Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UMA NOVA AGENDA PARA A ARQUITETURA ANTOLOGIA TEÓRICA 1965-1995 | KATE NESBITT (ORG.) C O S A C N A I F Y 9 Agradecimentos 11 Prefácio 15 Introdução 89 CAPÍTULO 1 Pós-modernismo: as respostas da arquitetura à crise do modernismo 91 Complexidade e contradição em arquitetura: trechos selecionados de um livro em preparação (1965) ROBERT VENTURI 9 5 O pós-funcionalismo (1976) PETER EISENMAN 101 Argumentos em favor da arquitetura figurativa (1982) MICHAEL GRAVES 1 0 8 A pertinência da arquitetura clássica (1989) DEMETRI PORPHYRIOS 115 Novos rumos da moderna arquitetura norte-americana: Pós-escrito no limiar do modernismo (1977) ROBERT A. M. STERN 127 CAPÍTULO 2 Semiótica e estruturalismo: o problema da significação 129 Semiótica e arquitetura: consumo ideológico ou trabalho teórico (1973) DIANA AGREST E MARIO GANDELSONAS 141 Um guia pessoal descomplicado da teoria dos signos na arquitetura (1977) GEOFFREYBROADBENT 163 CAPÍTULO 3 Pós-estruturalismo e desconstrução: os temas da originalidade e da autoria 1 6 5 Uma arquitetura onde o desejo pode morar (1986) - Entrevista de JACQUES DERRIDA A EVA MEYER 1 7 2 Arquitetura e limites I (1980) BERNARD TSCHUMI 1 7 7 Arquitetura e limites 11 (1981) BERNARD TSCHUMI 1 8 3 Arquitetura e limites III (1981) BERNARD TSCHUMI 188 Introdução: Notas para uma teoria da disjunção arquitetônica (1988) BERNARD TSCHUMI 191 A arquitetura e o problema da figura retórica (1987) PETER EISENMAN 1 9 9 Derrida e depois (1988) ROBERT MUGERAUER 219 CAPÍTULO 4 Historicismo: o problema da tradição 2 2 1 Três tipos de historicismo (1983) ALAN COLQUHOUN 2 3 2 O fim do clássico: o fim do começo, o fim do fim (1984) PETER EISENMAN 252 Do contraste à analogia: novos desdobramentos do conceito de intervenção arquitetônica IGNASI DE SOLÀ-MORALES RUBIÓ 265 CAPÍTULO 5 Tipologia e transformação 2 6 7 Sobre a tipologia em arquitetura (1963) GIULIO CARLO ARGAN 2 7 3 Tipologia e metodologia de projeto (1967) ALAN COLQUHOUN 2 8 4 A terceira tipologia (1976) ANTHONY VIDLER 291 CAPÍTULO 6 A teoria urbana depois do modernismo: contextualismo, Main Street e outras idéias 293 Cidade-colagem (1975) COLIN ROWE e FRED KOETTER 3 2 2 Contextualismo: ideais urbanos e deformações (1971) THOMAS L. SCHUMACHER 337 Uma significação para os estacionamentos dos supermercados A&P, ou Apren- dendo com Las Vegas (1968) ROBERT VENTURI e DENISE SCOTT BROWN 355 Pós-escrito: introdução à nova pesquisa sobre "A cidade contemporânea" (1988) REM KOOLHAAS 3 5 7 Por uma cidade contemporânea (1989) REM KOOLHAAS 3 6 1 Para além do delírio (1993) REM KOOLHAAS 369 CAPÍTULO 7 A Escola de Veneza 3 7 1 Território e arquitetura (1985) VITTORIO GREGOTTI 3 7 7 Uma arquitetura analógica ALDO ROSSI 3 8 4 Reflexões sobre meu trabalho recente ALDO ROSSI 3 8 8 Problemas à guisa de conclusão (1980) MANFREDO TAFURI 399 CAPÍTULO 8 Agendas éticas e políticas 401 Comunitarismo e emotivismo: duas visões antagônicas sobre ética e arquitetura (1993) PHILIP BESS 415 A arquitetura da fraude (1984) DIANE GHIRARDO 423 A função ética da arquitetura (1975) KARSTEN HARRIES 427 Projeto, ecologia, ética e a produção das coisas (1993) WILLIAM MCDONOUGH 438 Os princípios de Hannover (1992) WILLIAM MCDONOUGH ARCHITECTS 441 CAPÍTULO 9 Fenomenologia do significado e do lugar 443 O fenômeno do lugar (1976) CHRISTIAN NORBERG-SCHULZ 461 O pensamento de Heidegger sobre arquitetura (1983) CHRISTIAN NORBERG-SCHULZ 474 Uma leitura de Heidegger (1974) KENNETH FRAMPTON 481 A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura (1986) JUHANI PALLASMAA 491 CAPÍTULO 10 Arquitetura, natureza e espaço construído 493 Por novos horizontes na arquitetura (1991) TADAO ANDO 498 Negação e reconciliação (1982) RAIMUND ABRAHAM 501 CAPÍTULO 11 Regionalismo crítico: cultura local versus civilização universal 503 Perspectivas para um regionalismo crítico (1983) KENNETH FRAMPTON 520 Por que regionalismo crítico hoje? (1990) ALEXANDER TZONIS e LIANE LEFAIVRE 5 3 3 CAPÍTULO 12 Expressão tectônica 535 O exercício do detalhe (1983) VITTORIO GREGOTTI 538 O detalhe narrativo (1984) MARCO FRASCARI 556 Rappel à l'ordre, argumentos em favor da tectônica (1990) KENNETH FRAMPTON 571 CAPÍTULO 13 Feminismo, gênero e o problema do corpo 573 O prazer da arquitetura (1977) BERNARD TSCHUMI 584 À margem da arquitetura: corpo, lógica e sexo (1988) DIANA I. AGREST 599 Visões que se desdobram: a arquitetura na era da mídia eletrônica (1992) PETER EISENMAN 609 CAPÍTULO 14 Definições contemporâneas do sublime 6 1 1 En Terror Firma: na trilha dos grotextos PETER EISENMAN 617 Uma teoria sobre o estranhamente familiar (1990) ANTHONY VIDLER 623 Bibliografia 635 Sobre os autores 645 índice remissivo 662 Fontes das ilustrações KATE NESBITT Introdução PARTE I: A NECESSIDADE DA TEORIA A teoria da arquitetura é um discurso sobre a prática e a produção da disciplina, que aponta para seus grandes desafios. Tem pontos em comum tanto com a história da arquitetura, que estuda as obras do passado, como com a crítica, esta atividade específica de julgamento e interpretação de obras existentes segundo os critérios assumidos pelo crítico ou pelo arquiteto. Mas a teoria da arquitetura se distingue dessas duas atividades, pois oferece soluções alternativas a partir da observação da situação corrente da disciplina e propõe novos paradigmas de pensamento para o tratamento de seus problemas. A natureza especulativa, antecipatória e catalisadora da atividade teórica distingue-a da história e da crítica. A teoria trabalha em vários níveis de abstração, avaliando a arquitetura como profissão, as intenções dos arqui- tetos e sua relevância cultural em geral. Ela se ocupa tanto das aspirações da profis- são como de suas realizações práticas. É possível identificar ao longo da história da arquitetura a recorrência de certas problemáticas que demandam soluções tanto conceituais como físicas. As questões físicas são resolvidas à luz da tectônica, enquanto as questões conceitu- ais ou intelectuais são problematizadas pela filosofia. Entre os assuntos teóricos permanentes estão os das origens e limites da arquitetura, de sua relação com a história e os problemas relativos ao seu significado e expressão cultural. Novas teorias surgem para oferecer uma explicação aos aspectos não examinados ou não explicados da disciplina. Uma visão geral da teoria da arquitetura nos últimos trinta anos mostra que uma multiplicidade de questões tem disputado a atenção dos estudiosos. De fato, uma das características do período pluralista imprecisamente designado de pós-moderno é a inexistência de um tópico ou de um ponto de vista predominante. Todas as tendên- cias contraditórias coexistentes no pós-modernismo mostram claramente um desejo de ultrapassar os limites da teoria modernista, inclusive do formalismo e dos princí- pios do funcionalismo ("a forma segue a função"), a necessidade de uma "ruptura radical" com a história e a expressão "honesta" da estrutura e do material. De modo geral, a teoria pós-moderna da arquitetura trata de uma crise de sentido na disciplina. Desde meados dos anos 6o, a teoria vem-se caracterizando pela interdisciplinarida- de e pelo recurso a um amplo espectro de paradigmas críticos. Este livro, cujo título original é Theorizing a New Agenda for Architecture [Teorizando uma nova agenda para a arquitetura],1 propõe-se fazer uma revisão do modernismo e para isso recorre a diversas abordagens: políticas, éticas, lingüísticas, estéticas e fenomenológicas. Embora o termo "pós-modernismo" somente seja mencionado no título do pri- meiro capítulo, é este o objeto central e o ponto de referência de todo o livro. Espero deixar bem claro que o pós-modernismo não é um estilo singular, mas, antes, a per- cepção de integrar um período marcado pelo pluralismo. Refletindo essa inclinação, os ensaiosteóricos incluídos nesta antologia são representativos de uma diversidade de pontos de vista e não de uma irrealista visão unificada. Em certos casos, esta Intro- dução menciona perspectivas não representadas na antologia, de modo a ampliar o contexto da discussão. Procurei construir um discurso coerente a partir de textos fragmentários me- diante a adoção, no livro, de uma estrutura temática e paradigmática. Os quatorze capítulos e as introduções aos 51 ensaios servem para contextualizar o tratamento de um material heterogêneo e para facilitar o entendimento das complexidades do pós- modernismo. Optei por não usar uma estrutura cronológica, que poderia ser útil para registrar a seqüência histórica de publicação dos ensaios, porque preferi estabelecer as conexões entre as temáticas e as posições dos diversos autores, países e décadas. Os temas e paradigmas teóricos escolhidos para dar título aos capítulos são objetos recorrentes nos estudos sobre o pós-moderno. Certamente há inter-relações, e muitos ensaios bem caberiam sob mais de um título. Em conjunto, os temas e paradigmas escolhidos pretendem traçar um perfil do ambiente intelectual predominante na ar- quitetura desde 1965 e facilitar a comparação entre diferentes visões históricas sobre as mesmas problemáticas. Na segunda parte desta Introdução, voltarei a tratar dos importantes temas e para- digmas pós-modernos que organizam os capítulos. Nesta primeira parte, a discussão sobre os vários tipos de teoria e sobre a finalidade geral dos tratados tem o objetivo de situar as contribuições mais recentes dos autores ao corpo histórico da teoria. PARTE 1 A: TIPOS DE TEORIA As teorias podem ser caracterizadas pelas várias maneiras de apresentar seu objeto: na maior parte das vezes, elas são prescritivas, proscritivas, afirmativas ou críticas. Nenhuma assume uma postura descritiva "neutra". Um historiador convencional, por exemplo, pode muito bem mostrar como outros abordaram as questões rele- vantes do momento sem defender