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UNIVERSIDADE DO NORTE
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
DISCIPLINA: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
MANUEL DO CARMO DA SILVA CAMPOS(Org.)
CIPRIANO LUCKESI
RENATO NUNES
TELMA BASTOS DE BARROS
JOSTEIN GAARDER
NICOLA ABBAGNANO
MARIA DE LOURDES RIBEIRO
MARGARITA VICTORIA RODRÍGUEZ
LUCIANO LEMPEK LINHARES
REGINA MARIA ZANATA
RUTH IZUMÍ SETUGUTI
DIOGO MARIA DE MATOS POLÓNIO
http://pt.wikipedia.org/wiki/Filosofia
E-mail: mcampos@uea.edu.br;manueldocarmo@bol.com.br
fone: 92.99778124 e 92.93080695
MANAUS/ AM - 2013
SUMARIO
1ª PARTE: OS FUNDAMENTOS FILOSOFICOS DA EDUCAÇÃO 
1. O SURGIMENTO DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS ORIGINAIS
1.1. Os Mitos
1.2. Os Filósofos Originais e a Dessacralização da Natureza
1.3. Diálogo entre a Mitologia Indígena e o Pensamento dos Filósofos da Natureza
2. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA ANTIGUIDADE GREGA E A DESSACRALIZAÇÃO DA POSIÇÃO DO SER HUMANO NA SOCIEDADE
2.1. O Ser Humano no centro das questões e não mais os Deuses
2.2. Os sofistas
2.3. Sócrates
2.4. Platão
2.5. Aristóteles
2.6. O Helenismo e os Círculos Culturais
3. Os Mestres do Pensamento na Idade Média Ocidental
3.1. Agostinho
3.2. Tomás de Aquino
4. O RENASCIMENTO
5. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA MODERNIDADE OCIDENTAL
5.1. René Descartes
5.2. Spinoza
5.3. Locke
5.4. Hume
5.5. Berkeley
5.6. O Iluminismo
5.7. Kant
5.8. O Romantismo
5.9. Hegel
6. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA CONTEMPORANEIDADE OCIDENTAL
6.1. Kierkegaard
6.2. Marx
6.3. Darwin
6.4. Freud
6.5. Piaget
6.6. O Existencialismo
7. A RELAÇÃO ENTRE MORAL, ÉTICA E EDUCAÇÃO.
7.1. Ética e Moral: Inter-relação Feliz entre Humanos e Seres Vivos
7.2. Ética e Educação
2ª PARTE: FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
. FILOSOFIA
. A FILOSOFIA O FILOSOFAR E A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
. ÉTICA E CULTURA
. EDUCAÇÃO E FILOSOFIA : CONCEPÇÕES DE HOMEM
. ÉTICA E EDUCAÇÃO DIMENSÃO AXIOLÓGICA CONSTITUTIVA DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE: AS RELAÇÕES DE TRABALHO
. EDUCAÇÃO EPISTEMOLOGIA E A CRISE DOS PARADÍGMAS
. EPISTEMOLOGIA DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS
. PAULO FREIRE: POR UMA EDUCAÇÃO LIBERTADORA E HUMANISTA
. TENDÊNCIA LIBERTADORA DE PAULO FREIRE E LIBERTÁRIA NA PERSPECTIVA DE BAKUNIN
. DERMEVAL SAVIANE: NOTAS PARA UMA RELEITURA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA
1. O SURGIMENTO DA FILOSOFIA E OS FILÓSOFOS ORIGINAIS
A problemática instigante sobre a natureza, o ser humano, a educação
 e tudo que o cerca não é privilégio da filosofia no século VI a.C. e da ciência a partir do século XIX d. C. , vale lembrar que se as pesquisas antropológicas tem razão, o raciocinar mitológico e religioso não só explica o modo de produzir cultura entre os povos, como também de dar sentido à própria existência humana nas dimensões naturais e transcendentais. É o que se percebe desde os funerais do homo neanderthal, que viveu entre 200 a 30 mil anos atrás e do homo sapiens, há mais de cem mil anos, que não só produziu, mas socializou sua cultura. E na história das religiões politeístas e monoteístas. Além do mais com a invenção da escrita pelos sumérios há aproximadamente 6 mil anos antes de Cristo estabelece-se a possibilidade da instalação dos pilares da História que vai ocorrer com Heródoto, além da sistematização dos mitos por Homero e Hesíodo já ocorrida. Tudo isso aprimora o surgimento do pensamento filosófico na velha Grécia. E assim pela primeira vez na história da humanidade surge uma reflexão baseada na observação racional dispensando, de certa forma, a contribuição da mitologia, sobre a constituição e as mudanças que ocorrem na natureza com Tales de Mileto e sobre a posição do ser humano na sociedade a partir de Sócrates.
1.1. OS MITOS 
 Os mitos surgiram da necessidade do homem justificar fenômenos como o crescimento das plantas, as chuvas, os trovões, etc. Tudo que ocorria aqui na Terra estava intimamente ligado ao que acontecia no mundo dos deuses. Dessa maneira, secas, epidemias e outras coisas ruins eram reflexos de que as forças do mal triunfavam sobre as do bem e o inverso ocorria quando havia fartura e riqueza (GAARDER, 1995).
Por volta de 700 a.C. Homero e Hesíodo registraram por escrito boa parte da mitologia grega. Isso foi importante, pois agora era possível questioná-la. Xenófanes foi um filósofo crítico em relação aos mitos pelo fato de seus representantes terem sido criados à imagem e semelhança das pessoas (GAARDER, 1995).
1.2. OS FILÓSOFOS ORIGINAIS E A DESSACRALIZAÇÃO DA NATUREZA
A tentativa e a possibilidade de levantar questões sobre a dessacralização da natureza é o que fazem os filósofos da natureza se interessando pelos processos naturais.
 Eles partiram do pressuposto de que sempre existiu alguma coisa e, vendo as transformações que ocorriam no meio ambiente, indagavam-se como aquilo era possível. Então, acreditavam que havia uma substância básica que subjazia a todas essas transformações. 
Esses filósofos também tentaram descobrir leis eternas a partir da observação dos fatos, desconsiderando as explanações mitológicas. Assim, a filosofia se libertava da religião e os primeiros indícios de uma forma científica de pensar começavam a aparecer (GAARDER, 1995).
Apresenta-se a seguir alguns deles:
Os Filósofos de Mileto
Tales (625 – 547 a.C.) natural da Ásia Menor, hoje Turquia “achava que a água era um elemento de fundamental importância. Dela tudo se originava e a ela tudo retornava” (ABBAGNANO, 1968).
Anaximandro (609/610 a.C. - c. 547 a.C.) “geógrafo, matemático, astrônomo e político, acreditava que o princípio de tudo é uma coisa chamada ápeiron, que é algo infinito, tanto no sentido quantitativo (externa e espacialmente), quanto no sentido qualitativo (internamente). Esse a-peiron é algo insurgido (não surgiu nunca, embora exista) e imortal” (ABBAGNANO, 1968).
 Anaxímenes (c. 550-526 a.C.) para ele “o ar era a substância básica de todas as coisas. A água seria a condensação do ar e o fogo, o ar rarefeito”. Imaginava “que se comprimisse mais ainda à água, esta se tornaria terra. Foi o primeiro a afirmar que a luz da Lua é proveniente do Sol, dizia que tudo provém do Ar e retorna ao Ar” (ABBAGNANO, 1968).
Vele dizer que para os filósofos da natureza,
a arché (Aρχή; origem), seria um princípio que deveria estar presente em todos os momentos da existência de todas as coisas; no início, no desenvolvimento e no fim de tudo. Princípio pelo qual tudo vem a ser. Segundo Rudini Sampaio, “A fonte ou origem, foz ou termo último, e permanente sustento (ou substância) de todas as coisas”. Assim, é a origem, mas não como algo que ficou no passado e sim como aquilo que, aqui e agora, dá origem a tudo, perene e permanentemente (http://pt.wikipedia.org/wiki;GAARDER, 1995).
Pitágoras natural de Samos – ilha grega no Mar Egeu (571 a.C. e 570 a.C. 497 a. C. ou 496 a.C.) para o pitagorismo, “a essência, que é o princípio fundamental que forma todas as coisas é o número. Os pitagóricos não distinguem forma, lei, e substância, considerando o número o elo entre estes elementos. Para esta escola existiam quatro elementos: terra, água, ar e fogo((ABBAGNANO, 1968).
Parmênides de Eléia (cerca de 530 a.C. - 460 a.C.) hoje Vélia, Itália. Para ele “nada podia vir do nada e nada que existisse poderia se transformar em outra coisa. Era extremamente racionalista e não confiava nos sentidos. Não acreditava nem quando via, embora soubesse que a natureza se transformava. Seu pensamento está exposto em um poema filosófico intitulado Sobre a Natureza, dividido em duas partes distintas: uma que trata do caminho da verdade (alétheia) e outra que trata do caminho da opinião (dóxa), ou seja, daquilo onde não há nenhuma certeza” (http://pt.wikipedia.org/wiki; ABBAGNANO, 1968).
Heráclito de Éfeso (datas aproximadas: 540 a.C. - 470 a.C. em Éfeso, na Jônia). É considerado o "pai da dialética". Problematiza a questão do devir (mudança). Para ele “a principal característica da natureza eram suas constantes transformações. O ponto de partida dessas transformações era o fogo. Então “ele confiava nos sentidos”. Acreditava“que o mundo estava impregnado de constantes opostos: guerra e paz, saúde e doença, bem mal e que reconhecia haver uma espécie de razão universal dirigente de todos os fenômenos naturais” (ABBAGNANO, 1968).
Empédocles (Agrigento 483 a.C. - Peloponeso 430 a. C), vem acabar com o impasse e fez uma “síntese do modo de pensar de Heráclito e Parmênides e com isso chegou a uma evolução do pensamento”.
