problemas para o capital gerenciar sua força de 
trabalho. Ao perceberem_o_tra_balho_como um valor independente 
^das,tarefas 5ue_o_£ÇÍmj)õem,, daquilo que visa produzir e dos seus 
efeitos sobre si próprios e_ sobre a sociedade em geral, os individues 
estarão contribuindo para a solução de um problema básico do 
capitalismo: o de obter a plena utilidade da força de trabalho. 
72 
Nos depoimentos apresentados pelos diversos grupos por mim 
estudados praticamente não se constata qualper crítica ao tra--
balho e.-Ti si. Muitos trabalhadores manifestaram insatisfações rela-
tivas às suas tarefas ou condições sob as quais as executam, mas 
tal constatação não afeta o valor atribuido ao trabalho em geral, 
nem a satisfação pelo'dever cumprido. Isto foi percebido, até mesmo 
entre as pessoas que trabalham sob condições muito criticas, como 
os operários e alguns trabalhadores de escritório. 
A grande maioria das pessoas percebe a ati\'idade profissional 
também como fonte de realização, caracterizando um outro signi-
ficado do trabalho em nossa cultura. É interessante observar que 
à medida em que avançava a divisão do trabalio nas organizações, 
atingindo até mesmo os postos mais elevados, evoluía também a 
ideia de que o trabalho deve possibilitar aos indivíduos a sua 
realização profissional ou, até mesmo, pessoal. Em outras palavras, 
desde que estejam satisfeitos profissionalmente as outras áreas de 
suas \ndas passam a ter uma importância secunòária. É o trabalho 
sendo traduzijio como a principal dimensãqda existência humana, 
exigindo uiriá dedicação absoluta por paTte~ToTTndivi"duos! 'Grã, é 
evidente que tais aspectos são inteiramente contraditórios, pois 
o avanço da divisão do trabalho reduz enormemente as chances 
do trabalhador encontrar na sua ati-vidade profL<sional uma fonte de 
realização. 
Um autor que demonstra como esta ideia foi-se processando 
desde o início da história ocidental moderna é 'R^BEE. (1967), 
quando aborda a mudança do conceito medieval de vocação religiosa 
para o conceito moderno de trabalho secular como vocação. Elie 
observou que esta última concepção a respeito do irabalho, f irmou-se 
apenas após a tradução da Bíblia feita por Lutero, pois, a partir 
daí, vocação passou a ser uma ordem divina sendo "escolhidos" 
aqueles que se dedicassem a ela de modo sistemático, exclusivo e 
eficiente."' 
Portanto, verifica-se oue _ paralelamente ao avanço da divisão 
do trabalho e a pefcla_da"noção do produto, desenTOiyeu ŝe a ideologia 
da secularização'âo conceito de yocaçãoT^ 
S e g w d o B E R G E R (1983:16), a partir dessa traduçi», trabalhar toraou-se 
t n à o somente um dever religioso a ser fielmente cumprido, mas t a m b é m um 
chamado no sentido de exigir do indivíduo um comprometimento total e apai-
xonado, canalizando a sua vida inteira para a realizaçàt de altos ó b j e t i v o s e, 
portanto, dando um alto significado à sua vida>. 
B E R G E R (19S3:36) comenta que se ctentarmos veros dfsenvolvLmentos estru-
turais e ideológ-icos juntos, seremos confrontados por u n a s!tuaçâ.o paradoxal 
e até mesmo irónica . Os desenvolvimentos estruturais, t o m a m cada vez 
menos p.-ovável que um individuo consiga reaUzar-se eia seu trabalho ( . . . ) . 
Ao mesmo tempo, persiste imia ideologia de trabalho çue continua a apre-
sentar ao individuo a expectativa de que ele deve achai seu trabalho signifi-
cativo e que ele deve ter satis íaçS.0 ne le . . .> 
73 
n ó ' trabalho e a ideologia oue incentiva a busca dc auto-realização 
aTi^ívis_dcLinÊSjmo,Jicoir^ no presente estudo. 
Sntré os operários e trabalhadores de escrirório tal paradoxo 
mostrou-se mais nítido por que estes dois grupos expressaram clara-
mente a insatisfação cDm a extrema simplicidade de suas tarefas, 
mas acreditando, ao mesmo tempo, que o trabalho deve prover aos 
indi-vnduos a sua realização pessoal. O aposentado também apre-
sentou um forte conflito em face desta questão. Isto se deve a dois 
gTandfiâ.iIlQÍÍYOS_L!!P P.™? '̂̂ '̂̂ 'i^gar, a constatação que algiins fazem 
de que após tantos~anbs"'de busca não conseguiram alcançar aquela 
realizacãp quêacfêditaVam. ser possível obter através do trabalho; 
um segundo grupo bem mais reduzido, acredita ter-se realizado 
profissionaMèhte.más com á aposentadoria perdeu a única fonte 
que julga digna para este fim. Alguns tentam transferir seu desejo 
de realização para outras áreas como família ou lazer, mas não 
consideram esta busca tão satisfatória quanto a que empreenderam 
no trabalho, pois não é tão valorizada socialmente. O resultado de; 
tudo isso é um enorme sentimento de inutilidade e vazio, algumas 
vezes acompanhado,da tentativa de retornar à situação anterior,; 
conseguindo um novo emprego. 
- O grupo de executivos não demonstrou qualquer conflito nessa 
área, pois a grande maioria já se considera plenamente realizada ou 
bastante próxima disto. O executivo encontra-se perfeitamente encai-
xado na concepção vigente de realização como alcance de uma posição 
de síaítts, de sucesso financeiro e de prestígio. 
Os profissionais liberais também não demonstraram grande 
dificuldade em face da questão da realização, mas os motivos são 
outros. Muitos se consideram realizados profissionalmente porque 
possuem mais autonomia, maior controle sobre o processo de tra-
balho, sentem maior prazer no exercício de suas tarefas e consideram 
estar usando com mais plenitude o seu potencial. Apesair das grandes 
dificuldades que também enfrenta, o autónomo em geral mantém 
uma relação mais positivacom o seu trabalho, dedicando-se inte-
gralmente a ele muitas vezes em detrimento de outras áreas de sua 
\'ida, inclusive o lazer. 
Portanto, os dados fornecidos pelos diversos grupos indicam 
que ainda está _ bastante presente na nossa cultura a busca da 
realização através do trabalho como finahdade última da existência. 
