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50 Unidade II Unidade II 3 AÇÕES GERENCIAIS DECORRENTES DA CONCEPÇÃO DA QUALIDADE Com base na definição de qualidade como adequação ao uso, temos observado a consolidação de algumas visões estratégicas referentes ao tema, das quais podem‑se destacar três. A primeira diz respeito à visão da qualidade total, a segunda está relacionadas às abordagens práticas (originalmente criadas por Garvin), e a terceira consiste no impacto social da qualidade. A visão da qualidade total a partir do conceito de adequação ao uso criou toda uma sistemática gerencial específica conhecida como Gestão da Qualidade Total. As abordagens de Garvin tiveram reflexos em várias áreas, talvez mais fortemente consolidados na Gestão da Qualidade do Processo, que inseriu no processo produtivo atenções e prioridades que só percebíamos no ambiente externo à organização. O impacto social da qualidade produziu novas abordagens a partir de distinções práticas anteriormente não observadas, como a diferença conceitual entre consumidor e cliente (PALADINI, 2009). Observação David Alan Garvin é considerado um guru contemporâneo da Qualidade. Ph.D. em economia pelo MIT, foi professor de Administração em Harvard, inspetor do Prêmio de Qualidade Malcolm Baldrige e serviu na Comissão de Estudos Industriais do Conselho de Pesquisa Nacional (EUA). 3.1 Ações gerenciais na Gestão da Qualidade e as relações conceituais Quando analisamos como os conceitos de qualidade são colocados em prática, identificamos forte relevância nas ações que eles demandam da Gestão da Qualidade. Podemos apontar como primeira e mais evidente o direcionamento da organização para o mercado e, em particular, o mercado consumidor. As demais decorrem dessa postura e mostram uma flexibilidade (nos conceitos) que deixa espaço para ações estratégicas (PALADINI, 2009). Com base nessa visão, percebe‑se que nenhuma definição determina exatamente o significado de adequação ao uso. Cabe, então, à Gestão da Qualidade a determinação das características que o mercado consumidor deseja, além de sua viabilização. Tal posicionamento, apesar de se colocar como coerente, demonstra na prática uma atitude reativa, que se desenvolve com base em um conhecimento previamente adquirido. Pensar estrategicamente nesse momento está relacionado à capacidade de desenvolver diferenciais que venham a influenciar a percepção de desejo e a necessidade de consumidores em potencial. Em outras palavras, a questão, nesse caso, está relacionada à capacidade de criar novas necessidades, e não somente buscar meios de descobri‑las. 51 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Observamos também que a busca por ajustes do produto à demanda não é respaldada pelas definições de referências de consumo, o que mostra, em termos estratégicos, uma lacuna a ser preenchida. Vale destacar ainda que, por mais completa que possa parecer a relação entre item do produto e condição requerida para uso, sempre podemos expandir as possibilidades dessa adequação. Na prática, essa expansão acaba por se colocar como um importante diferencial competitivo. Devemos atentar também que diversas melhorias pontuais acabam sendo integradas às melhorias gerais dos produtos ou serviços, as quais, segundo Paladini (2009), têm sido chamadas de contribuições do produto (ou serviço). Segundo o autor, a caracterização do resultado dessas ações como diferencial competitivo é identificada na prática, como: melhoria do desempenho, da confiabilidade, da durabilidade, das facilidades de uso, do custo de utilização, da segurança, do conforto, do maior leque de funções, do porte, do peso, da diversidade e até em itens críticos, como o preço do produto. Podemos concluir, nesse caso, que a ideia de que a prioridade do processo produtivo é o conjunto de todos os itens que venham a ser, de algum modo, relevantes para o consumidor, em maior ou menor escala, se coloca como um valor importante que a Gestão da Qualidade deve passar a toda a organização. Quando colocamos a possibilidade de maior ou menor escala, acabamos por abordar que a qualidade nunca é definida em termos absolutos, mas, sim, em termos relativos (PALADINI, 2009). O pensamento de Paladini ratifica a visão de Deming quando este coloca a questão sobre o significado de qualidade. Observe. O que é qualidade? O que significa, por exemplo, a qualidade de um calçado? Suponhamos que seja um calçado masculino que esteja sendo investigado. Será que qualidade significa que dure muito? Ou que possa ser bem engraxado? Que seja confortável? Que seja a prova d’água? Que o preço esteja de acordo com aquilo que é considerado qualidade? Em outras palavras, quais as características de qualidade que são importantes para o cliente? O que alguém definiria como qualidade de um calçado feminino? Qual o principal defeito de um calçado? Um prego na palmilha? Um salto que se descola em pouco tempo? Manchas? Quais as características que provocam insatisfação nos clientes? Como nós sabemos (DEMING, 1990, p. 125)? Acrescenta Deming (1990) que a qualidade de qualquer produto ou serviço tem muitas escalas. Um produto pode, segundo ele, obter uma boa nota na opinião do consumidor em uma escala, mas uma nota baixa em outra. Como exemplo quanto à mensuração mais ou menos precisa e subjetiva para qualidade do ponto de vista do consumidor, incluindo também as variações das expressões de seus desejos ou suas necessidades, podemos citar o contexto da qualidade do atendimento médico abordado por Deming (1990), na qual o autor observa que uma boa definição para qualidade de atendimento médico se mostra um problema constante para os administradores da assistência médica e para as pessoas que desejam estudar esse segmento de mercado. Ainda segundo o autor, pode parecer simples para qualquer um que não possui experiência nessa área (serviços médicos), 52 Unidade II porém, a qualidade do atendimento médico tem sido definida de várias formas, cada uma atendendo a um tipo especial de problema: 1. Conforto dos pacientes sob atendimento médico (Como mediríamos o conforto?). 2. Número de pessoas sob cuidados médicos, homens e mulheres, por idade em cada grupo. 3. (Aplicável a um ambulatório para idosos). O número de pessoas mantidas fora do hospital ou com atendimento em casa, em virtude dos bons cuidados do ambulatório. 4. Instalações para exames, tais como laboratórios, aparelhos de raio X. 5. Saúde pública. 6. Vida médica das pessoas que receberam alta das instituições, por tempo de alta. 7. Verba aplicada por uma instituição, por paciente (DEMING, 1990, p. 125). Para ele, é obvio que algumas dessas definições podem parecer antiéticas. Um elevado número de pacientes sob cuidados médicos, por um lado, pode indicar um bom atendimento médico, uma vez que atendendo a muitas pessoas; por outro, pode indicar o contrário, o número pode ser alto em função de más medidas da saúde pública, ou pode ser alto porque os ambulatórios não estão fazendo o seu trabalho de forma correta. O autor acrescenta ainda que a porcentagem de pacientes com alta ambulatorial pode significar que os cuidados que recebem são excelentes, com os pacientes permanecendo na instituição por um curto período, estando logo reabilitados o suficiente para ir para casa; contudo, pode também significar que a política da administração é liberar o paciente quando este atinge um estágio que necessita de cuidados intensos e passa a ser um ônus em um hospital para convalescentes ou idosos. Podemos considerar também, segundo Deming (1990), que a verba aplicada por uma instituição quase não fornece a indicação do tipo de tratamento que oferece, e que disponibilidade de instalações é uma coisa, como seu uso eficaz é outra. Pelo exposto até aqui, podemos considerar que, a qualquer tempo, segundo Paladini (2009), há um referencial a ser considerado para definirmos qualidade. O autor ressalta a evidência de que a avaliação do produto ou do serviço pelo consumidor é o ponto de partida, e, assim, o mercadoé o primeiro elemento a ser considerado nesse processo. Porém, pelo que vimos, existem outros referenciais com grande relevância, e ter essa consciência é perceber o quanto é prejudicial à Gestão da Qualidade a utilização equivocada de conceitos referentes ao tema. Para Paladini (2009), a adequação de um produto ao uso, considerada como principal relação que define qualidade, só será possível se for atendido um conjunto de aspectos, o que não ocorrerá se alguns deles forem supervalorizados, considerados de forma inadequada ou, ainda, desconsiderados. 53 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Em complemento ao que foi apresentado até aqui, podemos acrescentar uma outra perspectiva significativa identificada nas diferentes definições, a qual demonstra um esforço para se desenvolver métodos de medição da qualidade. Cabe ressaltar, com relação a esse aspecto, a afirmação de Kaplan e Norton (1997, p. 21): “[...] medir é importante: o que não é medido não é gerenciado”. Observação Robert Kaplan e David Norton, professores da Harvard Business School, apresentaram, na década de 1990, o Balanced Scorecard (BSC), que significa, literalmente, indicadores balanceados de desempenho, um modelo de avaliação de performance empresarial. Os autores ainda acrescentam que o sistema de indicadores afeta fortemente o comportamento das pessoas dentro e fora da empresa. Sendo assim, se quiserem sobreviver e prosperar na era da informação, as empresas devem utilizar sistemas de gestão e medição de desempenho derivados de suas estratégias e capacidades. Jekins (apud PALADINI, 2009), por exemplo, utiliza o termo grau buscando acrescentar à Gestão da Qualidade procedimentos quantitativos para sua avaliação, o que favorece a quantificação da qualidade, viabilizando as ações de seu planejamento, inclusive a implantação e identificação do real impacto das melhorias. Para Paladini (2009), essas noções são aplicadas mesmo a itens subjetivos da qualidade, viabilizando, assim, a possibilidade permanente de mensuração da qualidade, mesmo nos casos de os elementos determinantes serem muito particulares e praticamente individualizados. Grosso modo, apesar de não podermos discutir por que consumidores gostam de carros vermelhos, podemos definir quantos gostam de carros dessa cor. 3.2 Qualidade total: ampliando o conceito de qualidade para dar suporte às ações Nesses últimos anos, de acordo com Silva e Peso (2001), temos observado um interessante movimento de inversão no que diz respeito à qualidade. Para os autores, se antes ela se concentrava apenas nos produtos ou nos serviços e era vista como estratégia de diferenciação, atualmente é considerada pelas empresas como necessária e imprescindível, tendo seu foco no consumidor, já que a concepção da qualidade como adequação ao uso determina que sua avaliação seja feita em termos de uma simples relação de consumo. Isso porque o conceito gera uma conexão entre a organização e o mercado, mais particularmente com os segmentos de demanda que pretende atender; trata‑se, portanto, de um conceito que, inegavelmente, é abrangente e geral (PALADINI, 2009). Diante desse cenário, Silva e Peso (2001) percebem que a sobrevivência das organizações depende diretamente da produtividade e da qualidade que a empresa pode oferecer dentro de um mercado cada vez mais competitivo e globalizado. Ou seja, as empresas que não atualizarem seus métodos tradicionais, ou insistirem em manter aqueles que foram utilizados com sucesso até alguns poucos anos atrás, estarão se colocando numa zona de alto risco para sua sobrevivência. 