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ti O Sis^nificado do Trabalho Humano Ma-na Elizabeth Ârdunes Lima''- Introdução Historicamente é possível verificar uma evolução na concepção a respeito do trabaJho humano de acordo com o modo de produção predominante e as relações de trabalho geradas a partir dele. Obsen,-ando todas as etapas da evolução dos sistemas produtivos, podemos concluir com certa facilidade que até o início da chamada Era Moderna, o homem trabalhava essencialmente pela sua sobre- vivência material. Em outras palavras, tudo indica que, apesar de ter sido mais ou menos valorizado em determinados períodos da histó- ria o tra.balho significou, até o início do capitalismo, mna fonte de sobre^^vência para o individuo. Com a evolução da sociedade indus- trial moderna, o processo de trabalho-sofreu radicai; transformações, tanto uas seus aspectos estrutiirais quanto ideolój-icos,,-' o que tem possibilitado a emergência dei interrogações sobrí os seus novos significados. Alguns autores têm estudado essa problemát ca na tentativa de obter uma resposta realmeâtfi satisfatória. Um primeiro grupo concluiu que trabalhar para o homem moderno transformou-se niima mera venda do seu tempo, não importando a quem ou para o que seja. O que importa é o resultado económico, já que o tipo de tarefa que executa não tem o menor sentido. Neste caso, o que parece importar realmente é a sobrerivência material, o que implicaria a permanência do significado de trabalho anterior ao capitalismo. Professora Assisienie da Faculdade de Ciências E c o n ó m i c a s da L T J I G . I.Ic3tre em A d i n i c i s t r a ç á o peli L T F M G . ; B C T . G E R (19S3), cita duas dessas traasformaçftes que considera determinantes no problema da busca dos novos significados do trabalho: i extrema intensi- f i c a ç ã o da divisão do trabalho, a través de qual o trabalhador fica ú n p e d i d o de se relacionar com o processo total de trabalho; e a secular izaçâo do conceito de v-ocaçâo, que passa a exigir total comprometimento do indiriduo, canalizando todos os seus e s f o r ç o s no sentido de alcançar a reaí izaçào rnixiraa de sua vida a t r a v é s do trabalho. A lém dessas duas t rans formações , acrescento a perda do produto pelo trabalhí-dor. 69 No entanto, um segundo grupo de autores admite uma mudança radical "na relação do homem moderno com o trabalho. Vv^EBER (1967), um dos precursores deste grupo, constata uma reavaliação _ do_trabalho dentro. dQXXÍstianjsmp_,..a4iandr.ca„Rè^rmã yroiastai.te, guando""passa' a represe_ntar,p:.cuniprjmejjto d e ^ ^ 'dever £_a busca dêTe"áIl2á"çãã.~Tudb indica oue, 2. part i£ deste mpniento profissiòh.áillpiisõu^á^^t^^^ signíBcado' intrínseco 'e" o trabalho deixou de ser um meio, lornando-se umTim''em slmesm^^ No prêienl¥~ãítígõ7~preTin^ di'scutír"ãrgumas das conclusões a que cheguei após um estudo sobre as concepções que prevalecem na sociedade capitalista moderna a respeito do trabalho humano. Ao iniciar este estudo, acreditava como os autores do segundo grupo que o significado do trabalho para o homem moderno não se res- tringe à sobre\'ivência material, tendo sofrido modificações junta- mente com as radicais transformações ocorridas até 'chegar ao atual modo de produção. Decidi abordar esta problemática espe- cialmente complexa porque estava ciente de sua importância e da carência de estudos voltados para a sua compreensão.^ Analisando os dados fornecidos pelas diversas categorias pesqui- sadas percebi alguns aspectos comuns a todas elas, os quais considerei como o sentido geral atribuido ao trabalho na nossa sociedade. Tal generalização foi possível graças à escolha de uma população abrangente, pois estudei várias categorias profissionais, além de grupos que estão fora do sistema produtivo, como as crianças e os aposentados. Além disso, estudei uma comunidade indígena< que estabelece luna relação com o trabalho nitidamente diferente da nossa, o que acrescentou muito à minha compreensão de como percebemos e vivemos o trabalho. Inicialmente, abordarei a visão do trabalho em nossa cultura, logo após a visão dos Maxakalis e, finalmente, falarei das conclusões a que cheguei ao confrontar as duas realidades. O significado do trabalho human) na nossa sociedade Um aspecto comum a todos os grupos pesquisados e que reflete um dos principais significados do trabalho na nossa sociedade ia_relaião_entrêJ-tividade^ e cumprimento.de um dever. O trabalho deve ser bem execúfãad;"dé forma disciplinada e eficiente, para que o indi\'iduo sinta-se em paz consigo mesmo. Neste sentido, percebe-se que o trabalho, em nossa cultura_rLeEre_seiLta-Jim_xalqr'̂ mórã^aiiS^_de ce.rtaj .ojina.-±jepassadãaa.ín^i 'duo que o exeputã, 'o estudo abordou uma população const i tu ída de diversas categroiias: Crianças rde classe operária burguesa), operários , trabalhadores de escritório, exe- cutivos, profissionais e aposentados. F o r a m entrevisUdas 222 pessoas. ^Estudei o snipo indigena Hajcakali, localizado no nordeste de JDnas Gerais. 70 iiim outras palavras, aquele que se dedicar de forma intensa e disciplinada à sua atividade profissional, será mais valorizado social- mente. Além da sobrevivência material o trabalho passa a implicar uma sobrevivência moral. Independentemente do ssu cout^rjdo, dos óbjetivos que visa atingir, do prazer que proporciona a quem o executa, o trabalho representa um valor. £ um valor em si mesmo.^] Observando a evolução do capitalismo, percebe-se que esse senso de dever e todo valor atribuído ao trabalho desenvolveram £.0 mesmo tempo em que este mesmo trabalho foi-se empobrecendo, perdendo o seu conteúdo, e tomando-se, para a maioria das pessoas, mecânico e rotineiro. Parece ter sido necessário encontrar uma outra Justifi- cativa p&ra''Xlledicação ao trabalho, já que a execução das tarefas liêrdêu seu sentido em quase tooas as atlvrdã3?s'"p"ro'fÍ5SÍonaIs'r É õ cumprimento' de um dever para consigo""inésmó' e com "a' sociedade mostrou-se uma excelente justificativa, pois até mesmo o trabalhador mais insatisfeito com as suas tarefas admite, por outro lado, estar feliz porque sua consciência está tranqiiila e sente-se útil à socie- dade. Ele está plenamente convencido de que o trabalho, repre- sentando um valor tão superior na nossa cultura, por mais simples que sejam suas tarefas, um pouco deste valor é repassado a quem as executa. Mas, afinal, o trabalho representa realmente um valor em si mesmo? Acredito que esta seja uma questão que mereça uma reflexão maior. 2 interessante observar como evoluiu este significado e a que tipo de interesse ele veio atender. O trabalho transformou-se nima dever, num valor moral somente com a evolução do modo capitalista de produção. WEBER (1967) afirma que a tradição predominante na era medieval percebia o trabalho como ilgo eti- camente neutro, mas que à medida em que evoluía o cap.talismo, através dos diversos desdobramentos, a 'v isão do trabalho foi-se modificando e este passou a ser qualificado moralmente.