 Era filósofo era médico, legislador, professor, místico além de profeta, foi defensor da democracia e sustentava a idéia de que o mundo seria constituído por quatro princípios: água, ar, fogo e terra. Tudo seria uma determinada mistura desses quatro elementos, em maior ou menor grau, e seriam o que de imutável e indestrutível existiria no mundo. Assim, tudo existente era produto da junção disso, em proporções diferentes. Achava também que o amor e a disputa eram duas forças que atuavam na natureza. O amor une e a disputa separa as coisas (http://pt.wikipedia.org/wiki;GAARDER, 1995)
Anaxágoras (c.500-428 a.C.), foi o primeiro filósofo de Atenas. Para ele
 As coisas eram constituídas por pequenas partículas invisíveis a olho nu. Estas podiam se dividir, mas mesmo na pequena parte existia o todo. Ele denominava estas partes minúsculas de sementes ou germens, que Aristóteles denominou de homeomerias. Também imaginou uma força superior, a inteligência, responsável pela criação das coisas. Nous, termo filosófico grego que não possui uma transcrição direta para a língua portuguesa, e que significa atividade do intelecto ou da razão em oposição aos sentidos materiais. Muitos autores atribuem como sinônimo à Nous os termos "Inteligência" ou "Pensamento". Interessava-se por astronomia, explicou que a Lua não possuía luz própria e como surgiram os eclipses (GAARDER, 1995). 
 Demócrito (c. 460-370 a.C.) é considerado o “último filósofo da natureza”. 
Ele imaginou a constituição das coisas por partículas indivisíveis, minúsculas, eternas e imutáveis e as chamou de átomos. Estes, a seu ver, possuíam vários formatos, se diferenciavam entre si e podiam ser reaproveitados. Por exemplo, quando um animal morresse seus átomos participariam da constituição de outros corpos. Demócrito foi um filósofo que valorizou a razão e as coisas materiais. Não acreditava Achava também que sua teoria atômica explicava nossas percepções sensoriais e que a consciência e a alma também se constituíam de átomos. Ele não cria numa alma imortal (GAARDER).
Demócrito não acreditava na imortalidade da alma, uma vez que ela era constituída pelos átomos da alma, quando a pessoa morria esses átomos se desintegravam voltando para a natureza e assim a alma deixava de existir.
Podemos concluir que “os filósofos naturais eram, sobretudo pesquisadores naturais. Eles ocupam, portanto, um lugar muito importante na história da ciência” (GAARDER, 1995).
1.3. DIÁLOGO ENTRE A MITOLOGIA INDÍGENA E O PENSAMENTO DOS FILÓSOFOS DA NATUREZA
Gilmar de Boa Vista
 e Manuel do Carmo da Silva Campos
Introdução
Com o intuito de querer conhecer melhor a mitologia dos dessanas tem-se a intenção, neste trabalho, de ressaltar a maneira que os dessanas compreendem o cosmo. A partir desta compreensão pretende-se relacionar alguns aspectos que também se faz presente nas explicações pré-socrática do Universo. Existem diversas interpretações acerca do Mito. Mas é importante frisar que as definições variam conforme a realidade e a cultura. A mitologia é, sem dúvida, uma tentativa de explicar o inexplicável. Por isso é considerada sagrada e de valor milenar.
Este trabalho não tem a pretensão de tecer críticas acerca do mito e tampouco tem o objetivo de esgotar todo o conteúdo. Porém tem-se o atrevimento de mostrar a sabedoria do Mito e sua apreensão a partir do contexto em que foi criado. O Mito está no centro da vida do povo indígena, pois é através dele que se compreende o surgimento da vida humana, animal e vegetal. Tentar entender o Universo implica encontrar-se no mundo em que situa. Em outros termos é a necessidade de dar sentido à própria existência.
Marcos Frederico Kruger fascinado pela leitura do Mito cosmogônico dos dessanas lançou a obra “Amazônia: mito e literatura” como resultado de seu encantamento e de suas pesquisas. É a partir desta leitura, os mitos dos dessanas, que pretendemos elaborar o quadro comparativo. Como sabemos os povos indígenas, assim como os pré-socráticos, expressam a sabedoria de seu povo através de Mito. Por isso, antes de abordar o tema proposto, “Quadro comparativo entre a mitologia indígena com o pensamento pré-socrático”, faz-se necessário apresentar a nossa compreensão de Mito.
Abordagem sobre a compreensão mitológica
“Todo povo desenvolve certas idéias sobre a vida e o mundo, desdobra certas concepções sobre a alma, sobre a origem do mundo a partir do caos, sobre os ciclos cósmicos e a unidade do Universo, etc.” (BORNHEIM, 1998: 08). O mito é uma maneira de pensar sobre a realidade, ou melhor, de tentar compreender a complexidade do todo.
Muitos são os conceitos de mito que se tem. Pois, como se sabe o mito pode ser entendido como meramente uma lenda, uma fábula, uma fantasia da mente humana, entre outros. O nosso olhar sobre o mito, “como processo da realidade” (ARANHA, 2003: 72) não recebe tais conotações, pelo contrário, é tido como verdade. Na sociedade hodierna, dita globalizada, apodera-se do mito, muita das vezes, como mera expressão de fantasia, lendas que não passam de mentiras.
Olhando desta maneira para o mito, ele deixa de ser mito. Por trás de uma “simples história” mitológica contém uma complexa realidade. O mito não é simplesmente uma história, uma memória do passado. O mito é uma fonte inesgotável de vida. Ele traz em suas entranhas o espírito de um povo que vive e que busca entender o chão em que pisa, implicando todo o contexto social, cultural, político, econômico e religioso. Todos estes fatores e a realidade sobrenatural estão impressos nesta sabedoria: o mito. Portanto, é de fundamental importância considerar as múltiplas riquezas de um mito: ter presente todo o conjunto, o alicerce que possibilitou sua criação. Pois, “a memória transporta o poeta ao coração dos acontecimentos antigos, em seu tempo” (VERNANT, 1973: 74).
O mito na perspectiva da psicologia analítica yunguiana recebe uma forma autônoma de pensamento e de organização cognitiva do mundo. Enquanto expressão misteriosa da vida, o mito é entendido como aquilo que tende a evidenciar, na linguagem cifrada de seus simbolismos, aquilo que o homem enquanto tal espera (PIERI, 2002: 326). Já no ponto de vista da antropologia o mito é um relato anônimo que é parte de um corpo de tradições oralmente transmitidas entre os vários membros de uma comunidade específica (idem).
Partindo da ótica da sociologia o mito é caracterizado como uma justificação retrospectiva dos elementos fundamentais que constituem a cultura de um grupo. Cumpre uma função sui generis intimamente ligada à natureza da tradição, à continuidade da cultura, à relação entre maturidade e juventude e à atitude humana em relação ao passado (ABBAGNANO, 2003: 674).
Na filosofia o mito recebeu várias interpretações. Na Grécia antiga o mito era a expressão da verdade. Os deuses tinham grandes poderes, de salvar e de condenar, sobre os homens na polis. O leitor pode conferir as histórias dos deuses nas literaturas clássicas dos gregos, como: Édipo Rei, Ilíada, Medéia, Antígona, entre outras.
Com Platão o mito, enquanto criação humana, não possuía um fundo de verdade. Segundo ele o mundo verdadeiro se encontra na dimensão inteligível. Na dimensão sensível, concreta, as coisas não passam de sombras, um reflexo do mundo Ideal. Partindo deste pressuposto a arte humana consiste na mimese, uma cópia da cópia do mundo verdadeiro. Mesmo assim Platão não consegue escapar totalmente do mundo mitológico. Na tentativa de explicar sua teoria usou recursos propriamente do mito. A alegoria da caverna é um exemplo,a parábola do navio (ambos se encontram na obra “A República”, de Platão) é outro exemplo. Portanto o mito é um “status de sabedoria” (IV Inc. Cont. de Teologia Índia, 2003: 25).
Para Aristóteles o mito é inferior à razão: o Logos. O Logos é uma forma de superação do mito. Porém Aristóteles não se atentou de que o mito, também, é inerente à palavra, assim como o Logos. Deste modo o mesmo valor de verdade que se atribui ao Logos deve-se atribuir ao mito. Contudo em momento algum o mito foi superado. Ele sempre escapou em situações em que a razão não foi eficaz para explicar a realidade enquanto tal.
Na sociedade moderna se fala de vários mitos que não tem sentido de verdade, como: o mito da moda, o mito do desenvolvimento, etc. Estes tipos de mitos não deixam de ser mitomania. Mas não é neste sentido que se pretende olhar o mito, neste trabalho. A intenção é abordar uma realidade mitológica que é uma verdade de uma outra verdade. “É o homem que se compromete com todas as forças do seu espírito para entender o mundo exterior e interior” (LAUDATO, 2004: 109).
O drama da antropogênese
O drama da antropogênese dos dessanas compreende o quarto capítulo da primeira parte da obra de Kruger (2005). Este capítulo gira em torno da cosmovisão dos dessanas. Primeiro é precisa entender como está constituído o cosmo para depois tentar explicar a origem da humanidade. A explicação do Universo (o mundo dos dessanas) expressada por esse autor se desdobra da seguinte forma:
... eles (os dessanas) conceberam a estrutura do Universo criado por Yebá Buró: Portanto o mundo ficou dividido em graus, em andares sobrepostos como disse antes. O quarto da Avó do Mundo ficou debaixo de todos esses graus: é o primeiro quarto ou “Quarto de Quartzo Branco” (Uhtãbohotaribu). O segundo quarto, acima do primeiro, chama-se “Quarto de Pedras Velhas” (Uhtãbuhuribu). Não se sabe exatamente o que nele existe. O terceiro andar chama-se “Quarto de Tabatinga Amarela” (Bahsibohotaribu). É neste nível que vivemos nós, assim como toda a humanidade. O quarto andar chama-se “Firmamento” ou “Andar dos Brincos do Sol” (Abepõtaribu). É este grau que os Antigos chamavam “Nível dos Santos” ou, ainda, “Nível dos Demiurgos” (2005, p. 73-74).
