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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA – CAMPUS DE CACOAL Departamento do Curso de Direito PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL Bertoldo Kil Cacoal – RO 2007 BERTOLDO KIL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado à Fundação Universidade Federal de Rondônia – Campus de Cacoal como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Marcus Vinicius Xavier de Oliveira. Cacoal – RO 2007 PARECER DE ADMISSIBILIDADE DO ORIENTADOR O acadêmico BERTOLDO KIL desenvolveu o presente Trabalho de Conclusão de Curso sobre o tema “Princípio da Insignificância no Direito Penal”, observando os critérios do Projeto Monográfico, apresentado ao Departamento de Direito da Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus Cacoal. O acompanhamento foi efetivo, tendo o desenvolvimento do trabalho observado prazos fixados pelo Departamento do Curso de Direito. Destarte, o acadêmico está apto para a apresentação expositiva de sua monografia junto à banca examinadora. Cacoal-RO, 13 de agosto de 2007. Marcus Vinicius Xavier de Oliveira Professor Orientador BERTOLDO KIL PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO DIREITO PENAL AVALIADORES _________________________ ___________ 1º Avaliador Nota _________________________ ___________ 2º Avaliador Nota _________________________ ___________ 3º Avaliador Nota _______________ Média Cacoal – RO 2007 Dedico o presente trabalho ao meu pai Emilio (in memoriam), à minha mãe Guilhermina, aos meus lindos filhos Felipe, Lucas e Luiza, de quem furtei momentos preciosos de convívio. E em especial, e muito especial, à minha esposa, colega e companheira Izaura, de quem sou fã e admiro muito, pela paciência, pela prestatividade e pelo amor incondicional nos dezessete anos de convivência, por quem sou muito apaixonado. Agradeço acima de tudo a Deus, meu pai eterno, por ter me condicionado a iniciar e terminar essa faculdade, estando comigo todos os dias. A todos os colegas e professores que estiveram presentes nesta conquista. Em especial à minha adorável família, esposa e filhos, pela paciência e motivação para seguir com segurança e empenho até a conclusão do curso. "[...] uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de direito material, e tampouco pode utilizar-se da denominação de Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito" Claus Roxin RESUMO A presente monografia objetivou analisar o princípio da insignificância como excludente da tipicidade penal material. Objetivou, ainda: analisar a localização espacial do Direito Penal; analisar a estrutura do crime; conceituar bem jurídico tutelado; demonstrar a objetividade jurídica da norma; demonstrar a posição da doutrina e da jurisprudência a respeito do princípio da insignificância. O estudo se justifica e se faz relevante porque se sabe que o crime é um problema social, há que se perceber, portanto, que sua solução não repousa, exclusivamente, na reprimenda penal, mas, sim, em políticas sociais voltadas à erradicação da pobreza, do desemprego e da educação da população. A sanção penal deve ser deixada apenas para aquelas condutas que nada têm que ver com o chamado problema social, caso em que o jus puniendi do Estado deve ser colocado em prática. A respeito do crime - considerado como fato socialmente relevante - urge sua análise à luz dos atuais movimentos de Política Criminal, donde emerge o princípio da insignificância. Palavras-chave: Princípio. Insignificância. Tipicidade penal. ABSTRACT The objective of this monograph is to analyze the insignificance principle as exculpatory of the typical material criminal. The study intents, still: to analyze the space localization of the Criminal law; to analyze the structure of the crime; to demonstrate the legal objective of the norm; to demonstrate the position of the doctrine and the jurisprudence regarding the insignificance principle. The study is justified and shows his relevance, therefore, currently, because it is known that the crime is a social problem that requires perceiving that his solution is not, exclusively, the criminal reproach, but social politics destined to the eradication of the poverty, the unemployment and the education of the population. The penalties must be left only for those behaviors that are not involved with the social problem; in this case the State jus puniendi must be placed in practical. Regarding the crime - considered as a fact with social relevance – it’s necessary his analysis to the light of the current movements of Criminal Politics, where appears the insignificance principle. Key words: Principle. Insignificance. Criminal type. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 1 DO CRIME 13 1.1 CONCEITO DE CRIME 13 1.1.1 Conceito Material 15 1.1.2 Conceito Formal 17 1.1.3 Conceito Analítico 18 1.1.4 Tipicidade 20 1.1.4.1 Conceito de tipo 20 1.1.4.2 Espécie de tipo 21 1.1.4.3 Conceito de tipicidade 21 1.1.5 Diferença entre Tipicidade e Adequação Típica 22 1.1.6 Bem Jurídico Penal 23 1.1.6.1 Concepção sociológica de bem jurídico-penal 26 1.1.7 Da Objetividade Jurídica da Norma Penal 28 2 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 31 2.1 ORIGEM HISTÓRICA E DOUTRINÁRIA 38 2.2 OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO DIREITO PENAL CONSAGRADOS PELO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 42 2.2.1 Princípio da Legalidade 42 2.2.2 Princípio da Intervenção Mínima 43 2.2.3 Princípios da Fragmentariedade e da Subsidiariedade 47 2.2.4 Princípio da Adequação Social 49 2.2.5 Princípio da Proporcionalidade 51 2.2.6 Princípio da Lesividade 52 2.3 DELITO INSIGNIFICANTE VERSUS CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO 53 2.4 DA NATUREZA JURÍDICO-PENAL 54 2.5 CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA 56 2.5.1 Objeções 56 2.5.2 Aceitação 58 3 PRINCÍPIO DA INSGNIFICÂNCIA NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA 62 CONCLUSÃO 69 REFERÊNCIAS 71 11 INTRODUÇÃO O objetivo da realização do estudo contido na monografia ora apresentada foi o de verificar de que maneira o princípio da insignificância pode atuar como excludente da tipicidade penal material; para consecução de tal objetivo central inúmeros outros aspectos da questão em tela foram abordados, tais quais: a localização espacial do direito penal; a estrutura do crime e o bem jurídico tutelado por meio das normas penais, ao que se intentou demonstrar a objetividade jurídicada norma para, por fim, evidenciar o posicionamento da doutrina e da jurisprudência com relação ao tema ora tratado, qual seja, o princípio da insignificância no sistema penal pátrio. Para melhor exposição dos temas discutidos, o trabalho ora apresentado foi estruturado em três etapas: na primeira buscou-se classificar o crime e tratar do bem jurídico tutelado por meio de tal classificação e ainda abordou-se a objetividade jurídica da norma; em fase posterior foi analisado o princípio da insignificância de acordo com a doutrina e à luz dos princípios fundamentais do direito penal; ao final, analisou-se o principio da insignificância na jurisprudência brasileira. A relevância do estudo resta evidenciada quando se concebe o crime enquanto problema social, observando, em conseqüência, que sua solução não está contida exclusivamente na reprimenda penal, pois, se entendido como problema social, requer políticas sociais que objetivem a erradicaçao da pobreza e do desemprego cuidando, de outra parte, da educação da população. Sabe-se que o Direito Positivo subdivide-se em vários ramos, cada qual com princípios que lhe são próprios. Neste aspecto, dentro do Direito Público, surge o Direito 12 Penal, cuja função precípua é preservar a harmonia social, estabelecendo, para tanto, sanção jurídica extrema para aqueles que transbordem os limites do risco permitido - tudo, em última análise, em nome da preservação de valores tidos como fundamentais. Assim, a doutrina, adequando a aplicação do Direito Penal às necessidades da sociedade, elaborou instrumentos de interpretação restritiva do tipo penal. No contexto do Direito Penal mínimo e fragmentário, surgem os Princípios da Adequação Social e da Insignificância. De acordo com a posição dualista, é ressabido que o crime, sob o aspecto formal, tem por elementos: o fato típico e a antijuridicidade. Para o desenvolvimento deste estudo, optou-se pela pesquisa qualitativa, utilizando-se de revisão bibliográfica em doutrinas, legislações e posicionamentos jurisprudenciais. 13 1 DO CRIME 1.1 CONCEITO DE CRIME Desde o surgimento do homem sobre a face da terra que o crime o segue como uma sombra, assim assinala Magalhães Noronha: “A história do direito penal é a história da humanidade. Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou”.1 As infrações penais dividem-se em crimes, delitos e contravenções (classificação tripartida) ou somente crimes ou delitos e contravenções (classificação bipartida). A primeira classificação é adotada em países como França, Alemanha, Bélgica e outros. O Direito Penal brasileiro adotou a classificação bipartida, classificação também adotada na Itália, Portugal etc. Segundo Magalhães Noronha: “[...] a contravenção é um crime menor, menos grave que o delito”.2 A decisão de qual infração é crime ou contravenção cabe ao legislador, analisando o grau de significância dos interesses jurídicos violados na prática de tal infração. A classificação dos crimes é feita, ora porque se atenta à gravidade do fato, ora à forma de execução, ora ao resultado etc. A gravidade do fato é classificada por dois sistemas: o tricotômico, que classifica as infrações penais em crimes, delitos e contravenções, e o 1 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 107 2 NORONHA, E. Magalhães. op. cit., p. 108. 14 dicotômico, o qual classifica as infrações em crimes e contravenções, encarando crime e delito como sinônimos.3 A distinção entre crime e contravenção reside na espécie de sanção cominada à infração penal: o artigo 1º da LICP reza que ao crime é cominada pena de reclusão ou de detenção e de multa; à contravenção é cominada pena de prisão simples, e/ou multa ou apenas esta.4 Infração penal é gênero enquanto crime e contravenção são espécies, essas espécies por sua vez, não possuem diferenças significativas entre si, são apenas diferenças quantitativas (gravidade da conduta/pena), cabendo ao legislador a qualificação de determinado fato como crime ou como contravenção.5 Assim sendo, costuma-se chamar a contravenção de um crime anão, um fato de menor potencial lesivo para a sociedade. Porém, o que se considera uma contravenção pode vir a transformar-se em um crime, Damásio E. de Jesus assim define: Não há diferença ontológica, de essência, entre crime (ou delito) e contravenção. O mesmo fato pode ser considerado crime ou contravenção pelo legislador, de acordo com a necessidade da prevenção social. Assim, um fato que hoje é contravenção pode no futuro vir a ser definido como crime.6 No Brasil, os legisladores preferiram adotar uma classificação bipartida ou dicotômica, ou seja, na legislação pátria a divisão é feita entre crimes e contravenções, sendo o delito sinônimo de crime. A expressão infração penal é utilizada, segundo a classificação da lei, para abranger o crime e a contravenção. Carrara apud Noronha define o crime como sendo: “[...] a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso”.7 3 NORONHA, E. Magalhães. op. cit., p. 108. 4 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 239. 5 PRADO, Luiz Régis. op. cit., p. 239. 6 JESUS, Damásio E. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 152. 7 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Vol. 2. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1973, p. 31 15 O Código Penal vigente não relata um conceito de crime, pois deixou para a doutrina a função de elaborá-lo. Desta forma, Mirabete destaca que: “Crime é uma conduta (ação ou omissão) contrária ao direito, a que a lei atribui uma pena”.8 Observa-se no dizer de Mirabete que crime é a conduta humana que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido, é contrário à lei e aos costumes, acarretando ao Estado o poder-dever de lhe aplicar uma sanção prevista antecipadamente na norma sancionadora. O artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal define crime desta forma: Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.9 Como se vê, um conceito puramente formal, que nada explica a não ser quais as penas que correspondem ao crime e quais à contravenção penal. 1.1.1 Conceito Material O conceito material do crime pode ser estabelecido por meio do que a lei determina, ou seja, no pensar de Carrara apud Noronha: “Visa o bem protegido pela lei”.10 Observa-se no exposto por Noronha, que o crime material nada mais é do que a violação de um bem permanente. Fragoso esclarece: “[...] em vista que o Estado tem o dever de proteger a coletividade, mantendo a ordem, a harmonia e o equilíbrio social, sempre em busca da paz, segurança e da 8 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 95. 9 BRASIL. Presidência da República. Decreto Lei 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Dispõe sobre código penal. São Paulo: Saraiva, 2007. 10 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. Vol. 2. 8 ed., São Paulo: Saraiva, 1973, p. 32. 16 estabilidade coletiva, para que isso ocorra é necessário valorar os bens coletivos, protegendo- os através de lei penal.”11 Neste sentido o Estado tem que proteger o individual tanto quantoa coletividade, para isto, deve-se manter a ordem social, valorando os bens individuais e coletivos, protegendo-os mediante a lei penal, que será exercida por meio das sanções penais estabelecidas pela lei. Mirabete descreve sobre o conceito de crime material: “Crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores ou interesses do corpo social, de modo a exigir seja protegida sob ameaça de pena, ou que se considere afastável somente através da sanção penal.”12 No mesmo sentido Fernando Capez: É aquele que busca estabelecer a essência do conceito, isto é, o porquê de determinado fato ser considerado criminoso e outro não, sob esse enfoque, crime pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social.13 Como se pode notar, crime é qualquer ato do ser humano lesivo a outrem e a um bem jurídico tutelado, afetando, assim, a normalidade da conservação e desenvolvimento da sociedade. Portanto, o ato do ser humano contra um bem jurídico tutelado só pode ser penalizado quando atingir um bem jurídico da pessoa alheia ou da sociedade, não se levando em consideração os atos praticados contra o próprio bem jurídico: [...] não há razão para a criminalização de comportamentos que não afetem terceiros. Se a conduta somente atinge bem jurídico do próprio autor, sem que haja ofensa de interesses alheios, não se encontra razão para a sua punição. Em consonância com este entendimento encontra-se o princípio da alteridade pelo qual se proíbe a incriminação de comportamentos imorais ou puramente internos que não ofendam interesses de terceiros. Assim, é vedada a tipificação de atitudes sem exteriorização meramente subjetivas que não lesionem interesses alheios. Seguindo esta orientação 11 FRAGOSO, Cláudio Heleno. Lições de direito penal. 3 ed. São Paulo: Forense, 1976, p. 96. 12 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 96. 13 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. 1. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 112 17 o próprio código penal não pune a autolesão, nem o suicídio, e considera atípica a coação exercida para impedir suicídio.14 O Estado tem por finalidade manter a normalidade, devendo promover a aplicação das normas necessárias à harmonia e ao equilíbrio social, assim, por meio do Direito, valoriza-se seus bens-interesses e, com as sanções penais, aplica-se a pena. Costa Júnior apud Jesus menciona a respeito do crime material que: “Lançando olhar as profundezas das quais o legislador extrai elementos que dão conteúdo e razão de ser ao esquema legal”.15 1.1.2 Conceito Formal O crime, no seu aspecto material, visa ao bem penalmente protegido pela lei; partindo para uma visão formal, nada mais é do que a simples violação da norma penal, ou seja, a violação do bem penalmente protegido. Mirabete assim descreve o conceito de crime formal: “É a contradição do fato, de uma norma de direito, ou seja, sua ilegalidade como fato contrário à norma penal, contudo, não penetram a fundo em sua essência em seu conteúdo, em sua matéria”.16 Para José Geraldo Silva o conceito formal define-se: ”Crime é toda ação ou omissão proibida pela lei, sob ameaça de pena”.17 Assim, percebe-se que o conceito formal para o crime é toda a ação ou omissão proibida por lei, ou seja, tudo aquilo que é proibido por lei, ou punível pela lei. Capez define crime formal como sendo: “O conceito de crime resulta de mera subsunção da conduta ao tipo 14 PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 59. 15 JESUS, Damásio E. de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 151. 16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 95. 17 SILVA, José Geraldo. Teoria do crime. 2 ed. São Paulo: Millennium, 2002, p. 137. 18 legal e, portanto, considera-se infração penal tudo aquilo que o legislador descrever como tal, pouco importando o seu conteúdo”.18 Já em seu dicionário De Plácido e Silva esclarece o conceito de crime formal: “Em oposição ao crime material, o crime formal é o que considera constituído sem que levem em consideração os resultados pretendidos pelo agente, mas simplesmente pela intenção, em virtude do próprio ato material ou do meio que a lei incrimina”.19 Nos dizeres de José Geraldo Silva, crime formal: É aquele em que não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenvolve a conduta, havendo separação lógica e não cronológica entre a conduta e o resultado. A lei antecipa o resultado no tipo; por isso não chamamos de consumação antecipada.20 Assim, nota-se que para que haja o crime formal basta que o agente haja contrário à lei, que faça algo proibido por lei, ou seja, crime é o fato típico e antijurídico, como prevê Damásio. 