explicitamente uma posição em particular. Esse tipo de história descritiva pode às vezes propor explicações para os fenômenos com base na correlação estrita entre fatos, por exemplo, a introdução de novas tecnologias produzindo mudanças na concepção dos projetos. O livro de Niko- laus Pevsner, Os pioneiros do desenho moderno, 2 é um bom exemplo de abordagem descritiva convencional. A teoria prescritiva oferece novas soluções, ou ressuscita antigas soluções, para problemas específicos, estabelecendo novas normas para a prática; ela propõe padrões positivos e, inclusive, às vezes, uma nova metodologia de projeto. Esse tipo de teoria pode ser crítico (e mesmo radical) ou confirmar o status quo (isto é, conservador). Em ambos os casos, tende a assumir um tom polêmico. As proposições de Michael Graves, em "Argumentos em favor da arquitetura figurativa" (cap. 1), e de William McDonough, em "Os princípios de Hannover" (cap. 8); são claramente prescritivas. Enquanto o primeiro ensaio sugere uma volta aos ideais humanistas, o segundo é um manifesto ecológico. A teoria proscritiva se assemelha muito à prescritiva, mas se distingue desta por- que seus padrões estabelecem o que deve ser evitado no projeto. Em termos proscri- tivos, a boa arquitetura ou o bom urbanismo são aqueles que se definem pela ausên- cia de atributos negativos. Nesse sentido, o zoneamento funcional é um exemplo de teoria proscritiva, como também o é o código de construções da cidade de Seaside, Flórida, elaborado pelo escritório de arquitetura de Andrés Duany e Elizabeth Plater- Zyberk. Caso típico de teoria instrumental conservadora, esse código dispõe sobre a qualidade adequada, limitando as escolhas de materiais e de estilos, o alinhamento e a volumetria das edificações. A teoria crítica, mais abrangente que as anteriores, avalia o mundo construído e suas relações com a sociedade a que serve. De natureza tipicamente polêmica, a teoria crítica muitas vezes contém uma orientação política ou ética explícita e tem a intenção de estimular mudanças. Entre as muitas orientações possíveis, a teoria crítica pode fundamentar-se ideologicamente no marxismo ou no feminismo. Um bom exemplo é o "regionalismo crítico" do arquiteto e ensaísta Kenneth Frampton, que propõe uma resistência à homogeneização do ambiente visual pelo respeito às peculiaridades da tradição construtiva local. A teoria crítica é especulativa, questio- nadora e às vezes utópica. PARTE 1 B: A FINALIDADE DO TRATADO TEÓRICO: DEFINIR 0 ESCOPO DA DISCIPLINA Os tratados teóricos se ocupam fundamentalmente das origens de uma prática ou de uma arte. Por exemplo, um tratado sobre edificações pode situar as origens do ato de cons- truir na necessidade de obter abrigo. Um tratado sobre arquitetura pode situar as ori- gens da prática disciplinar na imitação da natureza (mimese) e na aspiração inata do homem a aperfeiçoá-la. Em seu Da arquitetura, Vitrúvio formula a hipótese de que o Homem, por ter "uma natureza imitativa e educável [...] evoluiu progressivamente da construção de edifícios para outras artes e ciências".3 Portanto, na visão de Vitrúvio, a arquitetura é a fonte e a matriz das belas-artes. Além de postularem uma origem legitimadora, os tratados às vezes estabelecem uma clara distinção entre a arquitetura, a matemática e as demais ciências no intuito de determinar a autonomia da primeira como disciplina. Além do problema das origens, o objeto fundamental dos tratados de arquitetura pode ser classificado em função dos seguintes aspectos: 1. Os atributos de personalidade, formação e experiência profissional que um arqui- teto deve possuir. Em meados do século xv, Alberti definiu: "o que é que permite ser um arquiteto. Chamarei de Arquiteto àquele que souber, por meio de correta e maravilhosa Arte e Método, com o Pensamento e a Invenção conceber e, com a Execução, levar a cabo todas aquelas obras que [...] com grande Beleza, podem acomodar-se aos usos dos homens".4 2. Os atributos exigidos da arquitetura. Por exemplo, desde a redescoberta da obra de Vitrúvio, no Renascimento, sua célebre "tríade" - firmeza, comodidade e prazer5 - é usada como critério para a arquitetura. A tríade de Vitrúvio tem se mostrado difícil de substituir ou de superar. 3. Uma teoria do projeto ou do método de construção, compreendendo suas técni- cas, partes constitutivas, tipos, materiais e processos. O Essay sur 1'Architecture (1753), do Abade Laugier, é um desses tratados que enfatizam a composição ade- quada das partes. 4. Exemplos do cânone da arquitetura, cuja seleção e apresentação revelam a posição do autor com relação à história. O uso por Robert Venturi de exemplos típicos da arquitetura barroca e maneirista em Complexidade e contradição em arquitetura (1966) foi execrado na época, não obstante a força dos argumentos usados no livro. 5. Um posicionamento a respeito das relações entre teoria e prática. Os arquitetos Ber- nard Tschumi e Vittorio Gregotti representam duas visões distintas sobre esse tema fundamental. Para Tschumi, "a arquitetura não é uma arte ilustrativa; ela não ilustra teorias".6 Seus ensaios sugerem que o papel da teoria é o de interpretar e provocar. Gregotti, por sua vez, insiste em considerar a "pesquisa teórica como fundamento direto da ação"7 no projeto arquitetônico. Uma questão muito controvertida é se a teoria deve ser um "conhecimento útil", apli- cável, e se ela deve determinar resultados previsíveis para o projeto arquitetônico. Se a teoria deve produzir resultados previsíveis, então a única aceitável é a de natureza pres- critiva ou sua face inversa, a teoria proscritiva. (Não é por acaso que muitos dos que bus- cam obter resultados previsíveis filiam-se a concepções neotradicionais da cidade e da arquitetura.) As duas faces dessa proposição são contestadas por teóricos pós-modernos, como Alberto Perez-Gomes, para quem: "a crença [moderna] deque a teoria tinha de ser validada por sua aplicabilidade [...] acabou reduzindo a verdadeira teoria à condição de uma ciência aplicada. [...] Essa 'teoria' esquece o mito e o verdadeiro conhecimento e se preocupa exclusivamente com o controle eficiente do mundo material".8 Em um ensaio sobre a obra do arquiteto e educador John Hejduk, Perez-Gomes de- fende a eficácia crítica do projeto não construído, da "paper architecture" [arquitetura no papel]. Daniel Libeskind e Zaha Hadid são outros arquitetos contemporâneos cujos desenhos chamaram a atenção para seus autores (devido às novas características espaciais implícitas nos seus projetos). Exemplos mais antigos de projetos arquitetônicos de grande significação são a monumental "arquitetura de sombras" de Étienne-Louis-Boullée e a série dos Cárceres de Piranesi, que confirmam a tese da pujança da idéia desenhada. De maneira geral, porém, o papel do projeto teórico na disciplina, e inclusive a possibilidade de entendê-lo como parte da arquitetura propriamente dita, é controverso. Além de definir as origens e o escopo da disciplina, a teoria lida com os seguintes temas, todos abordados nos ensaios reunidos nesta antologia: o significado, as teorias da história, a natureza, o lugar, a cidade, a estética e a tecnologia. A Segunda Parte desta Introdução apresenta um breve exame de cada um desses temas e questões, se- guido de uma discussão mais detalhada do período pós-moderno e de sua problemá- tica específica. Os problemas relacionados ao significado da arquitetura e à definição de sua es- sência e limites são inerentes à questão das origens. Por exemplo, é comum dizer que a função, isto é, o uso programático do abrigo, singulariza a arquitetura e, portan- to, define seu significado. Outros, contudo, alegam que a função de acomodação (no sentido literal da palavra) é a essência da construção, e não da arquitetura, cuja gama de intenções é mais ampla e comporta uma função simbólica. Essa distinção é funda- mental para diversas definições das fronteiras da disciplina bem como para a consti- tuição da arquitetura como arte, ciência, ofício e atividade intelectual. A produção de sentido na arquitetura tem sido freqüentemente examinada à luz da "analogia lingüística". Comparações com a operação da linguagem suscitam as se- guintes indagações: que estruturas possibilitam compreender uma forma de expres- são? O significado não depende de um processo de repetição do que é familiar? Se assim for, como o significado pode ser mantido quando há invenção e inovação? Pode haver significado na forma ou ele só está presente no conteúdo? Que conteúdo é apro- priado para a arquitetura? Em virtude da durabilidade das construções, o teórico da arquitetura está sem- pre esbarrando num condicionante histórico: a observação simultânea de obras que datam de épocas muito distantes no tempo. Isso impõe uma reflexão sobre nossa relação com a tradição da arquitetura. Que uso dar às experiências passadas de pro- jeto e construção? A imitação é o melhor caminho para chegar a uma arquitetura bela e comunicativa? Ou será que os padrões de beleza e percepção da forma se mo- dificaram tanto que a mimese somente é capaz de produzir formas mudas? Qual a importância do estilo? Como as mudanças tecnológicas afetam o uso de modelos tradicionais de construção? A teoria também trata da relação entre arquitetura e natureza conforme ela se ma- nifesta na construção do local. Quanto a isso, as atitudes têm variado historicamente de uma relação de harmonia, comunhão e integração com a natureza a uma postura de hos- tilidade e exploração. A maneira como o arquiteto concebe o território da sua atividade, o modo como o trabalho do projetista converte a natureza (o ermo) em paisagem (um artefato cultural) são em boa parte influenciados por paradigmas filosóficos e científicos. O que a paisagem, entendida numa acepção ampla para incluir situações urbanas, subur- banas e rurais, deve representar enquanto lugar do homem na natureza? Convém igualmente refletir sobre o lugar de uma obra arquitetônica no contexto urbano. O que há de diferente em construir na cidade? Qual o papel e a contribuição do arquiteto na concepção do projeto para uma cidade, entendida como entidade física, política, econômica e social? Na esfera pública, há uma noção de que cabe à arquitetura o papel representacional, isto é, de encontrar uma expressão simbólica para as instituições que definem a sociedade. Frampton escreveu que "a evolução do poder legítimo sempre se baseou na existência da pólis e de unidades comparáveis de forma institucional e física". 