Até mesmo aqueles que tentaram alcançá-la durante toda a \nda 
sem obterem sucesso, como é o caso de muitos aposentados, pre-
ferem acreditar que a dificuldade foi pessoal, ou seja, não realizaram 
porque não aproveitaram as oportunidades, por incompetência ou 
por não se terem esforçado o suficiente. Assim como ocorre entre 
os operários, todo o conflito é canalizado para o p.róprio indivíduo 
e realizar-se ou não passa a ser o produto de qualidades estri-
tamente pessoais. É o triunfo de ideologias como aquela elaborada 
74 '• 
"por David Mc CTelland (líERSEY, 1977), por exemplo, onde o 
perfil psicológico do hoinem auto-realizado é descrito como o daquele 
altamente voltado para a eficiente execução de suas tarefas, para a 
obtenção de altos salários ou luvros, estabelecendo metas cujos riscos 
de fracasso sejam mínimos, não se importando muito com as pessoas 
e, sim, com a melhor maneira de executar suas tarefas. Tudo isso 
leva este autor à conclusão de que as pessoas que possuem tais 
qualidades e que, portanto, são altamente motivadas para a real-
ização, estão muitas vezes ocupando cargos de gerência já que 
tendem "a obter mais aumentos de salários e são promovidas mais 
depressa porque pensam maneiras melhores de fazer as coisas" 
( H E P L S E Y , 1977:47). Desta forma, fica explicado porque os exe-
cutivos não se sentem em conflito com a questão da realização. 
Eles se encaixam perfeitamente no perfil das pessoas realizadoras. 
' E como o alcance ou não dessa realização fica limitado a preencher 
ou não um perfil psicológico, está também explicado porque os 
conflitos presentes nesta área são canalizados contra o próprio 
.individuo. 
Outro aspecto comum a todos os gnrpos estudados e que evi-^ 
dencia mais" tim significadcLJJo 'gã'SãÍhoDa nossa sociedade é" ó 
uso dá" atividade profissional como xap. ^eip„de_fug&_ à solidão, 
ao tédio, à angústia, enfim. ""ãõs~mais Síversos sentimentos consi-
derados típicos do homem moderno. ~ -
Enquanto está-se dedicando aoTrabalho, o individuo encontra-se 
protegido de entrar em contato com tais sentimentos. Além disso, 
muitos usam o trabalho excessivo como uma compensação para os 
problemas familiares e, até mesmo, para aqueles relativos ao próprio 
trabalho e, finalmente, existem outros que usam a sua atividade 
profissional como uma proteção contra "erros", ou seja, contra atos 
condenáveis pela sociedade.» 
Não concordo com a opinião de mratoe entrevistados a respeito 
do trabalho excessivo atuando como uma psicoterapia, ou seja 
ajudando-os, realmente, na resolução de suas dificuldades. Na ver-
dade, os sentimentos incómodos não são eliminados nem tampouco 
resolvidos e, sim, mantidos num estado latente, podendo eridenciar-se 
a qualquer momento em que a pessoa interromper suas ati\'idades. 
É por este motivo que tantos indivíduos revelaram evitar férias ou 
quaisquer situações pouco estruturadas, usando muitas vezes seus 
momentos de folga para tentar resolver problemas de trabalho 
ou permanecendo em constante atividade. 
Até mesmo aqueles que não concordarem zom a minha anáhse, 
serão obrigados a admitir que é no mínimo estranho .p_ia,to_de que 
•à medida em que o trabalho se empobrece, amamenta o Impulso das 
Segundo T ^ I ^ E R (1957:113), o trabalho « i part lculannenU o preventivo 
espec í f i co contr^ todas as UntaçCes que o puAanismo agrupa sob a denoml-
n a ç ã o de vida desonesta e cujo papel nunca la i modesto.> 
75 
nessoas: para se dedicarem, N.-io me pareceu plausível atribuir 
ào_sense~de-Xumprimengjdõ""3ever e__à_bu_sca_ de realização toda a 
rssiiQiiáaljiUiacle pjra"for^<leõie npulso. E5:e¥"'flitõrêgrãpesãr~de 
bastante pWsêiitésYmlòdõ os gru{.as nãõ'me pareceram suficientes 
para transformar o trabalho em algo tão central na vida das pessoas. 
Além disto, constatei entre os aposentados que, mesmo não pesando 
mais sobre eles qualquer exigência quanto ao cumprimento do dever 
e busca de realizagãc através do trabalho formal, dedicam-se muitas 
vezes, compulsivamente, a outras atividades. Tudo isso me levou a 
buscar um outro ff.tor também relevante e que impulsiona o homem 
moderno a trabalhar excessivamente. E o que encontrei foi até certo 
ponto surpreendente: ao dedicar-se de foi-ma,: compulsiva ao trabalho, 
o indivíduo evita entrar em contato com; alguns sentimentos consi-
derados incómodos e dolorosos. Ele encontra no trabalho um exce-
lente meio de fuga. E é inegável que o modo pelo qual organizamos 
o nosso sistema produtivo é bastante propício a esta fuga. Alguns 
pontos comuns a todos os grupos pesquisados ilustram bem este 
aspecto: a fadiga excessiva, associada ao esforço físico ou mental 
para realizar as tarefas, a pressa constante para cumprir os horários, 
ã rotina, as normas a ãerem obedecidas etc. . . Somando tudo isso 
ao fato de que na nossa sociedtide praticamente não existe outra 
alternativa de sobrevivência que- não seja através da dedicação a 
algum tipo de trabalho, teremos o quadro completo. Ao se adaptar 
a este sistema, toma-se extremamente fácil fugir de si mesmo. 
Aiém disto, não nos podemos esquecer que é no espaço das organi-
zações ' aê~'tl^bjihõ'"qu'ÇTS:is" asn̂ 
diversas formas dê'organização dÒ3"prócessos de trabalho','das poli-" 
ticas de pessoal e dos meios .de controle cada vez mais sofisticados. 
Foi surpj:£ende.nte-d£acQbrÍ3i..c.u.t..as dificuldades geradas pel_as 
transform^ações _de.,uma .sociedade, sãamantidas por ela e, até mesmo, 
canalizadas no sentido de proporcionar o alcance dos seus óbjetivos 
e, cón5eque"nt'imente, a sua perpetuação. Foi assustador constatar 
que não são pessoas saudáveis e satisfeitas aquelas mais úteis e 
produtivas para o nosso sistema, como alguns cientistas sociais 
argumentam, e, sim, aquelas mais neuróticas e infelizes. Quanto 
mais alienado for o indinduo,. mais interessante ele se toma para 
o nosso sistema produtivo. ,E_Q que.é -plpr:;; tal__^stema^tjkmbém 
íomou-se útil a este individuo porque possibilita. a.''sua'fuga.;. O cír.-
culo \-icioso fica, então, caracterizado: cada um se alimentando 
do outro. 
A percepção do trabalho como uma ati\ndade muito cansativa, 
que sempre leva ao desgaste físico ou m.ental, foi bastante comum 
a todos os grupos pesquisados. Muitos entrevistados revelaram um 
estado de extrema fadiga, a necessidade de recuperação e, ao mesmo 
tempo, a dificuldade de se proporcionar xim descanso adequado. 