^ ' F R . O M (1974:224) diz que o hoaem moderno nâo poderia trabalhar somente movido por necessidades extemaa, j i que o moderno sistema Industrial i m p õ e que a maior parte dé sua energia seja orientada para o trabalho. E le deve ser impelido para o tmbaJho «través de outros mecanismos: <em vez de obedecer a autoridades externa» ostensivas ele construiu uma autoridade Interior — c o n s c i ê n c i a ou dever que a ç e mais eficazmente para contro lá - lo do que qualquer autoridade exteina poderia fazer.> \N (1981) cita S C H E L E R como um autor que neg^ este valor do trabalho em sl mesmo, colocaado-o como cneutro a toda Idéla de dever, de princípios e fins fundamentais que possam estar na base da vida soc ia l» (p. 47) . O próprio Bagolini diz que a palavra a l e m l A R B E T T E N ( T r a b a - lhador) n&o implica e m sl mesiaa a realizaç&o de u m a meta, nem um Ideal, *mas simplesmente uma atividade arracional. Idealmente neutra e, podemos dizer,emplrica> (p. 44 ) . Resume, enfim, que para S C H E L E R ca qualidade moral do trabalho n&o e s t á no próprio trabalho, mas depende dos sistemas de fins e da organlzaç&o moral e jurídica noa quais o trabalho estA inserido. 71 Obseixálido a evolução do ;^rop.esso_àe_JrabaIho_capitalista, p°rffbr>-!:e também que^a_jneQida em que o homem é desvaJõnzacíi) neste.-PXOcesso,_xnaior-valQr_£5tHBu'íaF'̂ ^^ ji_mesmo. Em outras palaNT^s, enquanto o trabaíhad'or foi-se tornando mais desvalorizado o trabalho foi assumindo um valor cada vez maior, . independentemente de quaisquer fatores presentes no seu modo de organização. E ainda mais: verifica-se uma tendência de se valorizar , qualquer tipo de trabalho pelo simples fato de ser trabalho, ou seja, todas as ati^^dades profissionais passam a ser consideradas essen- cialmente iguais em importância. Desta forma, se as pessoas acreditarem nessas ideias e se não necessitarem de muita vigilância, porque elas mesmas se encarregam disso, alguns dos principais óbjetivos do modo de produção capi- • talista estarão plenamente atendidos: todos dedicando-se exces- sivamente ao trabalho, preocupados com a eficiência e sentido-se bem por estar cumprindo seu dever e sendo valorizados sociahnente___̂ por isto. Outra mudança de fundamental importância ocorrida com o capitalismo, foi a transformação do trabalho em mercadoria, ou seja, é somente neste momento da história que surge uma grande massa de pessoas "li^Tes" para se oferecer no mercado em troca de um salário. Pela primeira vez na história o homem está li\Te para vender sua força de trabalho a quem desejar. Mas o capitalista ao comprar esta força de trabalho não possui controle sobre a sua qualidade e quantidade. v:;;* "O que ele compra é infimto em poteiicial, mas limitado im SIM concretização pelo estado subjeiivo dos trabalhadorrs, por sita história passada, por suas coiidiçôes sociais gereis sob as quais trabalham, assim como pelas próprias corn\i- çôes da empresa e condições técnicas do seu trabalho." (BRAV'ER.\L\N, 19S1:5S) Portanto, ao alugar seu tempo ao capitalista para que este possa utilizar sua força de trabalho, o trabalhador irá dedicar-se às tarefas de acordo com a sua disposição pessoal, ou seja, vai depender do quanto ele estará convencido de que tal dedicação será válida para si mesmo. Quanto mais convencido estiver o trabalhador a . este respeito, mais empenhado ficará na execução de suas tarefas e menores os problemas para o capital gerenciar sua força de trabalho. Ao perceberem_o_tra_balho_como um valor independente ^das,tarefas 5ue_o_£ÇÍmj)õem,, daquilo que visa produzir e dos seus efeitos sobre si próprios e_ sobre a sociedade em geral, os individues estarão contribuindo para a solução de um problema básico do capitalismo: o de obter a plena utilidade da força de trabalho. 72 Nos depoimentos apresentados pelos diversos grupos por mim estudados praticamente não se constata qualper crítica ao tra-- balho e.-Ti si. Muitos trabalhadores manifestaram insatisfações rela- tivas às suas tarefas ou condições sob as quais as executam, mas tal constatação não afeta o valor atribuido ao trabalho em geral, nem a satisfação pelo'dever cumprido. Isto foi percebido, até mesmo entre as pessoas que trabalham sob condições muito criticas, como os operários e alguns trabalhadores de escritório. A grande maioria das pessoas percebe a ati\'idade profissional também como fonte de realização, caracterizando um outro signi- ficado do trabalho em nossa cultura. É interessante observar que à medida em que avançava a divisão do trabalio nas organizações, atingindo até mesmo os postos mais elevados, evoluía também a ideia de que o trabalho deve possibilitar aos indivíduos a sua realização profissional ou, até mesmo, pessoal. Em outras palavras, desde que estejam satisfeitos profissionalmente as outras áreas de suas \ndas passam a ter uma importância secunòária. É o trabalho sendo traduzijio como a principal dimensãqda existência humana, exigindo uiriá dedicação absoluta por paTte~ToTTndivi"duos! 'Grã, é evidente que tais aspectos são inteiramente contraditórios, pois o avanço da divisão do trabalho reduz enormemente as chances do trabalhador encontrar na sua ati-vidade profL<sional uma fonte de realização. Um autor que demonstra como esta ideia foi-se processando desde o início da história ocidental moderna é 'R^BEE. (1967), quando aborda a mudança do conceito medieval de vocação religiosa para o conceito moderno de trabalho secular como vocação. Elie observou que esta última concepção a respeito do irabalho, f irmou-se apenas após a tradução da Bíblia feita por Lutero, pois, a partir daí, vocação passou a ser uma ordem divina sendo "escolhidos" aqueles que se dedicassem a ela de modo sistemático, exclusivo e eficiente."' Portanto, verifica-se oue _ paralelamente ao avanço da divisão do trabalho e a pefcla_da"noção do produto, desenTOiyeu ŝe a ideologia da secularização'âo conceito de yocaçãoT^ S e g w d o B E R G E R (1983:16), a partir dessa traduçi», trabalhar toraou-se t n à o somente um dever religioso a ser fielmente cumprido, mas t a m b é m um chamado no sentido de exigir do indivíduo um comprometimento total e apai- xonado, canalizando a sua vida inteira para a realizaçàt de altos ó b j e t i v o s e, portanto, dando um alto significado à sua vida>. B E R G E R (19S3:36) comenta que se ctentarmos veros dfsenvolvLmentos estru- turais e ideológ-icos juntos, seremos confrontados por u n a s!tuaçâ.o paradoxal e até mesmo irónica . Os desenvolvimentos estruturais, t o m a m cada vez menos p.-ovável que um individuo consiga reaUzar-se eia seu trabalho ( . . . ) . Ao mesmo tempo, persiste imia ideologia de trabalho çue continua a apre- sentar ao individuo a expectativa de que ele deve achai seu trabalho signifi- cativo e que ele deve ter satis íaçS.0 ne le . . .> 73 n ó ' trabalho e a ideologia oue incentiva a busca dc auto-realização aTi^ívis_dcLinÊSjmo,Jicoir^ no presente estudo. Sntré os operários e trabalhadores de escrirório tal paradoxo mostrou-se mais nítido por que estes dois grupos expressaram clara- mente a insatisfação cDm a extrema simplicidade de suas tarefas, mas acreditando, ao mesmo tempo, que o trabalho deve prover aos indi-vnduos a sua realização pessoal. O aposentado também apre- sentou um forte conflito em face desta questão. Isto se deve a dois gTandfiâ.iIlQÍÍYOS_L!!P P.