9 Que formas seriam essas? No processo de simbolização estão presentes idéias sobre a relação entre o individual e o coletivo, muitas vezes su- geridas por dispositivos de escala e pelo emprego de uma multiplicidade de elementos similares numa construção. Mediante a projeção do corpo humano (símbolo da perfeição da natureza) em suas formas, a arquitetura alcança uma harmonia de proporções que remete à ques- tão da escala e do indivíduo. Tanto na teoria renascentista como no Modulor de Le Corbusier, o corpo fornece um sistema de medidas comparativas inter-relacionadas que propicia uma experiência arquitetônica significativa. Será que esses sistemas de proporções, desenvolvidos abstratamente, são de fato perceptíveis? A estética proporciona critérios de beleza, entre os quais a proporção, a ordem, a unidade e a adequação. Em De re aedificatoria, Alberti afirma que a arquitetura deve emular a natureza de modo que nenhuma de suas partes possa ser retirada ou acrescentada sem comprometer a qualidade do todo. Essa declaração é um exem- plo das doutrinas estéticas que caracterizam a teoria da arquitetura e suscitam as seguintes indagações: como se deve definir a beleza na atualidade? Que papel têm o ornamento e a decoração na beleza? O ornamento foi difamado por alguns pu- ristas modernos, como Adolf Loos, que o considerava um elemento decadente e "um crime". Terão o ornamento, a estrutura e os materiais funções importantes na construção do sentido? Como afirmei ao discutir a inclusão do método nos tratados, o desenvolvimento das técnicas e os avanços tecnológicos são temas teóricos historicamente importan- tes na arquitetura. Os arquitetos do movimento moderno alimentavam grandes es- peranças quanto às possibilidades de transformar a sociedade mediante a produção em massa de objetos e moradias econômicas. A teoria moderna depositou uma fé ilimitada na contribuição das revoluções científica e industrial para o bem-estar da humanidade. Hoje, partindo de nossa perspectiva pós-moderna, nos perguntamos se a história realmente justificou uma fé tão absoluta na técnica e na tecnologia. Essa breve descrição do objetivo geral e do conteúdo dos tratados teóricos já nos dá uma idéia da complexidade da teoria no período pós-moderno. Minha intenção ao examiná-la foi a de contextualizar os ensaios reunidos nesta antologia, que consti- tuem as mais recentes contribuições ao discurso da arquitetura. Passo agora a exami- nar o pós-modernismo. PARTE II: 0 QUE É 0 PÓS-MODERNISMO? Muitos livros e longos ensaios tentaram responder a essa pergunta, e é evidente que o termo comporta diferentes significados em diferentes contextos. Não faz parte dos objetivos do meu ensaio apresentar uma análise crítica ou aprofundar-me no estudo dessas definições. Em vez disso, a segunda parte desta Introdução examina o pós-modernismo na arquitetura sob três enfoques: como um período histórico que mantém uma relação específica com o modernismo; como uma variedade de paradigmas relevantes [marcos teóricos] para a reflexão sobre objetos e questões culturais; e como um grupo de temas. As próximas seções da Introdução se sobre- põem umas às outras, mas, apesar disso, ajudam a traçar as linhas gerais do pós-mo- dernismo como período e como modo de investigação dealguns temas recorrentes. Os ensaios foram reunidos em capítulos organizados segundo esses mesmos para- digmas e temas. II A: 0 PÓS-MODERNISMO COMO PERÍODO HISTÓRICO 0 CONTEXTO HISTÓRICO Em que contexto ocorreu a crise do modernismo? O teórico da cultura Frederic Jame- son responde do seguinte modo: Os anos 1960 foram, de muitas maneiras, o período-chave da transição, um pe- ríodo no qual a nova ordem internacional (neocolonialismo, Revolução Verde, disseminação do uso computador e informação eletrônica) ao mesmo tempo se estabeleceu e foi abalada e conturbada por suas próprias contradições internas e pela resistência externa.10 Essa nova ordem é designada de diversas maneiras, como capitalismo tardio, capita- lismo multinacional, pós-industrialização ou sociedade de consumo." É mais fácil determinar o início do período pós-moderno do que seu fim, ao qual provavelmente ainda não chegamos. O ativismo estudantil em prol dos direitos hu- manos, da liberdade e da proteção do meio ambiente coincidiu com o surgimento da cultura da droga, do rock e do pacifismo. A exploração do espaço cósmico, que se iniciou gloriosamente na década de 1960, malogrou vinte anos depois quando os acidentes desastrosos de Three Mile Island (1979) e Chernobil (1986) destruíram as esperanças depositadas na exploração segura da energia nuclear. O individualismo radical se chocou com o fundamentalismo religioso repressivo. Apesar da sucessão de conflitos militares localizados (motivados por disputas em torno de petróleo, etnicidade e religião) que eclodiram logo depois da Segunda Guer- ra Mundial, de maneira geral a paz reinou no Ocidente durante cinqüenta anos. A população mundial cresceu enormemente e o comunismo se desintegrou como força política significativa na Europa Ocidental, tendo como marco espetacular a demoli- ção do Muro de Berlim em 1989. OBJEÇÕES AO MOVIMENTO MODERNO NA ARQUITETURA Em meados dos anos 1960, as objeções à ideologia do movimento moderno e a uma ar- quitetura moderna degradada e banalizada avolumaram-se e proliferaram rapidamen- te, vindo a constituir o que se denominou de crítica pós-moderna. Como Frampton observou, "não há dúvidas de que, em meados da década de 1960, estávamos cada vez mais carentes de uma base teórica realista sobre a qual fundar o nosso trabalho".12 Em "Place-form and Cultural Identity", Frampton fala sobre sua crescente con- vicção de que era preciso imprimir novo sentido ao modernismo: já entendíamos nossa missão como a de reconstituir em certa medida o vigor criati- vo de um movimento que nos anos anteriores se acomodara formal e programatica- mente [...] De qualquer forma, nós fomos a última geração de estudantes a alimentar o projeto de criar modelos urbanos utópicos, tanto num sentido formal como num sentido programático.13 A demolição do conjunto habitacional de Pruitt-Igoe, em St. Louis, Missouri, em 1972, é geralmente reconhecida como o marco do fracasso de uma concepção modernista de habitação social. Um "subproduto antiutópico, que ao mesmo tempo inspira e merece a destruição", uma "interpretação burocrática" realizada por Minoru Yamasaki dos sonhos de Le Corbusier, Hilbersheimer e outros,14 que a população de baixa renda detestou e se encarregou de destruir pelo vandalismo e pela negligência. A demolição deliberada e espetacular dessa obra da arquitetura moderna (tão celebrada quando de sua inauguração) foi um claro sinal de alerta para os arquitetos. A fé que a geração de Frampton depositou na continuidade do projeto moderno foi também abalada pela apropriação da estética moderna como símbolo de inovação na arquitetura das grandes corporações empresariais. Despojada de seu programa so- cial, a arquitetura moderna da década de 1950 reduziu-se a um estilo reiteradamente utilizado nas áreas comerciais das cidades. Esse fato não chegou a preocupar mui- to os arquitetos norte-americanos. Referindo-se aos "New York Five",15 Colin Rowe afirmou que "a arquitetura moderna européia foi importada para a América sem o seu componente ideológico".16 Nos anos 1960, aliás, já se sabia que os europeus não tinham sido muito bem-sucedidos na implementação de sua agenda social, e um cli- ma de frustração com as reformas sociais tomou conta da profissão. A organização de exposições e de publicações, bem como a criação de instituições dedicadas à teoria, de certo modo parece responder a essa crise profissional. A referência a exemplos signifi- cativos dessas iniciativas vai definir o período em pauta, de 1965 a 1995. INSTITUTOS ESPECIALIZADOS EM TEORIA DA ARQUITETURA! NOVA YORK, VENEZA, LONDRES A institucionalização da teoria arquitetônica se evidencia na fundação de dois cen- tros de estudos independentes em Nova York (1967-85) e Veneza (1968-), ambos responsáveis por intensa atividade editorial. Com uma missão semelhante à da AA - London Architectural Association, fundada em 1847, o cosmopolita I A U S - Insti- tute for Architecture and Urban Studies, de Manhattan, organizou cursos, palestras, simpósios, mesas-redondas e exposições. Tal como a AA e o Instituto de Veneza, o I A U S foi criado por uma comissão de arquitetos (presidida por Peter Eisenman) contrários ao sistema vigente de ensino de arquitetura, que na Inglaterra e na Itália é estatal.17 O I A U S publicou um boletim informativo, Skyline, duas revistas, Oppo- sitions e October, e uma série de livros com o selo da Oppositons.19 Fez parte dessa série de vida curta a influente tradução para o inglês de VArchitettura delia città, de Aldo Rossi em 1982 (o original italiano data de 1966). A forte ênfase do Instituto no discurso e disseminação da teoria foi típica do período pós-moderno. (O C I A U - Chicago Institute for Architecture and Urbanism [Instituto de Arquitetura e Ur- banismo de Chicago] ressuscitou o modelo do I A U S , entre 1987 e 1994, quando as fontes de financiamento minguaram.) Uma das contribuições mais importantes do I A U S foi ter