1.1.3 Conceito Analítico A questão do conceito analítico e seus requisitos reside na aceitação ou não da culpabilidade como requisito do crime. Há unanimidade entre os doutrinadores em aceitar a tipicidade e a antijuridicidade como requisitos do crime, porém, a discussão está na aceitação ou não da culpabilidade. Assim, os que aderem à corrente da teoria tripartida ou tricotômica definem o crime como sendo o fato típico, antijurídico e culpável. Os que aderem à teoria bipartida ou dicotômica, excluem a culpabilidade do conceito. 18 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 112. 19 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 137. 20 SILVA, José Geraldo. Teoria do crime. 2 ed. São Paulo: Millennium, 2002, p. 147. 19 Entre os doutrinadores da teoria tricotômica estão: E. Magalhães Noronha, Heleno Cláudio Fragoso, Paulo José da Costa, Francisco de Assis Toledo entre outros. Entre os adeptos da teoria dicotômica podem ser citados: Damásio E. de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete, Celso Delmanto, Rogério Grego e outros. O doutrinador Fernando Capez define o conceito analítico como sendo: [...] aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. A finalidade deste enfoque é propiciar a correta e mais justa decisão sobre a infração penal e seu autor, fazendo com que o julgador ou intérprete desenvolva o seu raciocínio em etapas. Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícito ou não. Sendo o fato típico e ilícito, já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu, para a existência da infração penal, portanto, é preciso que o fato seja típico e ilícito. No mesmo sentido Delmanto apud Mirabete expõe sobre o conceito analítico: “Que, quando presente um fato típico e antijurídico, teremos um crime, mas a aplicação de pena ainda ficará condicionada à culpabilidade, que é a reprovação ao agente pela contradição entre sua vontade e a vontade da lei”.21 Desta forma, observa-se que o delito é uma conduta típica e antijurídica (concepção dicotômica), podendo acarretar tanto a pena como a medida de segurança, assim sendo, a culpabilidade - o pressuposto de pena; e a periculosidade - o pressuposto de medida de segurança. Damásio assimobserva: [...] para que seja considerado delituoso um comportamento e aplicada a sanção ao seu sujeito, é preciso que constitua um fato típico e antijurídico. São pois, requisitos do crime: 1º) o fato típico e 2º) a antijuridicidade.22 Para a teoria tricotômica, pode ser citado o conceito de Francisco de Assis Toledo: [...] o princípio da culpabilidade, fruto de lenta e penosa elaboração dos povos civilizados, entendido como censurabilidade da formação e manifestação da vontade, constitui, ainda hoje, a base irredutível de nosso sistema penal. E nada indica que venha a ser substituído em futuro próximo.23 21 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal – Parte Geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 138. 22 JESUS, Damásio de. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 156. 23 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 87. 20 No mesmo sentido, ou seja, em defesa à teoria tricotômica, Noronha assim menciona sobre a culpabilidade: “Além de típica e antijurídica, deve a ação ser culpável. Trata-se do elemento subjetivo do delito. O resultado lesivo ao direito, oriundo da ação do sujeito ativo, há de ser-lhe atribuído a título de culpa, em sentido amplo, isto é, dolo ou culpa”.24 1.1.4 Tipicidade 1.1.4.1 Conceito de tipo O tipo legal é um dos postulados básicos do princípio da reserva legal. Na medida em que a Constituição brasileira consagra expressamente o princípio de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5o, XXXIX), fica outorgada à lei a relevante tarefa de definir, isto é, de descrever os crimes. De fato, não cabe à lei proibir genericamente os delitos, senão descrevê-los de forma detalhada, delimitando, em termos precisos, o que o ordenamento entende por fato criminoso. Segundo Cernicchiaro: Impõe-se descrição específica, individualizadora do comportamento delituoso. Em outras palavras, a garantia há de ser real, efetiva. Uma lei genérica, amplamente genérica, seria suficiente para, respeitando o princípio da legalidade, definir-se como delito qualquer prejuízo ao patrimônio ou a outro bem jurídico. Não estaria, porém, resguardado, efetivamente, o direito de liberdade. Qualquer conduta que conduzisse àquele resultado estaria incluída no rol das infrações penais. Inviável, por exemplo, o tipo que descrevesse: “ofender a honra de alguém” – Pena de “tanto a tanto”. O tipo exerce função de garantia. A tipicidade (relação entre o tipo e a conduta) resulta do princípio da reserva legal. Logicamente, o tipo há de ser preciso para que a ação seja bem identificada.25 A palavra tipo tem o significado de modelo ideal, algo que serve de medida ou padrão para outras. No direito penal os tipos se referem sempre a condutas humanas, pois são estas que constituem o seu objeto. Trata-se de modelos abstratos de comportamentos, os quais, em virtude de sua desvalorização ou valoração social, recebem o tratamento legislativo adequado 24 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 103. 25 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito penal na Constituição. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 14. 21 e necessário. O tipo e a tipicidade penal não se confundem, o tipo é abstrato, a tipicidade é concreta; o tipo é previsão, a tipicidade realização. 1.1.4.2 Espécies de tipo a) Permissivos ou justificadores: são tipos penais que não descrevem fatos criminosos, mas hipóteses em que estes podem ser praticados. Por essa razão, denominam-se permissivos. São tipos que permitem a prática de condutas descritas como criminosas. São os que descrevem as causas de exclusão da ilicitude (CP, art. 23), também conhecidas como causas de justificação, como é o caso da legítima defesa, que se encontra no art. 25 do Código Penal. De acordo com esse tipo, a legítima defesa é composta dos seguintes elementos: agressão injusta + atual ou iminente + a direito próprio ou alheio + moderação + necessidade dos meios empregados. Assim, a lei permite que alguém realize um fato descrito como delituoso na hipótese de estarem presentes todos os requisitos exigidos pelo tipo da legítima defesa. Exemplo: matar alguém, em princípio, é uma conduta criminosa, pois está prevista em um tipo incriminador (art. 121), porém, em legítima defesa, a lei permite a realização da conduta homicida.26 b) lncriminadores: são os tipos que descrevem as condutas proibidas. Todo fato enquadrável em tipo incriminador, em princípio, será ilícito, salvo se também se enquadrar em algum tipo permissivo (causas de justificação).27 1.1.4.3 Conceito de tipicidade A tipicidade segundo Capez “[...] é a subsunção, justaposição, enquadramento, amoldamento ou integral correspondência de uma conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante da lei (tipo legal)”. 28 26 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v.1. p. 168. 27 CAPEZ. Fernando. op. cit., p. 168. 28 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 168. 22 Para que a conduta humana seja considerada crime, é necessário que se ajuste a um tipo legal. Temos, pois, de um lado, uma conduta da vida real e, de outro, o tipo legal de crime constante da lei penal. A tipicidade consiste na correspondência entre ambos. 1.1.5 Diferença entre Tipicidade e Adequação Típica Para alguns doutrinadores “[...] a tipicidade é a mera correspondência formal entre o fato humano e o que está descrito no tipo, enquanto a adequação típica implica um exame mais aprofundado do que a simples correspondência objetiva”.29 A tipicidade consiste em um conceito formal, resultante da comparação entre o tipo e o aspecto exterior da conduta, sem análise da vontade ou finalidade do agente. A adequação típica vai além, investigando se houve vontade, para só então efetuar o enquadramento. Assim, para essa adequação, a teoria finalista exige o comportamento doloso ou culposo, e a teoria social, além disso, a vontade de produzir um dano socialmente relevante. Exemplo: o sujeito mata a vítima por caso fortuito ou força maior; tipicidade existe, porque ele matou alguém, e é exatamente isso o que está escrito no art. 121, caput, do Código Penal; não haverá, contudo, adequação típica, ante a ausência de dolo ou culpa. Considera-se, portanto, tipicidade e adequação típica conceitos idênticos. Com isso, em nada se alteram os efeitos jurídicos: “[...] se não há dolo ou culpa, não existe conduta, e sem conduta não se fala em tipicidade (ou adequação típica), porque esta pressupõe aquela”.30 Essa tipicidade meramente formal não existe mais desde a superação da teoria naturalista ou causal da ação. 29 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 01. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 168. 30 CAPEZ, Fernando. op. cit., p. 168. 23 1.1.6 Bem Jurídico Penal Os doutrinadores teceram vários conceitos sobre bens jurídicos, a divergência de opiniões no que tange à definição de bem jurídico é grande, percebe-se que a noção de bem jurídico não pôde, até hoje, ser determinada com segurança capaz de convertê-la em conceito fechado, e talvez, jamais o venha a ser. 31 Welzel apud Toledo define bem jurídico da seguinte forma: O bem jurídico é um bem vital ou individual que, devido ao seu significado social, é juridicamente protegido. Pode ele apresentar-se, de acordo com o substrato, de diferentes formas a saber: objeto psicofísico ou objeto espiritual-ideal (exemplo daqueles, a vida; deste, a honra), ou uma situação real (respeito pela inviolabilidade de domicílio), ou uma ligação vital (casamento ou parentesco),ou relação jurídica (propriedade, direito de caça), ou ainda um comportamento de terceiro (lealdade dos funcionários públicos, protegida contra a corrupção). Bem jurídico é, pois, toda situação social desejada que o direito quer garantir contra lesões.32 Continua Toledo em comentário à definição de Welzel, substituindo a “situação social desejada” por “situação social valiosa”: “[...] bens jurídicos são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”.33 Evandro Pelarin define bem jurídico como alicerce ou ponto de referência à norma jurídica: “O bem jurídico é o elemento central do preceito contido na norma jurídico-penal e da descrição do fato punível que aí se encontra e na qual está implícito”.34 Merece destaque a conceituação de Smanio: “O bem jurídico como objeto da realidade, que constitui um interesse da sociedade para a manutenção do seu sistema social, 31 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999, p. 62. 32 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16 33 TOLEDO, Francisco de Assis. op. cit., p. 16. 34 PELARIN, Evandro. Bem jurídico-penal: um debate sobre a descriminalização. São Paulo: IBCcrim, 2002, p. 98. 24 protegido pelo Direito, que estabelece uma relação de disponibilidade, por meio da tipificação das condutas”.35 Criado pelo homem e caracterizado pelo conteúdo valorativo, o Direito é objeto cultural. Partindo da noção tridimensionalista criada por Miguel Reale, verifica-se o fenômeno jurídico formado por um tríplice aspecto, qual seja, fato, valor e norma, interligados em um processo de unidade funcional. A Ciência do Direito é uma ciência histórico-cultural que tem por objeto a experiência social, enquanto esta normativamente se desenvolve em função de fatos e valores para a realização da convivência humana.36 O Direito é dinâmico e não estático, resultando em um sistema aberto e não fechado, daí a dificuldade da conceituação do bem jurídico que também não é estático, acompanha a mutabilidade e evolução do homem e da sociedade. Da mesma forma, há modificação constante na valoração dos bens jurídicos, de modo a incrementar o movimento de descriminalização e criminalização de condutas e a fixação de penas mais brandas ou mais rigorosas e, ainda, a determinar a utilização de regras processuais diferenciadas conforme a gravidade do delito praticado. São exemplos recentes na nossa legislação a Lei dos Crimes Hediondos, a Lei dos Juizados Especiais Criminais e o Código de Trânsito, mostrando a modificação da valoração dos bens jurídicos de acordo com as mudanças sociais.37 Por sermos uma sociedade de Estado Moderno de Direitos, carecedores de tutela estatal, o Direito Penal protege os bens jurídicos atuando com importância nesse papel, a esse respeito Smanio diz que: Não poderemos, no entanto, jamais abandonar a necessidade de o Direito Penal proteger as lesões aos bens jurídicos, posto ser uma verdadeira conquista da cidadania. Os iluministas, quando formularam a Teoria do Estado Moderno, impuseram uma série de limitações ao poder estatal, inclusive ao poder de punir, que ficava circunscrito nas mãos dos soberanos, dando causa aos mais diversos desvirtuamentos, servindo para a manutenção dos privilégios e do status quo.38 35 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06- 2007 às 12h02min. 36 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 514. 37 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06- 2007 às 12h02min 38 SMANIO, Gianpolo Poggio. op. cit. 25 Smanio assim conceitua bem jurídico: disputados e estão expostos a algum perigo. Entre eles o direito seleciona aqueles que são dignos de proteção e os erige a bens jurídicos.39 dem ser divididos em bens individuais u pessoais e coletivos, veja-se a definição de Smanio: iluminismo – do direito penal tradicional – e de delitos contra os nidade (delitos contra a saúde pública, meio ambiente, segurança do tráfego, etc.).40 manio propõe a seguinte classificação de bens jurídico-penais: ivíduos. São, portanto, bens jurídicos exemplos o meio ambiente, as relações de consumo, a saúde pública e a economia popular.41 tulares, enquanto quele é divisível e os indivíduos têm disponibilidade sem afetar os demais. Em sentido amplo, bens são coisas materiais ou objetos imateriais que possuem um valor. Portanto, compreendem tudo aquilo que nos é valioso, razão pela qual são Entretanto, bens jurídicos na atual concepção po o Daí que hoje se observa que as legislações penais introduziram novos interesses (bens) merecedores de proteção, geralmente voltados ao interesse coletivo ou suprapessoal. Aliás, dividem-se os bens jurídicos em individuais ou pessoais e bens jurídicos coletivos ou da comunidade. A partir dessa divisão, sustenta-se a existência de delitos contra os bens individuais (vida, liberdade, patrimônio), cuja origem vem do bens da comu S a) de natureza individual, "[...] são os referentes aos indivíduos, dos quais estes têm disponibilidade, sem afetar os demais ind divisíveis em relação ao titular". Como exemplos, podem ser citados: a vida, a integridade física, a propriedade e a honra. b) de natureza coletiva, "[...] que se referem à coletividade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais titulares do bem jurídico. São, dessa forma, indivisíveis em relação aos titulares". Estão compreendidos dentro do interesse público. Podem ser citados como exemplos a incolumidade pública e a paz pública. c) de natureza difusa, "[...] que também se referem à sociedade em sua totalidade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar a coletividade. São, igualmente, indivisíveis em relação aos titulares". Contudo, trazem uma conflituosidade social que contrapõe diversos grupos dentro da sociedade. São Verifica-se, portanto, que a diferença entre os bens jurídico-penais de natureza individual e os de natureza coletiva e difusa é que estes são indivisíveis em relação aos titulares, e os indivíduos não têm disponibilidade sem afetar os demais ti a 39 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Tutela penal dos interesses difusos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 84. 40 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit. p. 86. 41 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit. p. 123. 26 1.1.6.1 Concepção sociológica de bem jurídico-penal r apenas a coexistência dos indivíd interações, competindo ao direito conferir-lhes estabilidade e, assim, garantir a funcionalidade do sistema.42 melung apud Pelarin define: a sociedade... A função do direito penal é a de agir em sentido contrário como mo de controle social.43 uncionalidade, agindo então o direito penal com a sanção para que o sistema ossa funcionar. o princípio da inviolabilidade a dignidade humana, como se fosse um custo para o sistema. A doutrina reconhece a existência de bem jurídico social desde a formulação do conceito de bem jurídico. Reconhece que a lei penal não deveria assegura uos, mas também servir de forma imediata a fins sociais. A tentativa de concretização do sentido de danosidade social assenta-se nas teorias social-sistêmicas, as quais vêem a sociedade como um complexo sistema de A Danoso paraa sociedade é um facto disfuncional, um fenômeno social que impede ou pelo menos dificulta ao sistema social a superação dos problemas da sua própria sobrevivência... O crime é apenas um caso especial de fenômeno disfuncional e, por via de regra, o de maior perigo. Ele é disfuncional na medida em que contraria uma norma institucionalizada que é necessária para resolver o problema da sobrevivência d mecanis Nesse entendimento, ao direito penal está reservada a área de criminalização das condutas socialmente danosas, para fatos que dificultem ou impedem a resolução dos problemas de sobrevivência e manutenção do sistema social, sendo o crime um caso específico de disf p Nota-se que na concepção sociológica de danosidade social, o homem, pessoa humana individualmente considerada, é colocado num plano inferior de consideração, preocupando-se primeiramente com a sobrevivência do sistema social que é o lugar determinante dos efeitos socialmente danosos do crime, subalternando a pessoa como uma necessidade da manutenção da sociedade, entendimento esse que varia de Constituição com d 42 PELARIN, Evandro. Bem jurídico-penal: um debate sobre a descriminalização. São Paulo: IBCcrim, 2002, p. 110. 