™? '̂̂ '̂̂ 'i^gar, a constatação que algiins fazem de que após tantos~anbs"'de busca não conseguiram alcançar aquela realizacãp quêacfêditaVam. ser possível obter através do trabalho; um segundo grupo bem mais reduzido, acredita ter-se realizado profissionaMèhte.más com á aposentadoria perdeu a única fonte que julga digna para este fim. Alguns tentam transferir seu desejo de realização para outras áreas como família ou lazer, mas não consideram esta busca tão satisfatória quanto a que empreenderam no trabalho, pois não é tão valorizada socialmente. O resultado de; tudo isso é um enorme sentimento de inutilidade e vazio, algumas vezes acompanhado,da tentativa de retornar à situação anterior,; conseguindo um novo emprego. - O grupo de executivos não demonstrou qualquer conflito nessa área, pois a grande maioria já se considera plenamente realizada ou bastante próxima disto. O executivo encontra-se perfeitamente encai- xado na concepção vigente de realização como alcance de uma posição de síaítts, de sucesso financeiro e de prestígio. Os profissionais liberais também não demonstraram grande dificuldade em face da questão da realização, mas os motivos são outros. Muitos se consideram realizados profissionalmente porque possuem mais autonomia, maior controle sobre o processo de tra- balho, sentem maior prazer no exercício de suas tarefas e consideram estar usando com mais plenitude o seu potencial. Apesair das grandes dificuldades que também enfrenta, o autónomo em geral mantém uma relação mais positivacom o seu trabalho, dedicando-se inte- gralmente a ele muitas vezes em detrimento de outras áreas de sua \'ida, inclusive o lazer. Portanto, os dados fornecidos pelos diversos grupos indicam que ainda está _ bastante presente na nossa cultura a busca da realização através do trabalho como finahdade última da existência. Até mesmo aqueles que tentaram alcançá-la durante toda a \nda sem obterem sucesso, como é o caso de muitos aposentados, pre- ferem acreditar que a dificuldade foi pessoal, ou seja, não realizaram porque não aproveitaram as oportunidades, por incompetência ou por não se terem esforçado o suficiente. Assim como ocorre entre os operários, todo o conflito é canalizado para o p.róprio indivíduo e realizar-se ou não passa a ser o produto de qualidades estri- tamente pessoais. É o triunfo de ideologias como aquela elaborada 74 '• "por David Mc CTelland (líERSEY, 1977), por exemplo, onde o perfil psicológico do hoinem auto-realizado é descrito como o daquele altamente voltado para a eficiente execução de suas tarefas, para a obtenção de altos salários ou luvros, estabelecendo metas cujos riscos de fracasso sejam mínimos, não se importando muito com as pessoas e, sim, com a melhor maneira de executar suas tarefas. Tudo isso leva este autor à conclusão de que as pessoas que possuem tais qualidades e que, portanto, são altamente motivadas para a real- ização, estão muitas vezes ocupando cargos de gerência já que tendem "a obter mais aumentos de salários e são promovidas mais depressa porque pensam maneiras melhores de fazer as coisas" ( H E P L S E Y , 1977:47). Desta forma, fica explicado porque os exe- cutivos não se sentem em conflito com a questão da realização. Eles se encaixam perfeitamente no perfil das pessoas realizadoras. ' E como o alcance ou não dessa realização fica limitado a preencher ou não um perfil psicológico, está também explicado porque os conflitos presentes nesta área são canalizados contra o próprio .individuo. Outro aspecto comum a todos os gnrpos estudados e que evi-^ dencia mais" tim significadcLJJo 'gã'SãÍhoDa nossa sociedade é" ó uso dá" atividade profissional como xap. ^eip„de_fug&_ à solidão, ao tédio, à angústia, enfim. ""ãõs~mais Síversos sentimentos consi- derados típicos do homem moderno. ~ - Enquanto está-se dedicando aoTrabalho, o individuo encontra-se protegido de entrar em contato com tais sentimentos. Além disso, muitos usam o trabalho excessivo como uma compensação para os problemas familiares e, até mesmo, para aqueles relativos ao próprio trabalho e, finalmente, existem outros que usam a sua atividade profissional como uma proteção contra "erros", ou seja, contra atos condenáveis pela sociedade.» Não concordo com a opinião de mratoe entrevistados a respeito do trabalho excessivo atuando como uma psicoterapia, ou seja ajudando-os, realmente, na resolução de suas dificuldades. Na ver- dade, os sentimentos incómodos não são eliminados nem tampouco resolvidos e, sim, mantidos num estado latente, podendo eridenciar-se a qualquer momento em que a pessoa interromper suas ati\'idades. É por este motivo que tantos indivíduos revelaram evitar férias ou quaisquer situações pouco estruturadas, usando muitas vezes seus momentos de folga para tentar resolver problemas de trabalho ou permanecendo em constante atividade. Até mesmo aqueles que não concordarem zom a minha anáhse, serão obrigados a admitir que é no mínimo estranho .p_ia,to_de que •à medida em que o trabalho se empobrece, amamenta o Impulso das Segundo T ^ I ^ E R (1957:113), o trabalho « i part lculannenU o preventivo espec í f i co contr^ todas as UntaçCes que o puAanismo agrupa sob a denoml- n a ç ã o de vida desonesta e cujo papel nunca la i modesto.> 75 nessoas: para se dedicarem, N.-io me pareceu plausível atribuir ào_sense~de-Xumprimengjdõ""3ever e__à_bu_sca_ de realização toda a rssiiQiiáaljiUiacle pjra"for^<leõie npulso. E5:e¥"'flitõrêgrãpesãr~de bastante pWsêiitésYmlòdõ os gru{.as nãõ'me pareceram suficientes para transformar o trabalho em algo tão central na vida das pessoas. Além disto, constatei entre os aposentados que, mesmo não pesando mais sobre eles qualquer exigência quanto ao cumprimento do dever e busca de realizagãc através do trabalho formal, dedicam-se muitas vezes, compulsivamente, a outras atividades. Tudo isso me levou a buscar um outro ff.tor também relevante e que impulsiona o homem moderno a trabalhar excessivamente. E o que encontrei foi até certo ponto surpreendente: ao dedicar-se de foi-ma,: compulsiva ao trabalho, o indivíduo evita entrar em contato com; alguns sentimentos consi- derados incómodos e dolorosos. Ele encontra no trabalho um exce- lente meio de fuga. E é inegável que o modo pelo qual organizamos o nosso sistema produtivo é bastante propício a esta fuga. Alguns pontos comuns a todos os grupos pesquisados ilustram bem este aspecto: a fadiga excessiva, associada ao esforço físico ou mental para realizar as tarefas, a pressa constante para cumprir os horários, ã rotina, as normas a ãerem obedecidas etc. . . Somando tudo isso ao fato de que na nossa sociedtide praticamente não existe outra alternativa de sobrevivência que- não seja através da dedicação a algum tipo de trabalho, teremos o quadro completo. Ao se adaptar a este sistema, toma-se extremamente fácil fugir de si mesmo. Aiém disto, não nos podemos esquecer que é no espaço das organi- zações ' aê~'tl^bjihõ'"qu'ÇTS:is" asn̂ diversas formas dê'organização dÒ3"prócessos de trabalho','das poli-" ticas de pessoal e dos meios .de controle cada vez mais sofisticados. Foi surpj:£ende.nte-d£acQbrÍ3i..c.u.t..as dificuldades geradas pel_as transform^ações _de.,uma .sociedade, sãamantidas por ela e, até mesmo, canalizadas no sentido de proporcionar o alcance dos seus óbjetivos e, cón5eque"nt'imente, a sua perpetuação. Foi assustador constatar que não são pessoas saudáveis e satisfeitas aquelas mais úteis e produtivas para o nosso sistema, como alguns cientistas sociais argumentam, e, sim, aquelas mais neuróticas e infelizes. Quanto mais alienado for o indinduo,. mais interessante ele se toma para o nosso sistema produtivo. ,E_Q que.