apresentado ao público norte-americano arquitetos e teóricos europeus, muitos dos quais influenciados por paradigmas lingüísticos.19 Apesar de o I A U S não ter nenhuma ligação oficial com o Instituto de Veneza, pode-se dizer que as duas organizações tinham muitas questões em comum. Entre os teóricos de maior influência nesse período estavam arquitetos italia- nos que se congregavam nas faculdades de arquitetura de três cidades, Roma, Milão e Veneza.20 O I A U V - Istituto Universitário di Architettura di Venezia, fundado no pós-guerra, tornou-se, sob a direção de Giuseppe Samonà, entre 1945 e 1970, um im- portante centro de ensino e pesquisa.21 Em 1968, Manfredo Tafuri (falecido em 1994) fundou, no âmbito do I A U V , O Instituto de História da Arquitetura, que para ali atraiu outros pesquisadores interessados na teoria crítica e no marxismo. Os ensaios em que Tafuri fez a revisão do método historiográfico alemão e das relações entre marxismo e arquitetura são ainda hoje muito consultados. Embora os nomes de Rossi e Gregotti sejam geralmente associados a Milão, ci- dade em que nasceram, ambos fazem parte do grupo de arquitetos neo-racionalistas conhecido como a "Escola de Veneza". Suas carreiras são uma prova da importân- cia do seu engajamento simultâneo em diferentes aspectos da profissão, inclusive na atividade docente que ambos exerceram no I A U V . Logo depois de se formar, Rossi também se dedicou à atividade editorial e à pesquisa urbana no Instituto de Veneza. Gregotti, diretor da revista Casabella desde 1982, expressa a opinião de muitos de seus contemporâneos, quando afirma: Para um arquiteto, dirigir uma revista, ensinar ou participar de debates públicos é uma forma de cultivar a reflexão teórica, não como uma atividade isolada, mas como um aspecto indispensável do seu ofício projetual. Na verdade, a teoria e a história foram e ainda são dois importantes componentes do projeto, pelo me- nos paraa minha geração.22 A realização simultânea de todas essas atividades consolidou a influência da "Escola de Veneza". PUBLICAÇÕES: REVISTAS COMERCIAIS, PERIÓDICOS ACADÊMICOS, DEBATES Outra forma de reação à crise profissional na arquitetura moderna foi o floresci- mento de uma literatura teórica com a criação de revistas comerciais independentes e periódicos ligados a instituições acadêmicas. Desvinculadas de organizações de classe, como o A I A - American Institute of Architects ou o R I B A - Royal Institute of British Architects, tais revistas freqüentemente assumiram uma postura crítica com relação aos periódicos oficiais. Além das publicações do Instituto de Veneza, surgiram na Itália três outras revis- tas de arquitetura que ainda hoje estão em circulação: Lotus, Casabella e Domus. As duas últimas começaram a ser publicadas em 1928 e a Lotus saiu pela primeira vez em 1963; seu sofisticado conselho editorial publicou ensaios teóricos de grande prestígio internacional, em italiano e inglês. É de Gregotti, novamente, a seguinte descrição da arquitetura no começo da era pós-moderna: "Não foi por acaso que os anos 1960 revelaram uma nova produção teórica marcada pela parcialidade, suficiente para pôr em foco novas questões e aspectos da disciplina, tanto na Itália como no exterior".23 Durante dez anos (1985-95), sob o patrocínio do escritório de arquitetura de Hen- ning Larsen, em Copenhague, os arquitetos dinamarqueses publicaram a revista Skala: Nordic Magazine of Architecture and Art. Em seus trinta números, a revista publicou trabalhos da maioria dos grandes nomes da arquitetura pós-moderna internacional. Os artigos e entrevistas, publicados em dinamarquês e inglês, eram acompanhados de um layout generoso, com projeto gráfico de peso e farta ilustração. Exposições realiza- das na Skala Gallery e conferências de arquitetos visitantes fizeram do programa uma versão escandinava em pequena escala do I A U S . Desde a sua fundação, em 1971, a revista japonesa A+U - Architecture and Ur- banism tem publicado trabalhos seminais, tornando projetos e textos acessíveis ao Ocidente por meio de traduções para o inglês e primoroso tratamento gráfico e fo- tográfico. Um grupo internacional de conselheiros e correspondentes estabelece as diretrizes editoriais da A+U. Os "perfis" temáticos periodicamente publicados pela conceituada revista AD - Architectural Design, de Londres, continuam a oferecer introduções oportunas e es- timulantes aos debates em curso. Muitos arquitetos colaboram simultaneamente nos conselhos editoriais de Lotus, A+U e AD. Com raras exceções, as mulheres não estão bem representadas em cargos de direção das revistas, nem como autoras. Sua exclu- são de postos-chave nas revistas pode ser uma explicação para o reduzido número de trabalhos publicados escritos por arquitetas. É possível que essa situação se modifique agora que as mulheres já constituem a metade do corpo discente das escolas de arqui- tetura e vêm também assumindo postos docentes. Além dessas publicações comerciais, houve uma proliferação de periódicos de ar- quitetura ligados a universidades no período pós-moderno. Alguns seguem o modelo de Perspecta: The Yale Architectural Journal, criada em 1952. A revista VIA, ligada à Universidade da Pensilvânia, e a Architectural Association Quarterly ( A A Q ) , começa- ram a ser publicadas em 1968, ano do manifesto elaborado pela Comissão de Greve dos estudantes da École des Beaux-Arts.24 A AAQ foi interrompida em 1982 e reto- mada posteriormente com o título de AA Files. Modulus (da Universidade da Virgí- nia) e Precis (da Universidade de Colúmbia) apareceram em 1979; a última parou de publicar em 1987. Os assuntos tratados nessas revistas temáticas permitem traçar as preocupações do período. A Harvard Architecture Review, por exemplo, estreou em 1980, com um número intitulado Beyond the Modern Movement. A Princeton Journal ofArchitecture apareceu pela primeira vez em 1983, com um número dedicado à análi- se do Ritual, e o volume 1 da Pratt Journal of Architecture, intitulado Architecture and Abstraction (1985), contrapôs a ascensão da representação historicista pós-moderna à abstração modernista. Alguns periódicos adotaram um enfoque temático, como a revista Center (da Universidade do Texas em Austin), que desde 1985 se dedica a ques- tões genericamente relacionadas ao estudo da arquitetura norte-americana. A seriedade com que os editores, alunos e professores, tratam os assuntos (a histó- ria, a cidade, a monumentalidade, a paisagem, a tectônica, a ética etc.) indica a profun- didade da percepção da crise. Os arquitetos pós-modernos usaram a palavra escrita para selecionar problemas complexos com a mesma freqüência com que se voltaram para o projeto teórico. A imensa atividade editorial acadêmica nesse período é um indicador do impacto recente e acessibilidade da editoração eletrônica em mercados não-comerciais. Mas também é um reflexo da escassez do trabalho de prancheta entre os arquitetos, principalmente na fase de desaceleração da atividade construtiva preci- pitada pela crise energética e o embargo do petróleo de 1973, e pela subseqüente reces- são da indústria de construção civil ao longo das décadas de 1980 e 1990. Em períodos de decréscimo de suas atividades profissionais, os arquitetos desviam o seu interesse para a elaboração de textos e projetos teóricos. Passemos agora a examinar mais detalhadamente alguns livros e artigos emble- máticos. O leitor também poderá orientar-se pela discussão dos temas e paradigmas teóricos contida nas próximas seções, bem como pelas introduções de cada ensaio, onde são fornecidas mais informações de contexto. As objeções levantadas na década de 1950 à ortodoxia do movimento moderno culminaram em meados dos anos 1960 com a publicação de diversos tratados muito significativos, além dos já mencionados A arquitetura da cidade e Complexidade e contradição em arquitetura (1966). Entre eles incluem-se Intentions in Architecture (1965), de Christian Norberg-Schulz, Notes on the Synthesis ofForm (1964), de Chris- topher Alexander, e II Territorio delVArchitettura (1966),25 de Gregotti. Este último não foi traduzido na íntegra para o inglês, mas é citado com freqüência por autores não italianos (cap. 7). Os livros de Norberg-Schulz e de Rossi serão discutidos na pró- xima seção, que trata da questão do lugar e da teoria urbana (caps. 9, 6 e 7). O livro de Robert Venturi, Complexidade e contradição em arquitetura, publi- cado pelo Museu de Arte Moderna de Nova York e traduzido para dezesseis idio- mas, preconiza a importância de levar em conta e aplicar a história da arquitetura no projeto contemporâneo (cap. 1). Essencialmente um manifesto em prol do ecletismo historicista, o livro privilegia o primeiro termo, antimoderno, das oposições binárias, híbrido/puro, distorcido/simplificado, ambíguo/claro. Venturi trata da comunicação de significados em distintos níveis e se vale de associações comuns com a história da arquitetura. De modo semelhante, Aprendendo com Las Vegas (1972)26 acentua o valor do dado comum, da cultura simplória da Strip, ou corredor comercial às margens das auto-estradas (cap. 6). A teoria inclusiva do "tanto... como" (both/and), formulada em Complexidade e contradição, reconhece funções explícitas e implícitas, literais e simbólicas, e admite múltiplas interpretações. Ao afirmar sua preferência pela "difícil ordem de inclusão" (com todas as tensões que dela resultam), Venturi demonstra a influência de diversos paradigmas de pensamento: a semiologia, a psicologia da Ges- talt e a teoria literária de William Empson, em Seven Types ofAmbiguity. 