De acordo com a análise de Kruger (2005) este mito está embasado nos fatores culturais deste povo. Pois eles moravam nas cachoeiras do rio Negro, onde havia bastante quartzo, lugar bonito e rico. Por isso habitava lá a Avó do Mundo. O Universo estava dividido “em camadas por inspiração por inspiração do ninho de um inseto”: caba (idem, p. 73). Portanto este método de relacionar algo, próprio da cultura, facilita uma melhor compreensão de algo que é totalmente abstrato, mas que faz parte da existência do ser humano.
Para que os povos dessanas existissem foi preciso que Yebá Buró desse a ordem ao terceiro trovão de vir até a camada da Tabatinga. Caso o trovão descesse como de fato ele é, queimaria toda a humanidade. Para que este desastre não ocorresse o terceiro trovão se transformou em uma grande jibóia, segundo a vontade de Yebá Buró, e veio por água trazendo os enfeites (conteúdos invisíveis) que se transformariam na humanidade. Assim originaram-se os povos dessanas e outros.
Os elementos da natureza são fatores integrantes e inseparáveis da compreensão de mundo deste povo. A água, que possibilitou a grande cobra navegar, para Tales de Mileto, é o “elemento primordial de todas as coisas” (BORNHEIM, 1998, p.22). Mas, para os dessanas, era um elemento da natureza que fazia parte da vida e, segundo o mito, era também um caminho que contribuiu para originar a humanidade. A terra é o chão onde os dessanas situam – vale ressaltar que em muitas tribos indígenas do Amazonas têm a terra como uma mãe, pois ela lhes dá o sustento. Mas para o pré-socrático Xenófanes a terra é o princípio de tudo (idem, p.30), foi dela que o ser humano originou.
Um outro fato relevante da mitologia dos dessanas é a possibilidade do devir, “todas as coisas estão em movimento” (Heráclito). A transformação do trovão para cobra e dos enfeites para pessoas evidencia a metamorfose da realidade. E neste processo de mudança está presente o fogo (trovão) que corresponde à existência mais um elemento da natureza que, também, está presente no pensamento dos pré-socráticos, pois como diz Heráclito “o fogo é gerador do processo cósmico” (idem, p.35).
Este modelo proposto pelos pré-socráticos de tentar entender o Universo é, de certa forma, uma desconstrução de uma compreensão de mundo que já existia naquele tempo: o mundo de Homero.
O mundo de Homero ordenava-se por uma distribuição dos domínios e funções entre grandes deuses: a Zeus cabe a luz brilhante do céu (aither); e a Hades, a sombra brumosa (era); a Posidão, o elemento líquido; a todos os três em comum, Gaia, a terra, onde vivem com os homens todas as criaturas mortais que resultam da mistura. O cosmos dos jônios organizava-se por uma divisão das províncias, das estações, entre forças elementares que se opõem, equilibram-se, ou se combinam (VERNANT, 1977, p.75).
Esta concepção estrutural do mundo era um aspecto da cultura dos pensadores pré-socráticos. Por isso mesmo, quando eles elaboraram suas teorias acerca do cosmo não conseguiram desprender-se da mitologia daquele tempo. A água (Tales) era representada pelo Posidão (representava o elemento líquido); o fogo (Heráclito), pelo Zeus que brilhava, assim diante. Este aspecto natural de imprimir na compreensão do inexplicável elemento da própria cultura está intimamente ligado à visão de mundo dos povos dessanas.
Como o leitor pôde perceber existem vários fatores em comum entre os dessanas e os pré-socráticos, em relação a cosmovisão. Os indígenas em pleno mundo globalizado, tecnologicamente avançado, e os pré-socráticos de uma civilização, no ponto de vista dos historiadores, primitiva. Uma distância de milhares de anos e uma memória eterna. Por isso o nosso atrevimento de tentar estabelecer um diálogo entre estes dois povos de tempos diferentes e ricos em sabedorias.
Assim, se analisar os pré-socráticos individualmente, tem-se uma fragmentação do Universo, mas dialogando com todos eles terá um conjunto de conceito que possibilita a compreensão da complexa realidade. Do mesmo modo acontece com o povo dessana. É preciso olhar a totalidade, os elementos da natureza, os aspectos culturais, o espaço em que vivem e a habilidade abstracional deste povo. A realidade para os dessanas e para os pré-socráticos teve sua origem na totalidade.
Referências
ALEIXO, Marcos Frederico Kruger. Amazônia: Mito e Literatura. Manaus: Valer, 2003.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário junguiano. Trad. de Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2002 (dicionários).
ARANHA, Maria Lucia Arruda. Filosofando. São Paulo: Melhoramentos, 20003.
BORNHEIM, Gerd A. (org.). Os filósofos pré-socráticos. 9ª ed. São Paulo: Cultrix, 1998.
LAUDATO, Luis. Yanomami pey keyo: o caminho yanomami. Brasília: Universa, 1998.
______________A liberdade de filosofar em Antônio Rosmani. Manaus: EDUA; FSDB, 2004.
PIERI, Paolo Francesco. Dicionário de Filosofia. Trad. De Ivone Castilho Benedetti, 4 ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
...e Tonantzin veio morar conosco: IV Encontro Continental de Teologia Índia. Vol. II, B 
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos:estudos de psicologias histórica. Trad. de Haiganuch Sarian, São Paulo: Universidade de São Paulo, 1973.
____________________As origens do pensamento grego. Trad. de Ísis Borges B. da Fonseca. 2ª ed. Rio de Janeiro – São Paulo: DIFEL, 1977.elém: CIMI; AELAPI, 2003
2. OS MESTRES DO PENSAMENTO NA ANTIGUIDADE GREGA E A DESSACRALIZAÇÃO DA POSIÇÃO DO SER HUMANO NA SOCIEDADE
Vale ressaltar que 
 Uma das características dos antigos gregos era o fato de eles serem fatalistas, isto é, acreditar que tudo que vai acontecer já está pré-destinado”, também, pelos deuses. “Para eles, as doenças eram vistas como um castigo” dos deuses. “Achavam também que os deuses podiam curar as pessoas, bastando para isso que lhes fosse feito osacrifício apropriado (GAARDER, 1995).
2.1. O SER HUMANO NO CENTRO DAS QUESTÕES E NÃO MAIS OS DEUSES
Atenas capital do Império Grego, “por volta de 450 a.C., transformou-se no centro cultural do mundo grego. A partir dessa época, a filosofia tomou um novo rumo”. Após os Filósofos da Natureza, “o centro de interesse em Atenas se deslocou para o homem e para sua posição na sociedade” (GAARDER, 1995). Segundo Gaarder (1995, p.77-78)
Em Atenas desenvolvia-se pouco a pouco uma democracia com assembleias populares e tribunais. Um pressuposto para a democracia era o fato de que as pessoas recebiam educação suficiente para poder participar dos processos democráticos. Em nossos dias, podemos ver o quanto uma jovem democracia precisa de um povo esclarecido. Entre os atenienses era particularmente importante dominar a arte de bem falar, a retórica.
Não demorou para que um grupo de mestres e filósofos itinerantes, vindos das colônias gregas, se concentrasse em Atenas. Eles se autodenominavam sofistas, eram pessoas estudadas, versadas em determinado assunto, e ganhavam a vida em Atenas ensinando os cidadãos.
 Os sofistas tinham um importante elemento comum com os filósofos naturais: eles também viam com olhos muito críticos a mitologia tradicional. Ao mesmo tempo, porém, os sofistas simplesmente rejeitavam tudo o que consideravam especulação filosófica desnecessária. Para eles, ainda que houvesse respostas para muitas questões filosóficas, ninguém jamais seria capaz de encontrar respostas realmente seguras e definitivas para os mistérios da natureza e do universo. Este ponto de vista é conhecido na filosofia como ceticismo.
 Mas ainda que não possamos encontrar uma resposta para todos os mistérios da natureza sabemos que somos pessoas e que precisamos aprender a conviver umas com as outras. Os sofistas resolveram, então, dedicar-se à questão do homem e de seu lugar na sociedade.
 “O homem é a medida de todas as coisas”, disse o sofista Protágoras (c. 487-420 a.C.). Com isto ele queria dizer que o certo e o errado, o bem e o mal sempre tinham de ser avaliados em relação às necessidades do homem. Quando perguntado se acreditava nos deuses gregos, Protágoras dizia: “Dos deuses nada posso dizer de concreto […], pois nesse particular são muitas as coisas que ocultam o saber: a obscuridade do assunto e a brevidade da vida humana”. Chamamos de agnóstico aquele que não é capaz de afirmar categoricamente se existe ou não um Deus.
Via de regra, os sofistas eram homens que tinham feito longas viagens e, por isso mesmo, tinham conhecido diferentes sistemas de governo. Usos, costumes e leis das cidades-estados podiam variar enormemente. Sob este pano de fundo, os sofistas iniciaram em Atenas uma discussão sobre o que seria natural e o que seria criado pela sociedade. Com isto, eles criaram na cidade-estado de Atenas as bases para uma crítica social.
 ... Foram inflamadas as discussões que os sofistas incitaram na sociedade de Atenas quando afirmaram que não havia normas absolutas para o certo e o errado. Ao contrário deles, Sócrates tentou mostrar que algumas normas são realmente absolutas e de validade universal.
2.2. OS SOFISTAS
http://www.mundodosfilosofos.com.br/sofistas.htm
Após as grandes vitórias gregas, atenienses, contra o império persa, houve um triunfo político da democracia, como acontece todas as vezes que o povo sente, de repente, a sua força. E visto que o domínio pessoal, em tal regime, depende da capacidade de conquistar o povo pela persuasão, compreende-se a importância que, em situação semelhante, devia ter a oratória e, por conseguinte, os mestres de eloqüência. Os sofistas, sequiosos de conquistar fama e riqueza no mundo, tornaram-se mestres de eloqüência, de retórica, ensinando aos homens ávidos de poder político a maneira de conseguí-lo. Diversamente dos filósofos gregos em geral, o ensinamento dos sofistas não era ideal, desinteressado, mas sobejamente retribuído. O conteúdo desse ensino abraçava todo o saber, a cultura, uma enciclopédia, não para si mesma, mas como meio para fins práticos e empíricos e, portanto, superficial.