é -plpr:;; tal__^stema^tjkmbém íomou-se útil a este individuo porque possibilita. a.''sua'fuga.;. O cír.- culo \-icioso fica, então, caracterizado: cada um se alimentando do outro. A percepção do trabalho como uma ati\ndade muito cansativa, que sempre leva ao desgaste físico ou m.ental, foi bastante comum a todos os grupos pesquisados. Muitos entrevistados revelaram um estado de extrema fadiga, a necessidade de recuperação e, ao mesmo tempo, a dificuldade de se proporcionar xim descanso adequado. Alguns porque já não conseguem parar mais, como é o caso dos ervecutivos que tran.sferem para cs seus momentos ds folga a intensa • •76 atividade que caracteriza o seu cotidiano. Outros porque não possuem meios para viver seus momentos de lazer da forma que desejam, permanecendC' em casa durante a maior parte do E : U tempo li-̂ Te, e sentindc-se por ir.ío mai.s cansados. A maioria dedica horas excessivas ac trabalho, numa flagrante desproporçf.o em relação aos momento; de folga. Q_fato é oue a r^l^ção suor-esforco-trabalha ainda está mii to presente na nossa rnlt-nra, senáo_que vários indi- vfduos èslab€rê'cem tanibem a associacãa_£níre-A_fadiga decorrente do trabalho., e..o_amnento diã dignidade do_ homem^ E5.te_e_u.1n ponto de vista estreitamfínt£_.reIacionado coca à"'concepção_da^gTeja Católica^.a,r.espeito do trabalho HúnTiano. FõTmiirto'ffeqúente~êsíá concepção nos' depoimentos dos mais diversos grupos estudados, indicando que ela não atinge uma determinada classe em especial, mas à nossa sociedade como um todo. Segundo esta visão, o trabalho é realmente exaustivo e por isto mesmo deve ser valorizado. Inicialmente, podemos ver na Bíblia o trabalho sendo colocado como algo bem instituído pelo Criador cora, a finalidade de que o homem continuasse a obra iniciadacom sua criação e dominasse a terra. Esta concepção é modificada com o pecado original quando, então, o trabalho adquire um caráter penoso como castigo: "Alaldita seja a terra por tua causa: Com trabalho penoso tirareis dela o alimento todos os dias de tua vida" (Génesis, 3,17). Apesar desta mudança, atualmente a Igreja CJatólica considera que a fadiga não muda o fato de que o trabalho seja um bem do homem: "E ?i-o entanto, com toda essa fadiga e, talvez num certo sentido por causa dela — o trabalho é um bem do homem. E nco é só um bem útiJ ou de que se ;ode usufruir, mas '•• um bem digno, ou seja, corresponde à dignidade do hovie n, um, bem aue exprime esta digniàzãe e oue a au77ie;iía." (PAULO n, 1982:24) A Igreja Católica está convencida de que o trabs-lho constitui uma dimensão fundametal da existência humana e que mesmo numa época em que se tomou altamente desumanizado "o sujeito próprio do trabalho continua a ser o homem" (PAULO 11, 1982:13) . Aiém disso, na concepção católica, todo trabalho é valorizado porque, seja ele qual for, fundanenta-se no homem: "A finalidade do trabalho de todo e qualquer trabalho realizado pelo homem — ainda qw seja o trabalho maÍ3 humilde de um serviço e o Tnais monóto^w na escala de apreciação e até o mais marginalizado —perviarccc sempre o mesmo homem." {PAULO U, 1982:17) Este é um ponto de vista bastante comiun nos depoimentos dos diversos grupos por mim estudados: todo tipo de trabalho é impor- 77 tante e deve ser "valorizado. Desla fonr.a, ficam encobertas as diferenças fundamentais nas ;ondiçães vividas pelas diversas cate- g-orias profissionais. O que fica evidente na ^isão da Igreja Católica a respeito do trabalho humano, é uma ambigiiidade também detectada em muitos depoimentos: ao mesmo temj.o que possui um caráter punitivo que se "reflete na fadiga sentida jjelo trabalhador, o trabalho é também apresentado como algo bom, que aumenta a dignidade do homem.' £ colocado como lun meio de se chegar à espiritualidade através do sofrimento, da perseverança, da obediência, da su^omissão e do res- peito à autoridade. A presença desta mesma ambiguidade-nos-depo.imentos dos mais divefslis grupos"iitudados réfúrça a importância"da Igrêjã"Câí5irca na elaboração do'significado.qiie_dainqs ao trabalho. Além disso, como nesta visão lodo trabalho é valorizado, não~existindo um mais que o outro, ou talvez, quanto mais fatigante melhor, os indivíduos encontram uma forma de suportar as contradições que \nvem no seu cotidiano. Um aspecto final a ser considerado, refere-se à constante exi- gência que muitos Lndividuos em nossa cultura se fazem quanto a ser produtivos durante a maior parte do seu tempo. Eles têm que estar sempre fazendo algo "útil", produzindo alguma coisa para evitar o sentimento de culpa. No entanto, cabe discutir o que a maioria dos entrevistados entende por produtividade. Tudo indica que para eles significa estar a maior parte do tempo ocupados com alguma tarefa relacionada com o trabalho. O gmpo de aposentados nos oferece tuna excelente comprovação deste fato: a maioria não valoriza as ati\'idades que realiza depois da aposentadoria, sentindo-se inútil e improdutiva. Independentemente do que faz no seu trabalho, o indiriduo considera-se proc.utivo ao se dedicar inteiramente a ele. Tal ideia poderia ser traduzida da seguir.te forma: "produzir é ter a maior parte do tempo ocuptda com alguma atividade remunerada". Sim, pois como os aposentados revelam, as atividades não remu- neradas não possuem o mesmo sentido de produtividade.^*' Se concordarmos com a definição de produtividade como ação autónoma do individuo, a fim de fazer pleno uso de suas forças e concretizar suas potencialidades, seremos obrigados a admitir que a maioria das pessoas é na realidade improdutiva, embora esteja em constante atiridade. O individuo pode ser ativo anesar de não ser o verdadeiro aior, já que não exerce controle sobre os deter- F R O M M (1S"1:79) constata confusões, atual.mente. em tomo do terano produ- ti^ndãde que, segando ele, muitas vezes é corJundído com atividade e produtivo com ativo. Acha que embora os dois lermos possam ser usados como sinónl.mos «na a c e p ç i o moderna aUvidade indica amiúde exatamente o oposio de produUvidade. > 78 analisado neste texto, é aquela que decorre da ansiedade e da fuga ao tédio e à solidão." , Portanto, a atividade produtiva só é possivtl num contexto em _qu£ haj¥ liberdade, segurança económica e ur.ia at:vidade sòclgl "em.!quelõ.Jrah^^ possa ser a manifestação_sjgnificativa. das h l ^ - ' li'ddes_do homem. 