54 Unidade II Dessa forma, o conceito mais abrangente da percepção da qualidade não restringe as ações da sua gestão. E há um espaço considerável para a ampliação e o ajuste de um produto ou um serviço à demanda que pretende satisfazer. O autor acrescenta ainda que o conceito de adequação ao uso não particulariza, não detalha ou delimita os elementos que determinam (ou podem vir a determinar) como tal ajuste deve se processar. Além disso, a inclusão de novas características no produto ou no serviço pode expandir as faixas de mercado em que a organização atua, ou seja, a criação de novos fatores, componentes ou mesmo características voltados à adequação ao uso pode estender o alcance do produto ou do serviço (PALADINI, 2009). Sendo assim, e partindo do pensamento dos autores Silva e Peso (2001) e Paladini (2009), podemos concluir que os mercados nos quais a organização opera sempre poderão ser ampliados ou, ainda, novos mercados poderão ser criados. Tal conclusão nos mostra, consequentemente, que o conceito de qualidade relacionado à adequação ao uso apresenta um nível considerável de abrangência. Entretanto, não podemos deixar em segundo plano que a conquista dos níveis competitivos exigidos pelo mercado atual demanda das empresas uma reformulação dos seu padrões de Gestão da Qualidade, a fim de poderem coordenar o uso das técnicas e ferramentas disponíveis e garantir as condições necessárias ao planejamento, ao controle e às melhorias de cada um dos processos, para que, em seguida, seja possível alcançar resultados satisfatórios (SILVA; PESO, 2001). Lembrete Vale destacar que o conceito mais abrangente da percepção da qualidade não faz referência unicamente às ações de gestão e que os mercados‑alvo podem ser ampliados (ou ainda criados). 3.3 Falando em adequação ao uso A utilização do conceito de qualidade adequação ao uso nos remete a, pelo menos, um questionamento: o que pode determinar de fato que um produto ou um serviço seja adequado ao uso, de forma que sua utilização realmente venha a atender às expectativas do consumidor? Para Paladini (2009), nenhuma definição conceitua, dá pistas ou mesmo limita que elementos são esses. Uma resposta possível para o autor poderia ser: Todos. Se fosse possível listar todos os itens que atendem a um consumidor, seria possível garantir que ele está totalmente satisfeito. Ou seja, nesse momento seria atingida a ‘qualidade total’, pelo menos do ponto de vista desse consumidor (PALADINI, 2009, p. 37). Segundo Silva e Peso (2001), a visão de qualidade total tem sido adotada por muitas organizações como uma forma de garantir sua sobrevivência a longo prazo. Outra questão importante na visão dos autores é a necessidade de avaliarmos /atualizarmos permanentemente a definição de qualidade, isso porque se pode limitar o entendimento de qualidade a índices de defeitos, índices de refugo e prazos 55 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE de entrega, porém todos esses aspectos estão ligados à qualidade dos produtos e não à qualidade total. Entretanto, esclarecem eles, apesar de todas as dificuldades, a adoção de uma filosofia de Gestão da Qualidade Total é de extrema importância para o crescimento de um setor, e tal filosofia é totalmente viável tendo em vista o sucesso alcançado por empresas que já experimentaram e persistiram em sua implementação. Vale acrescentar que, segundo Silva e Peso (2001), para uma organização alcançar os níveis de qualidade preconizados pela filosofia da qualidade total, ela deve promover uma revolução em seus processos administrativos, ou seja, deve estar preparada, a todo o momento, para absorver e incorporar as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas ocorridas em seu meio ambiente de maneira rápida e satisfatória. Segundo os autores, não devemos esquecer que, dentro da filosofia da qualidade total, a qualidade não é apenas uma função de um único setor ou área, mas abrange uma série de passos que envolvem todos e necessita de um sistema que proporcione condições favoráveis ao seu constante aperfeiçoamento. Alguns autores, de acordo com Silva e Peso (2001), afirmam que o controle da qualidade demanda um sistema dinâmico que abarque toda a estrutura da empresa, seja de forma direta, seja de forma indireta, com o objetivo de contribuir para a melhoria do produto ou do serviço final, promovendo sempre a adequação permanente de tais produtosou serviços às necessidades e às expectativas dos consumidores. Juran (2004), conhecido como um dos gurus da qualidade, chama a atenção para o fato de que os problemas de qualidade deixaram de ser encarados apenas como problemas tecnológicos e passaram a figurar como componentes do plano de negócios da empresa, sendo vistos e tratados como problemas de gerenciamento (SILVA; PESO, 2001). Esse é um dos motivos que levam as empresas a se lançarem em busca de novas formas de gerenciamento, buscando criar sistemas administrativos fortes, mas, ao mesmo tempo, flexíveis, a fim de garantir sua permanência no mercado. Segundo Silva e Peso (2001), é dentro desse contexto que a filosofia da qualidade total vem se posicionando como a melhor alternativa para integrar a concepção da Gestão Estratégica da Qualidade. Alinhado ao pensamento de Silva e Peso (2001), Paladini (2009) observa que a qualidade total já está bem difundida e também não se trata de um termo novo, muito menos de um novo conceito. Para ele, trata‑se de uma decorrência natural da qualidade definida enquanto adequação ao uso, quando se ampliam os componentes ou as partes que determinam esse ajuste para um total emprego do produto. O autor acrescenta ainda: Para a Gestão da Qualidade, o conceito da “qualidade total” significa o conjunto de características que atende “totalmente” ao consumidor. Esse é um dos aspectos da generalização do conceito de “adequação ao uso”. Nessa generalização a Gestão da Qualidade passa a ser “Gestão da Qualidade Total” se suas atividades conseguirem produzir bens e serviços que possuem requisitos capazes de garantir a plena realização de todas as necessidades, todas as preferências, todos os desejos, todos os gostos, ou tudo o que suprir as conveniências do consumidor (PALADINI, 2009, p. 37). 56 Unidade II Em complemento ao pensamento de Paladini, Silva e Peso (2001) observam que, se partirmos da premissa de que o objetivo principal de uma empresa é sua sobrevivência, a Gestão da Qualidade Total vai ao encontro de tal objetivo por meio da satisfação dos consumidores. Assim, para os autores, o primeiro passo é identificar todas as pessoas que serão afetadas pela GQT e como atender às necessidades delas. Eles acrescentam que, de diversas formas e em momentos diferentes, a empresa interage com os consumidores, acionistas, empregados e, por último, com a comunidade na qual está inserida. No quadro a seguir temos uma pequena síntese desses relacionamentos e dos meios que podem ser utilizados para atingir todas as partes envolvidas. Quadro 3 – Meios alternativos para satisfação de necessidades Objetivos Envolvidos Meios Satisfação de necessidades consumidores qualidade empregados desenvolvimento humano acionistas lucratividade vizinhos contribuição social Fonte: Silva e Peso (2001, p. 173). Segundo Silva e Peso (2001), a Gestão da Qualidade Total pode também ser vista como a criação de uma vantagem competitiva sustentável, destacando o aperfeiçoamento contínuo no processo de identificação e de atendimento das expectativas e das necessidades dos clientes quanto a produtos e serviços desejados e ao uso eficiente dos recursos disponíveis de modo a agregar o máximo de valor ao resultado final. Consequentemente os objetivos da aplicação dessa filosofia de gestão podem ser listados como: • garantir maior satisfação ao cliente, oferecendo produtos e serviços que correspondam às suas expectativas e acompanhando suas constantes mudanças; • melhorar a qualidade do atendimento; • obter maior eficiência e produtividade, mantendo cada etapa do processo produtivo sob controle, detectando possíveis falhas e rastreando suas causas; • alcançar maior integração dos funcionários, promovendo a comunicação entre os vários setores e os diferentes níveis hierárquicos (ou seja, tanto a comunicação vertical quanto a horizontal); • reduzir custos, minimizando retrabalhos; • atingir maior lucratividade e crescimento. Considerando os níveis de abrangência apresentados como dimensões estruturantes da Gestão da Qualidade Total, cabe, segundo Paladini (2009), uma questão que pode traduzir mais efetivamente os objetivos dessa perspectiva. 57 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Qual a decorrência mais efetiva da Gestão da Qualidade Total? Se for plenamente atendido, o consumidor não procurará outra organização para obter bens e serviços, já que os fornecidos nesse momento o atendem plenamente. Surge, assim, um primeiro indicador que pode avaliar se a Gestão da Qualidade Total está atingindo seus objetivos, que é o grau de fidelidade do consumidor (Paladini, 2009, p. 37). Porém, como o mercado está em permanente processo de transformação, a qual influencia e é influenciada pela evolução ao longo do tempo do consumidor, a Gestão da Qualidade Total, para se manter alinhada aos seus objetivos, deve buscar regularmente não só atender às necessidades, mas superar as expectativas do consumidor. Em certos casos, a Gestão da Qualidade Total deve antever, inclusive, o surgimento de necessidades, direcionando suas ações para mostrar que o consumidor as possui mesmo que ele próprio ainda não o saiba. Vale destacar que a fidelidade do consumidor significa uma certa garantia de sobrevivência para as organizações e, por isso, deve ser sempre considerada um objetivo estratégico de grande relevância. Assim, quando observamos que determinadas organizações não conseguem manter um bom nível de fidelidade por parte de seus consumidores, costuma‑se apontar tal fato como uma falha evidente da Gestão da Qualidade. Segundo Paladini (2009), é indiscutível que o vínculo de fidelidade estabelecido com o consumidor não ocorre repentinamente, mas caracteriza‑se por uma conquista lenta, gradativa, crescente e cuidadosa, adquirindo consistência ao longo do tempo. A obtenção da fidelidade do consumidor requer o entendimento da sistemática do mercado, demandando um permanente monitoramento de suas características e a análise eficaz das tendências e das transformações presentes no ambiente externo às organizações. Ao adotar tal entendimento como um dos direcionadores do desenvolvimento da estratégia da Gestão da Qualidade Total, devemos considerar, como destaca Silva e Peso (2001), que, anteriormente, a demanda era muito maior que a oferta, o que proporcionava às empresas uma situação muito tranquila, já que elas podiam desenvolver seus produtos e serviços independentemente daquilo que o consumidor desejasse, e, assim, tudo que era produzido era consumido pela escassez de ofertas. Isso, acrescentam os autores, fazia com que os consumidores adaptassem suas necessidades em função do que era possível de se obter no mercado. Hoje, as condições do mercado são muito diferentes, a demanda cresce de forma aritmética, mas a oferta de maneira geométrica e a concorrência aumenta dia a dia. Atualmente, são as empresas que precisam se adaptar às necessidades e aos gostos dos consumidores, e quem não seguir essa tendência corre o risco de ser excluído do mercado (SILVA; PESO, 2001). Como consequência das transformações das características das relações de consumo constatadas, Silva e Peso (2001) colocam que a criação de um canal de comunicação entre os clientes e a organização se torna imprescindível para um contínuo aperfeiçoamento, seja de produtos, seja de serviços. Esse canal, para os autores, tem como função informar o que o cliente pensa do produto ou do serviço, quais são suas necessidades, o que ele espera, o que ele deseja e o que ele busca. Sendo assim, todas as informações obtidas dessa forma devem ser consideradas pela organização e, por meio delas, cabe gerar o aperfeiçoamento daquilo que a empresa já oferece ou, ainda, promover o desenvolvimento de novos produtos ou serviços. 