27 As últimas páginas do livro sugerem a direção que as investigações de Venturi viriam a tomar: ao declarar que a Main Street americana é "quase correta", ele propõe que "talvez se possa colher na paisagemcotidiana, vulgar e desdenhada, a ordem complexa e con- traditória, que é legítima e vital para nossa arquitetura como um todo urbanístico".28 Um arquiteto que celebra no meio ambiente o "feio e ordinário" é certamente revolu- cionário, mas a mudança será para melhor? Estará contida nesta celebração a posição populista que ele alega representar? Philip Johnson (um dos mentores de Venturi) recorda a importância de Comple- xidade e contradição para o pós-modernismo arquitetônico, quando escreve que: Tudo começou com o livro de Bob Venturi. Nós - Venturi, [Robert A. M.] Stern, [Mi- chael] Graves e eu - percebemos que devíamos nos ligar mais à cidade e às pessoas. E que devíamos ser mais contextuais: que devíamos prestar atenção nos velhos edifícios. 29 Onze anos depois de publicada, a influência da teoria de Venturi já era grande. Em 1977, Robert Stern, o editor da revista Perspecta que, em 1965, reproduziu pela pri- meira vez um excerto de Complexidade e contradição, escreveu uma interpretação da tendência historicista pós-moderna. (Para distinguir o estudo de Stern do pós-moder- nismo em geral, denomino-o de historicismo pós-moderno.) Nesse ensaio, intitula- do "Novos rumos da arquitetura moderna norte-americana: pós-escrito no limiar do modernismo", Stern identifica três focos de interesse: a cidade, a fachada e a idéia de memória cultural (cap. 1). E, ademais, estabelece alguns princípios como corolários: o edifício é um fragmento de um todo maior (contextualismo); o ato arquitetônico é uma resposta histórica e cultural; e o significado dos edifícios se desenvolve ao longo do tempo.30 Embora o "pós-escrito" de Stern tivesse a intenção de assinalar o fim do modernismo e de anunciar o começo da era pós-moderna, não se apresenta como um manifesto, tal qual o livro de Venturi de 1966. O ensaio apresenta o pós-moder- nismo na forma de uma crítica, que Stern identifica com uma tentativa de acabar com a divisão moderna entre o "racionalismo" (compreendendo a função e a tecnologia) e o "realismo" (a história e a cultura). É interessante notar que função e tecnologia são justamente os aspectos que Peter Eisenman associa com a representação "realista" do movimento moderno em "O fim do clássico" (cap. 4). Stern alega que as formas Marcella Aquila arquitetônicas pós-modernas são "reais" e não abstratas, e que têm "consciência de seu propósito e materialidade, de sua história, do contexto físico em que são constru- ídas e do ambiente social, cultural e político de que se originaram".31 Stern apresenta nos seguintes termos a sua posição quanto ao papel social da construção: "os edifícios são projetados para significar alguma coisa [...] não são objetos hermeticamente fe- chados".32 Contrapondo-se à confiança na comunicação e na acessibilidade, os defen- sores da responsabilidade social da arquitetura criticaram a arquitetura historicista pós-moderna como um modismo elitista.33 No mesmo ano de 1977, Charles Jencks publicou The Language of Post-Modern Architecture, em que classificou o novo movimento como um estilo dotado de cer- tas características previsíveis. Jencks popularizou a palavra "pós-modernismo" (que vem do final da década de 1940) na arquitetura, de onde ela se propagou para as demais artes. Em sua obra teórica, Jameson e o filósofo Jürgen Habermas adotam a acepção de pós-modernismo arquitetônico cunhada por Jencks [a qual denomino de historicismo pós-moderno] para se referirem a uma série de questões culturais e societárias mais gerais. Em 1969, um grupo de arquitetos, que se autodenominavam CASE (Conference of Architects for the Study of the Environment), reuniu-se no M O M A - Museu de Arte Moderna de Nova York. Um resultado indireto do encontro foi a publicação em 1972 do livro Five Architects, que exibiu a obra abstrata e de inspiração modernista de Peter Eisenman, Michael Graves, Charles Gwathmey, John Hejduk e Richard Meier, arqui- tetos que se tornaram conhecidos como "Os Cinco de Nova York". Com uma apresen- tação escrita em parceria por Arthur Drexler (então curador do M O M A e diretor do setor de Arquitetura e Design), Colin Rowe e Kenneth Frampton, e incluindo um pós- escrito assinado por Johnson, a obra dos cinco adquiriu imediata credibilidade entre os patronos da arquitetura. Representando uma tendência abstracionista contrária à causa de Venturi, Stern e Jencks em favor da importância do significado, o livro teve enorme influência entre os arquitetos. No prefácio, Drexler define o tom ao descrever a obra ali apresentada como "apenas arquitetura, não a salvação da humanidade ou a redenção do mundo: [...] Todos nós estamos interessados [...] na reforma social [...] Os jovens europeus ainda não compreenderam que a arquitetura é o instrumento com menor chance de fazer a revolução, mas nos Estados Unidos isso já é um fato". 34 O solo comum entre os cinco era o formalismo: o interesse pela arquitetura do jovem Le Corbusier e pelas possibilidades não experimentadas de transpor para a arquitetura as idéias dos pintores cubistas. Desde então, cada um seguiu o seu caminho, mas todos continuam a ser figuras importantes nos meios acadêmicos e no mundo profissional. Em 1976, Rowe publicou uma coletânea dos ensaios que escreveu desde o final da década de 1940, com o titulo de The Mathematics of the Ideal Villa and Other Essays. Muitos textos haviam circulado informalmente antes da publicação, e o livro se tor- nou um clássico, inclusive o influente ensaio "Transparency: Literal and Phenome- nal", escrito em parceria com Robert Slutzky.35 O livro Collage City (1978), em co- autoria com Fred Koetter, será analisado mais adiante no âmbito de uma discussão sobre a cidade. O capítulo 6 reedita uma versão desse texto, que foi publicada no formato de artigo em 1975. EXPOSIÇÕES Uma série de importantes exposições deu suporte à difusão da teoria arquitetônica pós-moderna. A mesma simultaneidade de meios caracterizou o período do alto modernismo das décadas de 1920 e 1930 na Europa, com as suas novas revistas radi- cais e as freqüentes exposições de protótipos habitacionais. Nos Estados Unidos, a primeira tendência da arquitetura moderna foi lançada em Nova York, pelo Museu de Arte Moderna (por incentivo de Johnson), com a realização da exposição sobre o Estilo Internacional em 1932. Esta mostra seminal teve a sua versão no período pós- moderno quando o M O M A organizou três importantes exposições que mapearam as mudanças de rumo na arquitetura. A primeira, a Exposição Beaux-Arts, de 1975, e seu volumoso catálogo (que ainda se podia avistar nas mesas dos estudantes de Yale durante os anos 1980) influenciaram graficamente a arquitetura pós-moderna com suas delicadas aquarelas de projetos neoclássicos da Academia Francesa. As plantas exibidas também mostravam exemplos do emprego clássico da procissão, dos eixos, da hierarquia, dos espaços em poché e da proporção. Quatro anos depois, a expo- sição "Transformations" reuniu trabalhos realizados a partir de 1969, incluindo um repertório semelhante àquele apresentado por Jencks em A linguagem da arquitetu- ra pós-moderna. i6 A terceira exposição organizada pelo M O M A no período pós-moderno, com a cura- doria conjunta de Johnson e Mark Wigley, foi "Deconstructivist Architecture", em 1988.37 Nela, os curadores tentaram fazer o mesmo tipo de reorientação da profissão, o mesmo tipo de codificação de um "movimento", tal como realizado pelas importantes exposições que a precederam. Apesar de atrair alguma atenção, a exposição não lan- çou nenhuma outra tendência significativa. A discrepância entre o aspecto exterior das obras e as intenções dos arquitetos fez o conjunto parecer forçado. Mary McLeod, em "Architecture and Politics in the Reagan Era: From Postmodernism to Deconstructi- vism", sugere que alguns dos arquitetos que haviam rejeitado o título de "desconstru- tivistas" quiseram participarda exposição.38 Ao que parece, o nome "desconstrutivis- mo" servira mais como um rótulo estilístico para a exibição de obras provocativas do que talvez para assinalar maiores afinidades intelectuais entre elas. Termo ambíguo, o "desconstrutivismo" (usado somente na arquitetura, pelo que sei) reflete expressamente Marcella Aquila duas fontes de influência sobre o tipo de obra pós-moderna ali exibida: a desconstrução filosófica de Jacques Derrida (ver a discussão sobre a teoria lingüística) e o construtivis- mo russo. Rem Koolhaas e Zaha Hadid, que trabalharam juntos, são talvez os arquitetos que mais fizeram explorações formais baseadas no construtivismo. Do grupo de arqui- tetos que participou da exposição, Peter Eisenman e Bernard Tschumi são os que mais se aproximam de uma postura desconstrucionista, com sua ênfase na crítica e na disso- lução das fronteiras disciplinares. Mas Frank Gehry, Steven Holl e o Coop Himmelblau não têm muito em comum com os outros arquitetos citados; o que os aproxima é um método de trabalho que parte da intuição e das propriedades sensoriais dos materiais. Gehry e Holl representam uma forte contratendência ao historicismo pós-moderno, adotando um enfoque quase metafísico das coisas concretas. Em seus trabalhos e nos de outros arquitetos desse período há um fundamento fenomenológico, nem sempre articulado conscientemente, mas que se faz muito presente como subtexto. Em 1980, a Galeria Leo Castelli de Nova York pediu aos mais importantes arquitetos internacionais que mandassem projetos de residências particulares, numa prova do reconhecimento da crescente popularidade da arquitetura entre o grande público. Os oito projetos visionários reunidos na mostra "Houses For Sale" foram expostos como obras de arte e rapidamente vendidos.39 A Galeria Max Pro- tech, também de Nova York, montou exposições regulares de arquitetura durante toda a década de 1980. A seção de arquitetura da Bienal de Veneza de 1980 foi organizada por Paolo Portoghesi em torno do tema "A presença