Alguns porque já não conseguem parar mais, como é o caso dos 
ervecutivos que tran.sferem para cs seus momentos ds folga a intensa • 
•76 
atividade que caracteriza o seu cotidiano. Outros porque não possuem 
meios para viver seus momentos de lazer da forma que desejam, 
permanecendC' em casa durante a maior parte do E : U tempo li-̂ Te, 
e sentindc-se por ir.ío mai.s cansados. A maioria dedica horas 
excessivas ac trabalho, numa flagrante desproporçf.o em relação 
aos momento; de folga. Q_fato é oue a r^l^ção suor-esforco-trabalha 
ainda está mii to presente na nossa rnlt-nra, senáo_que vários indi-
vfduos èslab€rê'cem tanibem a associacãa_£níre-A_fadiga decorrente 
do trabalho., e..o_amnento diã dignidade do_ homem^ E5.te_e_u.1n 
ponto de vista estreitamfínt£_.reIacionado coca à"'concepção_da^gTeja 
Católica^.a,r.espeito do trabalho HúnTiano. FõTmiirto'ffeqúente~êsíá 
concepção nos' depoimentos dos mais diversos grupos estudados, 
indicando que ela não atinge uma determinada classe em especial, 
mas à nossa sociedade como um todo. Segundo esta visão, o trabalho 
é realmente exaustivo e por isto mesmo deve ser valorizado. 
Inicialmente, podemos ver na Bíblia o trabalho sendo colocado 
como algo bem instituído pelo Criador cora, a finalidade de que o 
homem continuasse a obra iniciadacom sua criação e dominasse 
a terra. Esta concepção é modificada com o pecado original quando, 
então, o trabalho adquire um caráter penoso como castigo: "Alaldita 
seja a terra por tua causa: Com trabalho penoso tirareis dela o 
alimento todos os dias de tua vida" (Génesis, 3,17). 
Apesar desta mudança, atualmente a Igreja CJatólica considera 
que a fadiga não muda o fato de que o trabalho seja um bem 
do homem: 
"E ?i-o entanto, com toda essa fadiga e, talvez num certo 
sentido por causa dela — o trabalho é um bem do homem. 
E nco é só um bem útiJ ou de que se ;ode usufruir, 
mas '•• um bem digno, ou seja, corresponde à dignidade do 
hovie n, um, bem aue exprime esta digniàzãe e oue a 
au77ie;iía." (PAULO n, 1982:24) 
A Igreja Católica está convencida de que o trabs-lho constitui 
uma dimensão fundametal da existência humana e que mesmo numa 
época em que se tomou altamente desumanizado "o sujeito próprio 
do trabalho continua a ser o homem" (PAULO 11, 1982:13) . Aiém 
disso, na concepção católica, todo trabalho é valorizado porque, seja 
ele qual for, fundanenta-se no homem: 
"A finalidade do trabalho de todo e qualquer trabalho 
realizado pelo homem — ainda qw seja o trabalho maÍ3 
humilde de um serviço e o Tnais monóto^w na escala de 
apreciação e até o mais marginalizado —perviarccc sempre 
o mesmo homem." {PAULO U, 1982:17) 
Este é um ponto de vista bastante comiun nos depoimentos dos 
diversos grupos por mim estudados: todo tipo de trabalho é impor-
77 
tante e deve ser "valorizado. Desla fonr.a, ficam encobertas as 
diferenças fundamentais nas ;ondiçães vividas pelas diversas cate-
g-orias profissionais. 
O que fica evidente na ^isão da Igreja Católica a respeito do 
trabalho humano, é uma ambigiiidade também detectada em muitos 
depoimentos: ao mesmo temj.o que possui um caráter punitivo que 
se "reflete na fadiga sentida jjelo trabalhador, o trabalho é também 
apresentado como algo bom, que aumenta a dignidade do homem.' 
£ colocado como lun meio de se chegar à espiritualidade através do 
sofrimento, da perseverança, da obediência, da su^omissão e do res-
peito à autoridade. 
A presença desta mesma ambiguidade-nos-depo.imentos dos mais 
divefslis grupos"iitudados réfúrça a importância"da Igrêjã"Câí5irca 
na elaboração do'significado.qiie_dainqs ao trabalho. Além disso, 
como nesta visão lodo trabalho é valorizado, não~existindo um mais 
que o outro, ou talvez, quanto mais fatigante melhor, os indivíduos 
encontram uma forma de suportar as contradições que \nvem no 
seu cotidiano. 
Um aspecto final a ser considerado, refere-se à constante exi-
gência que muitos Lndividuos em nossa cultura se fazem quanto a 
ser produtivos durante a maior parte do seu tempo. Eles têm que 
estar sempre fazendo algo "útil", produzindo alguma coisa para 
evitar o sentimento de culpa. No entanto, cabe discutir o que a 
maioria dos entrevistados entende por produtividade. Tudo indica 
que para eles significa estar a maior parte do tempo ocupados com 
alguma tarefa relacionada com o trabalho. O gmpo de aposentados 
nos oferece tuna excelente comprovação deste fato: a maioria não 
valoriza as ati\'idades que realiza depois da aposentadoria, sentindo-se 
inútil e improdutiva. Independentemente do que faz no seu trabalho, 
o indiriduo considera-se proc.utivo ao se dedicar inteiramente a ele. 
Tal ideia poderia ser traduzida da seguir.te forma: "produzir é ter 
a maior parte do tempo ocuptda com alguma atividade remunerada". 
Sim, pois como os aposentados revelam, as atividades não remu-
neradas não possuem o mesmo sentido de produtividade.^*' 
Se concordarmos com a definição de produtividade como ação 
autónoma do individuo, a fim de fazer pleno uso de suas forças e 
concretizar suas potencialidades, seremos obrigados a admitir que 
a maioria das pessoas é na realidade improdutiva, embora esteja 
em constante atiridade. O individuo pode ser ativo anesar de não 
ser o verdadeiro aior, já que não exerce controle sobre os deter-
F R O M M (1S"1:79) constata confusões, atual.mente. em tomo do terano produ-
ti^ndãde que, segando ele, muitas vezes é corJundído com atividade e produtivo 
com ativo. Acha que embora os dois lermos possam ser usados como 
sinónl.mos «na a c e p ç i o moderna aUvidade indica amiúde exatamente o oposio 
de produUvidade. > 
78 
analisado neste texto, é aquela que decorre da ansiedade e da fuga 
ao tédio e à solidão." , 
Portanto, a atividade produtiva só é possivtl num contexto em 
_qu£ haj¥ liberdade, segurança económica e ur.ia at:vidade sòclgl 
"em.!quelõ.Jrah^^ possa ser a manifestação_sjgnificativa. das h l ^ - ' 
li'ddes_do homem. 'E considerando que estamos amáz bem distantes 
de úmã sociedade deste tipo, posso concluir que há realmente um 
grande equivoco na concepção de produtividade que prevalece 
entre nós. 