58 Unidade II Para que a visão apresentada de Silva e Peso seja possível, a empresa deve contar com uma estrutura que lhe assegure que os erros não ocorrerão em nenhuma das etapas do processo produtivo, de seu inícioaté seu destino final (ou seja, até chegar ao cliente), e tendo ainda instalado uma rede de tarefas de apoio e interfaces que visem à total satisfação. Ambas as ações devem sempre ser alvo da atenção de todos para que possam ser, constantemente, atualizadas e melhoradas sempre que necessário. 3.4 Da análise de mercado à estratégia da gestão da qualidade Segundo Paladini (2009), podemos considerar o atendimento a todos os requisitos referentes a qualidade expressos pelos consumidores como a dimensão externa da Gestão da Qualidade Total, sendo essa a primeira dimensão do conceito de qualidade total. Já a segunda dimensão é configurada quando se tenta buscar resposta para a seguinte questão: Como viabilizar o atendimento a todas as exigências do consumidor em termos da qualidade? Uma resposta possível é: envolvendo todas as partes da organização cujas ações possuam algum impacto (por mínimo que seja) sobre o produto (PALADINI, 2009, p. 38). Contudo, esse envolvimento amplo da organização visando entender e atender as necessidades e as expectativas dos consumidores está respaldado pelo pensamento de Blackwell, Miniard e Engel (2005), autores que afirmam que, junto com o novo milênio, surgiu um novo século global do consumidor, requerendo novas habilidades para os analistas de consumo, que desejam formular e implantar estratégias de negócios para as organizações. Segundo eles, desenvolver estratégias corporativas baseadas no consumidor requer uma compreensão total das “tendências de consumo, mercados consumidores globais, modelos para prever demanda e métodos de comunicação que atinjam os mercados mais eficazmente” (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005, p. 36). Ainda segundo Blackwell, Miniard e Engel (2005, p. 36), o slogan dos segmentos varejista, atacadista e de produtores de uma forma geral, durante o século XXI, será: “Sirvam o consumidor”! Para os autores, estratégias desenvolvidas pelo e para o mercado são importantes durante intensa competição e alta expectativa dos consumidores. Às quais, segundo eles, são incorporadas as seguintes características baseadas no mercado: • desenvolver uma visão compartilhada sobre o mercado e como se espera que mude no futuro; • selecionar os caminhos para entrega de valor superior aos clientes; • posicionar a organização e suas marcas no mercado usando competências diferentes; • reconhecer o valor potencial das relações colaborativas com clientes, fornecedores, membros do canal de distribuição, responsáveis pelas funções internas e, mesmo, concorrentes; • reinventar a estrutura organizacional para poder implementar e gerenciar estratégias futuras. 59 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Quando uma organização, em busca da melhoria dos seus níveis de competitividade, direciona suas ações no sentido de estruturar e colocar em prática uma gestão estratégica voltada à qualidade total, é necessário que seja acrescentada aos seus fatores estratégicos a visão de Blackwell, Miniard e Engel sintetizada no parágrafo a seguir: O objetivo de qualquer organização é dar aos consumidores mais valor que a sua concorrência. Valor é a diferença entre aquilo que os consumidores abrem mão por um produto (dinheiro, tempo ou outros recursos) e os benefícios que recebem. Valor é o “pacote” total de utilidades recebido pelos consumidores comparado com o “pacote” de “desutilidades” que devem pagar. No mundo de hoje, consciente de valor, os vendedores devem enfatizar o valor total dos seus produtos (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005, p. 37). Assim, para Blackwell, Miniard e Engel (2005), a qualidade, na simples perspectiva popular, como já abordada anteriormente, frequentemente pensada como sinônimo de valor, não é suficiente para sustentar uma vantagem competitiva no ambiente atual, mas a combinação de outros componentes de valor, como marca, imagem, preço e atributos de produto, que compõem o conceito de qualidade total, pode significar uma vantagem. Não está claro, entretanto, como esses componentes comunicam valor para o consumidor. Por exemplo, tanto a Nike quanto a Reebok fornecem as mesmas funções básicas e a mesma qualidade, entretanto, a Nike pode oferecer um amortecimento especial na sola do calçado e o famoso swoosh no lado de fora do produto, além de ser também uma marca endossada por personalidades do meio esportivo, como o jogador brasileiro de futebol Neymar. Já a Reebok pode ter como atributos um refletor para a noite e preços um pouco mais acessíveis. Os consumidores escolhem o produto que lhes dá o maior valor, não necessariamente em termos de economia de custo, mas em termos de benefícios totais, que podem incluir, nesse caso, a aprovação dos seus pares (BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2005). Dessa maneira, de acordo com Paladini (2009), pode‑se expressar da seguinte forma a segunda dimensão da Gestão da Qualidade Total: só é possível adequar um produto inteiramente ao uso, se todos os setores, todas as áreas, todas as pessoas ou, enfim, todos os elementos que tiverem alguma participação, direta ou indireta, na sua concepção, na sua fabricação, no seu acabamento, na sua embalagem ou no transporte, estiverem diretamente envolvidos no esforço de atender ao consumidor. Ninguém, segundo o autor, em toda a organização, pode ser excluído ou dispensado de tal esforço. De fato, se qualquer componente do processo produtivo, de todas as atividades de suporte a ele ou de qualquer área da organização, não estiver plenamente comprometido com esse propósito, algum aspecto do produto pode não ser atendido, comprometendo, dessa forma, a meta de satisfação plena do consumidor. Dito de outra maneira, quem desenvolve uma ação que não contribui para ajustar o produto ao uso, é dispensável, seja uma pessoa, uma máquina ou uma operação (PALADINI, 2009). 60 Unidade II 3.5 Ações gerenciais e o papel da alta direção Pudemos observar que a Gestão da Qualidade Total incorpora o envolvimento de todos os elementos da organização no esforço contínuo de adequar o produto ao uso, partindo das atividades individuais de cada colaborador no processo produtivo ou em qualquer outra área. Contudo, como coloca Silva e Peso (2001), a alta direção tem um papel fundamental para que o processo de implementação de um programa de controle de qualidade total tenha sucesso: a iniciativa, bem como sua implantação, deve ser um processo de cima para baixo (ou como é denominado na Teoria de Sistemas, top‑down). Saiba mais Sobre Teoria Geral de Sistemas, consulte: CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à teoria geral da administração. 7. ed. São Paulo: Campus, 2004. Segundo Silva e Peso (2001), cabe à alta administração dar o primeiro passo para o programa da qualidade total, assumindo a frente, estabelecendo uma política clara e aberta, definindo a missão e transmitindo‑a a todos os funcionários, de forma a disseminar a nova postura da empresa e divulgá‑la a todas as pessoas da organização. Para os autores, outro ponto a se pensar diz respeito à dificuldade e à demora que os funcionários encontram para absorver essa nova situação: não se pode esperar que um funcionário que desenvolve há, por exemplo, vinte anos uma determinada função mude seus métodos da noite para o dia; a implementação de qualquer processo dentro de uma empresa deve ser gradual e progressiva. É claro, acrescentam os autores, que podemos acelerar ou facilitar esse processo com palestras e seminários direcionados aos funcionários, no entanto, para que eles possam observar, comprovar e serem convencidos da veracidade dos discursos, é necessário que tais discursos sejam acompanhados de exemplos diários de comprometimento real dos executivos com a filosofia da qualidade total. Conforme a visão dos autores, torna‑se de fundamental importância a coerência entre o discurso e a prática, criando assim uma cultura voltada estrategicamente para a qualidade total. De acordo com Greshner (1985, apud SILVA; PESO, 2001, p. 181): Cultura de qualidade é o nível de concepção dos mínimosdetalhes dos parâmetros e características de um produto ou serviço, por todos os funcionários de uma empresa, cujo objetivo é satisfazer o usuário. Cultura de qualidade é o enfoque dado ao consumidor pela empresa, que a possibilita obter a chave do sucesso de um negócio, chave essa que só poderá ser realmente obtida com a qualidade. 61 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Observação O conceito de cultura está baseado metaforicamente na experiência do cultivo, como a arte de lavrar a terra. A palavra cultura refere‑se aos sistemas sociais de conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos. Vale lembrar que o pensamento de Greshner está alinhado à visão de Deming, que ressalta tanto a importância da constância de propósito quanto a necessidade de se encarar o enfoque da qualidade não como mais uma onda passageira, mas, sim, como um caminho único para assegurar a competitividade e a sobrevivência no mercado (SILVA; PESO, 2001). É fundamental, então, segundo os autores, que toda a empresa se comporte de acordo com a nova filosofia, criando uma cultura de qualidade e fazendo com que, cada um, em cada área da empresa, sinta‑se responsável e participante do processo de produção e manutenção da qualidade. 3.6 As ações voltadas à melhoria no processo da Gestão da Qualidade Total Atender plenamente um consumidor, munindo um produto ou um serviço de todas as características possíveis e imagináveis para satisfazê‑lo, envolver todos os atores de uma organização em um esforço único e perfeitamente integrado e garantir que todos esses elementos estejam plenamente alinhados e empenhados nesse objetivo são ações com alto nível de complexidade que, segundo Paladini (2009), podem ser divididas em dois importantes grupos: o primeiro, voltado ao envolvimento total dos componentes da organização; o segundo, ao atendimento total, ou seja, de todas as necessidades e expectativas do consumidor. Aparentemente, as ações ou os objetivos apontados como formadores de uma base estruturante da gestão voltada à qualidade total podem parecer utópicos, ou seja, produtores de uma força de transformação da realidade em ato, que assumem um corpo e consistência suficientes para se transformarem em autêntica vontade inovadora que direcionará a busca permanente por meios de inovação. Tal abordagem, considerada para formulação das estratégias voltadas à Gestão da Qualidade Total, pode ser sintetizada na expressão melhoria contínua. Saiba mais Para um melhor entendimento sobre a visão utópica das perspectivas da qualidade total, consulte a obra sugerida a seguir: MORE, T. A utopia. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2008. A filosofia do melhoramento contínuo (kaizen), segundo Marshall Junior et al. (2007), possui como sua mais famosa representação o ciclo PDCA (do inglês plan, do, check, act/adjust), também conhecido 62 Unidade II como ciclo Shewhart (seu idealizador) ou como ciclo de Deming (o responsável pelo seu desenvolvimento e divulgação). Na visão dos autores, o ciclo PDCA é um método gerencial para a promoção da melhoria contínua e reflete, em suas quatro fases, a base da filosofia do melhoramento contínuo. Praticando‑as de forma cíclica e ininterrupta, acaba‑se por promover a melhoria contínua e sistemática na organização, consolidando a padronização de práticas. As quatro fases são mostradas nas duas figuras a seguir. 