A época de ouro da sofística foi - pode-se dizer - a segunda metade do século V a.C. O centro foi Atenas, a Atenas de Péricles, capital democrática de um grande império marítimo e cultural. Os sofistas maiores foram quatro. Os menores foram uma plêiade, continuando até depois de Sócrates, embora sem importância filosófica. 
Protágoras foi o maior de todos, chefe de escola e teórico da sofística. 
Moral, Direito e Religião
Em coerência com o ceticismo teórico, destruidor da ciência, a sofística sustenta o relativismo prático, destruidor da moral. Como é verdadeiro o que tal ao sentido, assim é bem o que satisfaz ao sentimento, ao impulso, à paixão de cada um em cada momento. Ao sensualismo, ao empirismo gnosiológicos correspondem o hedonismo e o utilitarismo ético: o único bem é o prazer, a única regra de conduta é o interesse particular. Górgias declara plena indiferença para com todo moralismo: ensina ele a seus discípulos unicamente a arte de vencer os adversários; que a causa seja justa ou não, não lhe interessa. A moral, portanto, - como norma universal de conduta - é concebida pelos sofistas não como lei racional do agir humano, isto é, como a lei que potencia profundamente a natureza humana, mas como um empecilho que incomoda o homem.
Desta maneira, os sofistas estabelecem uma oposição especial entre natureza e lei, quer política, quer moral, considerando a lei como fruto arbitrário, interessado, mortificador, uma pura convenção, e entendendo por natureza, não a natureza humana racional, mas a natureza humana sensível, animal, instintiva. E tentam criticar a vaidade desta lei, na verdade tão mutável conforme os tempos e os lugares, bem como a sua utilidade comumente celebrada: não é verdade - dizem - que a submissão à lei torne os homens felizes, pois grandes malvados, mediante graves crimes, têm freqüentemente conseguido grande êxito no mundo e, aliás, a experiência ensina que para triunfar no mundo, não é mister justiça e retidão, mas prudência e habilidade.
Então a realização da humanidade perfeita, segundo o ideal dos sofistas, não está na ação ética e ascética, no domínio de si mesmo, na justiça para com os outros, mas no engrandecimento ilimitado da própria personalidade, no prazer e no domínio violento dos homens. Esse domínio violento é necessário para possuir e gozar os bens terrenos, visto estes bens serem limitados e ambicionados por outros homens. É esta, aliás, a única forma de vida social possível num mundo em que estão em jogo unicamente forças brutas, materiais. Seria, portanto, um prejuízo a igualdade moral entre os fortes e os fracos, pois a verdadeira justiça conforme à natureza material, exige que o forte, o poderoso, oprima o fraco em seu proveito.
Quanto ao direito e à religião, a posição da sofística é extremista também, naturalmente, como na gnosiologia e na moral. A sofística move uma justa crítica, contra o direito positivo, muitas vezes arbitrário, contingente, tirânico, em nome do direito natural. Mas este direito natural - bem como a moral natural - segundo os sofistas, não é o direito fundado sobre a natureza racional do homem, e sim sobre a sua natureza animal, instintiva, passional. Então, o direito natural é o direito do mais poderoso, pois em uma sociedade em que estão em jogo apenas forças brutas, a força e a violência podem ser o único elemento organizador, o único sistema jurídico admissível.
A respeito da religião e da divindade, os sofistas não só trilham a mesma senda dos filósofos racionalistas gregos do período precedente e posterior, mas - de harmonia com o ceticismo deles - chegam até o extremo, até o ateísmo, pelo menos praticamente. Os sofistas, pois, servem-se da injustiça e do muito mal que existeno mundo, para negar que o mundo seja governado por uma providência divina.
Protágoras de Abdera
Protágoras nasceu em Abdera - pátria de Demócrito , cuja escola conheceu - pelo ano 480. Viajou por toda a Grécia, ensinando na sua cidade natal, na Magna Grécia, e especialmente em Atenas, onde teve grande êxito, sobretudo entre os jovens, e foi honrado e procurado por Péricles e Eurípedes. Acusado de ateísmo, teve de fugir de Atenas, onde foi processado e condenado por impiedade, e a sua obra sobre os deuses foi queimada em praça pública. Refugiou-se então na Sicília, onde morreu com setenta anos (410 a.C.), dos quais, quarenta dedicados à sua profissão. Dos princípios de Heráclito e das variações da sensação, conforme as disposições subjetivas dos órgãos, inferiu Protágoras a relatividade do conhecimento. Esta doutrina enunciou-a com a célebre fórmula; o homem é a medida de todas as coisas. Esta máxima significava mais exatamente que de cada homem individualmente considerado dependem as coisas, não na sua realidade física, mas na sua forma conhecida. Subjetivismo, relativismo e sensualismo são as notas características do seu sistema de ceticismo parcial. Platão deu o nome de Protágoras a um dos seus diálogos, e a um outro o de Górgias. 
Górgias de Leôncio
Górgias nasceu em Abdera, na Sicília, em 480-375 a.C - correlacionado com Empédocles - representa a maior expressão prática da sofística, mediante o ensinamento da retórica; teoricamente, porém, foi um filósofo ocasional, exagerador dos artifícios da dialética eleática. Em 427 foi embaixador de sua pátria em Atenas, para pedir auxílio contra os siracusanos. Ensinou na Sicília, em Atenas, em outras cidades da Grécia, até estabelecer-se em Larissa na Tessália, onde teria morrido com 109 anos de idade. Menos profundo, porém, mais eloqüente que Protágoras, partiu dos princípios da escola eleata e concluiu também pela absoluta impossibilidade do saber. É autor duma obra intitulada  "Do não ser", na qual desenvolve as três teses:
Nada existe; se alguma coisa existisse não a poderíamos conhecer; se a conhecêssemos não a poderíamos manifestar aos outros. A prova de cada uma destas proposições e um enredo de sofismas, sutis uns, outros pueris.
No Górgias de Platão, Górgias declara que a sua arte produz a persuasão que nos move a crer sem saber, e não a persuasão que nos instrui sobre as razões intrínsecas do objeto em questão. Em suma, é mais ou menos o que acontece com o jornalismo moderno. Para remediar este extremo individualismo, negador dos valores teoréticos e morais, Protágoras recorre à convenção estatal, social, que deveria estabelecer o que é verdadeiro e o que é bem!
2.3. SÓCRATES (em grego antigo: Σωκράτης, transl. Sōkrátēs; 469–399 a.C
Esse filósofo “talvez seja a personagem mais enigmática de toda a história da filosofia”. Sabe-se que “ele não escreveu uma única linha e, não obstante, está entre os que maior influência exerceu sobre o pensamento europeu. Seu fim trágico talvez seja o que o tornou famoso até mesmo entre os que conhecem pouco de filosofia ... O que se conhece sobre ‘a vida de Sócrates’, provém, “através de Platão, seu discípulo e também um dos maiores filósofos da história”(GAARDER, 1995).
Note a discussão sobre o Projeto Filosófico de Sócrates na perspectiva de Gaarder (1995, p. 78-74).
 Sócrates foi contemporâneo dos sofistas. Como eles, Sócrates também se ocupava das pessoas e da vida das pessoas, e não dos problemas dos filósofos naturais. Alguns séculos mais tarde, um filósofo romano – Cícero – disse que Sócrates havia trazido a filosofia do céu para a terra, transformado cidades e casas em sua morada e levado às pessoas a refletir sobre a vida e os costumes, sobre o bem e o mal.
 Sócrates se autodenominava filósofo, no sentido mais verdadeiro da palavra. Um “filósofo” é, na verdade, um “amante da sabedoria”, alguém cujo objetivo é chegar à sabedoria.
 Um filósofo sabe muito bem que, no fundo, ele sabe muito pouco, justamente por isto ele vive tentando chegar ao verdadeiro conhecimento. Sócrates foi uma dessas raras pessoas. Ele sabia muito bem que nada sabia sobre a vida e o mundo. E agora é que vem o mais importante: o fato de saber tão pouco não o deixava em paz.
 Um filósofo, portanto, é uma pessoa que reconhece que há muita coisa além do que ele pode entender e vive atormentado por isto. Desse ponto de vista, ele é mais inteligente do que todos que vivem se vangloriando de seus pretensos conhecimentos. Mais inteligente é aquele que sabe que não sabe. O próprio Sócrates dizia que a única coisa que sabia era que não sabia de nada. Além disso, é tão perigoso fazer uma declaração dessas assim publicamente que ela pode lhe custar à vida. Os que questionam são sempre os mais perigosos. Responder não é perigoso. Uma única pergunta pode ser mais explosiva do que mil respostas.
Como uma criança corajosa, veja o caso “das roupas novas do Imperador”, “Sócrates ousou mostrar às pessoas que elas sabiam muito pouco” (GAARDER, 1995).
 Para ser mais preciso: a humanidade está diante de questões importantes, para as quais não é fácil encontrar uma resposta adequada. E então se abrem duas possibilidades: podemos simplesmente enganar a nós mesmos e ao resto do mundo como se soubéssemos de tudo o que vale a pena saber, ou então podemos simplesmente fechar os olhos para essas questões importantes e desistir para sempre de ir em frente. Isto divide a humanidade em duas partes. De um modo geral, as pessoas ou acham que estão cem por cento certas, ou então se mostram indiferentes (GAARDER, 1995, p. 84)
Parafraseando o filósofo Gaarder (1995, p. 82-84) “Sócrates era como um curinga: nem cem por cento seguro, nem indiferente. Ele sabia apenas que nada sabia, e isto o atormentava. Então se tornou filósofo, isto é, alguém que não desiste, que busca incansavelmente chegar ao conhecimento”.
Vemos que “para Sócrates era importante encontrar um alicerce seguro para os nossos conhecimentos”. Este “alicerce estava na razão humana. E porque acreditava muito na razão humana, Sócrates foi também um racionalista convicto” (GAARDER, 1995).