Após tudo que foi discutido poderíamos questionar-nos sobre o 
significado do trabalho predominante em nossa cultura. A resposta 
que encontrei ao analisar todos os dados obtidos, é que o trabalho 
transformou-se no centro da vida das pessoas.^ Tudo parece girar 
em torno dele: a maior parte do seu dia, a pessoa está trabalhando 
e quando pára, ela descansa a fim de recuperar suas energias e 
retomar suas atividades. Seus momsntos de folga só se justificam 
como um descanso, um prémio pela áedicação ao trabalho, para que 
possa retomar e produzir mais ainda. O valor supremo na nossa 
cultura é o trabalho; todas as outras dimensões da existência estão 
a ele submetidas, ou simplesmente psrderam a importância. O indi-
víduo espera que sua atividade pronssional venha suprir todas as 
suas necessidades e possibilitar a sua total realização. Tudo con-
yerge para o trabalho, este poderoso mito da sociedade industrial 
moderna. • ~ 
O si^ificado do trabalho para o índio Maxakali 
O principal objetivo deste contato foi conhe.-.er o -jignificado do 
trabalho numa cultura bastante diferente da nossa, le i i te i compre-
ender como o povo Maxakali rive o trabalho, como reproduz sua 
existência e o que significam para ele as formar, de ])rodução ado-
tadas. Não era minha intenção fazer um estudo comparativo entre 
as duas culturas e, sim, buscar maiores subsídios para facilitar e 
enriquecer a compreensão da nossa sociedade, que permaneceu como 
o meu objeto de estudo. Acredita\'a que o contraste entre as 
duas sociedades radicalmente opostas só poderia enriquecer minha 
anál i se ." 
' F R O M M (1974:79) cita outro exemplo: â atividade baseada na s u b m i s s ã o k 
autoridade que determina seu modo de rea l ização e conteúdo , assim, como 
seus resultados. A atiridade que se baseia em algo mais elevado como Deus 
ou dever. 
Nas palavras de Vl^EBER (1967:113), «o mais Importante é que o trabalho 
consUtul, anies de mais nada, a própria finalidade da vida>. 
Foi um contato multo rico, apesar de reduzido, pois pude conversar com os 
próprios Índios sobre o seu trabalho e t a m b é m o b s e n - á - l o s alg-unnas vezes 
79 
o índio Maxakaii \nve o trabalho de uma forma bsstante irre-
gular, não se prendendo a uma a';JvJdade apenas, '.-len tampouco 
repetindo as m*esmas tarefas em dias ccnijcj^.ivos, Todos sabem 
fazer um pouco de tudo: plantam, fazem artesanato e, às vezes 
caçam e pescam. A terra é propriedade comum, senco jtilizada por 
grupos familiares que a cukivam e mudam freqiJenl.emente o local 
de plantio, depender.do de onde estão habitando no momento. 
Plantam, em geral, feijão, batata, milho, etc... O aiTOz é muito 
pouco cultivado; apesar de possuírem um bom tipo de terra para 
o seu plantio, os índios acham muito trabalhoso lidar com este tipo 
de cultura. Eles rejeitam qualquer plantio que dê muito trabalho, 
preferindo cultivar o feijão que não apreciam muito, vendê-lo e 
comprar o arroz. .Além disso, não trabalham nas roças durante 
o período do dia em que o sol está muito quente. Eles vão às roças 
somente no começo da manhã e à tardinha. Segundo uma funcio-
nária do Posto Indígena, eles se "dedicam ao trabalho mais de 
manhã quando o sol támenos quente. O restante do tempo dedicam 
ao artesanto. Gostam muito de ficar sem fazer nada, olhando um 
prá cara do outro e coiiversando." 
Este foi um íspacio que ficou bastante eridente durante o meu 
contato com esse grupo, além de ter sido bem enfatizado nas entre-
vistas dos funcionários e nos trabalhos realizados por outros pesqui-
Ei.dores: o povo Maxakali passa a maior parte do seu dia conversando, 
rindo, passeando, nadando, ou simplesmente dormindo.^-» 
Não percebi em momento algum o Maxakali atribuindo qualquer 
valor ao trabalho em si mesmo. Tudo indica que ele percebe o 
trabalho apenas como fonte de sobrerivência: alimenta-se com 
o resuludo do plantio ou da caça e adquire o quí necessita com o 
dinheiro arrecadado com a venda dos seus produtos. Portanto, 
••o tabalho representa para ele um meio para atingir os fins dese-
jados: obtenção de alimento e de outros bens necessários à sua 
sobrerivência. Isto, no entanto, não implica a ausência de satisfação 
enquanto trabalham. Ficou bastante claro que al.-7u..nas ati\ddades 
são muito prazerosas para o Maxakali. Ele' manifesta uma nítida 
trabalhajido. Aiém disso, Uve a oportunidade de entre \ ' i s íar alguns funcio-
nários do Posto Indirena e conversar com outros pesqmsadores que já 
estudaram csLe mes.-no grupo. Conheci t a m b é m o trabilho de Neil Ferre ira 
do Nascimento, onde 8 autora aborda, entre outras coisas, o modo peio qual o 
povo Maxakali vive o seu trabalho ( N A S C I M E N T O , 19S4). 
' u m a colocação feita por N A S C B L E N T O (19S4:61), ilustra bem os aspectos 
abordados até a j o r a : <0 seu esquema de trabalho é irregular. . . O MaxakaU 
pode caçar pequenos animais selvagens, fazer arco e flecha, plantar uma 
rocinha 10 X ^ participar do ritual, mas sem pressa, sem horár io pré-
fbcado, sem preocupação . O trabalho nestas circunslAncias, toma-se descon-
tinuo, irregular, ir.stável. diversificado, quase não se diferenciando do 
divertimento. Pode-se afirmar que o Max2J-:alí trabalha brincando e brinca 
trabalhando. O Ma.\akall. . . p i s s a a rr.iiior pane do tempo conversando, 
comendo ou dormindo». 
80 
preferência pela caça e pelo artesanato, pois a agricultura é uma 
atividade imposta ao grupo após a destruição de sua reserva natural 
de ':aça Como não se prendem por muito tempo a qualquer atividade -
produtiva, dedicando-se a cada uma delas apenas durante o período 
em que ainda não se cansaram, não verifiquei qualquer fadiga 
excessiva, apesar do esforço estar sempre presente em seu trabalho. 
Na verdade, os Maxakalis trabalham sem nenhuma pressa ou preo-
cupação. Como são donos do seu próprio ritmo na execução das 
tarefas, nunca se impõem quaisquer atividades de modo intensivo 
e desgastante. 