'E considerando que estamos amáz bem distantes de úmã sociedade deste tipo, posso concluir que há realmente um grande equivoco na concepção de produtividade que prevalece entre nós. Após tudo que foi discutido poderíamos questionar-nos sobre o significado do trabalho predominante em nossa cultura. A resposta que encontrei ao analisar todos os dados obtidos, é que o trabalho transformou-se no centro da vida das pessoas.^ Tudo parece girar em torno dele: a maior parte do seu dia, a pessoa está trabalhando e quando pára, ela descansa a fim de recuperar suas energias e retomar suas atividades. Seus momsntos de folga só se justificam como um descanso, um prémio pela áedicação ao trabalho, para que possa retomar e produzir mais ainda. O valor supremo na nossa cultura é o trabalho; todas as outras dimensões da existência estão a ele submetidas, ou simplesmente psrderam a importância. O indi- víduo espera que sua atividade pronssional venha suprir todas as suas necessidades e possibilitar a sua total realização. Tudo con- yerge para o trabalho, este poderoso mito da sociedade industrial moderna. • ~ O si^ificado do trabalho para o índio Maxakali O principal objetivo deste contato foi conhe.-.er o -jignificado do trabalho numa cultura bastante diferente da nossa, le i i te i compre- ender como o povo Maxakali rive o trabalho, como reproduz sua existência e o que significam para ele as formar, de ])rodução ado- tadas. Não era minha intenção fazer um estudo comparativo entre as duas culturas e, sim, buscar maiores subsídios para facilitar e enriquecer a compreensão da nossa sociedade, que permaneceu como o meu objeto de estudo. Acredita\'a que o contraste entre as duas sociedades radicalmente opostas só poderia enriquecer minha anál i se ." ' F R O M M (1974:79) cita outro exemplo: â atividade baseada na s u b m i s s ã o k autoridade que determina seu modo de rea l ização e conteúdo , assim, como seus resultados. A atiridade que se baseia em algo mais elevado como Deus ou dever. Nas palavras de Vl^EBER (1967:113), «o mais Importante é que o trabalho consUtul, anies de mais nada, a própria finalidade da vida>. Foi um contato multo rico, apesar de reduzido, pois pude conversar com os próprios Índios sobre o seu trabalho e t a m b é m o b s e n - á - l o s alg-unnas vezes 79 o índio Maxakaii \nve o trabalho de uma forma bsstante irre- gular, não se prendendo a uma a';JvJdade apenas, '.-len tampouco repetindo as m*esmas tarefas em dias ccnijcj^.ivos, Todos sabem fazer um pouco de tudo: plantam, fazem artesanato e, às vezes caçam e pescam. A terra é propriedade comum, senco jtilizada por grupos familiares que a cukivam e mudam freqiJenl.emente o local de plantio, depender.do de onde estão habitando no momento. Plantam, em geral, feijão, batata, milho, etc... O aiTOz é muito pouco cultivado; apesar de possuírem um bom tipo de terra para o seu plantio, os índios acham muito trabalhoso lidar com este tipo de cultura. Eles rejeitam qualquer plantio que dê muito trabalho, preferindo cultivar o feijão que não apreciam muito, vendê-lo e comprar o arroz. .Além disso, não trabalham nas roças durante o período do dia em que o sol está muito quente. Eles vão às roças somente no começo da manhã e à tardinha. Segundo uma funcio- nária do Posto Indígena, eles se "dedicam ao trabalho mais de manhã quando o sol támenos quente. O restante do tempo dedicam ao artesanto. Gostam muito de ficar sem fazer nada, olhando um prá cara do outro e coiiversando." Este foi um íspacio que ficou bastante eridente durante o meu contato com esse grupo, além de ter sido bem enfatizado nas entre- vistas dos funcionários e nos trabalhos realizados por outros pesqui- Ei.dores: o povo Maxakali passa a maior parte do seu dia conversando, rindo, passeando, nadando, ou simplesmente dormindo.^-» Não percebi em momento algum o Maxakali atribuindo qualquer valor ao trabalho em si mesmo. Tudo indica que ele percebe o trabalho apenas como fonte de sobrerivência: alimenta-se com o resuludo do plantio ou da caça e adquire o quí necessita com o dinheiro arrecadado com a venda dos seus produtos. Portanto, ••o tabalho representa para ele um meio para atingir os fins dese- jados: obtenção de alimento e de outros bens necessários à sua sobrerivência. Isto, no entanto, não implica a ausência de satisfação enquanto trabalham. Ficou bastante claro que al.-7u..nas ati\ddades são muito prazerosas para o Maxakali. Ele' manifesta uma nítida trabalhajido. Aiém disso, Uve a oportunidade de entre \ ' i s íar alguns funcio- nários do Posto Indirena e conversar com outros pesqmsadores que já estudaram csLe mes.-no grupo. Conheci t a m b é m o trabilho de Neil Ferre ira do Nascimento, onde 8 autora aborda, entre outras coisas, o modo peio qual o povo Maxakali vive o seu trabalho ( N A S C I M E N T O , 19S4). ' u m a colocação feita por N A S C B L E N T O (19S4:61), ilustra bem os aspectos abordados até a j o r a : <0 seu esquema de trabalho é irregular. . . O MaxakaU pode caçar pequenos animais selvagens, fazer arco e flecha, plantar uma rocinha 10 X ^ participar do ritual, mas sem pressa, sem horár io pré- fbcado, sem preocupação . O trabalho nestas circunslAncias, toma-se descon- tinuo, irregular, ir.stável. diversificado, quase não se diferenciando do divertimento. Pode-se afirmar que o Max2J-:alí trabalha brincando e brinca trabalhando. O Ma.\akall. . . p i s s a a rr.iiior pane do tempo conversando, comendo ou dormindo». 80 preferência pela caça e pelo artesanato, pois a agricultura é uma atividade imposta ao grupo após a destruição de sua reserva natural de ':aça Como não se prendem por muito tempo a qualquer atividade - produtiva, dedicando-se a cada uma delas apenas durante o período em que ainda não se cansaram, não verifiquei qualquer fadiga excessiva, apesar do esforço estar sempre presente em seu trabalho. Na verdade, os Maxakalis trabalham sem nenhuma pressa ou preo- cupação. Como são donos do seu próprio ritmo na execução das tarefas, nunca se impõem quaisquer atividades de modo intensivo e desgastante. O índio Maxakali recusa-se a viver de forma regular, disci- plinada, obedecendo a esquemas pré-estabelecidos, inclusive de horá- rio. Uma situação que retratou fielmente esta característica do grupo foi a experiência das roças coletivas proposta pela F U N A I . Obtive poucos dados a este respeito, porque parece ter sido uma experiência bastante criticada na época, o que gerou o receio de se fazer comentários. O que ficou claro é que a roça coletiva funcio- nava dentro de um horário estabelecido pelo agrónomo e cada índio teria que dedicar a ela algumas horas do seu dia. Eles recebiam como forma de pagamento uma moeda instituída pela TUTsAI a que chamavam de"'T)inheiro Azul". Com esta moeda poderiam comprar mantimentos numa cantina especialmente criada para isto. Picou evidente também que os Maxakalis não se adaptar?.m a esta experiência e a FUT\AI resolveu interrompê-la após algum tempo.