O Conhecimento do que é certo leva ao agir correto: e o “ser sendo socrático” (ABBAGNANO, 1968).
Como já disse com Gaarder (1995, p. 81-84).
Sócrates acreditava ouvir uma voz divina dentro de si, e esta “consciência” lhe dizia o que era certo. Para ele, quem sabe o que é bom acaba fazendo o bem. Sócrates acreditava que o conhecimento do que é certo leva ao agir correto. E só quem faz o que é certo – assim dizia Sócrates – pode se transformar num homem de verdade. Quando agimos erroneamente, isto acontece porque não sabemos como fazer melhor. Por isso é tão importante ampliar nossos conhecimentos. Sócrates estava preocupado justamente em encontrar definições claras e válidas universalmente para o que é certo e o que é errado. Contrariamente aos sofistas, ele acreditava que a capacidade de distinguir entre o certo e o errado estava na razão, e não na sociedade.
Sócrates achava impossível alguém ser feliz se agisse contra suas próprias convicções. E aquele que sabe como se tornar uma pessoa feliz certamente tentará fazê-lo. Por isso é que faz a coisa certa aquele que sabe o que é certo. Pois ninguém deseja ser infeliz, não é mesmo?
Será que você conseguiria ser feliz se tivesse que viver repetindo coisas que lá no fundo do seu coração você não acha certas? Há muitas pessoas que mentem o tempo todo, roubam e caluniam. Muitas bem, elas sabem perfeitamente que isto não é certo – ou justo, se você preferir. Você acha que isto as deixa feliz? Sócrates achava que não.
Mas no meu entender quando Sócrates nos diz que naturalmente como a mãe (educando) dá a luz à criança (conhecimento teórico e sua prática – ética e moral) assitida pela parteira(filósofo), faz entender que a natureza humana com toda sua potencialidade está para a concretização da humanização dinamizada pela razão. Então o ser humano é capaz de saber o certo não só teoricamente, mas concretamente, é o ser sendo. Para Sócrates não basta só saber que sabe o que é certo, é necessário práticar o certo (GAARDER, 1968). Ex. Embora sabendo o caminho pelo mapa para chegar a Boa Vista/RR, mas se não faço o percurso, não sei concretamente. Pratico os atos desumanos por que não sei o que são atos humanos. Veja que esse saber é sempre relativo e é pautado pelo “só sei que nada sei”. Está em constante aprendizagem e renovação.
2.4. PLATÃO DE ATENAS (428/
 HYPERLINK "http://pt.wikipedia.org/wiki/427_a.C."
27–347 a.C.)
Jostein Gaarder
 Filósofo grego, discípulo de Sócrates, fundador da Academia e mestre de Aristóteles. Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles; Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua caracteristica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas. Πλάτος (plátos) em grego significa amplitude, dimensão, largura. 
O Eternamente Verdadeiro Eternamente Belo e Eternamente Bom.
No início deste nosso curso de filosofia, eu lhe disse que o interessante é perguntar pelo projeto de determinado filósofo. Nesse sentido, o que será que Platão queria investigar?
Para resumir em poucas palavras: Platão interessava-se pela relação entre aquilo que, de um lado, é eterno e imutável, e aquilo que, de outro, “flui”. (Exatamente como os pré-socráticos, portanto!).
Dissemos que os sofistas e o próprio Sócrates haviam se afastado das questões da filosofia natural e se interessado mais pelo homem e pela sociedade. E isto está absolutamente certo. Mas também Sócrates e os sofistas ocupavam-se de certa forma com a relação entre aquilo que, de um lado, é eterno e imutável, e aquilo que, de outro, “flui”. E tocavam neste ponto quando se tratava da moral do homem e dos ideais ou virtudes da sociedade. De modo muito geral, os sofistas achavam que a questão sobre o que era certo e errado modificava-se de cidade-estado para cidade-estado e de geração para geração. Para eles, portanto, essa questão de certo ou errado era “algo que fluía”. Sócrates não podia aceitar isto. Ele acreditava em regras ou normas eternas, que governavam o agir dos homens. Se usarmos apenas a nossa razão – dizia ele -, poderemos reconhecer todas essas normas imutáveis, pois a razão humana é precisamente algo eterno e imutável.
Platão se interessava tanto pelo que é eterno e imutável na natureza quanto pelo que é eterno e imutável na moral e na sociedade. Para ele tratavam-se, em ambos os casos, de uma mesma coisa. Ele tentava entender uma “realidade” que fosse eterna e imutável. E, para ser franco, é para isto que os filósofos existem. Eles não estão preocupados em eleger a mulher mais bonita do ano, ou os tomates mais baratos do fim de feira. (E exatamente por isso nem sempre são vistos com bons olhos!) Os filósofos não se interessam muito por essas coisas efêmeras e cotidianas. Eles tentam mostrar o que é “eternamente verdadeiro”, “eternamente belo” e “eternamente bom”.
Com isto podemos ter uma vaga ideia dos contornos do projeto filosófico de Platão. A partir de agora vamos tratar de um ponto de cada vez. Vamos tentar entender um raciocínio extraordinário, que deixou marcas profundas em toda a filosofia européia surgida depois.
O Mundo das Idéias
Empédocles e Demócrito já tinham nos chamado a atenção para o fato de que, apesar de todos os fenômenos da natureza “fluírem”, havia “algo” que nunca se modificava (as “quatro raízes” ou os “átomos”). Platão também se dedicou a este problema, mas de forma completamente diferente.
Platão achava que tudo o que podemos tocar e sentir na natureza “flui”. Não existe, portanto, um elemento básico que não se desintegre. Absolutamente tudo o que pertence ao “mundo dos sentidos” é feito de um material sujeito à corrosão do tempo. Ao mesmo tempo, tudo é formado a partir de uma forma eterna e imutável.
Por que todos os cavalos são iguais. Talvez você ache que eles não são iguais. Mas existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, o “exemplar” isolado do cavalo, este sim “flui”, “passa”. Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira “forma do cavalo” é eterna e imutável.
Para Platão, este aspecto eterno e imutável não é, portanto, um “elemento básico” físico. Eternos e imutáveis são os modelos espirituais ou abstratos, a partir dos quais todos os fenômenos são formados.
Eu explico melhor: os pré-socráticos tinham oferecido uma explicação muito plausível para as transformações da natureza, sem ter de pressupor que algo efetivamente “se transformava”. Eles achavam que no ciclo da natureza havia partículas mínimas, eternas e constantes, que não se desintegravam. Muito bem, Sofia! Eu disse muito bem! Só que eles não tinham uma explicação aceitável de como estas partículas mínimas, que um dia tinham se juntado para formar um cavalo, se juntavam novamente quatrocentos ou quinhentos anos mais tarde para formar outro cavalo, novinho em folha! Ou um elefante, ou um crocodilo. O que Platão quer dizer é que os átomos de Demócrito nunca podem se juntar para formar um “crocofante” ou um “eledilo”. E foi isto, precisamente, que colocou em marcha suas reflexões filosóficas.
Se você já entendeu o que estou dizendo, pode pular este parágrafo. Caso não tenha entendido, vou tentar ser mais claro: digamos que você pegue uma caixa cheia de peças de Lego e construa um cavalo. Depois você desmancha o que fez e recoloca as peças de volta na caixa. Você não pode esperar obter outro cavalo apenas chacoalhando a caixa de peças. Afinal, como é que as peças de Lego podem produzir um cavalo por si mesmas? Não… você é que tem que montar o cavalo novamente. E se você conseguir, isto significa que na sua cabeça você tem uma imagem do que seja um cavalo. O cavalo de Lego foi formado, portanto, a partir de uma imagem padrão que permanece inalterada de cavalo para cavalo.
Você não chegou a uma conclusão semelhante sobre os cinqüenta bolos iguais? “Meu nome é Platão, e eu gostaria de propor quatro tarefas para você. Primeiro, gostaria que você refletisse sobre como um padeiro consegue assar cinqüenta bolos exatamente iguais”(GAARDER, 2000, p.92). Vamos imaginar agora que você caia do espaço na Terra e nunca tenha visto uma padaria. Então você passa pela vitrine muito convidativa de uma padaria e vêem sobre um tabuleiro cinqüenta broas exatamente iguais, todas em forma de anõezinhos. Suponho que, nessas condições, você vá coçar a cabeça e se perguntar como todas aquelas broas podem ser iguais. E é bem possível que você perceba que um anãozinho está sem um braço, o outro perdeu um pedaço da cabeça e um terceiro tem uma barriga maior que a dos outros. Contudo, depois de pensar bem, você chega à conclusão de que todas as broas em forma de anãozinho têm um denominador comum. Embora nenhum deles seja absolutamente perfeito, você suspeita que eles devam ter uma origem comum. E chega à conclusão de que todos foram assados na mesma fôrma . 
Isto desperta o desejo de ver esta fôrma, pois fica claro que ela deve ser indescritivelmente mais perfeita e, de certa forma, mais bonita do que uma de suas frágeis e imperfeitas cópias.
Se você resolveu esta questão sozinha, então você conseguiu resolver um problema filosófico exatamente da mesma maneira que Platão. Como a maioria dos filósofos, ele também “caiu do espaço na Terra”, por assim dizer. “Ele foi lá para a pontinha dos finos pêlos do coelho... Quanto ao coelhinho branco, talvez seja melhor compará-lo com todo o universo. Nós, que vivemos aqui, somos os bichinhos microscópicos que vivem na base dos pêlos do coelho. Mas os filósofos tentam subir da basepara a ponta dos finos pêlos, a fim de poder olhar bem dentro dos olhos do grande mágico”. Platão ficou admirado com a semelhança entre todos os fenômenos da natureza e chegou, portanto, à conclusão de que “por cima” ou “por trás” de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas Platão deu o nome de idéias. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existem a “idéia cavalo”, a “idéia porco” e a “idéia homem”. E é por causa disto que a citada padaria pode fazer broas em forma de porquinhos ou de cavalos, além de anõezinhos. Pois uma padaria que se preze geralmente tem mais que uma fôrma. Só que uma única fôrma é suficiente para todo um tipo de broa (GAARDER, 2000, 26).