O índio Maxakali recusa-se a viver de forma regular, disci-
plinada, obedecendo a esquemas pré-estabelecidos, inclusive de horá-
rio. Uma situação que retratou fielmente esta característica do 
grupo foi a experiência das roças coletivas proposta pela F U N A I . 
Obtive poucos dados a este respeito, porque parece ter sido uma 
experiência bastante criticada na época, o que gerou o receio de se 
fazer comentários. O que ficou claro é que a roça coletiva funcio-
nava dentro de um horário estabelecido pelo agrónomo e cada índio 
teria que dedicar a ela algumas horas do seu dia. Eles recebiam 
como forma de pagamento uma moeda instituída pela TUTsAI a 
que chamavam de"'T)inheiro Azul". Com esta moeda poderiam 
comprar mantimentos numa cantina especialmente criada para isto. 
Picou evidente também que os Maxakalis não se adaptar?.m a esta 
experiência e a FUT\AI resolveu interrompê-la após algum tempo.^ 
O grupo voltou a ser dono do seu próprio trabalho, do ritmo que 
impõe a ele, decidindo sozinho o que irá fazer a cada dia. 
Não percebi, como é frequente entre nós, qualquer sinal de 
culpa por não trabalhar e passar a maior parte do tempo em outras 
atividades não diretamente ligadas à sobrevivência ou, simplesmente, 
sem fazer nada. Isto demonstra que para os Maxakalis, o trabalho 
não está associado a uma questão de consciência ou cumprimento 
de um dever, como ocorre entre nós, mas Simplesmente a obtenção de 
meios para sua sobrevivência, Úm outro aspecto bem evidente em 
nossa sociedade e não detectado neste grupo é a exigência da 
constante produtiridade e dedicação ao trabalho. Ê evidente que 
existem normas adotadas peio grupo no sentido de facilitar o seu 
funcionamento e melhor aproveitamento dos seus esforços, mas sem 
qualquer imposição externa. 
1£ 
Apesar de nâo ter sido possível obsen-ar diretamente a reaçâo do M a x a k a l i 
ao trabalho nas roças coletivas, encontrei um pequeno comentár io de Neil 
F e r r e i r a a respeito. E l a diz que na roça coletiva os Índios trabalhavam 
20 min. e descansavam outros 20, sentando-se no cabo da e.i.-cada. Quando 
o sol estava muito quente, eles abandonavam a enxada e mergulhavam no 
c ó r r e g o . Quanto ao horário de entrada para o trabalho, nunca era obedecido, 
pois esperavam a t é o últ imo companheiro chegar para c o m e ç a r e m . No entanto, 
eram bastante pontuais na salda. (KASCriMENTO, 1984). 
81 
o aspecto que possibilita a este povo river o seu trabalho dessa 
rr-;an';íra è, fundamentalmente, o fato de se contentar cori uma vida 
simples, sem muitas posses, nem grandes exigências materiais, 
trabalhando apenas para obter aquilo de que necessita nd momento. 
Segundo tuna funcionária do Posto Indígena, "eles nãc trabalham 
muito porque não pensam no que vão comer amanhã", 
Por tudo isso, a produção agrícola do Maxakali não apresenta 
nenhum excedente. Trata-se de uma agricultura de subsistência, 
sendo em algun.? momentos insuficiente até mesmo para isso. 
Na verdade, o povo Maxakali rejeita a agricultura por implicar uma 
vida sedentária, além de exigir maior disciplina do trabalhador 
através de atividades mais constantes e regulares. É nítida a sua 
preferência pela caça, pois roesmo admitindo algumas vezes gostar 
da agricultura, quando se perguntava sobre a caça, a resposta era 
claramente positiva e entusiástica.^6 
A dirisão do trabalho não existe, ocorrendo apenas uma leve 
diferença entre o trabalho do homem e da mulher. Anteriormente, 
os homens caçavam e as mulheres coletavam, sendo preservada esta 
tradição quando vão caçar e_ coietar dentro ou fora da reserva. 
Em relação à agricultura, há pouca dirisão, sendo que tanto os 
homens quanto as mulheres plantam e colhem. Ambos se dedicam 
ao artesanato e as crianças, a partir de 12 anos, ajudam nas roças, 
principalmente na colheita. 
Outra característica dessa sociedade, que também demonstra a 
sua grande autonomia, é o fato de não possuir chefes. Não e:dste 
sequer a pala\Ta chefe ou qualquer termo equivalente no seu vocabu-
lário.^" Através do contato com o grupo fica evidente que ninguém 
possui o direito de ditar ordens para os outros. Apeiar das cons-
tantes tentativas dos funcionários da FUNAI em nomear alguns 
índios (especialmente os mais velhos) como chefes dos grupos 
familiares, todos negam a existência de qualquer pessoa exercendo 
este papel entre eles. 
S A K L I N S tairibém co.istatou essa re je ição da maioria das tribos de caçadores 
em relaçâ.0 á agricuJlura, segundo ele. como forma de pro teção do seu tempo 
li\-re. E le constata que multas dessas tribos, embora rodeadas de agricul-
tores se recusavam a intervir na agricultura cpnncipalmente em solos que 
dessem mais trabi iho» . Idem. p. 32, E . de faio, muitos estudiosos do assunto, 
consideram que os caçadores gastam menos tempo para conseguir alimento 
do que os agricultores. O próprio S A K U N S acha que, com o advento da 
agricultura, as pessoas passaram a trabalhar mais: t A quantidade de tra-
balho aumenta com a evolução da cultura e decresce a quantidade de 
descanso .» A Primeira Sociedade de Aluènc la , S . ^ H I J X S apud'CAP.V.-\1.H0, 
1978, p. 40. 
17 .N ' . \SCIMEXTO (1P?4) também abordou este aspecto no seu trabalho citando 
um estudo da língua >!a.\aJ%aU que apesar de terrecolhido 7 mil vocábulos 
nào conseguiu detectar a palavra referenie a chefe. 
S2 
Ao contrário do que ocorre entre nós, o tempo livre parece ser 
prioritário para o Maxakali, apesar de ser difícil estabelecer uma 
.separ;.'ção nítida entre estas duas dimensões. Eles intercalam sempre 
aigama folga na sua atividade produtiva e, às vezes, é quase impos-
sível distinguir se estão trabalhando ou brincando. Um bom exemplo 
disso é quando estão fazendo o seu artesanato. 
O que se pode concluir, ao observar z relação do Maxakali 
com a sua atividade produtiva, é que, ao coctrário de nós, não é o 
trabalho que representa tun valor. O que ele procura preser\'ar 
a todo custo é uma jornada curta de trabalho. 