^ O grupo voltou a ser dono do seu próprio trabalho, do ritmo que impõe a ele, decidindo sozinho o que irá fazer a cada dia. Não percebi, como é frequente entre nós, qualquer sinal de culpa por não trabalhar e passar a maior parte do tempo em outras atividades não diretamente ligadas à sobrevivência ou, simplesmente, sem fazer nada. Isto demonstra que para os Maxakalis, o trabalho não está associado a uma questão de consciência ou cumprimento de um dever, como ocorre entre nós, mas Simplesmente a obtenção de meios para sua sobrevivência, Úm outro aspecto bem evidente em nossa sociedade e não detectado neste grupo é a exigência da constante produtiridade e dedicação ao trabalho. Ê evidente que existem normas adotadas peio grupo no sentido de facilitar o seu funcionamento e melhor aproveitamento dos seus esforços, mas sem qualquer imposição externa. 1£ Apesar de nâo ter sido possível obsen-ar diretamente a reaçâo do M a x a k a l i ao trabalho nas roças coletivas, encontrei um pequeno comentár io de Neil F e r r e i r a a respeito. E l a diz que na roça coletiva os Índios trabalhavam 20 min. e descansavam outros 20, sentando-se no cabo da e.i.-cada. Quando o sol estava muito quente, eles abandonavam a enxada e mergulhavam no c ó r r e g o . Quanto ao horário de entrada para o trabalho, nunca era obedecido, pois esperavam a t é o últ imo companheiro chegar para c o m e ç a r e m . No entanto, eram bastante pontuais na salda. (KASCriMENTO, 1984). 81 o aspecto que possibilita a este povo river o seu trabalho dessa rr-;an';íra è, fundamentalmente, o fato de se contentar cori uma vida simples, sem muitas posses, nem grandes exigências materiais, trabalhando apenas para obter aquilo de que necessita nd momento. Segundo tuna funcionária do Posto Indígena, "eles nãc trabalham muito porque não pensam no que vão comer amanhã", Por tudo isso, a produção agrícola do Maxakali não apresenta nenhum excedente. Trata-se de uma agricultura de subsistência, sendo em algun.? momentos insuficiente até mesmo para isso. Na verdade, o povo Maxakali rejeita a agricultura por implicar uma vida sedentária, além de exigir maior disciplina do trabalhador através de atividades mais constantes e regulares. É nítida a sua preferência pela caça, pois roesmo admitindo algumas vezes gostar da agricultura, quando se perguntava sobre a caça, a resposta era claramente positiva e entusiástica.^6 A dirisão do trabalho não existe, ocorrendo apenas uma leve diferença entre o trabalho do homem e da mulher. Anteriormente, os homens caçavam e as mulheres coletavam, sendo preservada esta tradição quando vão caçar e_ coietar dentro ou fora da reserva. Em relação à agricultura, há pouca dirisão, sendo que tanto os homens quanto as mulheres plantam e colhem. Ambos se dedicam ao artesanato e as crianças, a partir de 12 anos, ajudam nas roças, principalmente na colheita. Outra característica dessa sociedade, que também demonstra a sua grande autonomia, é o fato de não possuir chefes. Não e:dste sequer a pala\Ta chefe ou qualquer termo equivalente no seu vocabu- lário.^" Através do contato com o grupo fica evidente que ninguém possui o direito de ditar ordens para os outros. Apeiar das cons- tantes tentativas dos funcionários da FUNAI em nomear alguns índios (especialmente os mais velhos) como chefes dos grupos familiares, todos negam a existência de qualquer pessoa exercendo este papel entre eles. S A K L I N S tairibém co.istatou essa re je ição da maioria das tribos de caçadores em relaçâ.0 á agricuJlura, segundo ele. como forma de pro teção do seu tempo li\-re. E le constata que multas dessas tribos, embora rodeadas de agricul- tores se recusavam a intervir na agricultura cpnncipalmente em solos que dessem mais trabi iho» . Idem. p. 32, E . de faio, muitos estudiosos do assunto, consideram que os caçadores gastam menos tempo para conseguir alimento do que os agricultores. O próprio S A K U N S acha que, com o advento da agricultura, as pessoas passaram a trabalhar mais: t A quantidade de tra- balho aumenta com a evolução da cultura e decresce a quantidade de descanso .» A Primeira Sociedade de Aluènc la , S . ^ H I J X S apud'CAP.V.-\1.H0, 1978, p. 40. 17 .N ' . \SCIMEXTO (1P?4) também abordou este aspecto no seu trabalho citando um estudo da língua >!a.\aJ%aU que apesar de terrecolhido 7 mil vocábulos nào conseguiu detectar a palavra referenie a chefe. S2 Ao contrário do que ocorre entre nós, o tempo livre parece ser prioritário para o Maxakali, apesar de ser difícil estabelecer uma .separ;.'ção nítida entre estas duas dimensões. Eles intercalam sempre aigama folga na sua atividade produtiva e, às vezes, é quase impos- sível distinguir se estão trabalhando ou brincando. Um bom exemplo disso é quando estão fazendo o seu artesanato. O que se pode concluir, ao observar z relação do Maxakali com a sua atividade produtiva, é que, ao coctrário de nós, não é o trabalho que representa tun valor. O que ele procura preser\'ar a todo custo é uma jornada curta de trabalho. Essa total ausência de valor e de exaltação ao trabalho neste grupo merece uma reflexão maior. Será por mero acaso que numa sociedade onde o trabalho não é uma mercadoria e que, portanto, não é utilizado como meio de obtenção de bcro, não existe a sua valorização e centralização na vida das pessoas? É evidente que não é casual esta diferença encontrada entre as duas culturas. Como também não é casual o fato de ter deparado em culturas avançadas tanta ansiedade, tédio e solidão, que as psssoas tentam evitar através da atividade excessiva, enquanto na sociedade Maxakali os indivíduos permanecerem por tanto tempo sem trabalhar, sem que se rislumbre qualquer um destes sentimentos. Conforme abordei no inicio deste trabalho, as mudanças radicais safridas por nosso sis- tema produtivo, acompanhadas de grande evolução tecnológica e de revoluções no nosso sistema politico-econômico, afetaram o homem moderno e a sua relação com o trabalho. Acredito que tais mudanças atuaram também no sentido de tomar os indivíduos solitários, ansiosos e angustiados. Numa sociedade primitiva, como a dos i'laxakalis, onde nenhuma dessas mudanças ainda ocorreu, conheci pessoas bem mais saudáveis, cujo equihbrio emocional está baseado num alto grau de liberdade, acompanhado de pouca preocupação com o futuro, ausência de ansiedade e culpa. Outras evidências deste equilíbrio são a inexistência de doenças psicossomáticas tão comims em nosso meio e, até dentro do que me foi possível verificar, a ausência total de suicídios.^ Conclusão ^, Uma questão que permanece, após conhecer a sociedade Maxa- kali, é se a perda quase total da liberdade e do prazer é o preço que teremos de pagar por todo o avanço alcançado pela nossa civilização, ou se nã"õ~êsTãiTi6's Sabendo usufnilr geie senTnos prn;;ar destas dimensões tão fundamentais. Acredito na segiIifaáThipótese. 