do passado". Em seu livro, Postmodern: The Architecture of the Postindustrial Society, Portoghesi assim descreveu o fenôme- no ali retratado: A linguagem do pós-modernismo [...] trouxe para o domínio da cidade contemporâ- nea um componente imaginário e humanista e pôs em circulação fragmentos e méto- dos da grande tradição histórica do mundo ocidental. [...] Introduziu uma nova força e um novo grau de liberdade no mundo do arquiteto, no qual, por décadas, a estagna- ção criativa e uma extraordinária indolência haviam tornado inoperante a herança do movimento moderno.40 A exposição suscitou polêmica: uns a consideraram saudosista e "cenográfica", outros, como o curador, como uma injeção de ânimo na arquitetura. Jürgen Habermas ficou tão chocado com a visita à exposição que redigiu uma conferência para protestar con- tra aquela "vanguarda de fachadas retroversas".4' Publicado sob o título "Modernida- de - um projeto inacabado",42 seu ensaio indignado tornou-se um marco de conver- gência dos arquitetos preocupados em salvaguardar os aspectos válidos do programa da arquitetura moderna. II B: PARADIGMAS TEÓRICOS DEFINIDOS PELO PÓS-MODERNISMO Além da multiplicação de publicações dedicadas à teoria arquitetônica, de centros de estudos especializados e das exposições, o pós-modernismo se caracteriza em geral pela proliferação de paradigmas teóricos ou de enquadramentos ideológicos, que estruturam os debates temáticos. Importados de outros ramos do conhecimento, os principais paradigmas que modelam a teoria arquitetônica são a fenomenologia, a estética, a teoria lingüística (semiótica, estruturalismo, pós-estruturalismo e descons- trucionismo), o marxismo e o feminismo. PRIMEIRO PARADIGMA: A FENOMENOLOGIA Um aspecto dessa interdisciplinaridade é o papel central na teoria da arquitetura do método filosófico conhecido como fenomenologia. A existência desse fundamento fi- losófico na base das atitudes pós-modernas com relação ao sítio, ao lugar, à paisagem e à edificação (especialmente a tectônica) passa muitas vezes despercebida, não susci- tando investigação. A teoria arquitetônica recente aproximou-se da reflexão filosófica ao problematizar a interação do corpo humano com seu ambiente. Sensações visuais, táteis, olfativas e auditivas constituem a parte visceral da apreensão da arquitetura, um veículo que se distingue por sua presença tridimensional. No período pós-moder- no, a relação corporal e inconsciente com a arquitetura voltou a ser um objeto de es- tudo para alguns teóricos por meio da fenomenologia. A fenomenologia husserliana, enquanto "uma investigação sistemática da consciência e de seus objetos",43 serviu de base para o trabalho de filósofos posteriores. Estimulada pela facilidade de acesso a traduções de obras de Martin Heidegger e Gaston Bachelard da década de 195o,44 a reflexão fenomenológica sobre a arquitetura começou a tomar o lugar do formalismo e a preparar o terreno para o surgimento da estética contemporânea do sublime. Há um retardamento característico da teoria da arquitetura em relação à teoria da cultura, e a assimilação da fenomenologia não foi uma exceção. A crítica fenomenológica da lógica da ciência, que o pensamento posi- tivista ("o otimismo acerca dos benefícios que a difusão do método científico haveria de proporcionar à Humanidade")45 elevara acima do Ser desvalorizado, atraiu bem menos o entusiasmo dos pós-modernistas engajados na reconsideração das contri- buições da tecnologia para a modernidade. Heidegger (1889-1976) estudou filosofia com Edmund Husserl. Seus alinhamen- tos políticos duvidosos durante a Segunda Guerra Mundial provocaram uma áspera recepção de sua obra no meio filosófico. Não obstante, a influência de Heidegger é evidente no desconstrucionismo de Derrida e nas teses sobre o corpo dos teóricos pós-modernos. Os escritos de Heidegger são motivados por sua preocupação com a incapacida- de do homem moderno de refletir sobre o Ser (ou a existência). E isso é crucial, diz ele, porque essa reflexão é que define a condição humana. Um dos trabalhos fenome- nológicos de maior influência na arquitetura é "Construir, habitar, pensar", em que Heidegger analisa a relação entre o construir e o habitar, Ser, edificar, cultivar e con- siderar.46 Investigando a etimologia da palavra alemã bauen ("construir"), Heidegger redescobre antigas conotações e significados mais amplos que exprimem a riqueza potencial da existência. Habitar é definido como "um permanecer [ou estar] com as coisas". Quando as coisas (os elementos reunidos na natureza quádrupla de terra, céu, seres mortais e seres divinos) são nomeadas pela primeira vez, afirma o filósofo, elas são reconhecidas. Heidegger sustenta ao longo do ensaio a idéia de que a linguagem modela o pensamento, e que o pensamento e a poesia são necessários ao habitar. Christian Norberg-Schulz interpreta o conceito heideggeriano de habitar como es- tar em paz num lugar protegido. Isso o leva a defender o potencial da arquitetura para dar suporte ao habitar: "o objetivo primordial da arquitetura, portanto, é fazer um mun- do visível; ela o faz como uma coisa, e o mundo que ela torna presente consiste naquilo que ela reúne".47 O crítico norueguês tornou conhecida a idéia de uma conexão entre a arquitetura e o habitar numa série de publicações iniciada em 1971 com Existence, Spa- ce and Architecture. Um interesse anterior pela experiência das coisas "concretas" está expresso em "Intenções na arquitetura" (1965), em que já se anuncia a futura direção de seus estudos. Norberg-Schulz é muito citado atualmente e é tido como o principal de- fensor de uma fenomenologia da arquitetura que se preocupa com "a concretização do espaço existencial" mediante a formação de lugares. O aspecto tectônico da arquitetura tem um papel nisso, principalmente no que diz respeito ao detalhe concreto que, nas palavrasde Norberg-Schulz, "explica o ambiente e exprime seu caráter".48 A abordagem fenomenológica da arquitetura requer uma atenção cuidadosa ao modo de fazer as coisas. Atribui-se a Mies a frase: "Deus está nos detalhes". Essa in- fluente escola de pensamento não somente reconheceu e exaltou os elementos básicos da arquitetura (parede, chão, teto etc., como horizontes ou limites), mas reavivou o interesse pelas qualidades sensoriais dos materiais, luz, cor, e pela significação simbó- lica e tátil da junta. Perez-Gomes propõe ampliar o conceito heideggeriano da habitação para incluir uma "orientação existencial", uma identificação cultural e uma relação com a histó- ria.49 Fixando para si um "ponto de apoio" existencial numa arquitetura "autêntica", o homem pode lidar com a mortalidade pela transcendência da "habitação".50 Inspirado na fenomenologia de Hans-Georg Gadamer, Perez-Gomez afirma que a apreensão do significado da arquitetura requer uma "dimensão metafísica". Essa di- mensão "revela a presença do Ser, a presença do invisível no interior do mundo coti- diano". O sentido do invisível deve exprimir-se numa arquitetura simbólica. A ênfase que Perez-Gomes dá ao habitar é semelhante à de Norberg-Schulz, mas o primeiro é mais prescritivo na exigência da representação: "uma arquitetura simbólica é a que re- presenta, que pode ser reconhecida como parte de nossos sonhos coletivos, como um lugar completamente habitado".51 É possível, no entanto, ao mesmo tempo reconhe- cer a potência do conceito de habitar e contestar a afirmação de Perez-Gomes sobre a necessidade de meios representativos, simbólicos, de concretizá-lo. De fato, alguns teóricos argumentam que a abstração é mais aberta a interpretações e, portanto, mais universalmente significativa. Um fenomenólogo finlandês, Juhani Pallasmaa, estuda a apreensão psíquica da arquitetura (cap. 9). Ele fala de uma "abertura da visão para uma segunda realidade de percepção, sonhos, imaginação e vivências esquecidas".52 Em seus trabalhos, essa abertura é realizada por uma abstrata "arquitetura do silêncio".53 Se as pesquisas de Pallasmaa sobre o inconsciente podem ser comparadas às pesquisas freudianas sobre o "estranhamente familiar" (uncanny)", 54 a sua arquitetura do silêncio faz eco ao su- blime no pensamento contemporâneo. SEGUNDO PARADIGMA: A ESTÉTICA DO SUBLIME Como a fenomenologia, a estética é um paradigma filosófico que se refere à produção e à recepção de uma obra de arte. Esta seção apresenta proposições relacionadas com uma das mais importantes categorias estéticas do período pós-moderno. Por sua fun- ção como expressão característica da modernidade,55 o sublime é a principal categoria estética surgida no período pós-moderno. O súbito ressurgimento de um interesse no sublime se explica em parte pela ênfase recente no conhecimento da arquitetura através da fenomenologia. O paradigma fenomenológico destaca uma questão fun- damental da estética: o efeito que uma obra de arquitetura produz no observador. No caso particular do sublime, a experiência estética é visceral. As definições mais recentes do sublime (como o grotesco e o "estranhamente fa- miliar") configuram o discurso estético modernista e coincidem com o pensamento pós-moderno. Os teóricos contemporâneos que estudam o sublime reinterpretam uma tradição que remonta ao século primeiro d.C. e que foi desenvolvida pelo Ilumi- nismo. No alvorecer da modernidade, Edmund Burke e Immanuel Kant são impor- tantes fontes setecentistas.56Uma revisão do conceito de sublime nos ajudará a situar o discurso arquitetônico e a dar um passo além do formalismo. Na arquitetura do século xx, toda menção ao sublime ou ao belo parece ter sido deliberadamente reprimida por teóricos e projetistas ansiosos por se desvincularem do passado recente. A "ruptura radical" com a história da disciplina que o moder- nismo almejava impunha uma mudança nos princípios adotados pela teoria estética. A retórica anterior foi suplantada por um