Essa total ausência de valor e de exaltação ao trabalho neste 
grupo merece uma reflexão maior. Será por mero acaso que numa 
sociedade onde o trabalho não é uma mercadoria e que, portanto, 
não é utilizado como meio de obtenção de bcro, não existe a sua 
valorização e centralização na vida das pessoas? É evidente que não 
é casual esta diferença encontrada entre as duas culturas. Como 
também não é casual o fato de ter deparado em culturas avançadas 
tanta ansiedade, tédio e solidão, que as psssoas tentam evitar 
através da atividade excessiva, enquanto na sociedade Maxakali os 
indivíduos permanecerem por tanto tempo sem trabalhar, sem que 
se rislumbre qualquer um destes sentimentos. Conforme abordei no 
inicio deste trabalho, as mudanças radicais safridas por nosso sis-
tema produtivo, acompanhadas de grande evolução tecnológica e de 
revoluções no nosso sistema politico-econômico, afetaram o homem 
moderno e a sua relação com o trabalho. Acredito que tais mudanças 
atuaram também no sentido de tomar os indivíduos solitários, 
ansiosos e angustiados. Numa sociedade primitiva, como a dos 
i'laxakalis, onde nenhuma dessas mudanças ainda ocorreu, conheci 
pessoas bem mais saudáveis, cujo equihbrio emocional está baseado 
num alto grau de liberdade, acompanhado de pouca preocupação 
com o futuro, ausência de ansiedade e culpa. Outras evidências deste 
equilíbrio são a inexistência de doenças psicossomáticas tão comims 
em nosso meio e, até dentro do que me foi possível verificar, a 
ausência total de suicídios.^ 
Conclusão ^, 
Uma questão que permanece, após conhecer a sociedade Maxa-
kali, é se a perda quase total da liberdade e do prazer é o preço 
que teremos de pagar por todo o avanço alcançado pela nossa 
civilização, ou se nã"õ~êsTãiTi6's Sabendo usufnilr geie senTnos prn;;ar 
destas dimensões tão fundamentais. Acredito na segiIifaáThipótese. 
15 
Apesar dessas c o n s t a t a ç õ e s , percebi que o grupo já apresenta algumas 
desordens emocionais, facilraenie atribuíveis ao c o n l í t o com os c;brancos:' e 
aos e s f o r ç o s que estes t é m feito para integrá-los à lossa cu l tura . 
S3 
pDis observo que ape'sar de já possuirmos todos os meios necessários 
jura criar uma existência confortável, segura e livre, vivemos tensos, 
inseguros e preocupados com a nossa sobrevivência. 
Talvez um dos pontos centrais para explicar este fenómeno, 
esteja no modo como tratamos a questão da necessidade em con-
fronto com as sociedades ditas primitivas. O que percebi no contato 
com os Maxakalis é que as pessoas contentam-se com muito menos 
bens materiais do que nós e, por isto, não necessitam dedicar-se 
excessivamente ao trabalho. Trata-se de uma comunidade que nâo 
se baseia na premissa de trabalhar mais, para ter cada vez mais e 
garantir o dia de amanhã. Ao contrário, a premissa básica de sua 
existência é trabalhar pouco para poder viver mais experiências, 
diversificar suas atiridades e conriver mais intensamente com os 
companheiros. Tudo isso, sem qualquer preocupação com o futuro, 
pois o Maxakali centraliza sua vida no presente.^ 
A nossasoçiedade,. assim como todas.as.5Qciedades.capitalistas-
mpdernãs, apesar de possuir grande de recursos, _organiza a sua 
economia numa premissa de escassez: 
"O sistema ã-c mercado industrial instituiu escassez de modo 
jamais visto em qualquer outra parte. Onde a produção e 
distribuição são organizadas através do comportamento de 
preços, e todos os meios de vida dependem de ganhar 
• e gastar, a xnsujieiéncia dos meios materiais toma-se o 
ponto de partida explicito e calculável de toda atividctde 
económica." ^ 
Ora, parece-me que aí está a questão fundamental: a nossa 
economia é, em grande parte, baseada na criação de necessidades, o 
que exige constante esforço e o uso do trabalho e dos recurõos 
disponíveis até o seu limite máximo para obter a sua satisfação. 
Passamos praticamente toda a nossa existência tentando satisfazer 
necess idãdêr^gl ta .r vezes.anifídalm_ente""j^riãdas a fim de nianter 
o equilíbrio de um sistema que se baseia ná'supeirpròdução" e no 
S A H L I N S diz que há duaí formai de a f luênc ia : A s necessidades podem ser 
facilmente satisfeitas se.]a produzindo multo, seja desejando pouco. Sobre 
esta ú l t ima possibilidade ele se refere à concepção 2 E X de riqueza, dizendo 
que nela «as necessidades humanas materiais sâo finitas e poucas, e os 
meios técnicos invariáveis , mas no conjunto adequados>. Portanto, sob este 
ponto de \^sta, podemos usufruir de a b u n d â n c i a material sem paralelo, com 
baL\ padráo de %-ida. E o que, segundo S.AJÍLIXS. se apUca à sociedade 
de caçadores analisada no seu artigo: tli\-rcs da obsessão de escassez do 
.mercado, as propensões da economia dos c a ç a d o r e s talvez se fundem mais 
consistentemente na abundância do que as de nossa e c o n o m i a » . S A H L I N S 
apud C A P . V A L H O , 297S. ?• 6. 
^ " s . U Í U N S apud C A P . V A L H O , 197S. p. 10. 
8é 
sup_e£Sflns.umo- Criamos uma sociedade._g.uje_áepende cada vez mais • 
da^ constante procução e do consumo do supérfluo, mas que apa-"" 
rent.3 rranie eficiênciTi 
"Contudo, o próprio vigor e eficiência dessa ordem podem 
se tornar fatores de desintegração. A perpetuação da 
cada vez mais obsoleta necessidade de trabalho em tempo 
ijitegral (...) exigirá o crescente desperdício de recursos, 
a criação de empregos e serviços cada vez mais desneces-
sários e o crescimento do setor militar e destrutivo." 
(^LAJRCUSE, 1981:21) 
Marcuse aponta nesta observação um aspecto de fimdamental 
importância na questão que estou tratando: a necessidade de tra-
balho em tempo integral. Concordo com ele, quando qualifica esta 
necessidade como obsoleta, pois acredito que ela se baseia na propo-
sição da escassez imposta aos indivíduos, levando-se a se dedicar 
intensamente ao trabalho e abrindo mão do prazer e da liberdade. 
Acredito, também como Marcuse, que este argumento de escassez 
já não tem o menor respaldo diante de todo o conhecimento e 
controle da natureza alcançados pelo homem. Ajnbrp^a ĝ ê consta-
tamos JiDs..dias atuais, não se deve à escassez de recursos materiais, 
mas decorre, sobretudo, _da_..maneira conio_s.aft_distrJb-Uí3crs e uti-
lizados. Creio, portanto, que as necessidades que o homem moderno 
j busca satisfazer através da dedicação excessiva ao trabalho, podem 
Iser artificialmente criadas, porque servem aos interesses e às insti-
•tuições vigentes. 