15 Apesar dessas c o n s t a t a ç õ e s , percebi que o grupo já apresenta algumas desordens emocionais, facilraenie atribuíveis ao c o n l í t o com os c;brancos:' e aos e s f o r ç o s que estes t é m feito para integrá-los à lossa cu l tura . S3 pDis observo que ape'sar de já possuirmos todos os meios necessários jura criar uma existência confortável, segura e livre, vivemos tensos, inseguros e preocupados com a nossa sobrevivência. Talvez um dos pontos centrais para explicar este fenómeno, esteja no modo como tratamos a questão da necessidade em con- fronto com as sociedades ditas primitivas. O que percebi no contato com os Maxakalis é que as pessoas contentam-se com muito menos bens materiais do que nós e, por isto, não necessitam dedicar-se excessivamente ao trabalho. Trata-se de uma comunidade que nâo se baseia na premissa de trabalhar mais, para ter cada vez mais e garantir o dia de amanhã. Ao contrário, a premissa básica de sua existência é trabalhar pouco para poder viver mais experiências, diversificar suas atiridades e conriver mais intensamente com os companheiros. Tudo isso, sem qualquer preocupação com o futuro, pois o Maxakali centraliza sua vida no presente.^ A nossasoçiedade,. assim como todas.as.5Qciedades.capitalistas- mpdernãs, apesar de possuir grande de recursos, _organiza a sua economia numa premissa de escassez: "O sistema ã-c mercado industrial instituiu escassez de modo jamais visto em qualquer outra parte. Onde a produção e distribuição são organizadas através do comportamento de preços, e todos os meios de vida dependem de ganhar • e gastar, a xnsujieiéncia dos meios materiais toma-se o ponto de partida explicito e calculável de toda atividctde económica." ^ Ora, parece-me que aí está a questão fundamental: a nossa economia é, em grande parte, baseada na criação de necessidades, o que exige constante esforço e o uso do trabalho e dos recurõos disponíveis até o seu limite máximo para obter a sua satisfação. Passamos praticamente toda a nossa existência tentando satisfazer necess idãdêr^gl ta .r vezes.anifídalm_ente""j^riãdas a fim de nianter o equilíbrio de um sistema que se baseia ná'supeirpròdução" e no S A H L I N S diz que há duaí formai de a f luênc ia : A s necessidades podem ser facilmente satisfeitas se.]a produzindo multo, seja desejando pouco. Sobre esta ú l t ima possibilidade ele se refere à concepção 2 E X de riqueza, dizendo que nela «as necessidades humanas materiais sâo finitas e poucas, e os meios técnicos invariáveis , mas no conjunto adequados>. Portanto, sob este ponto de \^sta, podemos usufruir de a b u n d â n c i a material sem paralelo, com baL\ padráo de %-ida. E o que, segundo S.AJÍLIXS. se apUca à sociedade de caçadores analisada no seu artigo: tli\-rcs da obsessão de escassez do .mercado, as propensões da economia dos c a ç a d o r e s talvez se fundem mais consistentemente na abundância do que as de nossa e c o n o m i a » . S A H L I N S apud C A P . V A L H O , 297S. ?• 6. ^ " s . U Í U N S apud C A P . V A L H O , 197S. p. 10. 8é sup_e£Sflns.umo- Criamos uma sociedade._g.uje_áepende cada vez mais • da^ constante procução e do consumo do supérfluo, mas que apa-"" rent.3 rranie eficiênciTi "Contudo, o próprio vigor e eficiência dessa ordem podem se tornar fatores de desintegração. A perpetuação da cada vez mais obsoleta necessidade de trabalho em tempo ijitegral (...) exigirá o crescente desperdício de recursos, a criação de empregos e serviços cada vez mais desneces- sários e o crescimento do setor militar e destrutivo." (^LAJRCUSE, 1981:21) Marcuse aponta nesta observação um aspecto de fimdamental importância na questão que estou tratando: a necessidade de tra- balho em tempo integral. Concordo com ele, quando qualifica esta necessidade como obsoleta, pois acredito que ela se baseia na propo- sição da escassez imposta aos indivíduos, levando-se a se dedicar intensamente ao trabalho e abrindo mão do prazer e da liberdade. Acredito, também como Marcuse, que este argumento de escassez já não tem o menor respaldo diante de todo o conhecimento e controle da natureza alcançados pelo homem. Ajnbrp^a ĝ ê consta- tamos JiDs..dias atuais, não se deve à escassez de recursos materiais, mas decorre, sobretudo, _da_..maneira conio_s.aft_distrJb-Uí3crs e uti- lizados. Creio, portanto, que as necessidades que o homem moderno j busca satisfazer através da dedicação excessiva ao trabalho, podem Iser artificialmente criadas, porque servem aos interesses e às insti- •tuições vigentes. Toma-se necessário criticar a lógica de uma economia baseada na constante ameaça de escassez, impelindo os indíriduos a uma produtividade intensa, cujos resultados não são medidos de acordo com o grau de satisfação que proporciona aos seres humanos e, sim, em termos dos lucros que gera.=i O que se considera entre nós um bom resultado do ponto de vista económico pode ser algo essencialmente contrário ao bem-estar do homem. E o que é pior: todo o impulso para produzir crescen- temente não pode ser evitado por nenhimia empresa capitalista, porque existe a necessidade de expandir seu capital e os retarda- tários acabarão sendo punidos devido à concorrência. Isto leva à necessidade de manter e alimentar altos niveis de produção, apenas porque os lucros devem aumentar e novos produtos serem lançados no mercado, a despeito de sua realutilidade para o homem. Segundo BPwA.\"ERMAN (1981:178), ca produtividade crescente do trabalho n io é buscada nem utilizada pelo capitalismo do ponto de vista da satis- fação das necessidades humanas. Peio contrário , aclonada pelas necessidades do processo de a c u m u l a ç ã o do capital, toma-se um impulso frenét ico que se assemelha a uma insanidade mental genera l i zada» . 6Õ •nnura com a cc-!uniãade_ MaMakali Ao confror.iar a r.ossa cjllura com a !^I,Í:Í:A.Í,^„^^^ uma quesião E'jrge insvitaveiraente: iodo o avanço tccncic.viro .-tue conquisLamos, representa realmente uin beneíicio para a humanidade •' ou deixamos para irás áirrí-ir.sõss tão rundameniais que nos levariam ' a desejar ura reconi-',.;o? No entanto, uma discussão que se baseia r.um pòssívc! retrocesso poderá ser inútil, já que se trata a meu ver, de uma posição iniénua, ou até mesmo, indesejável. Acredito que imoorta realmente neste morrrenío, discutir as possíveis formas de reorganização do nosso sistema produtivo, de rcodo a resgatar as dinner.sões de nossa existência que tanto temos negligenciado. Cí Maxakalis nos sostram um possível caminho, quando se apre- senta como um grupo que nâo fragmenta seu cotidiano, vivendo suas atividades dentro de uir.a totalidade, onde nenhuma se apresenta no superior às outras. A primeira lição que nos oferecera é de ' ' *' r,r,cs:a nuaiidade de vida se nos u-î ,,.. poderemos redescobrir e valonzar outiaa ^ essenciais, Aléno disio, este povo nos ensina que nsnhuma de Lais dimensões deve ter ur:a posição de destaque, subcrdinanco as outras e, sim, que é precise buscar um eçuilibrio entre todas elas. Acredito que somente nestas circunstâncias será possível des- cobrir no trabalho o prazer e a realização que ele pode verdadei- ramente proporcionar. Para que isto ocorra, toma-se fundamenta.) repensar toda a estrutura na qual se baseia nosso sistema produtivo. Co*.'no disse anteriormente, no .niodo de prpQjjçio_çaD^ tudo é organi.~ado de forma a cciocar d trabalho no ce.