4 1 3 2 P = Plan (Planejar) A = Action (Consolidar) D = Do (Fazer) C = Check (Verificar) Figura 5 – As quatro etapas do PDCA Agir corretivamente ou padronizar Executar a tarefa e coletar dados Verificar os resultados da tarefa executada Definir as metas Definir os métodos Educar e treinar P = Plan (Planejar) A = Action (Consolidar) D = Do (Fazer) C = Check (Verificar) Figura 6 – As quatro etapas do PDCA e seus desdobramentos • Primeira fase: plan (planejamento). Devem‑se estabelecer os objetivos e metas para que sejam desenvolvidos os métodos, os procedimentos e os padrões necessários para alcançá‑los. Normalmente, as metas são obtidas com base no planejamento estratégico e representam requisitos dos clientes ou parâmetros e características de produtos, serviços e processos. Já os métodos contemplam os procedimentos e as orientações técnicas necessárias para se atingir as metas. • Segunda fase: do (execução). Essa é a fase de implementação do planejamento. É preciso fornecer educação e treinamento para execução dos métodos desenvolvidos na fase de planejamento. Ao longo da execução, devem‑se coletar os dados que serão utilizados na fase de verificação. Quando o pessoal envolvido na execução vem participando desde a fase de planejamento, o treinamento, em geral, deixa de ser necessário. • Terceira fase: check (verificação). É quando se verifica se o planejado foi consistentemente alcançado através da comparação entre as metas desejadas e os resultados obtidos. Normalmente, usam‑se 63 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE para isso ferramentas de controle, histogramas, folhas de verificação, entre outras. É importante ressaltar que essa comparação deve ser baseada em fatos, e dados e não em opiniões ou intuição. • Quarta fase: act (agir corretivamente). Nessa fase têm‑se duas alternativas: a primeira consiste em buscar as causas fundamentais a fim de prevenir a repetição dos efeitos indesejados, no caso de não terem sido alcançadas as metas planejadas; a segunda, em adotar como padrão o planejamento na primeira fase, já que as metas planejadas foram alcançadas. Girar o ciclo PDCA, para Marshall Junior et al. (2007), significa obter previsibilidade nos processos e aumento da competitividade organizacional. Essa previsibilidade se dá em decorrência da obediência aos padrões, pois, quando a melhoria é bem‑sucedida, adota‑se o método planejado, padronizando‑o; caso contrário, volta‑se ao padrão anterior e recomeça‑se a girar o PDCA. Em geral, melhoria é o aumento do grau de ajuste do produto à demanda. Esse aumento considera referenciais estabelecidos pelo próprio consumidor, como o atendimento às suas necessidades, suas expectativas, suas preferências, suas conveniências etc.; assim, quem define o que é (e o que não é) melhoria é o consumidor. Já no âmbito interno, um esforço de produção pode ser considerado uma melhoria se de tal esforço resulta maior ajuste do produto ao uso dele requerido. Enfim, a Gestão da Qualidade Total direciona todas as atividades da organização à produção de melhorias (considerando o conceito de melhoria contínua), tratando‑se de uma ação constante, crescente e organizada (Paladini, 2009). Lembrete Quase sempre se entende melhoria por aumento do grau de ajuste do produto à demanda. Como tal aumento é calculado com base em parâmetros fornecidos pelo próprio consumidor, é ele, então, quem define o que é (e o que não é) melhoria. Segundo Toledo et al. (2013), podemos pensar também na melhoria com base em uma tipologia estruturada em duas partes. É possível fazer uma separação entre dois tipos de atividades que envolvem a melhoria de processos: a sistemática de resolução de problemas e os projetos de melhoria. Essa separação é importante para o entendimento adequado das atividades de melhoria da qualidade na empresa. Já os projetos de melhoria são atividades iniciadas com base em necessidades diretamente relacionadas e detectadas originalmente de objetivos estratégicos relacionados a clientes, a concorrentes ou a fatores estratégicos internos à empresa. Esses projetos são ordenados por importância estratégica e alinhados às prioridades estabelecidas para os fatores de competitividade da empresa. Assim, a melhoria como sistemática de resolução de problemas representa o conjunto ou sequência lógica de raciocínio e de atividades que são desenvolvidas a partir de um problema ocorrido (quando se adota uma abordagem reativa) ou possível de ocorrer (abordagem preventiva). Portanto, a melhoria como resolução de problemas pode ser de três tipos básicos: disposição oucontrole de processo, melhoria reativa e melhoria proativa (TOLEDO et al., 2013). 64 Unidade II Apresentaremos a seguir três diagramas adaptados de Shiba et al. (1993, apud TOLEDO et al. 2013) que evidenciam as diferenças entre os três tipos básicos de resolução de problemas (ou seja, de melhoria). É importante salientar, segundo os autores, que nos processos de ação de melhoria existem uma alternância entre atividades de dois níveis diferentes: Nível do pensamento (reflexão, planejamento, análise, raciocínio etc.) e nível da experiência (obtenção de informação do processo real, intervenção no processo real etc.). Isso mostra que as ideias e as opiniões só podem ser desenvolvidas se forem experimentadas ou verificadas e validadas nas operações das empresas (SHIBA et al., 1993, apud TOLEDO et al., 2013, p. 162). Os diagramas ilustram os passos básicos desses três tipos de melhoria, que ocorrem separadamente, mas devem sempre ser complementares. Também está implícita nesse modelo a ideia de realimentar a melhoria: voltar no início do ciclo de melhoria para atuar no problema seguinte ou aprofundar a melhoria de um processo já aperfeiçoado. Controle de processo ou disposição, representado na figura a seguir, é a designação dada ao ciclo que controla ou mantém a operação de um bom processo. Seu funcionamento se baseia no monitoramento de um processo para garantir que ele esteja funcionando da forma pretendida e trazê‑lo de volta à operação correta se ele sair do controle ou não atender aos requisitos ou especificações. Segundo Toledo et al. (2013), deve‑se executar a ação corretiva da forma predeterminada e descrita no manual de procedimentos de manutenção dos padrões dos processos da empresa para corrigir o problema do processo. Os autores acrescentam que esse ciclo é conhecido como SDCA (sigla em inglês para padronizar, executar, verificar, atuar). Essa atividade pode ser considerada temporária, devendo sempre ser seguida de uma análise mais aprofundada sobre as características do processo, por exemplo, a análise de sua variabilidade e das causas fundamentais. Problema Padronizar a solução Planejar a solução Avaliar os efeitosImplementar a solução Nível do pensamento Nível da experiência Figura 7 – Disposição ou controle do processo 65 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Como exemplo referente ao ciclo de disposição ou controle do processo, os autores colocam: Devido a uma falha na máquina, foi preciso utilizar um conjunto de ferramentas diferente do que estava especificado no plano de processo de fabricação, o que representava um problema. Com o objetivo de recolocar o processo em operação o mais rápido possível, planeja‑se uma solução que possa ser implementada e que garanta o funcionamento da máquina de forma a atender às especificações do desenho da peça. Essa solução é considerada viável, colocada em operação, e seus efeitos não são prejudiciais. Assim, essa solução é padronizada até que possam ser identificadas as causas para que o processo possa operar de acordo com o padrão anterior. Nota‑se que no ciclo da disposição não existe atividade para buscar a causa do problema (SHIBA et al. 1993, apud TOLEDO et al. 2013, p. 163). A continuidade das análises decorrentes de uma ação de disposição, segundo Toledo et al. (2013), é a chamada melhoria reativa, quando se busca identificar as causas do problema e sua solução. Em relação ao sistema de gestão da qualidade, como um sistema padrão ISO 9000, ela pode ser diretamente associada ao requisito de ação corretiva. Ainda segundo os autores, os métodos fundamentais de controle de processo são: a padronização, o controle estatístico de processo e a inspeção. Já a melhoria reativa requer que sejam empregadas uma sistemática de trabalho e uma análise mais estruturada, permitindo, assim, a utilização estratégica de ferramentas estatísticas básicas da qualidade. Problema Padronizar a solução Padronizar a solução Selecionar o problema Analisar as causas Avaliar os efeitos Implantar a solução Coletar e analisar os dados Refletir sobre o processo e o programa seguinte Nível do pensamento Nível da experiência Melhora reativa Figura 8 – Melhoria reativa A melhoria proativa trata de situações em que não se tem uma ideia clara a respeito do problema e de uma melhoria necessária específica. Dessa forma, é preciso escolher uma direção e uma orientação para a empresa ou para o processo antes de se iniciar uma atividade de melhoria. Vale destacar que 66 Unidade II não há um processo padrão de raciocínio ou método dedicado a ser utilizado na abordagem proativa. Existem, porém, alguns processos de raciocínio, ou métodos, que se aproximam da abordagem proativa, como aplicações de análise e revisão da qualidade no processo de desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos (TOLEDO et al., 2013). Padronizar a solução Formular o problema Explorar a situação Selecionar o problema Selecionar o problema Selecionar o problema Analisar as causas Avaliar os efeitos Implantar a solução Coletar e analisar os dados Refletir sobre o processo e o programa seguinte Nível do pensamento Nível da experiência Melhora proativa Figura 9 – Melhoria proativa Para Paladini (2009), a rigor a expressão melhoria contínua é redundante, já que não existe melhoria que não seja contínua, assim, o uso da expressão com as duas palavras serve para mostrar que o aumento do ajuste do produto ao uso deve ser uma ação permanente, até pela componente dinâmica do próprio mercado. Assim, coloca o autor, também o é a preocupação com a melhoria. Logo, a expressão melhoria contínua passa a ter sentido à medida que esse grau de ajuste atingir valores gradativamente maiores. Dessa forma, conclui Paladini (2009), ao propor a noção de melhoria contínua, a Gestão da Qualidade Total caracterizou o processo de envolvimento de pessoas (gradativo, crescente, constante) e o ajuste do produto ao uso (gradativo, crescente, constante). Não é possível (ou pelo menos, é muito difícil) atingir valores máximos nesses dois caminhos, mas sempre se pode melhorar, avançar, progredir e evoluir. 3.7 Um modelo para as ações gerenciais da qualidade total De acordo com o que foi apresentado até aqui, destacamos que, para uma definição de qualidade bem elaborada, observa‑se uma certa sobreposição entre as ações que acompanham o conceito de Gestão da Qualidade e as ações caracterizadas pelo modelo de Gestão da Qualidade. Logo, parece não fazer muito sentido pensar nos dois conceitos de forma diferente. Cabe, então, uma indagação sobre a razão de utilizarmos, quando estudamos o tema qualidade, tais expressões como se significassem coisas distintas. A resposta a essa questão parte do entendimento de que, quando o mercado (e, consequentemente, as organizações) percebeu a importância da qualidade como fator de melhoria do nível de competitividade, ela não era definida como influência de um todo mercadológico. 