debate de idéias acerca da necessidade de fazer tábula rasa da estética (assimilada à abstração)57 e de adotar princípios científicos no projeto arquitetônico. A ênfase positivista na racionalidade e na função deixou de lado a beleza e o sublime enquanto questões subjetivas da arquitetura. O resgate pós-moderno do sublime (e de seu recíproco, o belo), que delineamos nesta seção, contribuiria para uma considerável expansão da teoria. Tomando como modelo a psicanálise e o desconstrucionismo, vários teóricos sustentam que a melhor estratégia para revitalizar a arquitetura é desvendar seus as- pectos reprimidos. Pesquisando o material escondido, muitas vezes se descobrem pressupostos discutíveis acerca dos fundamentos da disciplina. Para Anthony Vidler e Peter Eisenman, os aspectos estranhamente familiares [ uncanny] e grotescos do su- blime foram reprimidos (cap. 14). Segundo Vidler, "nesse contexto, o estranhamente familiar é [...] o retorno do corpo a uma arquitetura que reprimiu a consciência de sua presença".58 Diretamente relacionado a ele é a concepção do grotesco em Eisenman: "a condição do sempre presente ou do que já está contido, que o belo na arquitetura tenta reprimir".59 As idéias desses dois autores começaram a definir o sublime no pen- samento contemporâneo sobre a arquitetura. Na definição de Sigmund Freud, o uncanny é a redescoberta de algo familiar que foi previamente reprimido; é a inquietante sensação da presença de uma ausência. A combinação do conhecido e familiar com o estranho está presente na palavra alemã equivalente a uncanny, unheimliche, cuja tradução literal para o inglês poderia ser o "unhomely". Num recente estudo sobre The Architectural Uncanny, Vidler observa que um tema freqüente é a idéia do corpo humano despedaçado.60 Para ele, o "estra- nhamente familiar" [uncanny], por conseguinte, é o lado apavorante do sublime, e o medo refere-se à privação da integridade do corpo. Vidler localiza "na teoria pós- moderna uma deliberada tentativa de lidar com a condição do corpo humano", cuja necessidade se deve ao fato de que "o corpo em desintegração é uma imagem bastante concreta da idéia humanista do progresso desordenado".61 A fragmentação é um tema importante na arquitetura historicista e desconstrucionista pós-moderna, e a razão disso talvez esteja na rejeição da corporificação antropomórfica. 62 Concentrando seus estudos fenomenológicos no estranhamente familiar, Vidler espera descobrir "o poder de interpretar as relações entre a psique e a habitação, o cor- po e a casa, o indivíduo e a metrópole".63 Ele nota que muitos arquitetos escolheram o estranhamente familiar como "uma poderosa metáfora para uma condição humana fundamentalmente insuportável": a do desamparo.64 O papel do estranhamente familiar numa agenda estética para a arquitetura é o de identificar e examinar criticamente algu- mas das mais importantes questões contemporâneas, como a da imitação, da repetição, do simbólico e do sublime, por meio da conexão estabelecida com a fenomenologia. 65 Vidler reconhece a prática desfamiliarizadora das "inversões das normas estéticas [e] das substituições do sublime pelo grotesco" como estratégias formais de vanguar- da para lidar com a alienação.66 Isso talvez explique a investigação de Eisenman sobre o grotesco como "manifestação do incerto no físico". 67 Ele alega que o grotesco desafia o predomínio continuado do belo, que desde o Renascimento o reprime. Eisenman considera o movimento moderno como parte de um longo e ininterrupto período de cinco séculos que chama de "o clássico" (cap. 4). Nos estudos de Eisenman e em outras teorias recentes, a beleza ressurge no con- texto da oposição ao sublime (grotesco). Ele propõe uma "contenção dentro de si" ["containing within"] em vez de uma inversão da hierarquia vigente, de forma que um termo (o grotesco) continue a reprimir o outro (o belo).68 Essa alternativaà exclusão de categorias opostas reconhece que o grotesco está presente no belo: "a idéia do feio, do disforme e do supostamente antinatural".69 A utilidade dessa categoria estética ex- pandida é a de levar adiante a agenda habitual de Eisenman: ele concebe a possibili- dade de deslocar a arquitetura e sua dependência de ideais humanistas, como o de beleza, por meio dessa complexidade. Talvez se possa usar o modelo proposto por Diana Agrest sobre a relação entre a teoria e a prática arquitetônica para repensar a articulação entre essas duas categorias estéticas: se o belo é o discurso "normativo" da estética, o sublime poderia ser visto como um "discurso analítico e exploratório",70 por oposição ao da beleza. O sublime já foi definido como "um discurso autotransformador" que influenciou a construção do sujeito moderno.71 Esse caráter processual do sublime talvez explique em boa me- dida por que ele seduz tanto os pós-modernistas. A importância do sublime no século xx está finalmente sendo reconhecida pela literatura crítica, inicialmente especializada em artes plásticas e em literatura. Os con- tornos do sublime contemporâneo vêm se delineando, quer seja como um fenôme- no moderno passível de uma crítica social, quer seja como um aspecto do encontro psicológico. Nele se inclui a defesa de Jean François Lyotard e de Eisenman da des- construção da disciplina e da indeterminação da abstração. Sob a rubrica do uncanny arquitetônico, o sublime inclui ainda a proposta fenomenológica de Vidler. Essas for- mulações teóricas oferecem soluções para desmascarar a repressão vanguardista que nos impediu de ver a arquitetura como um diálogo constante entre o sublime e o belo. A ênfase dada por Vidler e Eisenman à experiência espacial do sujeito humano desafia uma recepção formalista e não experiencial da arquitetura. TERCEIRO PARADIGMA! A TEORIA LINGÜÍSTICA A reestruturação do pensamento em paradigmas lingüísticos provocou também uma mudança nas preocupações da crítica cultural pós-moderna. A semiótica, o es- truturalismo e especialmente o pós-estruturalismo (inclusive o desconstrucionismo) remodelaram muitas disciplinas, entre as quais a literatura, a filosofia, a antropolo- gia e a sociologia, bem como a atividade crítica em geral. Em 1966, a John Hopkins University foi palco de um evento que serviu para apresentar ao público norte-ame- ricano a teoria da Europa continental. Entre os conferencistas do International Colloquium on Criticai Languages and the Sciences of Man [Colóquio Internacio- nal sobre Linguagens Críticas e as Ciências do Homem], estavam Jacques Derrida, Roland Barthes e Jacques Lacan.72 Esses paradigmas, que tiveram grande influência no pensamento da década de 1960, acompanharam uma renovação do interesse pelo significado e pelo simbolismo em arquitetura. Os arquitetos estudaram como o significado é transmitido pela lingua- gem e aplicaram esse conhecimento à arquitetura, por meio da "analogia lingüística". Eles se perguntaram até que ponto a arquitetura é uma convenção, como a linguagem, e se o público leigo em arquitetura compreende de que maneira as convenções da disciplina são responsáveis pela construção do significado. Diana Agrest e seu cola- borador Mario Gandelsonas, em "Semiótica e arquitetura", e Geoffrey Broadbent, em "Um guia pessoal descomplicado da teoria dos signos em arquitetura", começaram a indagar se existe um "contrato social" na arquitetura (cap. 2). Questionando o funcio- nalismo moderno como determinante da forma, esses ensaios adotaram uma perspec- tiva lingüística para argumentar que os objetos arquitetônicos não têm um significado inerente, mas podem desenvolvê-lo por intermédio de convenções culturais.73 A semiótica A teoria lingüística é um importante paradigma para a análise de uma questão que preocupa a maioria dos pós-modernos: a da criação e apreensão de significados. A semiótica e o estruturalismo estudam, em especial, o modo pelo qual a linguagem, concebida como um sistema fechado, comunica. A semiótica, o termo escolhido por Charles Sanders Peirce, ou a semiologia, pa- lavra usada por Ferdinand de Saussure, é o estudo científico da linguagem como um sistema de signos que tem uma dimensão estrutural (sintática) e outra de significação (semântica). Relações estruturais vinculam os signos e seus componentes (significan- te/significado) e relações sintáticas se estabelecem entre os signos. As relações semân- ticas têm a ver com os significados, isto é, são relações entre os signos e os objetos que eles denotam. As primeiras pesquisas de Peirce e Saussure, realizadas em fins do século xix e início do século xx, fixaram alguns princípios. As aulas de semiologia proferidas entre 1906 e 1911 pelo lingüista suíço Ferdinand de Saussure foram traduzidas do francês para o inglês em 1959, e fizeram renascer o interes- se por sua obra. A principal contribuição de Saussure foi o estudo sincrônico da lingua- gem (isto é, de seu uso corrente) e a análise de suas partes constitutivas e inter-relações.74 Saussure foi o criador dos conceitos de significante e significado, cujas relações estruturais constituem o signo lingüístico. Tão importante quanto os dois componentes do signo é a idéia de que "a linguagem é um sistema de termos interdependentes em que o valor de cada termo decorre exclusivamente da presença simultânea dos demais".75 Nos anos 1960 multiplicaram-se as aplicações da teoria semiótica a outras disci- plinas, principalmente na América do Norte e do Sul, na França e na Itália. Umberto Eco, romancista, crítico e estudioso da semiótica, escreveu sobre a arquitetura como um sistema semiótico de significação. Em "Function and Sign: Semiotics of Architec- ture", Eco sustenta que os signos arquiteturais (ou morfemas) comunicam funções possíveis por intermédio de um sistema de convenções ou códigos.76 O uso literal ou a função programática é o significado primário da arquitetura. Portanto, os signos denotam funções primárias e conotam funções secundárias. Seu ensaio "A Compo- nential Analysis of the Architectural Sign/Column" demonstra que um único objeto arquitetônico (no caso, a coluna) pode ser portador de um significado e constituir, por isso, uma unidade semântica pertinente.77 Mario Gandelsonas compara, em On Reading Architecture (1972), importante pesquisa semiótica publicada numa conceituada revista profissional (Progressive Ar- chitecture), a obra enfaticamente sintática de Eisenman com os trabalhos fortemente semânticos de Graves. De maneira geral, a teoria e a prática de Agrest e Gandelsonas recebem influência da lingüística; ambos encontram na semiótica uma via para a lei- tura da arquitetura como um campo de produção de conhecimentos. O livro de Gan- delsonas, The Urban Text, é um exemplo desse tipo de análise. 