43 PELARIN, Evandro. op. cit., p. 111. 27 O individualismo, considerado pelo direito penal, é cada vez mais deixado de lado, a doutrina vem acompanhando a mudança do conceito de Bem Jurídico, bem como a perspectiva social do crime, não se trata de ignorar o interesse personalista na concepção de bem jurídico, o qual está garantido pela constituição, mas sim reconhecer a evolução social e impo s da atualidade que o capitalismo mundial impõe, diante das relações sociais em que vivemos, desperta a doutrina penal para a proteçã Com relação à importância da proteção dos interesses metaindividuais para a atualidade e para o futu nto, de resto, não afetará a natureza em última instância "antropocêntrica" da tutela penal – que reside, no futuro próximo, a tarefa primária da doutrina que continue a fazer radicar a função exclusiva do direito penal na tutela subsidiária de bens jurídicos.44 rmulado por intermédio da visão social de bem jurídico, e não exclusivamente positivista. A concepção sociológica de bem jurídico icas. Veja-se a conce ndivíduo, poderá s hão de ser abrangidos pela proteção das normas do Direito e valor lhes advém como objeto de regulamentação jurídica. Concebe o bem jurídico como valor social suscetível de ser lesado.45 Segundo Bindin [...] com o seu acentuado positivismo legal, defendia que pode converter-se em bem jurídico tudo que aos olhos do legislador tem valor como condição para uma vida a rtância da manutenção do sistema social, onde o indivíduo encontra sua realização. A aceleração da mudança dos modelos econômico o de interesses metaindividuais ou plurindividuais. ro do direito penal, Dias assevera que: Uma convicção que só se reforçará recusando – como se deve recusar – uma ilegítima restrição da noção de bens jurídico-penais a interesses puramente individuais e ao seu encabeçamento em pessoas singulares, e aceitando antes a plena legitimidade da existência de bens jurídicos transpessoais, coletivos, comunitários ou sociais. É, em meu juízo, no aprofundamento e esclarecimento do estatuto desta classe de bens jurídicos – cujo reconhecime O conceito de bem jurídico penal somente pode ser fo está presente em todas as suas formulações teór pção de Birbaum apud Smanio: [...] já concebia que só a totalidade, isto é, a sociedade, e nunca o i decidir quais objeto que significado ou g apud Smanio: 44 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: RT, 1999, p. 135. 45 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06- 2007 às 12h02min. 28 saudável dos cidadãos. O bem jurídico é sempre bem jurídico da coletividade, e somente como bens jurídicos sociais os objetos dos juízos individuais de valor gozam de proteção jurídica.46 apud Smanio: comunidade, condições da convivência pacífica e ordenada da vida em sociedade.47 como o indivíduo, uma vez que tutela bens jurídicos imprescindíveis para a vida social. rídica da Norma Penal ordenação dos contatos sociais, estimulando práticas positivas e refreando as perniciosas. Nas palavras de Edihermes Marques Coelho: tecimento do ser humano como referência e razão principal das relações sociais.48 selecionado para ser defendido pelo Direito Penal, mas tão-somente aquele reconhecido e Para Liszt [...] com a conceituação predominantemente pré-jurídica, em que os bens jurídicos são interesses protegidos pelo Direito, embora criados pela vida e não pela ordem jurídica, também vê os bens jurídicos como interesses vitais para a Entende-se, diante do exposto, que prevalece a teoria social-sistêmica como referência central do conceito de bem jurídico penal, a qual, por meio do tipo, protege tanto a sociedade 1.1.7 Da Objetividade Ju O Direito Penal é muito mais do que um instrumento opressivo em defesa do aparelho estatal. Exerce uma função de As funções do Direito Penal, assim, podem ser sintetizadas como, por um lado, o controle social, através de mecanismos simbólicos de prevenção. Por outro lado, paralela e paradoxalmente, a garantia do indivíduo frente ao Estado e suas pretensões de intervir sobre a liberdade individual. É no contraponto entre essas duas faces da esfera penal que se pode destacar que o Direito Penal contemporâneo caminha para ser uma esfera jurídica centrada no enal Com base nessas premissas, deve-se estabelecer uma limitação à eleição de bens jurídicos por parte do legislador, ou seja, não é todo e qualquer interesse que pode ser 46 SMANIO, Gianpaolo Poggio. O bem jurídico e a Constituição Federal . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 432, 12 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5682>. Acesso em 14-06- 2007 às 12h02min. 47 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit. 48 COELHO, Edihermes Marques. As funções do direito penal. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 4, nº 146. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=835>. Acesso em 05-06-2007 às 13h10min. 29 valorado pelo Direito, de acordo com seus princípios fundamentais. O tipo penal está sujeito a um permanente controle prévio no sentido de que o legislador deve se guiar pelos valores consagrados pela dialética social, cultural e histórica, conformada ao espírito da Constituição, e a um controle posterior, estando sujeito ao controle de constitucionalidade concentrado e difuso. Segundo Capez, “[...] a função da norma é a proteção de bens jurídicos a partir da solução dos conflitos sociais, razão pela qual a conduta somente será considerada típica se criar uma situação de real perigo para a coletividade”.49 O professor Damásio de Jesus, com propriedade, anota que são quatro as funções do exame do bem jurídico tutelado. Afirma o penalista que: [...] a primeira função é a sistemática, pois serve de amparo para o enquadramento do delito na Parte Especial do Código Penal (crimes contra a vida, contra o patrimônio etc.). A segunda função é servir de guia de interpretação, visto que incumbe ao intérprete determinar a extensão da incriminação da norma. A terceira função é de critério de medida da pena, pois a conduta é perquirida segundo aspectos qualitativos e quantitativos em frente do bem jurídico tutelado. A quarta e última função é servir de critério de configuração de institutos, tais como as figuras de exclusão de antijuridicidade.50 Neste particular, importa frisar que, de acordo com a evolução do DireitoPenal, não se tolera mais a perquirição da caracterização do delito, levando-se em conta a Teoria Pura do Direito, que teve seu reconhecido valor. Atualmente, é indiscutível que o crime é um problema social e, em razão disso, só deve ser considerado como tal as condutas mais relevantes e preocupantes ao Estado, sob o ponto de vista da Política Criminal. Merece destaque a advertência de Gianpaolo Poggio Smanio, ao observar a evolução do próprio conceito conservador de delito. Confira: Partimos do pressuposto de que o crime não é apenas um fato típico e antijurídico ao qual é aplicada uma sanção de natureza penal, mas um problema social, um fenômeno de massa, presente em todos os tempos e em todas as formas sociais 49 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12. 50 JESUS, Damásio E. de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 20. 30 realizadas pelo homem, traduzindo-se em problema que atinge e aflige a todos.51 E, ainda, pontua: Abandonando o positivismo kelsiano, podemos dizer que a criminologia crítica politizou o problema criminal e, assim, conforme Figueiredo Dias e Costa Andrade, “não terá, em síntese, significado criminológico qualquer conduta que não seja suscetível de constituir problema de Política Criminal”. A definição do que é considerado crime numa sociedade passa a ser um problema eminentemente político.52 A este respeito, relevante se faz mencionar as considerações de Capez, quais sejam: 1. O Direito Penal brasileiro só pode ser concebido à luz do perfil constitucional do Estado Democrático de Direito, devendo, portanto, ser um direito penal democrático. 2. Do Estado Democrático de Direito parte um gigantesco tentáculo, a regular todo o sistema penal, que é o princípio da dignidade humana, de modo que toda incriminação contrária ao mesmo é substancialmente inconstitucional. 