67 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE A qualidade já foi conceituada apenas como eficiência na inspeção, no processo e na motivação dos colaboradores; ou seja, por muito tempo a qualidade foi compreendida como um conjunto de elementos internos às organizações. Atualmente, qualidade tem um significado mais amplo e complexo, envolvendo diferentes dimensões – principalmente no que tange à relação da organização com o ambiente (externo) no qual ela está inserida. Assim, quando se menciona Gestão da Qualidade Total, deseja‑se, na verdade, abordar uma visão da qualidade diferente da que se considerava como padrão em meados do século XX. Inicialmente, o modelo gerencial da Gestão da Qualidade Total foi identificado pela sigla TQM (Total Quality Management). Esse modelo foi abordado por um dos mais importantes autores da área, Joseph Juran, que conceituou qualidade como adequação ao uso. Juran tanto definiu a Gestão da Qualidade Total como atribuiu a ela uma característica bastanteespecífica que a diferencia claramente de outros conceitos, práticas ou atitudes. Juran coloca como definição da Gestão da Qualidade Total “a extensão do planejamento dos negócios da empresa que inclui o planejamento da qualidade” (JURAN; GRYNA, 1991, p. 210, apud PALADINI, 2009, p. 43). O conceito acaba por colocar o planejamento como a dimensão gerencial que melhor caracteriza a Gestão da Qualidade Total. Segundo Juran, as atividades características da TQM são: • estabelecimento de objetivos abrangentes; • identificação e desenvolvimento das ações para viabilizar o seu alcance; • criação de uma estrutura gerencial específica, atribuindo responsabilidades bem definidas às pessoas que vão desenvolver tais ações; • disponibilização de recursos e meios para o adequado cumprimento de tais responsabilidades; • formação e qualificação dos recursos humanos para o correto desenvolvimento das ações previstas; • seleção de mecanismos para avaliar o desempenho do processo de implantação em face dos objetivos; • determinação da periodicidade da avaliação (adequada ao modelo gerencial); • estruturação de um sistema de reconhecimento que analise o alcance dos objetivos fixados e o nível de desempenho das pessoas nesse processo. Cabe ressaltar que, segundo Brown, Hitchcock e Willard (1996, p. 17), a partir do entendimento dessas atividades (ou fases), as organizações que embarcam na sua viagem em direção à qualidade total percorrerão caminhos e encontrarão alguns problemas previsíveis. Na fase inicial, para os autores, elas devem adquirir a compreensão básica sobre o Gerenciamento para a Qualidade Total (TQM), sua filosofia, seus procedimentos e suas ferramentas. Acrescentam, ainda, que as organizações, rumo à qualidade total, devem tomar decisões estratégicas a respeito de como 68 Unidade II e quando começar, considerando que usualmente esse esforço preliminar inclui assistir e promover diversos seminários, destacando aspectos da qualidade, e dar início à execução de projetos‑piloto para verificar a aplicabilidade dos princípios da TQM à organização. Ainda sobre as atividades usuais relacionadas à TQM, Paladini (2009) afirma que, a rigor, essas fases compõem um modelo usual de planejamento. A única diferença do modelo TQM, para ele, quando confrontado com um modelo comum de planejamento encontra‑se na primeira fase: a Gestão da Qualidade Total parte de objetivos amplos, ao contrário de modelos convencionais de planejamento, restritos a objetivos específicos e, às vezes, limitados e de ação localizada. Tal abrangência, para o autor, é visível se for considerada a dimensão estratégica da qualidade. Assim, segundo ele, o que se tem aqui, na verdade, é um modelo gerencial caracterizado como o planejamento estratégico da qualidade. Neste sentido, completa o autor, está evidenciado o conceito de TQM para Juran, que afirma: “uma da maiores aplicações do conceito de planejamento da qualidade é o planejamento estratégico da qualidade, algumas vezes chamado de Gestão da Qualidade Total (TQM)” (JURAN; GRYNA, 1991, apud PALADINI, 2009, p. 43). 4 O CONCEITO DE QUALIDADE E SEUS FOCOS ESTRATÉGICOS Segundo Brown, Hitchcock e Willard (1996), as organizações defrontam‑se com um vertiginoso emaranhado de opções. Enfrentando um vocabulário crescente de siglas e técnicas, os dirigentes são forçados a uma peregrinação através de pilhas de dados, apostilas de seminários e relatórios de consultores. Recebem informações conflitantes sobre os custos e o treinamento envolvidos. São obrigados a comparar as exaustivamente propaladas histórias de êxitos miraculosos da TQM com os inúmeros relatos sobre seus fracassos divulgados por fontes respeitadas, como The Wall Street Journal e Newsweek. Em meio a toda essa confusão, eles devem fazer opções estratégicas no tocante a como, quando e onde desencadear o processo. Não é de admirar que, do total de organizações que decidem implantar a TQM, uma parcela que varia entre a 50% e 75% abandone essa iniciativa nos primeiros dois anos. Ainda de acordo com Brown, Hitchcock e Willard (1996), os esforços em favor da TQM não são bem‑sucedidos na fase inicial de sua implantação por quatro razões, apresentadas a seguir: • Falta de comprometimento da administração: os executivos são, às vezes, atraídos para a TQM por motivos errados, por exigência dos clientes da empresa ou por eles próprios, erroneamente, considerarem a TQM uma mera estratégia de supressão de custos. Por outro lado, mesmo quando são corretas as razões que os levam a implementar a TQM, frequentemente não sabem como dar apoio ao processo. • Equívocos na escolha do momento e no andamento do processo: às vezes, as organizações precisam passar por uma crise financeira antes de iniciar a TQM. Embora algumas organizações tenham sobrevivido a essa terapia de choque para virem depois a ganhar o Prêmio Malcolm Baldrige (o prêmio nacional da Qualidade nos Estados Unidos), aguardar até que se desencadeie uma crise limita os recursos que podem ser gastos em treinamento e em tecnologia de medição. Outras 69 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE organizações falham porque implementam a TQM sem identificar uma necessidade imperiosa que justifique essa decisão. Algumas empresas sobrecarregam seus empregados com tarefas de mudança superpostas e conflitantes. • Ensino e treinamento desperdiçados: a TQM exige significativo investimento em formação e treinamento. Muitas organizações, contudo, não chegam a ver o retorno do dinheiro investido em treinamento porque implementam um treinamento inadequado ou o fazem de forma equivocada. Eventualmente, os executivos abandonam os esforços em razão da falta de resultados tangíveis. • Falta de resultado mínimo a curto prazo: como a TQM é uma estratégia de aperfeiçoamento organizacional a longo prazo, muitas organizações são levadas a crer que não verão nenhum resultado durante vários anos. As organizações são encorajadas a focalizar processos, não resultados, enquanto seus escassos recursos são despejados nas atividades de incremento da qualidade, sem mostrar resultados. Consequentemente, quando a economia naufraga ou os negócios tornam‑se difíceis, a TQM é considerada como algo desnecessário. Para Brown, Hitchcock e Willard (1996), esses quatro problemas são interdependentes. Por exemplo, despesas excessivas com treinamento podem ocasionar a falta de resultados mínimos, que, por sua vez, pode acarretar a falta de comprometimento da direção. Entretanto, um plano correto e o uso estratégico do treinamento e do tempo dos dirigentes podem permitir a obtenção de notáveis êxitos na fase inicial de implantação, que ajudarão a manter em alto grau o entusiasmo para enfrentar as etapas seguintes. Diante do cenário apresentado, vale observar que, segundo Paladini (2009), o conceito de Qualidade Total é uma generalização relevante do conceito de qualidade, considerando principalmente o fato de estar fundamentado simultaneamente em duas dimensões: a externa (atendimento a todos os requisitos e exigências do mercado) e a interna (efetivo envolvimento de todos os recursos organizacionais). Essa perspectiva nos permite relacionar tais dimensões diretamente com as ideias de ambiente interno e de ambiente externo apresentadas por Kotler e Keller (2006), quando os autores apontam como importante etapa do planejamento estratégico a avaliação global do que eles chamam de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. As forças e fraquezas equivalentes podem ser relacionadas às componentes internas da organização mencionadas por Paladini, e as oportunidades e ameaças, às componentes externas, que correspondem às possibilidades e aos riscos oferecidos pelo mercado. Saiba mais Para mais informações sobre análise de ambiente, tanto interno quanto externo, consulte a obra a seguir: KOTLER, P.; KELLER, K. L. Administração de marketing. 12. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2006. 70 Unidade II Essa extensão do conceito de qualidade fica melhorcaracterizada com a noção de melhoria contínua, que dá ideia da componente evolutiva que identifica o esforço pela qualidade. Segundo Paladini (2009), se a Gestão da Qualidade Total teve o mérito de criar um processo consistente de evolução, não analisou as diferentes formas como poderiam se apresentar os requisitos da qualidade expressos ou sinalizados pelo mercado, já que a ideia era buscar atender a todos. Assim, coloca o autor, uma importante generalização do conceito da qualidade foi adquirindo consistência com o início da estruturação das abordagens conceituais para entender características específicas da demanda. Essas peculiaridades foram estruturadas a partir de referências que seguiram além do conceito de adequação ao uso, mostrando que as razões que levam um consumidor a adquirir um produto vão além das variáveis necessidades e desejos. 4.1 As razões do consumo: uma abordagem antropológica para fundamentar a visão estratégica da “adequação ao uso” Convém nesse momento, para um entendimento mais abrangente sobre o tema, recorrermos a uma definição antropológica do consumo. Segundo Douglas e Isherwood (2009), falar de maneira sensível sobre consumo em nossa sociedade industrial, em termos que também se apliquem, sem distorções, a distantes sociedades tribais que mal viram o comércio, quanto mais o capitalismo, é de fato um desafio. Porém, os autores colocam que precisamos de alguma maneira extrair a essência do termo, ignorando os efeitos locais potencialmente enganadores. Para eles, uma fronteira pode ser traçada por uma ideia essencial à teoria econômica, a de que o consumo não é imposto, a escolha do consumidor é uma escolha livre. Portanto, ele pode ser irracional, supersticioso, tradicionalista ou experimental: a essência do conceito do economista com relação ao consumidor individual é que este exerce uma escolha soberana. Outra fronteira, apontada por Douglas e Isherwood (2009), pode ser traçada pela ideia de que o consumo começa onde termina o mercado. Segundo eles, o que acontece aos objetos materiais quando deixam o posto varejista e passam para as mãos dos consumidores finais é parte do processo de consumo. Os autores acrescentam ainda que as decisões de consumo se tornam a fonte vital da cultura do momento. Assim, as pessoas criadas numa determinada cultura a veem mudar durante suas vidas: novas palavras, novas ideias e novos hábitos; a cultura evolui, e as pessoas desempenham um papel importante nessa mudança. O consumo, para eles, é a própria arena em que a cultura é objeto de lutas que lhe conferem forma. A “dona de casa” com sua cesta de compras chega em casa: reserva algumas coisas para a casa, outras para o marido e para as crianças; outras ainda são destinadas ao especial deleite dos convidados. Quem ela convida para sua casa, que partes da casa abre aos estranhos e com que frequência, o que lhes oferece como música, bebida e conversa, essas escolhas exprimem e geram cultura em seu sentido mais geral. Da mesma forma, os juízos do marido 71 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE sobre quanto de seus ganhos lhe entrega, quanto guarda para gastar com os amigos etc. resultam na canalização dos recursos. Vitalizam uma ou outra atividade. Não serão limitados se a cultura for viva e estiver em evolução (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009, p. 