Conclusão: Platão acreditava numa realidade autônoma por trás do “mundo dos sentidos”. A esta realidade ele deu o nome de mundo das idéias. Nele estão as “imagens padrão”, as imagens primordiais, eternas e imutáveis, que encontramos na natureza. Esta notável concepção é chamada por nós de a teoria das idéias de Platão.
O Verdadeiro Conhecimento
 Mas talvez você esteja se perguntando se Platão estava realmente falando sério. Será que ele acreditava mesmo que tais fenômenos pudessem existir numa realidade totalmente diferente?
Certamente ele não pensou literalmente desta forma durante toda a sua vida, mas a leitura de alguns de seus diálogos deixa claro que é assim que ele quer ser entendido. Vamos tentar acompanhar sua linha de argumentação.
Como dissemos, um filósofo tenta entender algo que é eterno e imutável. Teria pouco sentido, por exemplo, escrever todo um tratado de filosofia sobre a existência de determinada bolha de sabão. Em primeiro lugar, porque se teria pouca chance de examiná-la cuidadosamente antes que ela desaparecesse. Em segundo, porque dificilmente se conseguiria vender um tratado filosófico sobre algo que ninguém viu e que existiu por apenas alguns segundos.
Platão achava que tudo o que vemos ao nosso redor na natureza, tudo o que podemos tocar pode ser comparado a uma bolha de sabão. Pois nada do que existe no mundo dos sentidos é duradouro. Você concorda que todas as pessoas e todos os animais mais cedo ou mais tarde morrem e desaparecem, não é mesmo? Até um bloco de mármore aos poucos vai se desfazendo e se desintegrando. (A Acrópole de hoje não passa de ruínas. Uma coisa escandalosa, se você quer saber a minha opinião. Mas a vida é essa…) Platão é da opinião de que nunca podemos chegar a conhecer verdadeiramente algo que se transforma. Sobre as coisas do mundo dos sentidos, coisas tangíveis, portanto, não podemos ter senão opiniões incertas. E só podemos chegar a ter um conhecimento seguro daquilo que reconhecemos com a razão.
Retornando ao exemplo da broa em forma de anãozinho, pode muito bem acontecer de alguma coisa dar errado enquanto o padeiro está fazendo a massa, ou então enquanto a broa está crescendo ou assando, de tal modo que, no fim, não seja possível dizer que formato aquela broa tem. Mas depois de eu ter visto vinte, trinta broas em forma de anãozinho, pois mais imperfeitas que elas sejam, posso ter uma idéia clara do formato que possui a fôrma em que elas foram assadas. E posso chegar a esta conclusão mesmo sem nunca ter visto a fôrma. Aliás, nada garante que seria melhor ver a fôrma com os próprios olhos, isto porque nem sempre podemos confiar em nossos sentidos. A faculdade de visão pode variar de pessoa para pessoa. De outra parte, podemos confiar no que a razão nos diz, pois a razão é a mesma para todas as pessoas.
Se você está numa sala de aula com trinta alunos e o professor pergunta qual a cor mais bonita do arco-íris, certamente ele ouvirá muitas respostas diferentes. Mas se ele perguntar quanto é três vezes oito, a classe inteira deve chegar ao mesmo resultado. É que neste caso é a razão quem julga; e a razão é, de certa forma, o extremo oposto de achar e sentir. Podemos dizer que a razão é eterna e universal, justamente porque ela só se manifesta sobre dados que são eternos e universais.
Platão interessou-se muito por matemática, exatamente porque os dados matemáticos nunca se alteram. Por isso podemos chegar a um conhecimento seguro no que diz respeito à matemática. Mas vamos dar um exemplo: imagine que você encontre na floresta uma pinha redonda. Talvez você diga que “acha” a pinha perfeitamente redonda, mas pode ser que [sua amiga] Joana afirme que a pinha está um pouco amassada de um lado. (E aí vocês começam a discutir!) Só que não dá para vocês chegarem a um conhecimento seguro sobre aquilo que vêem. Por outro lado, vocês sabem que a soma dos ângulos de um círculo é exatamente 360°. Neste caso, porém, vocês estão falando de um círculo ideal, que não existe na natureza, mas que vocês conseguem visualizar perfeitamente com os “olhos de dentro”. (Vocês estão falando sobre o formato oculto da fôrma, e não sobre uma broa específica, casual, que está sobre a mesa da cozinha.)
Para resumir brevemente: não podemos ter senão opiniões incertas sobre tudo o que sentimos ou percebemos sensorialmente. Mas podemos chegar a um conhecimento seguro sobre aquilo que reconhecemos com nossa razão. A soma dos ângulos de um triângulo é 180°. E será assim por toda a eternidade. Da mesma forma, a “idéia” de que um cavalo terá sempre quatro patas continuará válida, ainda que todos os cavalos do mundo dos sentidos fiquem mancos de uma perna.
Uma Alma Imortal
Vimos que, para Platão, a realidade se dividia em duas partes.
A primeira parte é o mundo dos sentidos, do qual não podemos ter senão um conhecimento aproximado ou imperfeito, já que para tanto fazemos uso de nossos cinco (aproximados e imperfeitos) sentidos. Nesse mundo dos sentidos, tudo “flui” e, conseqüentemente, nada é perene. Nada é no mundo dos sentidos; nele, as coisas simplesmente surgem e desaparecem.
A outra parte é o mundo das idéias, do qual podemos chegar a ter um conhecimento seguro, se para tanto fizermos uso de nossa razão. Este mundo das idéias não pode, portanto, ser conhecido através dos sentidos. Em compensação, as idéias (ou formas) são eternas e imutáveis.
Para Platão, portanto, o homem também é um ser dual. Temos um corpo, que “flui” e que está indissoluvelmente ligado ao mundo dos sentidos, compartilhando do mesmo destino de todas as outras coisas presentes neste mundo (por exemplo, uma bolha de sabão). Todos os nossos sentidos estão ligados a este corpo e, conseqüentemente, não são inteiramente confiáveis. Mas também possuímos uma alma imortal, que é a morada da razão. E justamente porque a alma não é material, ela pode ter acesso ao mundo das idéias.
Platão também achava que a alma já existia antes de vir habitar nosso corpo. E ela existia no mundo das idéias. (Ela ficava junto com as fôrmas de bolo lá no alto da prateleira.) Entretanto, no momento mesmo em que a alma passa a habitar o corpo humano, ela se esquece das idéias perfeitas. E então tem início um processo extraordinário: quando as pessoas entram em contato com as formas da natureza, aos poucos uma vaga lembrança vai emergindo dentro de sua alma. O homem vê um cavalo, mas um cavalo imperfeito (ou uma broa em forma de cavalinho!). E isto é suficiente para despertar na sua alma a vaga lembrança do cavalo ideal que ela conheceu um dia no mundo das idéias. Ao mesmo tempo em que ocorre isto desperta no homem um anseio de retornar à verdadeira morada da alma. Platão chamava este anseio, esta saudade, de Eros, que significa amor. A alma experimenta, portanto, um “anseio amoroso” de retornar à sua verdadeira morada. A partir de então, ela passa a perceber o corpo e tudo o que é sensorial como imperfeito e supérfluo. Nas asas do amor, a alma deseja voar “de volta para casa”, para o mundo das idéias. [Veja na Bíblia, em Lc 15.11-32, a parábola do filho pródigo.] Ela quer se libertar do cárcere do corpo.
Devo dizer sem demora que Platão descreve aqui o desenrolar ideal de uma vida, pois é claro que nem todas as pessoas liberam suas almas para que elas possam empreender uma jornada de volta ao mundo das idéias. A maioria das pessoasapega-se aos “reflexos” das idéias no mundo dos sentidos. Elas vêem um cavalo, e outro, e depois outro. Mas não conseguem ver aquilo de que o cavalo é apenas uma imitação grosseira. (Elas entram na cozinha e “atacam” as broas, sem se perguntar de onde elas surgiram.) O que Platão descreve é o caminho percorrido pelo filósofo. Podemos considerar sua filosofia a descrição da atividade de um filósofo.
Quando você vê uma sombra, na mesma hora você pensa que alguma coisa deve estar projetando esta sombra. Por exemplo, pode acontecer de você ver a sombra de um animal. Talvez a de um cavalo, mas você não está bem certa. Então você se vira e vê o animal verdadeiro, que, naturalmente, é muito mais bonito e de contornos mais nítidos do que a imprecisa sombra. É POR ISSO QUE PLATÃO CONSIDERA TODOS OS FENÔMENOS DA NATUREZA MEROS REFLEXOS DAS FORMAS ETERNAS, OU IDÉIAS. Só que a maioria das pessoas está satisfeita com sua vida em meio a esses reflexos sombreados. Elas acreditam que as sombras são tudo o que existe, e por isso não as vêem como sombras. Com isto, esquecem-se também da imortalidade de suas almas.
Deixando para trás as trevas da Caverna
Platão nos conta uma parábola que ilustra bem esta reflexão. Nós a conhecemos por alegoria da caverna. Vou contá-la com minhas próprias palavras.
Imagine um grupo de pessoas que habitam o interior de uma caverna subterrânea. Elas estão de costas para a entrada da caverna e acorrentadas no pescoço e nos pés, de sorte que tudo o que vêem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras bruxuleantes na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna podem ver é este “teatro de sombras”. E como essas pessoas estão ali desde que nasceram elas acham que as sombras que vêem são as únicas coisas que existe.
Imagine agora que um desses habitantes da caverna consiga se libertar daquela prisão. Primeiramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Depois consegue se libertar dos grilhões que o prendem. O que você acha que acontece quando ele se vira para as figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão. Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais dificuldade ainda para enxergar devido à abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contornos precisos; verá animais e flores de verdade, de que as figuras na parede da caverna não passavam de imitações baratas. Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêm os animais e as flores. Ele vê o Sol brilhando no céu e entende que o Sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede.
Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfrutando da liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que vêem é tudo o que existe. Por fim, acabam matando-o.