3. Da dignidade humana derivam princípios constitucionais do Direito Penal, cuja função é estabelecer limites à liberdade de seleção típica do legislador, buscando, com isso, uma definição material do crime. 4. Esses contornos tornam o tipo legal uma estrutura bem distinta da concepção meramente descritiva do início do século passado, de modo que o processo de adequação de um fato passa a submeter-se à rígida apreciação axiológica. 5. O legislador, no momento de escolher os interesses que merecerão a tutela penal, bem como o operador do direito, no instante em que vai proceder à adequação típica, devem, forçosamente, verificar se o conteúdo material daquela conduta atenta contra a dignidade humana ou os princípios que dela derivam. Em caso positivo, estará manifestada a inconstitucionalidade substancial da norma ou daquele enquadramento, devendo ser exercitado o controle técnico, afirmando a incompatibilidade vertical com o texto constitucional. 6. A criação do tipo e a adequação concreta da conduta ao tipo devem operar-se em consonância com os princípios constitucionais do Direito Penal, os quais derivam da dignidade humana que, por sua vez, encontra fundamento no Estado Democrático de Direito.53 É imperativo do Estado Democrático de Direito a investigação ontológica do tipo incriminador. Segundo Capez, “[...] crime não é apenas aquilo que o legislador diz sê-lo (conceito formal), uma vez que nenhuma conduta pode, materialmente, ser considerada criminosa se, de algum modo, não colocar em perigo valores fundamentais da sociedade”.54 51 SMANIO, Gianpaolo Poggio. Criminologia e juizado especial criminal. São Paulo: Atlas, 1997, p. 29. 52 SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit., p. 23. 53 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12-13. 54 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte Geral. Vol. 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 12-13. 31 2 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA Os princípios, segundo Walter Claudius Rothenburg são: Verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios, certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes de validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários.55 Pode-se conceituar o princípio da insignificância como a interpretação restritiva aos tipos penais, com a exclusão da conduta do tipo a partir da insignificante importância das lesões ou danos aos interesses sociais, é a exclusão da tipicidade de condutas não lesivas a bens jurídicos tutelados: Para Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral Sêga: “O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, exsurgindo, pois como irrelevantes”.56 O princípio da insignificância, embora não explicitamente normativado no ordenamento jurídico legal, consiste em instituto cada vez mais em voga, aplicado pelos operadores do direito (magistrados), visto como uma nova adequação da aplicação do Direito Penal enquanto ciência essencialmente social: 55 ROTHENBURG, Walter Claudius. Princípios constitucionais. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1999, p. 24. 56 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95 . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=950>. Acesso em 07-02-2007 às 18h09min. 32 É premente na atualidade falar-se na teoria elaborada por Claus Roxin (funcionalista), deixando-se o finalismo ‘Kelseano’ de lado, tratando-o como um malefício, ou uma praga, uma doença jurídica. Eis que não se pode esquecer que toda a teoria tem, ao seu tempo, a respectiva finalidade e/ou eficácia, portanto não há que se falar em sepultamento do finalismo, mas no estudo de uma nova adequação do Direito Penal enquanto ciência essencialmente social.57 Este princípio, enunciado pioneiramente por Klaus Roxin na Alemanha, ganhou rápida aceitação em solo brasileiro sendo aceito de forma majoritária pela doutrina e jurisprudência, como exemplifica o acórdão abaixo: TACrim SP - CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais – Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta – Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica, não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder Público que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas. Apelação nº 1.278.997/5 - Birigüi - 10ª Câmara - Relator: Vico Mañas - 21/11/2001 - V.U. (Voto nº 5.198) Seguindo tal entendimento, da mesma forma coloca o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Francisco de Assis Toledo: Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas. Assim, no sistema penal brasileiro, por exemplo, o dano do art. 163 do Código Penal não deve ser qualquer lesão à coisa alheia, mas sim aquela que possa representar prejuízo de alguma significação para o proprietário da coisa; o descaminho do art. 334, parágrafo 1º, d, não será certamente a posse depequena quantidade de produto estrangeiro, de valor reduzido, mas sim a de mercadoria cuja quantidade ou cujo valor indique lesão tributária, de certa expressão, para o Fisco; o peculato do art. 312 não pode estar dirigido para ninharias como a que vimos em um volumoso processo no qual se acusava antigo servidor público de ter cometido peculato consistente no desvio de algumas poucas amostras de amêndoas; a injúria, a difamação e a calúnia dos arts. 140, 139 e 138, devem igualmente restringir-se a fatos que realmente possam afetar significativamente a dignidade, a reputação, a honra, o que exclui ofensas tartamudeadas e sem conseqüências palpáveis; e assim por diante.58 Segundo tal princípio, o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas 57 SILVA, José Carlos Sallet de Almeida e. Aplicação do princípio da insignificância, um processo hermenêutico? Disponível em http://www.direitonet.com.br/artigos/x/29/37/2937> Acesso 16-06-2007 às 13h45min. 58 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 133. 33 incapazes de lesar o bem jurídico. A tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem jurídico protegido, pois é inconcebível que o legislador tenha imaginado inserir em um tipo penal condutas totalmente inofensivas ou incapazes de lesar o interesse protegido. Como bem coloca Capez: Se a finalidade do tipo penal é tutelar um bem jurídico, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de se tornar incapaz de lesar o interesse protegido, não haverá adequação típica. É que no tipo não estão descritas condutas incapazes de ofender o bem tutelado, razão pela qual os danos de nenhuma monta devem ser considerados fatos atípicos.59 Para entender o princípio da insignificância - visto que sua aplicação se traduz em atipicidade da conduta -, há de se ter em mente as noções de risco permitido e risco proibido. Toda ação humana implica certo risco de dano ou lesão a outrem, como, dirigir um veículo por uma rua movimentada. Sabedor disso, o próprio Estado tolera certos riscos advindos de determinadas condutas, como, no exemplo dado, a possibilidade de haver um acidente (dever do cuidado objetivo), o que se denomina risco permitido; e pune, na esfera do Direito Penal, outros comportamentos, tais como o evento que decorreu de uma ultrapassagem perigosa, que decorreu da travessia de um cruzamento no sinal vermelho etc., o que pode ser chamado de risco proibido. O Princípio da Insignificância tem sido referido pela Doutrina como “Princípio Bagatelar”. A este respeito, Luiz Flávio Gomes ressalta que: [...] a diferença fundamental entre os dois princípios seria que, a linha jurisprudencial mais tradicional reconhece o princípio da insignificância levando em conta apenas o desvalor do resultado, ou seja, considera suficiente, para caracterização da infração bagatelar, que o nível da lesão ao bem jurídico, ou do perigo concreto verificado, seja ínfimo. Já a outra corrente, a que aplica o princípio da irrelevância penal do fato, para a identificação do delito como bagatelar, não se contenta só com o desvalor do resultado, exigindo que sejam insignificantes cumulativamente o resultado, a ação e a culpabilidade do agente. Ou seja, para que o fato seja considerado penalmente irrelevante todas as circunstâncias judiciais - culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, 59 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – Parte geral. Vol 1. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 14. 