102). Em última análise, a colocação dos autores se refere a juízos morais sobre o que é um homem, o que é uma mulher, como o homem deve tratar seus velhos pais, quanto deve dar a seus filhos e filhas para começarem a vida, como ele mesmo deve envelhecer (elegante ou deselegantemente) e assim por diante. Essas são opções relacionadas ao consumo, que podem envolver custos elevados e que, uma vez feitas, podem determinar a evolução da cultura. Ainda dentro de uma perspectiva antropológica sobre o consumo, Douglas e Isherwood (2009) colocam que, na maioria das culturas conhecidas no mundo, há certas coisas que não podem ser vendidas e compradas. Um caso óbvio para nós, segundo os autores, é a carreira política (que não deveria ser comprada); quanto a vender, um homem que é capaz de vender sua honra, ou mesmo sua avó, é condenado pelo aspecto moral. Em toda parte, há pelo menos uma noção de alguma área de escolha individual desimpedida. Os autores completam afirmando que, se qualquer tirano local pudesse invadir sua casa, expulsar seus amigos ou forçar você a acrescentar nomes que você não escolheu à lista de convidados, dizer‑lhe com quem poderia ou não falar e a quem deveria ignorar, a liberdade e dignidade pessoais estariam perdidas. Contudo, ressaltam Douglas e Isherwood (2009), se tal tirano fizesse tudo que foi descrito, mas, por meio da lei, com ameaça armada, por ameaça de perda das condições de sustento, seria provavelmente julgado mais imoral do que o homem rico que tentasse comprar seu apoio político. Assim, acrescentam os autores, podemos considerar a definição apresentada de consumo como uma área de comportamento cercada por regras que demonstram explicitamente que nem o comércio, nem a força se aplicam a essa relação, sendo, portanto, livre. Segundo Douglas e Isherwood (2009), essa é, sem dúvida, a razão pela qual, em nossa sociedade, a linha que separa o dinheiro do presente é tão cuidadosamente traçada. Eles assinalam ainda que é correto mandar flores para uma tia no hospital, mas nunca mandar o dinheiro que elas custariam com um bilhete dizendo “a comprar flores”; em outras palavras, é correto oferecer um almoço ou uma bebida, mas nunca o valor em si referente ao almoço ou à bebida. Os autores enfatizam que anfitriões podem chegar a extravagâncias para atrair e agradar seus convidados, como oferecer dinheiro para que compareçam a uma festa; porém, as sanções sociais protegem os limites. Como o caso de uma fabulosa anfitriã nova‑iorquina dos anos 1890 que, visivelmente preocupada em superar uma rival que tinha por hábito presentear cada convidado com uma joia valiosa, ficou ainda mais preocupada com o desprezo dos convidados quando, chegada a sua vez, enrolou uma nota de cem dólares no guardanapo disposto na mesa para cada um dos presentes. O direito de dar dinheiro é reservado à intimidade da família. 72 Unidade II Aqui, para os autores, há detalhes a arrumar, mas, em geral, é correto dizer que, em torno do campo do consumo, temos uma fronteira espontânea e operativa entre duas espécies de serviço: os profissionais, pagos com dinheiro e a serem classificados como comércio; e os pessoais, recompensados em espécie e de nenhuma outra maneira. Contudo, ainda dentro do campo dos serviços pessoais, oferecidos e retribuídos livremente, exerce‑se o julgamento do valor das pessoas e das coisas. Com isso estabelece‑se a primeira etapa de uma teoria cultural do consumo. As abordagens por meio de uma perspectiva antropológica apresentadas até aqui, que geraram uma visão mais generalista da qualidade enquanto adequação ao uso, segundo Paladini (2009), guardam relação direta com a noção de multiplicidade. Dito de outro modo: a ideia de que a qualidade envolve uma multiplicidade de itens decorre de uma visão ampla do que seja adequação ao uso. Para o autor, com base nesse ponto de vista, são muitas (e não apenas uma) as razões que o consumidor leva em conta quando decide adquirir um produto ou utilizar um serviço. Assim, considerar todos e cada um desses aspectos faz parte da postura estratégica da organização, uma vez que da escolha correta dos itens que comporão o produto ou o serviço depende sua seleção pelo consumidor. E fazer com que os consumidores comprem os produtos da empresa é o componente estratégico fundamental, pois disso depende a sobrevivência da empresa (PALADINI, 2009). Diante dessa perspectiva, surge uma indagação básica, a respeito do que o consumidor leva em conta na hora de adquirir um bem ou um serviço; nessa generalização, o que está sendo considerado é a caracterização da demanda. Segundo Paladini (2009), um dos modelos mais usadosfoi fornecido por David Garvin quando, em 1984, e definiu as abordagens conceituais fundamentais da qualidade. O esforço de Garvin, na época, tinha um objetivo definido: ele pretendia classificar as noções de qualidade em diferentes grupos, até para entender como os autores que escreviam sobre o assunto conceituavam a qualidade. Assim, acrescenta o autor, suas abordagens conceituais da qualidade eram, na verdade, classes de conceitos, dentre aqueles disponíveis na literatura. Como contribuição teórica, seu esforço foi bastante interessante, mas, na prática, seu trabalho rendeu mais frutos ao ser interpretado como uma resposta à questão anterior, ou seja, para definir as razões de consumo, os aspectos que o consumidor considera relevantes ao adquirir um produto. Ressalta ainda Paladini (2009) que essa é a primeira questão para a qual as abordagens de Garvin propõem uma resposta. Lembrete Quando utilizamos a expressão consumo, independentemente das variações do tipo de consumo, estamos nos referindo a uma atividade econômica que consiste na aquisição e utilização de bens ou serviços. 73 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE As abordagens de Garvin reforçam a ideia de que o conceito da qualidade é dinâmico, alterando‑se continuamente as razões que determinam a seleção de um produto pelo consumidor. Segundo Paladini (2009), motivos pouco relevantes hoje passam a ser críticos amanhã, da mesma forma que fatores hoje considerados determinantes passam amanhã a ser irrelevantes. Isso, coloca o autor, requer da organização uma atualização constante tanto para postar‑se à frente das tendências do mercado quanto para neutralizar investidas da concorrência. Assim, novas abordagens para conceituar qualidade vão sendo continuamente criadas. 4.2 A dinâmica da estratégia a partir das transformações nas razões do consumo A dinâmica do conceito de qualidade está cada vez mais associada às transformações nas razões do consumo, o qual é definido, segundo Samara e Morsch (2005), como ato ou processo de consumir, um elemento sempre presente na natureza humana e que vem passando por profundas transformações nas última décadas – desde o avanço na qualidade e na diversidade das opções de produtos e serviços para fornecer maior bem‑estar e qualidade de vida ao ser humano até leis protetoras aos interesses individuais do consumidor nas relações de consumo. Consumo, dizem os autores, é um conceito que se desenvolveu sobretudo no século passado, notabilizando‑se nos últimos anos, expandindo seu significado e seu escopo extraordinariamente. Tudo passou a ser objeto de consumo na sociedade contemporânea, e o entendimento de seus conceitos e princípios alcançou todos os níveis e segmentos. Essa disseminação conspícua é divertidamente explorada no filme Simone, de Andrew Niccol, no qual um diretor de cinema, cansado do ego de seus atores, decide criar uma estrela virtual por meio de um avançado software. A atriz, um simulacro de perfeição, rapidamente se torna uma cultuada celebridade, e todos passam a “consumi‑la”. Numa era, completa Samara e Morsch (2005), em que toda uma indústria vive de revistas e programas de fofocas, os implantes de silicone são escolhidos diariamente por mulheres que desejam aumentar sua autoestima e pequeninos cachorros‑robôs têm mais habilidades do que cães de carne e osso, não há nada que não se possa transformar em consumo. Segundo Samara e Morsch (2005), a explosão do consumo trouxe consigo não apenas uma maior prosperidade para a sociedade, mas também uma variedade de questões éticas, ambientais e sociais que têm preocupado muitos consumidores. O efeito estufa, o desmatamento e a crise potencial de abastecimento de água no planeta, por exemplo, fizeram nascer um consumidor mais consciente e ativista. Nesse contexto de transformação, acrescentam os autores, um novo tipo de consumidor passou a fazer parte do cenário mercadológico. Nomeado de várias formas (consumidor global, consumidor consciente, consumidor cidadão ou consumidor pós‑moderno), esse novo consumidor, em essência, é um ser nitidamente diferente de seus predecessores. 74 Unidade II Saiba mais O filme a seguir pode propiciar uma inter‑relação com os conteúdos vistos: SIMONE. Dir. Andrew Niccol. EUA: New Line Cinema, 2002. 117 minutos. Adequar estrategicamente a Gestão da Qualidade Total está diretamente relacionado ao nível de conhecimento das características do consumidor, pois, como já foi dito, a Gestão da Qualidade, com a sua evolução para a Gestão da Qualidade Total, partiu do conceito da adequação ao uso e assumiu um certo nível de complexidade ao buscar o caminho do aperfeiçoamento contínuo no que tange ao entendimento das transformações das características do consumo e, consequentemente, do perfil do novo consumidor. Segundo Samara e Morsch (2005), o novo consumidor pode ser descrito como um indivíduo com múltiplas facetas. Ele consome bens e serviços em um mercado global, é consciente de seus direitos, exerce plenamente sua dimensão de cidadão, utiliza a internet cotidianamente para aprender, trabalhar e viver, além de ser mais bem informado. Lewis e Bridges (2004, apud Samara e Morsch, 2005), definem os novos consumidores como pessoas que dirigem seu comportamento de compra com base na autenticidade; mais preocupados em satisfazer seus desejos, não se deixam rotular pelas tradicionais tipologias. Eles transcendem as barreiras de fatores culturais, étnicos, sociais, de idade e, até mesmo, de renda, buscando produtos e serviços originais e personalizados que consideram autênticos. Global Consciente Digital Mais bem informado O novo consumidor Figura 10 – As múltiplas facetas do novo consumidor Para Lewis e Bridges (2004, apud SAMARA; MORSCH, 2005), o novo consumidor possui as seguintes características: individualista, envolvido, independente e informado. Enfrentando novas formas de escassez, sobretudo de tempo e atenção, os consumidores agitados do século XXI reclamam cada vez mais da correria diária, com menos tempo para fazer suas tarefas (inclusive para comprar). O excesso de informação e o baixo índice de disponibilidade têm ocasionado uma atenção menos concentrada nas 75 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE pessoas, que vivem num mundo mais visual, em que as habilidades perceptivas têm se condicionado sobretudo por imagens simples e rápidas. Aliás, os próprios filmes cinematográficos se tornaram longos videoclipes, com cores rápidas e movimento acelerado. Outra faceta dessa realidade são os jovens lendo cada vez menos. Outra escassez, colocam os autores, é a de confiança. As pessoas mais bem informadas e mais exigentes escolhem melhor e são mais suscetíveis a trocar de fornecedor, e a ética tornou‑se um atributo essencial para as relações de consumo. Mais imediatistas, os novos consumidores consideram normais a alta qualidade e o valor do dinheiro, podendo se tornar insatisfeitos mais rapidamente. Assim, na era da qualidade total, prover confiança é fundamental para conquistar e reter consumidores, sobretudo esse novo tipo. O quadro a seguir mostra as principais diferenças entre o perfil dos novos e dos velhos consumidores. Quadro 4 – Os novos consumidores são diferentes