O que Platão nos mostra com esta alegoria da caverna é o caminho que o filósofo percorre das noções imprecisas para as idéias reais que estão por trás dos fenômenos da natureza. Na certa Platão também estava pensando em Sócrates, que tinha sido morto pelos “habitantes da caverna” por ter colocado em dúvida as noções a que eles estavam habituados e por querer lhes mostrar o caminho do verdadeiro conhecimento. Desta forma, a alegoria da caverna é uma imagem da coragem e da responsabilidade pedagógica do filósofo.
Platão defende o ponto de vista de que a relação entre as trevas da caverna e a natureza fora dela corresponde à relação entre as formas da natureza e o mundo das idéias. Ele não acha a natureza em si sombria e triste, mas acha sim que ela é sombria e triste em relação à clareza das idéias. A foto de uma bela jovem não é sombria e triste. Ao contrário. Só que não deixa de ser uma foto.
O Estado dos Filósofos
Platão dividiu o corpo humano em três partes: cabeça (razão), peito(vontade) e baixo-ventre (desejo ou prazer) e achava que quando elas agiam como um todo tinha-se o homem íntegro, que atingiu a temperança. Imaginava um Estado-modelo dirigido por filosófos e o constituía como o ser humano onde a cabeça seria os governantes; o peito (defesa), os sentinelas; e o baixo-ventre, os trabalhadores. Era extremamente racionalista e cria que tanto homens quanto mulheres possuíam capacidade de governar, desde que estas tivessem a mesma formação daqueles.
Método Dialético de Platão
 (http://www.filoinfo.bem-vindo.net/plotinus/node/746)
Assim, a matemática é uma ciência da medida que nos colocou na via do inteligível. Mas será ela a única ciência da medida? Será ela a ciência da medida? Já no Protágoras (356 e), Platão notava que se devêssemos escolher para a nossa salvação entre o par e o ímpar, necessitaríamos de outra ciência da medida que não aquela que nos permite definir o par e o ímpar, necessitaríamos de uma ciência da medida que nos permitisse medir o par e o ímpar em função da nossa salvação. Uma tal ciência da medida seria uma ciência da Justa Medida capaz de condenar tanto o excesso como o defeito. Mas é sobretudo no Político (283 c e seg.) que a distinção é pormenorizada (Cf. Rodier, Etudes de philosophie grecque, Paris — p. 37: Les mathématiques et la dialetique dans le système de Platon). Platão distingue aí duas ciências da medida (metretike). A matemática, por um lado, que estuda as relações recíprocas — esta arte da medida possui apenas relações de grandeza, dá-nos apenas medidas relativas—; a dialética, por outro, que trata das relações em função da justa medida (pros to metrion) A matemática, de fato, apreende algo do ser, mas isso faz-se como num sonho (oromen os oneirot tousi menrpei to on, Rep., VII, 533 c), pois parte de hipóteses, ou seja, não de suposições, mas de proposições de base, que não justifica; a partir dessas proposições de base encaminha-se para uma conclusão (teleute, Rep., VI, 510 b — Heidegger, Qu'appelle-t-on penser? Paris, 1959, p. 188) mas não regressa ao seu princípio (arche). A dialética, pelo contrário, não procede em direcção a uma conclusão, é antes «a única que, rejeitando sucessivamente todas as hipóteses, se ergue até ao próprio princípio de modo a assegurar solidamente as suas conclusões, a única da qual é verdade dizer que retira pouco a pouco o olho da alma da lama grosseira em que estava enterrado, e o eleva ao alto tendo ao seu serviço e utilizando para tal as artes que enumeramos» (Rep., VII, 533 cd). A dialética trata da geração no sentido da essência (genesis eis ousian, Fil., 26 d, cf. Pol., 283 d). Zeller faz notar que esta expressão é estranha pois não existe nem devir nem geração nas ideias; mas, como muito justamente faz notar Rodier (Etudes de philosophie grecque), também não existe essência no mundo sensível; se Platão fala de uma geração no sentido da essência, é porque qualquer geração tem por fim a ideia, a essência, ou seja, o Bem; na base de qualquer devir está uma finalidade que a dialética tem a responsabilidade de descobrir.
Deste modo, o dialéctico é não só «aquele que atinge o conhecimento da essência de cada coisa» (Rep., VII, 534 b), mas é ainda aquele que, chegado ao coroamento e ao cume de todas as outras ciências, já não vê as coisas e os seres como posicionados uns ao lado dos outros, ou mesmo uns contra os outros, maspossui antes, de todas as coisas, uma visão sinóptica graças à qual tudo lhe surge à luz de uma unidade que não é mais que a do Bem. Assim, «aquele que é capaz de uma visão de conjunto é um dialético; os outros não o são» (o men gar synoptikos dialektikos o de me ou, Rep., VII, 537 c).
Esta dialética compreende dois momentos (cf. Rep., VI, 511 b, e Fedro, 265 d):
a) Uma dialética ascendente (synagoge) que se eleva de ideia em ideia até ao não hipotético, até à Ideia de todas as ideias, ou seja, o Bem, que ultrapassa em majestade e em poder a própria essência e que se mantém portanto para além dela (epekeina tes ousias presbeia kai dynamei Rep., VI, 509 &). A dialética ascendente vai portanto do múltiplo ao uno, de modo a descobrir o princípio de cada coisa, e depois o princípio dos princípios; é ela que Sócrates usa nos diálogos morais.
5) Uma dialética descendente (diairesis) que procura desenvolver, através do poder da razão, as diferentes consequências desse princípio não hipotético sobre o qual tudo repousa, e reconstruir deste modo a série das ideias sem recorrer à experiência. Platão compara desta maneira o dialético com um cortador de talho capaz de dissecar um corpo pelas suas articulações naturais (Fedro, 265 e). A dialética descendente é aquela que podemos encontrar aplicada na República e no Timeu.
Compreende-se assim o que quer dizer Sócrates quando confessa a Fedro: «É por isso, Fedro, que estou quanto a mim muito apaixonado: por essas divisões (diaireseon) e essas ligações (synagogon), tendo em vista ser capaz de falar e de pensar. Para além disso, se julgo ver noutra pessoa uma aptidão para dirigir o olhar na direção de uma unidade e que seja a unidade natural de uma multiplicidade, esse homem, persegui-lo-ei» (Fedro, 266 b).
2.5. ARISTÓTELES DE ESTAGIRA (384 a.C. – 322 a.C.) 
Jostein Gaarder
Filósofo e Cientista
É provável que fiquemos impressionados com a teoria das idéias, de Platão. Podemos fazer críticas à teoria de Platão, estas mesmas críticas já foram feitas por Aristóteles (384-322 a.C.). Durante vinte anos ele foi aluno da Academia de Platão.
Aristóteles não nasceu em Atenas. Ele era natural da Macedônia e veio para a Academia quando Platão tinha sessenta e um anos. Seu pai era um médico de renome; um cientista da natureza, portanto. Este pano de fundo já diz alguma coisa sobre o projeto filosófico de Aristóteles. Seu maior interesse estava justamente na natureza viva. Ele não foi apenas o último grande filósofo grego; foi também o primeiro grande biólogo da Europa.
Exagerando um pouco, podemos dizer que Platão estava tão mergulhado nas formas eternas, no mundo das “ideias”, que quase não registrou as mudanças da natureza. Aristóteles, ao contrário, interessava-se justamente pelas mudanças, por aquilo que hoje chamamos de processos naturais.
Exagerando mais ainda, podemos dizer que Platão se apartou do mundo dos sentidos e que só percebia muito superficialmente tudo aquilo que vemos ao nosso redor. (É que ele queria escapar da caverna para espiar o eterno mundo das idéias!) Aristóteles fez exatamente o contrário: ele saiu ao encontro da natureza e estudou peixes e rãs, anêmonas e papoulas.
Você bem poderia dizer que enquanto Platão usou apenas sua razão, Aristóteles – ao contrário – usou também seus sentidos.
Mas há nítidas diferenças entre eles, até mesmo na forma de escrever. Enquanto Platão era poeta e criador de mitos, os escritos de Aristóteles são sóbrios e pormenorizados como os verbetes de uma enciclopédia. Em compensação, muito do que ele escreveu estava baseado em estudos naturais realizados com extrema diligência.
Registros da Antigüidade dão conta de não menos que cento e setenta títulos assinados por Aristóteles. Destes, quarenta e sete chegaram até nossos dias. Não se tratava de livros completos. A maior parte dos escritos de Aristóteles compõe-se de apontamentos feitos para suas aulas. Também na época de Aristóteles, a filosofia era essencialmente uma atividade oral.
A importância de Aristóteles para a cultura européia está também no fato de ele ter criado uma linguagem técnica usada ainda hoje pelas mais diversas ciências. Ele foi o grande sistematizador, o homem que fundou e ordenou as várias ciências.
Como Aristóteles escreveu sobre todas as ciências, vou me limitar a tratar aqui sobre algumas das áreas mais importantes.
E como me detive tanto em Platão, quero falar a você primeiramente sobre os argumentos de Aristóteles contra a teoria das idéias de Platão. Na seqüência, veremos como ele formulou sua própria filosofia natural. Afinal, Aristóteles resumiu o que os filósofos naturais haviam dito antes dele. Veremos também como ele tenta colocar em ordem nossos conceitos e funda a lógica como ciência. Por fim, vou falar um pouco sobre a visão que Aristóteles tinha do homem e da sociedade.
As Idéias não são Inatas
Assim como os filósofos que o antecederam, Platão também queria encontrar algo de eterno e de imutável em meio a todas as mudanças. Foi assim que ele chegou às idéias perfeitas, que estão acima do mundo sensorial. Além disso, Platão considerava essas idéias mais reais do que os próprios fenômenos da natureza. Primeiro vinha a idéia “cavalo” e depois todos os cavalos do mundo dos sentidos, trotando como sombras projetadas sobre a parede de uma caverna. A idéia “galinha” vinha, portanto, antes da galinha e do ovo.