34 conseqüências, etc. - precisam ser irrelevantes, favoráveis ao agente.60 Zaffaroni, ao comentar sobre o Princípio da Insignificância, entende que: [...] o fundamento do princípio reside na idéia da proporcionalidade que a pena deve guardar em relação à gravidade do crime; nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste qualquer razão para imposição da reprimenda e ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação social do fato.61 De acordo com Carlos Vico Mañas: O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo direito penal.62 Embora no presente estudo se compartilhe do entendimento do autor acima mencionado, vale acrescentar a ressalva de que não há concordância com a afirmação que diz que o princípio da insignificância descriminaliza condutas, haja vista que sua função é, segundo Maurício Macedo dos Santos e Viviane Amaral Sega, “[...] somente desconsiderar a tipicidade da conduta no caso concreto, enquanto a descriminalização já requer todo um processo legislativo”.63 Feitas estas considerações, vê-se que, em senda de Direito Penal, somente as condutas relevantes, sob o prisma de sua estrutura e princípios informadores, devem sofrer a sanção jurídica emanada da jurisdição punitiva do Estado. Assim, Mirabete comenta: [...] se a conduta do agente não afronta a objetividade jurídica da norma, o ius puniendi nem sequer exsurge de seu estado dormente para a existência concreta da pretensão punitiva, devendo ser reputado que o comportamento insignificante do 60 GOMES, Luiz Flávio. Direito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância do fato. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 440. 61 ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Boletim IBCrim. N. 56 – julho, 1997, p. 9. 62 VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância no direito penal. Disponível em <http://www.trf1.gov.br/judice/jud4/insign.htm> Acesso em 07-02-2007 às 00h21min. 63 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=950>. Acesso em 09-02-2007 às 18h09min. 35 agente está dentro do chamado risco permitido.64 Neste sentido, merece destaque o sempre oportuno magistério do Professor Damásio de Jesus, ao dizer que: “O tema tem recebido outras denominações, como crime de lesão mínima ou crime de bagatela”.65 Segundo o mesmo autor: [...] o Direito Penal só deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes, sendo que as perturbações mais leves da ordem jurídica são objeto de outros ramos do Direito. Recomenda, pois, que, pela limitação da tipicidade, a pretensão punitiva somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). O Direito Penal é um recurso punitivo extremo, cumprindo ser exercido somente quando os outros ramos do Direito mostrem-se ineficientes. De modo que o Direito Repressivo não deve intervir quando a lesão jurídica é mínima, reservando-se para as ofensas graves. O princípio da insignificância tem sido adotado na jurisprudência em casos de: 1) furto de bagatela; 2) lesões corporais mínimas; 3) maus-tratos; 4) porte mínimo de maconha; 5) delito tributário; 6) estelionato de bagatela; 7) contrabando e descaminho de pequena monta; 8) dano de pequena monta; 9) crime contra o meio ambiente.66 Fernando Capez também tem se mostrado favorável ao Princípio da Insignificância, se bem que, com a ressalva de que não pode ser invocado contralegem. Segundo ele: Tem-se, pois, que cumpre ao membro do Ministério Público, na qualidade de dominus litis, e ao Magistrado, na qualidade de fiscal do cumprimento do princípio da obrigatoriedade da ação penal (cf. Frederico Marques), sopesar, em seu cotidiano profissional, o princípio da ofensividade, de sorte a evitar, em casos tais, o ius persequendi in iudicio. De notar-se que a análise da invocação do princípio da insignificância faz-se no resultado da conduta do agente e conduz, em sendo o caso, à atipicidade do fato, consoante adverte Damásio.67 É importante assinalar que: [...] o princípio da insignificância não pode ser invocado pela autoridade policial, para deixar de cumprir o seu dever de ofício, pois, mercê da hipotética ocorrência do delito, seja na forma consumada, seja na forma tentada, cumpre tomar todas as 64 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal – parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2001, p. 116. 65 JESUS, Damásio E. de. Imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 75. 66 JESUS, Damásio E. de. op. cit., p 75. 67 CAPEZ, Fernando. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 76. 36 providências necessárias à opinio delicti. Sucede que, mercê da notitia criminis, a autoridade policial não tem o amparo legal necessário para invocar o princípio da insignificância e, com base nele, informar à vítima que a conduta do suposto autor não constituiu crime.68 Assim, quem o pode fazer é o Ministério Público, porque - como dito - é o dono da ação penal e porque é a instituição incumbida, à luz da estrutura constitucional, de invocar a pretensão punitiva do Estado. Ao depois, o próprio Magistrado, a quem cabe receber (ou não) a peça acusatória, sob a análise do cumprimento do art. 41 do CPP. De acordo com Luiz Flávio Gomes: No que se relaciona com a admissibilidade do princípio da insignificância no Direito penal já não há o que se discutir. Dos fatos mínimos (dos delitos de bagatela) não deve cuidar o juiz (minina non curat praetor). Esse importante princípio, já aplicado no tempo do direito romano e recuperado depois da segunda guerra por Roxin [...], vem sendo reconhecido amplamente pelos juízes e tribunais, especialmente nos delitos de descaminho, furto etc. Conseqüências práticas: ninguém pode ser preso em flagrante por fato absolutamente insignificante (por ser atípico). Ninguém pode ser processado por isso. O correto, portanto, em razão da atipicidade penal do fato, é arquivar o caso logo no princípio. O delegado faz um simples boletim de ocorrência e o promotor pede o arquivamento. E se o promotor denunciar? Cabe ao juiz rejeitar a denúncia, com base no art. 43, I, do CPP ("a denúncia ou queixa será rejeitada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime").69 Nos casos de ínfima afetação do bem jurídico, o conteúdo do injusto é tão pequeno que não subsiste nenhuma razão para o pathos ético da pena. É indispensável que o fato tenha acarretado uma ofensa de certa magnitude ao bem jurídico protegido para que se possa concluir por um juízo positivo de tipicidade. De acordo com Sanguiné: Com base em um enfoque de modernização da Justiça Criminal, não mais se discute que os responsáveis por lesões aos bens jurídicos só devem ser submetidos à sanção criminal quando esta se torna indispensável à adequação da justiça e à segurança dos valores da sociedade. Ainda a mínima pena aplicada seria desproporcional à significação do fato.70 68 CAPEZ, Fernando. Direito penal. São Paulo: Saraiva, 2001, p 77. 69 GOMES, Luiz Flávio. Prisão por furto de uma cebola . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id= 3068>. Acesso em 29-01-2007 às 13h49min. 70 SANGUINE, Odone. Observações sobre o princípio da insignificância. Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre, v.3/47, nº1, 1990, p. 47. 37 A excludente da tipicidade (do injusto) pelo princípio da insignificância (ou da bagatela), que a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo, não está inserta na lei brasileira. Mas é aceita por analogia, ou interpretação interativa, desde que não contra legem. Não há como confundir, por exemplo, pequeno valor da coisa subtraída com valor insignificante ou ínfimo; no primeiro caso há somente um abrandamento da pena, no segundo há exclusão da tipicidade (RT 605/368; RSTJ 53/345). Somente uma quantidade de maconha totalmente inexpressiva, incapaz inclusive de permitir o “prazer de fumar”, poderá ter o condão de tornar atípica a ação de seu portador (RJTJERGS 133/44). No Estado do Rio Grande do Sul, já se absolveu réu acusado pelo crime de posse de entorpecente, por ser mínima (1 grama) a quantidade do tóxico (RJTJERGS 149/220), mas o Tribunal de Justiça acabou não aceitando tal orientação, mantendo aquela dos tribunais superiores (RJTJERGS 151/189). Segundo Mirabete: Para os adeptos da teoria social da ação também haveria nessas hipóteses uma conduta típica. A ação socialmente adequada não é necessariamente modelar, de um ponto de vista ético, dela se exigindo apenas que se situe dentro da moldura do comportamento socialmente permitido e não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto.71 Para alguns, entretanto, o princípio da insignificância é uma espécie do gênero, ausência de perigosidade social e, embora o fato seja típico e antijurídico, a conduta pode deixar de ser considerada criminosa. Segundo a doutrina, de modo geral, distingue-se a criminalidade de bagatela, dentre outras, com as seguintes características: (a) escassa reprovabilidade; (b) ofensa a bem jurídico de menor relevância; (c) habitualidade; (d) maior incidência nos crimes contra o patrimônio e de trânsito, além de uma característica de natureza político-criminal, qual seja, a da 71 MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de direito penal – parte geral – Arts. 1º a 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 119. 