Toma-se necessário criticar a lógica de uma economia baseada 
na constante ameaça de escassez, impelindo os indíriduos a uma 
produtividade intensa, cujos resultados não são medidos de acordo 
com o grau de satisfação que proporciona aos seres humanos e, sim, 
em termos dos lucros que gera.=i 
O que se considera entre nós um bom resultado do ponto de 
vista económico pode ser algo essencialmente contrário ao bem-estar 
do homem. E o que é pior: todo o impulso para produzir crescen-
temente não pode ser evitado por nenhimia empresa capitalista, 
porque existe a necessidade de expandir seu capital e os retarda-
tários acabarão sendo punidos devido à concorrência. Isto leva à 
necessidade de manter e alimentar altos niveis de produção, apenas 
porque os lucros devem aumentar e novos produtos serem lançados 
no mercado, a despeito de sua realutilidade para o homem. 
Segundo BPwA.\"ERMAN (1981:178), ca produtividade crescente do trabalho 
n io é buscada nem utilizada pelo capitalismo do ponto de vista da satis-
fação das necessidades humanas. Peio contrário , aclonada pelas necessidades 
do processo de a c u m u l a ç ã o do capital, toma-se um impulso frenét ico que se 
assemelha a uma insanidade mental genera l i zada» . 
6Õ 
•nnura com a cc-!uniãade_ MaMakali 
Ao confror.iar a r.ossa cjllura com a !^I,Í:Í:A.Í,^„^^^ 
uma quesião E'jrge insvitaveiraente: iodo o avanço tccncic.viro .-tue 
conquisLamos, representa realmente uin beneíicio para a humanidade •' 
ou deixamos para irás áirrí-ir.sõss tão rundameniais que nos levariam ' 
a desejar ura reconi-',.;o? No entanto, uma discussão que se baseia 
r.um pòssívc! retrocesso poderá ser inútil, já que se trata a meu ver, 
de uma posição iniénua, ou até mesmo, indesejável. Acredito que 
imoorta realmente neste morrrenío, discutir as possíveis formas de 
reorganização do nosso sistema produtivo, de rcodo a resgatar as 
dinner.sões de nossa existência que tanto temos negligenciado. 
Cí Maxakalis nos sostram um possível caminho, quando se apre-
senta como um grupo que nâo fragmenta seu cotidiano, vivendo suas 
atividades dentro de uir.a totalidade, onde nenhuma se apresenta 
no superior às outras. A primeira lição que nos oferecera é de 
' ' *' r,r,cs:a nuaiidade de vida 
se nos u-î ,,.. 
poderemos redescobrir e valonzar outiaa ^ 
essenciais, Aléno disio, este povo nos ensina que nsnhuma de Lais 
dimensões deve ter ur:a posição de destaque, subcrdinanco as outras 
e, sim, que é precise buscar um eçuilibrio entre todas elas. 
Acredito que somente nestas circunstâncias será possível des-
cobrir no trabalho o prazer e a realização que ele pode verdadei-
ramente proporcionar. Para que isto ocorra, toma-se fundamenta.) 
repensar toda a estrutura na qual se baseia nosso sistema produtivo. 
Co*.'no disse anteriormente, no .niodo de prpQjjçio_çaD^ tudo 
é organi.~ado de forma a cciocar d trabalho no ce.-.tro._ao'sisflfrnã" 
scTcláT.'Portanto, muitas mudanças d;ve.T. ocorrer para aue ele rezorne 
a sua real posição na nossa exisiéncia. Xeste caso" .passaremos 
novamente^a perceber,o_trabalho socialmente necessário como urríã 
fonte de sobrevivência, eF/DÓrár^istOi-nio irripeça qiie'"ele' possa" ler 
vivido de iirrraTnianéira "nfáis livre e prazerosa dentro dos limites 
imcostoE por uma sociedade industriai avanç2da."'Alêm'disto, teremos 
oportunidade, jde_buíçar_nas_.p_^ reali:acão 
pessoal. " 
Um segundo aspecto que deve ser modificado, para c.̂ -iar condi-
ções de concretizar o primeiro, é a duração da jornada de trabalho, 
pois iicredito que so.meníe CO.TÍ a sua acentuada dim.inuição é que 
o homem poderá res-̂ abelecer o contato com a.s outras áreas de sua 
vida que tem ignorado. Este é um procss-o já iniciado na Eurona, 
onde vários países já adctaram a jornada semanal de 35 horas, aiém •das férias proionH:av.^-
. — . ^ H.iihsr.ie dentre e'5E. P^^' 
. possibilidade ̂ j e ^ ^ ^ ^ r ^ , . - U b i n n ç ã o == t J K ^ t e 
S6 
i\'aturaimenl°. tudo isso im.pii£2^u_ma mudança toial na jógica -
q-e_ tírri. prevaiecidcwia organização do nosso sia'i.e.T.a económico. 
Além disto, as propostas que apresento neste texto não :;io acabadas 
e gostaria que fossem percebidas como sugestões para serem refle-
tidas, podendo orientar-nos no encontro de soluções mais duradouras 
no futuro. Gompartilho da opinião de Gorz quando diz que "na 
fase atual é preciso ousar, colocar questões para as quais não se 
tem respostas e levantar problemas cuja solução ainda está para 
ser encontrada" (GOP^, 19S2:22). 
Devemos pensar as possíveis formas de ^i^biIizar a sociedade 
de tempo liberado, sem esquecer que já existe um avanço nesta 
direção, pois uma das reirindicações centrais áos trabalhadores do 
mundo inteiro tem sido a diminuição da jomadi de trabalho. Como 
disse logo acima, em alguns países industrialmente avançados, já é 
possível verificar uma jornada bem inferior à sossa, sem prejuízo 
para a produção. Além disso, se a preocupação for produzir para 
satisfazer as necessidades reais do homem, qualquer sociedade, 
m.esmo aquela em estágio inferior de Qeseni'QMmento industrial, 
poderá organizar seu sistema produtivo de fcrma a permitir ao 
trabalhador maior equilíbrio entre o tempo livre e aquele dedicado 
ao trabalho. 
Não é meu objetivo discutir aqui todos os aspectos que envolvem 
a questão da automação, j á que se t r a t a de uma problemática 
especialmente complexa e que exigiria um aprofundamento maior. 