Velhos consumidores Novos consumidores Mais passivos e pouco empoderados Ativistas e mais empoderados Mais fiéis Menos fiéis Com tempo Sem tempo Predominantemente locais Locais e globais Procuram satisfazer necessidades Buscam experiências e satisfazer desejos Menos bem informados Bem informados Buscam conveniência Buscam autenticidade Sincronizados Individuais Conformistas Independentes Eventualmente envolvidos Constantemente envolvidos Adaptado de: Samara e Morsch (2005, p. 248). O novo consumidor, para Samara e Morsch (2005), exige, consequentemente, novas atitudes e posturas da Gestão da Qualidade. Para conquistar e fidelizar o novo consumidor, a Gestão da Qualidade também precisa evoluir, sendo demandadas soluções e formas de atender o novo consumidor,além de novas maneiras de se relacionar com ele. Assim, sob pena de se tornarem desatualizados e ineficazes, a Gestão da Qualidade e o relacionamento com o consumidor precisarão ser reinventados continuamente, acompanhando as diversas mudanças e transformações. Entre os principais desafios dos profissionais da Gestão da Qualidade do século XXI estão a flexibilidade, a atualização e a capacidade de antecipação para ajudar as organizações a compreender intimamente a evolução permanente do consumidor e fornecer a proposição de valor adequada a suas novas necessidades e seus novos desejos. Como o conceito da qualidade vai mudando ao longo do tempo, segundo Paladini (2009), a organização também vai criando novas diretrizes de operação. Assim, as abordagens conceituais da 76 Unidade II qualidade são vistas como etapas pelas quais a empresa passa no esforço de diferenciar‑se, criando, para bens e serviços produzidos, consistência no mercado. Para ele, são as diferentes prioridades que vão sendo assumidas. Muitas delas vão se tornando cada vez menos relevantes, parece que estão se esvaindo; tempos depois, ressurgem com força e vigor. Essas flutuações cíclicas do mercado enfatizam a importância da análise das abordagens conceituais da qualidade, que, afinal, pode determinar aumento (ou queda) da competitividade do produto. Paladini (2009) acrescenta que, em seu trabalho original, Garvin (1984) fixou cinco abordagens básicas, que continuam válidas, embora talvez sejam insuficientes para caracterizar todos os aspectos que compõem a demanda de qualquer produto. Descrevemos a seguir tais abordagens, a partir de uma perspectiva decisória que o consumidor utiliza na hora de adquirir um bem ou um serviço; isso equivale a responder à seguinte pergunta: por que o consumidor adquire um determinado produto ou serviço? 4.3 A percepção da qualidade do processo como fator de decisão de compra Um fator motivador da decisão de compra do consumidor é a confiança conquistada pelo processo produtivo. Ou seja, o entendimento adequado sobre a forma de produção, sobre o processo produtivo e, por fim, a confiança nessas etapas da elaboração do produto ou serviço, podem gerar a decisão de compra por parte do consumidor. Por exemplo, o conhecimento que o consumidor pode ter sobre como uma pizza é elaborada, o qual pode ser ratificado principalmente se o local de produção da pizza estiver localizado em um ambiente acessível aos olhos (com transparência), podendo ser observado pelo consumidor enquanto seu pedido é produzido. Essa abordagem, segundo Paladini (2009), prioriza o processo produtivo e os aspectos a ele relacionados, como o atendimento a especificações básicas, as normas operacionais, os requisitos legais ou contratuais etc. Para o autor, o princípio que define essa abordagem é simples: se o processo de produção não pode desenvolver um produto conforme suas especificações, automaticamente a qualidade estará comprometida. Associa‑se a essa abordagem o empenho para produzir, logo no primeiro esforço, um produto que atenda plenamente às especificações, estando isento de defeitos, erros ou falhas. Para Paladini (2009), a ênfase no processo requer normas específicas para o seu desenvolvimento. O já conhecido sistema ISO 9000, com todas as suas variantes, é um exemplo de ações desenvolvidas com a ênfase que essa abordagem concede à qualidade (embora hoje usada mais como instrumento de marketing do que como elemento técnico de operação, a ISO 9000 nasceu no âmbito da abordagem centrada no processo). Aproximar o processo produtivo do consumidor pode ser uma forma de transmitir confiança a ele. Quando, por exemplo, o consumidor vê como são feitas as pizzas pelo vidro que separa as mesas da cozinha, ele parece avalizar o produto, percebendo se o produto possui as características desejáveis que não são visíveis inicialmente (higiene na fabricação e manuseio, por exemplo). Para Paladini (2009), essa prática de fazer o consumidor visualizar o processo produtivo tem sido usada com frequência em empresas produtoras ou revendedoras de alimentos com bons resultados. 77 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Contudo, para Tachizawa e Sacaico (2006), a organização que conquista a confiança do consumidor por sensibilizá‑lo pela qualidade do seu processo produtivo pressupõe uma estrutura interna ágil que assegure a continuidade das conquistas obtidas junto ao mercado. Enquanto no plano externo a organização tem que ser eficaz, obtendo resultados econômicos favoráveis, internamente há a necessidade de uma infraestrutura administrativa que promova a convergência de suas ações de forma coerente com as mutações ambientais. Para a organização ter no seu processo produtivo a base de influência da decisão de compra do consumidor, é preciso criar dispositivos para haver a identificação estratégica de tais processos‑chave, podendo, assim, revelar a necessidade de mudanças nos objetivos, na criação dos sistemas de negócios e nas práticas gerenciais. Segundo Tachizawa e Sacaico (2006), a abordagem da análise dos processos resulta em implicações significativas para diversos envolvidos, a saber: • Executivos: podem usar a perspectiva e as ferramentas do processo para correlacionar os objetivos da organização ao desempenho individual, medir o que realmente está acontecendo no negócio, comparar o desempenho com outras empresas, estabelecer vantagens sobre a concorrência, avaliar o impacto de incorporações e de estruturas alternativas para a organização. • Gestores: podem usar a perspectiva e as ferramentas do processo para identificar e preencher lacunas de tempo de ciclo e de custo e qualidade, para gerenciar as interfaces com outras unidades e as interfaces dentro de suas próprias unidades, implantar mudanças e alocar recursos de forma efetiva. • Analistas: podem usar a perspectiva e as ferramentas do processo para diagnosticar necessidades do negócio e recomendar aperfeiçoamentos que terão um impacto importante sobre o desempenho da organização. Segundo Tachizawa e Sacaico (2006), a abordagem de processos dos negócios constitui a área de maior ganho de eficiência por meio da melhoria da interface entre o nível estratégico e o nível operacional da empresa, bem como possibilita um incremento no âmbito da eficácia empresarial, na medida em que permite estruturar uma organização centrada no cliente e no mercado, com características de flexibilidade e adaptabilidade às novas situações, implantar mudanças e quebrar barreiras entre unidades organizacionais. Exemplos típicos da abordagem priorizando o processo produtivo são apresentados por Paladini (2009), como os modelos de produção sob encomenda, em que uma empresa precisa mostrar que tem capacidade de produzir seus bens e serviços de acordo com as especificações recebidas do cliente. Segundo o autor, é o caso também de empresas que operam com produtos que precisam ser usados em conjunto com outros, via encaixe ou algum outro tipo de ajuste, caso de uma empresa que produz parafusos, e a outra porcas (nota‑se aqui, ressalta ele, grande ênfase na normalização). Outro exemplo refere‑se à fabricação de produtos que devem manter a uniformidade ao longo de todo o processo de utilização, como as tintas aplicadas em grandes superfícies, azulejos e pisos utilizados em um mesmo ambiente, madeiras e plásticos de revestimento etc. 78 Unidade II Esclarece Paladini (2009) que, considerada isoladamente, essa abordagem pode levar à falsa ideia de que todo esforço pela qualidade em uma organização está na otimização do processo produtivo, sem considerar o mercado em que o produto atua. Podem‑se, por exemplo, superestimar características da organização em detrimento de características de atendimento ao mercado. É o caso da loja que faz promoções para aliviar estoques de produtos encalhados (e não para vender, a preços baixos, produtos de interesse dos consumidores). Tal abordagem foca o processo produtivo, e, em geral, costuma sero primeiro modelo conceitual adotado pela empresa, cuja preocupação mais usual é a forma de fabricar produtos e gerar serviços. O momento seguinte enfatiza o produto, resultado do esforço feito no processo (PALADINI, 2009). 4.4 A percepção da qualidade do produto como fator de decisão de compra Se a primeira visão (processo) caracteriza o esforço inicial da organização, a segunda abordagem (produto) sinaliza para o primeiro movimento do consumidor em direção à seleção do que vai adquirir. Contudo, antes de entrarmos em uma abordagem relacionada à percepção da qualidade do produto, cabe um entendimento em um contexto socioantropológico. Consumir e utilizar elementos da cultura material como elemento de construção e afirmação de identidade, diferenciação e exclusão social são universais. Mais ainda, o apego a bens materiais não é nem uma característica da sociedade contemporânea, nem daqueles que possuem materialmente muito. Ambos os elementos estão ou já estiveram presentes de forma intensa em outras sociedades e segmentos sociais (BARBOSA, 2008, p. 12). Portanto, para Barbosa (2008), é fundamental distinguir a crítica moral às desigualdades e opressões geradas pelo capitalismo e pelo socialismo real (que teriam aniquilado, supostamente, a autenticidade e o modo de vida mais orgânico das sociedades pré‑industriais) da crítica moralizante sobre o consumo e a sociedade de consumo. Entretanto, esclarece Barbosa (2008), se a crítica moral sempre permeou as discussões sobre o consumo, é importante registrar a mudança significativa que ocorreu a partir da década de 1980, quando o consumo passou a despertar interesse sociológico como um tema em si mesmo. Esse interesse, segundo a autora, origina‑se em duas pressuposições teóricas que se tornaram disseminadas entre os cientistas sociais. A primeira delas, para Barbosa, é o reconhecimento de que o consumo é central no processo de reprodução social de qualquer sociedade. Todo e qualquer ato de consumo é essencialmente cultural. As atividades mais triviais e cotidianas como comer, beber e se vestir, entre outras, reproduzem e estabelecem mediações entre estruturas de significados e o fluxo da vida social através dos quais identidades, relações e instituições sociais são formadas, mantidas e mudadas ao longo do tempo (BARBOSA, 2008, p. 13). 