Aristóteles achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo “flui”, passa, e que nenhum cavalo vive para sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a “idéia” cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de eles terem visto certo número de cavalos. A “idéia” ou a “forma” cavalo não existia, portanto, antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a “forma” cavalo consiste nas características do cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie.
Vou explicar melhor: Aristóteles entendia por “forma” aquilo que todos os cavalos têm em comum. E aqui a imagem da fôrma de fazer broas perde a sua validade, pois as fôrmas de fazer broas existem independentemente de cada broa em particular. Aristóteles não acreditava que houvesse na natureza um armário, por assim dizer, com fôrmas desse tipo. Para ele, as “formas” estavam dentro das próprias coisas; as “formas” das coisas eram suas características próprias.
Aristóteles também não concordava com Platão no que se refere ao fato de a “idéia” galinha vir antes da galinha propriamente dita. Aquilo que Aristóteles chama de a “forma” galinha está em todas as galinhas e são as características que distinguem as galinhas. Por exemplo, o fato de elas botarem ovos. Assim, a galinha em si e a “forma” galinha são duas coisas tão inseparáveis quanto o corpo e a alma.
Com isto resumimos a essência das críticas de Aristóteles à teoria das idéias de Platão. Mas você deve atentar bem para o fato de estarmos falando de uma dramática mudança de pensamento. Para Platão, o grau máximo de realidade está em pensarmos com a razão. Para Aristóteles, ao contrário, era evidente que o grau máximo de realidade está em percebermos ou sentirmos com os sentidos. Platão considera tudo o que vemos ao nosso redor na natureza mero reflexos de algo que existe no mundo das idéias e, por conseguinte, também na alma humana. Aristóteles achava exatamente o contrário: o que existe na alma humana nada mais é do que reflexos dos objetos da natureza. Para Aristóteles, Platão foi prisioneiro de uma visão mítica do mundo, que confundia as idéias dos homens com a realidade do mundo.
Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada na natureza que não tivesse existido antes no mundo das idéias. Aristóteles achava que, desta forma, Platão estava duplicando o número de coisas. Ele tinha explicado o exemplar isolado do cavalo fazendo referênciaà “idéia” cavalo. Mas que tipo de explicação é esta, Sofia? Quero dizer, de onde saiu a “idéia cavalo”? Será que, nessa linha de raciocínio, não poderia existir ainda um terceiro cavalo, de que a “idéia” cavalo não fosse senão uma imitação?
Aristóteles achava que todas as nossas idéias e pensamentos tinham entrado em nossa consciência através do que víamos e ouvíamos. Mas nós também temos uma razão inata. Temos uma capacidade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas impressões sensoriais. É assim que surgem conceitos como os de “pedra”, “planta”, “animal” e “homem”. É assim que surgem os conceitos de “cavalo”, “lagosta” e “canarinho”.
Aristóteles não negava que o homem tivesse uma razão inata. Muito pelo contrário: para ele, a razão era precisamente a característica mais importante do homem. Só que nossa razão permanece “vazia” enquanto não percebemos nada. Uma pessoa, portanto, não possui “idéias” inatas.
As Formas são as Características das Coisas
Após ter marcado bem a sua posição em relação à teoria das idéias de Platão, Aristóteles constatou que a realidade consiste em várias coisas isoladas, que representam uma unidade de forma e substância. A “substância” é o material de que a coisa se compõe, ao passo que a “forma” é a característica peculiar da coisa.
Uma galinha bate as asas na sua frente, Sofia. A “forma” da galinha é precisamente o bater de asas, o cacarejar e a postura de ovos. Assim, as “formas” da galinha são as características próprias da espécie. Em outras palavras, a “forma” da galinha é aquilo que ela faz. Quando a galinha morre – e, portanto, para de cacarejar -, a “forma” da galinha também deixa de existir. A única coisa que resta é a “substância” da galinha. Mas aquilo não é mais uma galinha.
Como já disse, Aristóteles se interessava pelas mudanças da natureza. A substância sempre encerra a possibilidade de vir a adquirir determinada forma. Podemos dizer que a substância se esforça por concretizar uma possibilidade que lhe é inerente. Assim, para Aristóteles, toda mudança observada na natureza é uma transformação, ocorrida na substância, de uma possibilidade para uma realidade.
Sim, sim, Sofia… vou explicar melhor. E vou tentar fazê-lo contando a você uma história engraçada. Era uma vez um escultor que vivia debruçado sobre um grande bloco de granito. Todos os dias ele dava umas batidinhas naquela pedra amorfa. Um dia, um jovem veio visitá-lo. – O que você está procurando? – perguntou o jovem. – Espere e verá – respondeu o escultor. Depois de alguns dias o jovem voltou e o escultor tinha “tirado da pedra” um belo cavalo. Surpreso, o jovem ficou um longo tempo parado diante do cavalo, até que perguntou ao escultor: - Como é que você sabia que ele estava lá dentro?
Sim, como é que ele sabia? De certa forma, o escultor tinha visto a forma do cavalo no bloco de granito, pois precisamente este bloco de granito encerrava a possibilidade de se transformar num cavalo. Aristóteles achava que todas as coisas da natureza encerram a possibilidade de concretizar determinada forma.
Vamos voltar ao ovo e à galinha. Um ovo de galinha encerra a possibilidade de se transformar numa galinha. Isto não significa que todos os ovos de galinha chegam a se transformar em galinhas; afinal, muitos deles acabam na mesa do café da manhã como ovos fritos, mexidos ou como omelete, sem que a forma inerente ao ovo chegue a se concretizar. Do mesmo modo, porém, também é claro que um ovo de galinha jamais irá se transformar num ganso. Esta possibilidade não é inerente ao ovo de galinha. A forma de uma coisa, portanto, diz tanto sobre as suas possibilidades quanto sobre suas limitações.
Quando Aristóteles fala de “forma” e “substância”, ele não está pensando apenas em organismos vivos. Assim como a “forma” de uma galinha é cacarejar, bater as asas e pôr ovos, a “forma” de uma pedra é voltar ao chão quando atirada para o alto. Assim como a galinha não pode deixar de cacarejar, também a pedra não consegue deixar de cair no chão. É claro que você pode apanhar uma pedra e jogá-la bem para o alto, mas como é da natureza da pedra voltar a cair no chão, você não vai conseguir jogá-la na Lua. (Tome cuidado ao fazer este experimento, pois a pedra pode se vingar. Ela pode querer voltar para a Terra o mais rapidamente possível, e pobre daquele que estiver no seu caminho!)
A Causa Final, ou da Finalidade.
Antes de deixarmos de lado o fato de que todas as coisas vivas e mortas têm uma forma que diz alguma coisa sobre as possibilidades dessas coisas, devo acrescentar ainda que Aristóteles tinha uma notável visão das relações de causa e efeito na natureza.
No nosso dia-a-dia, quando falamos das “causas” disso ou daquilo, referimo-nos a como as coisas acontecem. A vidraça se quebra, porque Peter atirou uma pedra. Um sapato passa a existir porque um sapateiro costurou alguns pedaços de couro. Mas Aristóteles acreditava que na natureza havia diferentes tipos de causas. É importante saber, sobretudo, o que ele entendia por aquilo que chamou de causa da finalidade.
No caso da janela quebrada, também seria pertinente perguntar por que Peter atirou a pedra. Estamos perguntando, portanto, que intenção ele tinha, que objetivo ele perseguia. Também não há dúvida de que a intenção ou a finalidade desempenham um papel importante no caso da manufatura do sapato. Mas Aristóteles também partia de tal causa da finalidade para explicar alguns processos vivos da natureza. Vamos citar apenas um exemplo.
Por que chove? Na certa você aprendeu na escola que chove porque o vapor d’água esfria nas nuvens e condensa na forma de gotas de chuva que, por causa da força da gravidade, caem no chão. Aristóteles também teria acenado com a cabeça em sinal de concordância. Mas ele teria acrescentado que, até agora, você só citou três causas. A “causa substancial” ou causa material, que é o fato de o vapor d’água em questão (as nuvens) estar ali bem na hora em que o ar esfriou; a “causa atuante” ou causa eficiente, que é o fato de o vapor d’água esfriar, e a causa formal, que é o fato de ser inerente à “forma” ou à natureza da água cair no chão. Se você não tivesse dito mais nada, Aristóteles teria acrescentado que chove porque as plantas e os animais precisam da água da chuva para crescer. É isto que ele chama de a causa final, ou da finalidade. Como você pode ver de repente Aristóteles atribuiu às gotas de chuva uma espécie de tarefa vital, um “propósito”.
Nós provavelmente inverteríamos as coisas e diríamos que as plantas crescem porque há umidade. Você está vendo a diferença? Aristóteles acreditava que por trás de tudo na natureza havia um propósito, uma finalidade. Chove para que as plantas cresçam e as laranjas e as uvas possam crescer e servir de alimento aos homens.
Hoje em dia a ciência não pensa mais assim. Dizemos que os alimentos e a água são condições para que homens e animais possam existir. Sem essas condições nós não existiríamos. Mas não é intenção das laranjas ou da água nos alimentar.
No que se refere à sua teoria das causas, podemos nos sentir tentado a afirmar que Aristóteles se enganou. Mas não vamos nos apressar demais. Muitas pessoas acreditam que Deus criou o mundo para que homens e animais possam nele viver. Deste ponto de vista, podemos naturalmente afirmar que a água corre nos rios porque homens e animais precisam de água para viver. Só que neste caso estamos falando do propósito ou da intenção de Deus. Não que as gotas de chuva ou a água dos rios gostem de nós e queiram nos proteger.
Lógica
A diferença entre “forma” e “substância” também é muito importante quando Aristóteles descreve como o homem reconhece as coisas do mundo.
Quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias. Por exemplo, vejo um cavalo hoje, outro amanhã e outro depois de amanhã. Os cavalos não são exatamente iguais, mas há alguma coisa que é comum a todos os cavalos. E esta coisa que é comum a todos os cavalos é a “forma” do cavalo. Tudo o que é distintivo ou individual pertence à “substância”

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