-.tro._ao'sisflfrnã" scTcláT.'Portanto, muitas mudanças d;ve.T. ocorrer para aue ele rezorne a sua real posição na nossa exisiéncia. Xeste caso" .passaremos novamente^a perceber,o_trabalho socialmente necessário como urríã fonte de sobrevivência, eF/DÓrár^istOi-nio irripeça qiie'"ele' possa" ler vivido de iirrraTnianéira "nfáis livre e prazerosa dentro dos limites imcostoE por uma sociedade industriai avanç2da."'Alêm'disto, teremos oportunidade, jde_buíçar_nas_.p_^ reali:acão pessoal. " Um segundo aspecto que deve ser modificado, para c.̂ -iar condi- ções de concretizar o primeiro, é a duração da jornada de trabalho, pois iicredito que so.meníe CO.TÍ a sua acentuada dim.inuição é que o homem poderá res-̂ abelecer o contato com a.s outras áreas de sua vida que tem ignorado. Este é um procss-o já iniciado na Eurona, onde vários países já adctaram a jornada semanal de 35 horas, aiém •das férias proionH:av.^- . — . ^ H.iihsr.ie dentre e'5E. P^^' . possibilidade ̂ j e ^ ^ ^ ^ r ^ , . - U b i n n ç ã o == t J K ^ t e S6 i\'aturaimenl°. tudo isso im.pii£2^u_ma mudança toial na jógica - q-e_ tírri. prevaiecidcwia organização do nosso sia'i.e.T.a económico. Além disto, as propostas que apresento neste texto não :;io acabadas e gostaria que fossem percebidas como sugestões para serem refle- tidas, podendo orientar-nos no encontro de soluções mais duradouras no futuro. Gompartilho da opinião de Gorz quando diz que "na fase atual é preciso ousar, colocar questões para as quais não se tem respostas e levantar problemas cuja solução ainda está para ser encontrada" (GOP^, 19S2:22). Devemos pensar as possíveis formas de ^i^biIizar a sociedade de tempo liberado, sem esquecer que já existe um avanço nesta direção, pois uma das reirindicações centrais áos trabalhadores do mundo inteiro tem sido a diminuição da jomadi de trabalho. Como disse logo acima, em alguns países industrialmente avançados, já é possível verificar uma jornada bem inferior à sossa, sem prejuízo para a produção. Além disso, se a preocupação for produzir para satisfazer as necessidades reais do homem, qualquer sociedade, m.esmo aquela em estágio inferior de Qeseni'QMmento industrial, poderá organizar seu sistema produtivo de fcrma a permitir ao trabalhador maior equilíbrio entre o tempo livre e aquele dedicado ao trabalho. Não é meu objetivo discutir aqui todos os aspectos que envolvem a questão da automação, j á que se t r a t a de uma problemática especialmente complexa e que exigiria um aprofundamento maior. No entanto, é impossível deixar de abordar este problema, pe lo menos num aspecto que afeta mais diretamente ã questi.o que estou tratando. Tudo indica que a automação levará a humanidade à necessidade de tomar uma decisão inevitável, já que o desemprego tende a aumentar e será praticamente impossível restabelecer o pleno emprego através das medidas tradicionais..— Port£jto, a libe- íâM.0^0 "temno do trabalhador-não é apenas uma altèrBativa xalida. mas também uma imposição do avanço tecnológico, pois, diminuindo b" tempo de digicacão individuai a atividade proáutTva, SivêrzJXJS.- bâiho pãrra—tgdQs.. Desta fõfma, o trabalho sodãlminte necessário sêHã~c[Tstnbuido entre todos aqueles que desejassem trabalhar, eiuniaando a sua centralização na rida dos indíviduos e perm.itindo a escolha de outras atividades de acordo com interesses pessoais. Acredito que somente desta fo—na, o homem poderá desenvolver melhor suas potencialidades e restabelecer o comato consigo mesmo e com D outro. substituivel. possibililaTido um rodízio através do çua! caòa um poderá dedicar-se aper,as uma média de 2 horas por dia i s tarefas mdustríais , podendo fazer do resto do seu dia o que bem desejar. (GORZ, 3PS"). Segundo (GORZ, 39S2:lJ-2!, <a aí temativa está entre ELE duas formas de gerir a abolição do trabalho; a que leva a uma socedaõe de cesempreg"0, e £ que leva a uma sociedade de tempo liberadoj. 87 Não cos podemos esquecer também que o momento atua! é iica! para viab:'Í7,ar a libcr.-ção do tempo do trabalhador, pois a civilização encontra-se numa fai;e em que o pleno uso cios seus recursos poderá ser ccncretizado cem o mininao esforço.^ No entanto, é necessário pensar em a"gumas possíveis difi- culdades na implementação destas propostr.s, que não têm sido consideradas pelos diversos autores que as defendem. Considero a principal delas, a dependência que muitas pessoas já estabeleceram em relar.̂ .o ao trabalho, pois canalizam, para ele suas frustrações e GÍficu!ãÀ_ies emocionais. Quero Sizer que o trabalho conforme se tnconí^-a estruturado também é útil ao trabalhador, pois facilita a sua fuga, sendo este um aspecto que poderá dificultar sua ade- quação a uma sociedade de tamipo liberado. Esta problemática foi claramente expressa pelos aposentados: a liberação do seu tempo, ao invés de se cor.st;t-uir em um prémio, passou a representar uma punição. Portanto, a minha sugestão é de que tal "mudança seja entendida como um processo, pois sendo o trabalho um valor supremo na nossa cultura a aceitação de uma menor dedicação a ele implicará uma reformulação de valores. E a meu ver, isto demanda tempo e método. O fato do trabalhe ser tão exaltado na civilização moderna, acarreta uma outra dificuldade para a concretização da sociedade de tempo liberado: as outras áreas da existência não possuem o mesmo valor e dedicar-se a elas não tem idêntico sentido da dedi- cação à profissão. Voltamos novamente ao problema dos valores. Ora.^jo_estam^es^^ pela, base__económjca, i£toé^slo_modo_d£_organiz3^ prO'áutivo. ~Em outras palav-ras, o modo de produção capitãhsta sustenta-se.em grande parte, através da dc-terminaçio de uma ins- tância ideológica, mantenedora de valores ccmo aoueles que atuam na .reprodução do significado do trabalho e, portanto, na perpetuação de uma sociedade de trabalhadores.^ Finalmente, checamos' à maior de todas as lições "oferecidas pelo povo Maxakali:uma socie- dade que se baseia numa ordem económica justa e igualitária, onde não existe uma classe explorando e subordinando a ou'tra. não precisa cultivar falsos mitos para garantir sua continuidade e eGuíIibrio. MARCX'SE (19S11 diz que s6 a ordem da abundÊ.ncÍE é compatível com a liberdade e que .̂ o grau de maturidade aicançado pela civIliEãç&o atual. jé é possível saUsfaiier as necessidades básicas do homem, com um dispêndio minimc de energia física e mental, ocupando um espaço mínimo de tempo. Esíou-me referindo à concepção mands-.^, segundo a qual toda sociedade é constituída por instancias ar:icu:ad£= de acordo com determinações espe- cificas: a Lníraestrutura ou base económica (unidade de forças produtivas e relações de produçãoi e E superestrutura que compreende doL' niveis ou ListÍLncias: a jurídico-poiiUca (o direito c o Estado;Í e a ideológica (ideologias rsligiosa, morai, poíiUc..'! etc) Através dss"^ representação, é possive- IrJerír que a superestrutura é determinada peio çuè ocorre na base económica,. ss Referências bibliográficas 3.^C0Ll^vI, Lii.f,. o Trabalho KI àcr.iocrucia: filosofia do trabaLho. Bra^íilla. Ed. da U N E , 1981. E S R G E ? . . Peter. 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