No entanto, é impossível deixar de abordar este problema, pe lo 
menos num aspecto que afeta mais diretamente ã questi.o que estou 
tratando. Tudo indica que a automação levará a humanidade à 
necessidade de tomar uma decisão inevitável, já que o desemprego 
tende a aumentar e será praticamente impossível restabelecer o 
pleno emprego através das medidas tradicionais..— Port£jto, a libe-
íâM.0^0 "temno do trabalhador-não é apenas uma altèrBativa xalida. 
mas também uma imposição do avanço tecnológico, pois, diminuindo 
b" tempo de digicacão individuai a atividade proáutTva, SivêrzJXJS.-
bâiho pãrra—tgdQs.. Desta fõfma, o trabalho sodãlminte necessário 
sêHã~c[Tstnbuido entre todos aqueles que desejassem trabalhar, 
eiuniaando a sua centralização na rida dos indíviduos e perm.itindo 
a escolha de outras atividades de acordo com interesses pessoais. 
Acredito que somente desta fo—na, o homem poderá desenvolver 
melhor suas potencialidades e restabelecer o comato consigo mesmo 
e com D outro. 
substituivel. possibililaTido um rodízio através do çua! caòa um poderá 
dedicar-se aper,as uma média de 2 horas por dia i s tarefas mdustríais , 
podendo fazer do resto do seu dia o que bem desejar. (GORZ, 3PS"). 
Segundo (GORZ, 39S2:lJ-2!, <a aí temativa está entre ELE duas formas de 
gerir a abolição do trabalho; a que leva a uma socedaõe de cesempreg"0, 
e £ que leva a uma sociedade de tempo liberadoj. 
87 
Não cos podemos esquecer também que o momento atua! é 
iica! para viab:'Í7,ar a libcr.-ção do tempo do trabalhador, pois 
a civilização encontra-se numa fai;e em que o pleno uso cios seus 
recursos poderá ser ccncretizado cem o mininao esforço.^ 
No entanto, é necessário pensar em a"gumas possíveis difi-
culdades na implementação destas propostr.s, que não têm sido 
consideradas pelos diversos autores que as defendem. Considero a 
principal delas, a dependência que muitas pessoas já estabeleceram 
em relar.̂ .o ao trabalho, pois canalizam, para ele suas frustrações e 
GÍficu!ãÀ_ies emocionais. Quero Sizer que o trabalho conforme se 
tnconí^-a estruturado também é útil ao trabalhador, pois facilita 
a sua fuga, sendo este um aspecto que poderá dificultar sua ade-
quação a uma sociedade de tamipo liberado. Esta problemática foi 
claramente expressa pelos aposentados: a liberação do seu tempo, 
ao invés de se cor.st;t-uir em um prémio, passou a representar uma 
punição. Portanto, a minha sugestão é de que tal "mudança seja 
entendida como um processo, pois sendo o trabalho um valor supremo 
na nossa cultura a aceitação de uma menor dedicação a ele implicará 
uma reformulação de valores. E a meu ver, isto demanda tempo 
e método. 
O fato do trabalhe ser tão exaltado na civilização moderna, 
acarreta uma outra dificuldade para a concretização da sociedade 
de tempo liberado: as outras áreas da existência não possuem o 
mesmo valor e dedicar-se a elas não tem idêntico sentido da dedi-
cação à profissão. Voltamos novamente ao problema dos valores. 
Ora.^jo_estam^es^^ pela, 
base__económjca, i£toé^slo_modo_d£_organiz3^ 
prO'áutivo. ~Em outras palav-ras, o modo de produção capitãhsta 
sustenta-se.em grande parte, através da dc-terminaçio de uma ins-
tância ideológica, mantenedora de valores ccmo aoueles que atuam na 
.reprodução do significado do trabalho e, portanto, na perpetuação 
de uma sociedade de trabalhadores.^ Finalmente, checamos' à 
maior de todas as lições "oferecidas pelo povo Maxakali:uma socie-
dade que se baseia numa ordem económica justa e igualitária, onde 
não existe uma classe explorando e subordinando a ou'tra. não precisa 
cultivar falsos mitos para garantir sua continuidade e eGuíIibrio. 
MARCX'SE (19S11 diz que s6 a ordem da abundÊ.ncÍE é compatível com a 
liberdade e que .̂ o grau de maturidade aicançado pela civIliEãç&o atual. jé 
é possível saUsfaiier as necessidades básicas do homem, com um dispêndio 
minimc de energia física e mental, ocupando um espaço mínimo de tempo. 
Esíou-me referindo à concepção mands-.^, segundo a qual toda sociedade é 
constituída por instancias ar:icu:ad£= de acordo com determinações espe-
cificas: a Lníraestrutura ou base económica (unidade de forças produtivas e 
relações de produçãoi e E superestrutura que compreende doL' niveis ou 
ListÍLncias: a jurídico-poiiUca (o direito c o Estado;Í e a ideológica (ideologias 
rsligiosa, morai, poíiUc..'! etc) Através dss"^ representação, é possive- IrJerír 
que a superestrutura é determinada peio çuè ocorre na base económica,. 
ss 
Referências bibliográficas 
3.^C0Ll^vI, Lii.f,. o Trabalho KI àcr.iocrucia: filosofia do trabaLho. Bra^íilla. Ed. da U N E , 1981. 
E S R G E ? . . Peter. A!,?umas obser.-açôes gerais sobre o problema do trab;.'ho. 
P.rctslc de Admir.istração ce Empresas. RJo de Janeiro, 23{2): 13-22, 
jan/mar, 19 53. 
ER. i ,VEPJi l .A.K. Harrj- . Trabalho e Capital monopolista. Rio de Jaiieiro. Zahar Editores, 1931. 
C A R V A L H O , E c j a r Assis. Antropologia económica. Sâo Paulo, Li^-raria Editora Ciências Humanas, 1978. 
FROMM. E r i c h . Analise do homem. Rio de Janeiro, Zahar Editores. 1974. 
FR.OMM, Er ich . Medo à Uberdade. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1S77. 
GORZ, André. Adeus ao proletaricão: para além do socialismo. Rio de Janeiro, Forense Universitário, 1982. 
H E R S E T , Paul. Piicolopia para administradores de cmm-esas. Sâo Paulo, E .P .U. , 1977. 
L L A F A R G U E , Paul. O direito à preguiça e outros textos. Lisboa, Editorial Estampa, 1977. 
JÍAPXX7SE, Herbert. £ r o s e Civilização. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1981. 
J L A R C X S E , Keroert. Ideologia da sociedade industrial: o homem uiUdimen-
sional. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1978. 
N.ASCEiIENTO, Neli Ferre ira do. A luía peJo sobreutuéncia de uma sociedade 
tribal do nordeste mineiro. São Pauio. Universidade de São Paulo, 196-1. 
(Dissertação, Mestrado). 
P A U L O n, João, Papa. Sobre o trabalho humano: Carta Encíclica Laborem 
Exercens. Dccumentos Pontif ícios. Petrópolis, Vozes, 1982. 
W E B E P ^ Max. Ã ética protestante e o espirito do capitalismo. São Psuio, Ljvraria Pion.-ira Editora, 1967. 
89

Outros materiais