0 estruturalismo O estruturalismo é uma metodologia segundo a qual "pode-se dizer que a verda- deira natureza das coisas não está nas coisas em si, mas nas relações que construí- mos e depois percebemos entre elas".78 O mundo é construído pela linguagem, que é uma estrutura de relações significativas entre signos arbitrários. Assim, os es- truturalistas afirmam que os sistemas lingüísticos contêm apenas diferenças, sem termos positivos.79 O estruturalismo focaliza os códigos, as convenções e os processos responsáveis pela inteligibilidade de uma obra, isto é, sua maneira de produzir um significado so- cialmente inteligível. Como metodologia, o estruturalismo não se ocupa do conteúdo temático, mas das "condições da significação". 80 Apesar de ter raízes na lingüística e na antropologia, o estruturalismo é uma investigação transdisciplinar da relação de um texto com estruturas e processos particulares, sejam eles lingüísticos, psicanalíticos, metafísicos, lógicos, sociológicos ou retóricos. Linguagens e estruturas, em vez do sujeito autoral ou da consciência, são as principais bases da explicação.81A inclinação do estruturalismo para a racionalização da arquitetura, se substituir- mos obra literária por obra arquitetônica, revela-se claramente na seguinte explica- ção do método: O estruturalismo toma a lingüística como modelo e tenta desenvolver "gramáticas" - inventários sistemáticos de elementos e suas possibilidades de combinação - que explicam a forma e o significado das obras literárias.82 0 pós-estruturalismo Segundo o crítico cultural Hal Foster, a transição do moderno ao pós-moderno pode ser assinalada por meio de duas idéias tomadas de empréstimo ao crítico literário e cultural Roland Barthes (morto em 1980). Para ele, as idéias de obra e de texto de Bar- thes refletem a mudança de foco na produção artística ou literária, de uma concepção moderna de criação de um todo ou unidade para a visão pós-moderna da criação de "um espaço multidimensional"83 ou de um "campo metodológico".84 Apesar de alguns autores85 afirmarem que é difícil separar o estruturalismo do pós-estruturalismo, Fos- ter também se vale da obra e do texto para fazê-lo. Em seu ensaio, "(Post) Modern Polemics", Foster associa a obra estruturalista à estabilidade dos componentes do sig- no, enquanto o texto pós-estruturalista "reflete a dissolução contemporânea do signo e o movimento livre dos significantes". 86 Escritos posteriores de Barthes sugerem que o significante tem um potencial para o jogo livre e as infindáveis diferenciações de significado, resultantes de uma cadeia infinita de metáforas. Assim, o pós-estruturalismo funda a "crítica do signo" ao indagar se o signo real- mente se compõe de apenas duas partes (significante e significado) ou se ele não depen- de também da presença de todos os outros significantes, que ele não ativa e dos quais se diferencia. O teórico marxista da literatura Terry Eagleton mostra que, enquanto o estruturalismo separa o signo do referente (o objeto a que o signo se refere), o pós-es- truturalismo dá um passo adiante e separa o significante do significado. 87 Essa linha de pensamento conclui que "a significação não está diretamente presente em um signo".88 Uma outra forma de marcar a passagem do estruturalismo para o pós-estrutu- ralismo, que se deu em torno de 1970, foi a substituição de uma visão objetiva da lin- guagem (como objeto independente de um sujeito humano) para a concepção de que a linguagem é o discurso de um sujeito ou indivíduo. "O discurso", explica Eagleton, "diz respeito à linguagem apreendida como elocução" ou "como prática", é o reconhe- cimento pós-estruturalista da conexão entre os papéis do orador e da audiência, do importante papel do diálogo na comunicação lingüística.89 Antes do estruturalismo, o ato de interpretação visava descobrir o significado que coincidia com a intenção do autor ou do orador, significado este que se tomava como definitivo. O estruturalismo não pretende atribuir um significado verdadeiro à obra (para além de sua estrutura) nem avaliar a obra na referência ao cânone. O pós-estru- turalismo afirma que o significado é indeterminado, fugidio e inesgotável. Dada a irrelevância do projeto crítico tradicional, Barthes formula, em "Da obra ao texto", as seguintes idéias sobre o que deveria ser a crítica pós-estruturalista. Em primeiro lugar, a procura dos críticos de fontes e influências capazes de fundamen- tar suas interpretações de um objeto faz com que seu trabalho incorra no "mito da filiação". 90 Na tentativa de situar as obras de arte ou de arquitetura modernas em um contexto histórico, os críticos se recusam a aceitar a noção modernista de que tudo deve ser original e surgir de uma tabula rasa. Atitude melhor, diz Barthes, é aquela em que "o crítico executa a obra", em ambos os sentidos da palavra. O duplo sentido diz respeito à execução das funções interpretativas usuais do crítico e alude aos seus sentimentos edipianos em relação à literatura do passado. Barthes quer que o crítico ou o leitor em geral assuma um papel ativo como um produtor de significado. Foster afirma em "(Post) Modern Polemics" que o paradigma pós-estruturalis- ta levanta duas questões fundamentais pertinentes à arquitetura pós-moderna: a do estatuto do sujeito e sua linguagem e a do estatuto da história e sua representação. Ambos são construções mentais modeladas pelas representações que a sociedade tem delas. De fato, o objetivo da crítica pós-estruturalista é demonstrar que a realidade é totalmente constituída (produzida e sustentada) por suas representações, antes que refletida por elas. A história, por exemplo, é uma narrativa que contém implicações de subjetividade, do ficcional. Por isso, o pós-estruturalismo admite uma multiplicidade de histórias narradas a partir de outros pontos de vista além dos de elite e do poder. Essas narrativas substituem a versão "recebida" de uma "história dos vencedores".91 O pensamento pós-estruturalista problematiza igualmente o sujeito como au- tor e põe em questão seu status e poder, em análises como a de Barthes, em "A mor- te do autor" (1968), e do filósofo Michel Foucault, em O que é um autor (1969).92 Ambos sugerem que a singularidade e a criatividade do autor não passam de ficções culturais convenientes se confrontadas com o papel seletivo e redutor que os auto- res efetivamente desempenham quando abordam um número limitado de questões. Na visão pós-estruturalista de Barthes e Foucault, amplamente aceita nos dias de hoje, esse "indivíduo" é, de fato, situado em um sistema de convenções que "fala por seu intermédio". A idéia "do artista romântico" como "gênio" criador é criticada enquanto cons- trução ideológica, semelhante à de autor, já que a representação da sociedade entra em conflito com a função do artista. Tal como o autor, a idéia do artista é uma cele- bração exagerada do individualismo. Foucault (morto em 1984) preferiu considerar o autor como uma "função [....] característica do modo de existência, circulação e fun- cionamento de determinados discursos no interior de uma sociedade".93 Essa perspec- tiva permite-lhe formular perguntas mais importantes do que as da crítica tradicional, como, por exemplo: "Quais são os modos de existência deste discurso? Onde tem sido usado, como circula e quem pode apropriar-se dele?".94 Muitos influentes arquitetos e professores de arquitetura aceitam as posições pós- estruturalistas. A teoria arquitetônica pós-moderna vem assim se dedicando ao ree- xame das origens disciplinares da arquitetura moderna (inclusive a noção de tábula rasa) e suas relações com a história (que poderiam ser descritas com propriedade pela expressão que Harold Bloom usou no título de seu livro Angústia da influência (1973), a ênfase modernista na inovação e a noção individualista do arquiteto "herói". A reorientação pós-moderna das prioridades da crítica, a mudança de foco do seu objeto de estudo, coincide com a aplicação de princípios pós-estruturalistas a outras disciplinas. Por exemplo, a análise de Foucault sobre o impacto de vários discursos estimulou um interesse sociológico pelo papel das instituições na sociedade; a crítica psicanalítica de Jacques Lacan e Julia Kristeva é permeada pelas teses pós-estruturalis- tas; no caso de Kristeva, é também embasada no pensamento feminista. Desconstrução Uma das mais importantes manifestações do pós-estruturalismo é a desconstrução. Prática filosófica e lingüística, a desconstrução examina a fundamentação "logocên- trica"95 do pensamento, bem como os fundamentos de disciplinas como a arquitetura. Jacques Derrida, o filósofo francês cuja obra é mais estreitamente associada ao des- construcionismo. analisa as operações retóricas (como a metáfora) para demonstrar a suposta base ou fundamento da argumentação, mostrando como cada conceito foi construído (cap. 3). Especula, por exemplo, sobre o que constitui "a arquitetura da arquitetura" e pergunta: se a arquitetura, a tectônica e o projeto urbano
Compartilhar