38 dispensabilidade da pena do ponto de vista da prevenção geral, se não mesmo sua inconveniência do ponto de vista da prevenção especial.72 Com as cautelas necessárias, reconhecendo caber induvidosamente na hipótese examinada o princípio da insignificância, não deve o delegado instaurar o inquérito policial, o promotor de justiça oferecer denúncia, o juiz recebê-la ou, após a instrução, condenar o acusado. Há no caso exclusão da tipicidade do fato e, portanto, não há crime a ser apurado. 2.1 ORIGEM HISTÓRICA E DOUTRINÁRIA Após a Segunda Guerra Mundial percebe-se, em razão da tragédia socioeconômica e da devastação ocorrida no continente europeu, um significativo aumento nos delitos patrimoniais de pequena monta. Portanto, renasce na Europa a criminalidade de bagatela, mas neste momento histórico ainda com base na patrimonialidade lesada. Lopes discorre acerca da origem do princípio da insignificância: O princípio da insignificância surge de forma significativa na Europa, a partir deste século, devido às crises sociais decorrentes das duas grandes guerras mundiais. O excessivo desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocou um surto de pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação "criminalidade de bagatela".73 Como se pode constatar, essa origem fática reveste-se do caráter de patrimonialidade de seu destino, ou seja, a existência de um dano patrimonial mínimo, que não caracterize prejuízo considerável a outrem, é considerada uma bagatela, e, como bagatela, não carece dos rigores do direito penal. Mas não se pode cunhar o princípio somente no caráter patrimonial. Veja-se, nesse sentido, apontamentos de Cássio Vinicius: 72 GOMES, Luiz Flávio. Delitode bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância do fato. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 88-109. 73 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal - análise à luz da lei n. 9.099/95 e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 42. 39 Com efeito, o princípio da insignificância é um princípio geral e ordenador do Direito Penal incidindo sobre todas as normas de cunho penal, e não somente sobre aquelas com características patrimoniais. Cunhá-lo, com base na patrimonialidade, é amputar uma grande parcela de sua aplicabilidade esvaziando-o quase que por completo.74 A maioria dos autores afirma que o princípio da insignificância tem sua origem histórica no direito romano, como sustenta Diomar Ackel Filho apud Santos e Sêga: "[...] no tocante à origem, não se pode negar que o princípio já vigorava no direito romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocardo de minimis non curat praetor.75 A posição de Maurício Antônio Ribeiro Lopes se apresenta mais oportuna, pois realiza uma crítica a essa origem histórica, devido à ausência de especificidade do princípio, que servia para justificar menos a ausência de providências estatais na esfera penal do que no direito civil. Afinal, os romanos tinham bem desenvolvido o direito civil, porém, não tinham a mínima noção do princípio da legalidade penal. Logo, existe naquele brocardo romano apenas uma máxima e não um estudo mais calculado. Com esse argumento, pretende o autor concluir que é precipitado creditarmos ao direito romano a origem histórica do princípio da insignificância, ficando este apenas com a origem fática do mesmo, que, como recém advertido, ocorreu ainda neste século, na Europa, mais notadamente na Alemanha. Contudo, convém registrar que a origem é de natureza um tanto quanto obscura, gerando divergência na doutrina. Os humanistas elaboraram a máxima mínima non curat praetor, vigorando, assim, no direito romano, a regra de que o pretor não cuidava das causas mínimas, bagatelares. No final do século XIX o princípio em tela foi também referido por Von Liszt76 para quem a legislação da época utilizava a pena de forma excessiva, devendo-se repensar a 74 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica. 2003, p. 36. 75 SANTOS, Maurício Macêdo dos; SÊGA, Viviane Amaral. Sobrevivência do princípio da insignificância diante das disposições da Lei 9099/95. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp? id=950>. Acesso em 09-02-2007 às 18h09min. 76 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Delito de bagatela: princípios da insignificância e da irrelevância do fato. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 90, v. 789, jul. 2001, p. 42. 40 restauração da máxima mínimanon curat praetor, seja como princípio jurídico do processo, seja como regra de direito material. Propugnava o mestre ser de suma importância separar as contravenções das infrações. O princípio da insignificância teve sua origem e evolução através dos tempos e esteve fortemente ligado ao princípio da legalidade, em matéria penal - nullum crimen nulla poena sine lege -, passando por transformações que foram delineando o seu conteúdo, de forma a limitá-lo aos desígnios criminalizadores.77 A partir do movimento Iluminista, com a propagação do individualismo político e desenvolvimento do princípio da legalidade, vários autores jusnaturalistas e iluministas propuseram um estudo mais sistematizado do princípio da insignificância. Jeschek apud Lopes vinculou a origem do princípio da legalidade à teoria do contrato social, concluindo, então, que a função do Estado seria garantir a proteção efetiva dos direitos do homem, ou seja, somente é ilícito aquilo vedado por lei. Os que aderiram a tal pensamento achavam necessária a contenção do arbítrio judicial com a conseqüente submissão do magistrado à norma, único elemento capaz de estabelecer o que é antijurídico e as sanções pertinentes.78 Dentro desse contexto, Cesare Beccaria, com sua obra Dei delitti e delle pene, de 1764, argumentava ser o legislador o único agente capaz de estabelecer normas, por representar toda a sociedade unida por um contrato social, e que, apenas estas leis poderiam indicar as penas de cada delito. Quanto à medida dos delitos, Beccaria entende que "a exata medida do crime é o prejuízo causado à sociedade".79 Assim, o princípio da legalidade foi agregado às constituições inglesa e americana, e, em assim sendo, foi o princípio da insignificância absorvido por elas de forma implícita. Já a França, com a sua Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789, traz notável expressão do princípio da legalidade, bem como do princípio da 77 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 40. 78 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal - análise à luz da lei n. 9.099/95 e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 41. 79 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 42. 41 insignificância em seu art. 5º, ao dizer que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade.80 Cássio Vinicius concorda: Também se afirma que teve origem, juntamente com o princípio da legalidade, durante o iluminismo, como forma de limitação do poder absolutista do Estado. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu artigo 5º, implicitamente, faz referência ao princípio da insignificância, revelando que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade, o que cria um caráter seletivo para o Direito Penal e o desprezo às ações insignificantes.81 Porém, foram distorcidos tais princípios pelos regimes totalitários, como o da Alemanha nazista, "[...] se nenhuma lei determinada pode se aplicar diretamente ao fato, este será castigado conforme a lei cujo conceito básico melhor corresponder". Também o direito penal soviético baseava-se em conceitos como "[...] consciência socialista do direito", dando uma ilimitada discricionariedade na avaliação das condutas delituosas, concepções estas, que foram extintas pela reserva legal nestes países.82 Com o advento da legalidade, lege praevia, reconheceu-se procedentes às idéias garantidoras dos princípios da anterioridade e da irretroatividade da lei penal incriminadora e, adiante, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Para evitar-se a eleição consuetudinária de comportamentos penais típicos, criou-se a máxima nullum crimen nulla poena sine lege scripta.83 Após aceita tal máxima, para complementar o princípio da legalidade, houve três desdobramentos que foram delineando seu conteúdo, a saber: lege stricta, com o intuito de evitar o uso da analogia na configuração dos delitos; lege certa, para proibir incriminações vagas e imprecisas e o nullum crimen nulla poena sine iuria, que pressupunha a necessidade da relevância do mal que justificasse a aplicação de pena. Nessa "máxima" pode-se observar, 80 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op cit., p. 42. 81 PRESTES, Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003, p. 36. 82 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Princípio da insignificância no direito penal - análise à luz da lei n. 9.099/95 e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 43. 83 LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. op. cit., p. 40. 42 sem via de dúvida, a busca de evitar que as lesões insignificantes
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