79 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Assim, segundo Paladini (2009), o primeiro impulso de consumo é orientado pelas características que o consumidor vê no produto em si. Por exemplo, o interesse por uma roupa começa quando ela é vista em uma vitrine; o primeiro olhar sobre um carro novo gera, também, uma primeira impressão; a diversidade de funções de um eletrodoméstico na prateleira da loja chama a atenção do consumidor. Assim, para o autor, é o impulso inicial que pode se desdobrar na análise dos itens que compõem o produto. Os aspectos que constituem a demanda de um produto, centrados na percepção inicial do consumidor, partem da avaliação das características que o produto apresenta. Logo a seguir, segundo Paladini (2009), o consumidor começa a comparar o produto com ofertas similares existentes no mercado. Assim, em termos operacionais, a abordagem se viabiliza pelo esforço das organizações em diferenciar seus produtos, criando características que os tornam melhores que os demais. Porém, como melhor é um termo relativo, podemos caracterizá‑lo da seguinte forma: um produto ‘melhor’ tem características que o consumidor acha mais relevantes, bonitas, úteis, práticas etc., que seu concorrente. Há, aqui, um comportamento evidenciado pelo consumidor que está diretamente relacionado ao conceito de posicionamento, posicionamento esse que pode ser da marca, da empresa ou, no nosso caso, do produto. Assim, segundo Ries e Trout (2001), posicionamento começa com o produto: uma peça de merchandising, um serviço, uma empresa, uma instituição ou mesmo uma pessoa. Mas posicionamento, para os autores, não é o que você faz com o produto, é o que você faz na mente do cliente em perspectiva; ou seja, você posiciona o produto na mente do comprador em potencial. Assim, segundo Paladini (2009), o produto deve transmitir a ideia de que, além de atender determinadas necessidades, possui facilidade de uso (dispensando complexos manuais) ou praticidade de transporte. A criatividade para inovações nessa área é uma estratégia que costuma gerar bons resultados. Tal abordagem, para o autor, tende a produzir bons modelos de avaliação quantitativa da qualidade, porque, nesse caso, as diferenças da qualidade são observáveis no produto pela natureza, pela diversidade ou pelas características que o produto possui. A abordagem, dessa forma, estrutura um modelo de avaliação da qualidade baseado em padrões objetivos, contrariando o senso comum de que a qualidade é apenas subjetiva. Uma simples análise estatística determina as cores de carro que possuem maior preferência, as estampas de camiseta que têm maior aceitação, os itens mais requisitados no funcionamento de um eletrodoméstico. Também o conceito da qualidade enquanto multiplicidade está caracterizado no âmbito dessa abordagem. Se for observada separadamente, segundo Paladini (2009), essa abordagem pode conduzir a uma distorção na interpretação, como considerar que a maior qualidade determina maiores custos, já que aquela decorre da agregação de novas características ao produto ou da melhoria das atuais, o que também aumenta custos. Combinada com a abordagem anterior, contudo, percebe‑se que o que for acrescentado no produto pode ser compensado por melhorias no processo produtivo: a combinação do projeto com o processo costuma ser eficiente. Exemplos dessa abordagem, ressalta o autor, podem ser encontrados em linhas de produtos que visam atender largas faixas de consumidores, cobrindo o mercado verticalmente. É o caso, por exemplo, 80 Unidade II dos carros de uma mesma marca, que podem incluir modelos populares, esportivos, carros para famílias grandes, utilitários etc. A abrangência horizontal do mercado, como a oferta de tecidos das mais variadas cores e padronagens, para Paladini (2009), também é vista como um esforço inserido nessa abordagem. Equipamentos cuja principal característica seja o desempenho simultâneo de múltiplas funções definem o conceito de multiplicidade. Essa abordagem refere‑se, ainda, a itens suplementares de um produto, caso de equipamento multimídia em automóveis, televisores com acesso simultâneo a mais de um canal, ar‑condicionado com controle remoto etc. Observamos, portanto, que essas duas primeiras abordagens, ainda que evidenciem esforços operacionais, mostram a busca de uma relação muito clara com o consumidor; essa conexão é estabelecida via processo produtivo ou produto em si. As três abordagens seguintes estruturam essa relação tentando entender o comportamento do consumidor, que é movido por motivações nem sempre completamente racionais (PALADINI, 2009). 4.5 O valor como fator de percepção da qualidade e decisão de compra Segundo Hessen (1946), valor é algo que é objeto de uma experiência, de uma vivência. Para o autor, experimentamos como valor: a beleza de uma paisagem, o caráter sagrado de um lugar; falamos de valores éticos, estéticos, religiosos. A nossa vivência desses valores, acrescenta ele, é um fato. Mas há aquilo que chamamos qualidades valiosas. Nos exemplos citados pelo autor, verifica‑se também a presença de uma certa qualidade nos objetos em questão: homem, paisagem, lugar; é essa qualidade que lhes constitui o caráter e desperta em nós o sentimento respectivo ou a respectiva vivência. E não é só isso, coloca o autor, há também a ideia de valor, que consiste no conceito do gênero sob o qual compreendemos o conteúdo de todas as nossas vivências da mesma espécie. Nos referidos exemplos, são esses conceitos os de bem, belo e santo. Neste caso, é frequente designar os próprios conceitos como valores e falar de valores éticos, estéticos e religiosos. Assim,segundo Hessen (1946), como a teoria do conhecimento procura partir do fenômeno do conhecimento, e a teoria da arte do fenômeno artístico, a teoria dos valores parte do fenômeno valor (entendendo fenômeno como tudo aquilo que é imediatamente dado). Para o autor, todo valor nos é dado precisamente na nossa consciência dos valores, na vivência que deles temos. Todos nós valoramos e não podemos deixar de valorar. Não é possível a vida sem proferir constantemente juízos de valor. É da essência do ser humano conhecer e querer, tanto como valorar. E até, se pretendermos ver na vontade o centro da gravidade da natureza humana, mais uma razão para afirmar que o valorar pertence a essência do homem. Todo querer, com efeito, pressupõem um valorar. Nada podemos querer senão aquilo que de qualquer maneira nos pareça valioso e como tal digno de ser desejado (HESSEN, 1946, p. 36). 81 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Para Hessen (1946), valoramos as mais diferentes coisas. O nosso valor, segundo ele, recai sobre todos os objetos possíveis: água, pão, vestuário, saúde, livros, homens, opiniões, atos etc. Tudo isso, segundo o autor, é objeto de nossas apreciações, e nelas encontramos já as duas direções possíveis de todas as nossas valorações. Isto é, os nossos juízos de valor ora são positivos, ora negativos, algumas coisas parecem‑nos valiosas, outras sem valor. Portanto, quando dizemos que algo tem valor, ligamos precisamente a palavra valor a seu sentido próprio. Com ela queremos, então, significar a valia de um objeto, ou seja, quando esse objeto diz alguma coisa ao nosso sentimento de valores. Acrescentamos ao pensamento de Hessen a visão de Aguiar (1988), que toma os valores como parte integrante da cultura, também é composta por expectativas, atitudes, crenças e costumes compartilhados pelos membros de um grupo, nação ou religião. Segundo a autora, a cultura influencia o desenvolvimento das características individuais, características essas adquiridas através dos papéis sociais ou de comportamentos prescritos para uma classe social particular de pessoas dentro de uma cultura. Aguiar (1988) completa que, além de transmitir padrões de comportamento por meio de papéis sociais, a cultura influencia os processos psicológicos, a motivação, a percepção e o pensamento dos indivíduos. Para Aguiar (1988), cada cultura possui valores, ou seja, uma categoria geral de objetivos que muitos membros de uma sociedade procuram alcançar. Tais valores representam um dos aspectos culturais que mais influenciam no desenvolvimento das características individuais. Ao exposto, acrescentamos o pensamento de Paladini (2009) a respeito da existência de muitas visões diferentes para o que seja valor. Inicialmente, pode‑se considerar o valor financeiro (o preço de um produto), mas, logo em seguida, passa‑se a levar em conta valores dos mais diferentes tipos: culturais, éticos, morais, locais, sentimentais, determinados pela estima, pela consideração ou, ainda, decorrentes da importância, do interesse, do mérito, da validade que o consumidor confere ao produto. Assim, a noção da qualidade passa a ser associada a baixo preço, visto como oportunidade de aquisição, ou a preço elevado, visto como status, podendo, também: Envolver valores afetivos ou sentimentais (razões subjetivas, como se vê), ou, ainda, o valor moral demonstrado por um consumidor que se nega a adquirir um quadro que mostra uma pessoa fumando, o que, segundo ele, pode motivar hábitos inadequados. A abordagem considera que o consumidor investe em dado produto porque, para ele, vale a pena, seja por que razão for, ou seja, trata‑se de um valor (PALADINI, 2009, p. 50). Podemos citar alguns exemplos relacionados à visão do autor: um consumidor dispõe‑se a pagar cem dólares por um CD importado que contém músicas antigas, de que ele gosta muito; outra paga um milhão de dólares por um quadro de um pintor famoso; um terceiro adquire um carro bem mais caro que outro similar por entender que ele é mais econômico no consumo de combustível. Há consumidores que compram produtos só porque eles estão muito baratos, e outros que só compram produtos caros, exatamente porque são caros. Um consumidor mantém em casa várias bandeiras de seu país por um sentimento próprio; seu vizinho não tem nenhuma bandeira em casa; como se pode perceber, a palavra valor tem variados significados. 82 Unidade II Segundo Paladini (2009), há, aqui, um comportamento evidenciado pelo consumidor: a opção pelo intervalo de preço que determina a escolha do produto. De fato, afirma ele, é comum o consumidor investir em produtos cujo preço ele considera razoável: nem tão barato que pareça falsificação, nem tão caro que pareça muito sofisticado para o uso esperado; atuar nessa faixa intermediária é uma estratégia recorrente de lojas de departamentos. Essa abordagem, segundo ele, determina diversos impactos operacionais, como a conveniência de agregar o conceito da qualidade ao modelo de custos de produção. A possibilidade, para Paladini (2009), de ampliar a ação do processo com o desenvolvimento de novas características para o produto também é um esforço incluído nessa abordagem. É o caso, por exemplo, de adicionar a um produto novas cores, que lembram determinados clubes de futebol. Apela‑se, assim, acrescenta o autor, para o sentimento de um consumidor, que pode adquirir um produto mais caro por causa de preferências pessoais. Uma das mais interessantes decorrências dessa abordagem, para Paladini, está na constatação de que preço e qualidade não são elementos inteiramente distintos e independentes entre si, ou mesmo antagônicos, mas partes de um mesmo todo. Note‑se, esclarece ele, que são conceitos com origens diferentes: preço é uma função de mercado e custo uma função de produção, mas têm fins comuns: reduzem‑se custos para gerar produtos baratos, ou aumentam‑se custos por agregar elementos que podem incrementar o consumo ou ampliar as faixas de mercado nas quais a organização atua. Assim, o preço integra a adequação ao uso, criando uma nova dimensão, os chamados níveis de aceitação do preço. Essa análise determina limites de concordância que geram um determinado intervalo. Tal intervalo é composto, segundo o autor, no extremo superior por um consumidor que se dispõe a pagar até determinado preço por um produto, não indo além disso ainda que haja inequívocos benefícios durante seu uso. Um exemplo muito comum para esse caso é o seguinte: ninguém se dispõe a pagar 100 mil reais por um carro popular, ainda que ele tenha um desempenho que permite rodar 25 quilômetros com um litro de gasolina. No extremo inferior do intervalo, estão os produtos excessivamente baratos, gerando desconfiança. Um exemplo igualmente típico: um relógio dispõe de grande quantidade de funções adicionais e é vendido por 50 reais, passando a ideia de falsificação grosseira ou de produto no qual não se pode confiar (preço e qualidade aparecem aqui perfeitamente associados). A generalização da ideia de valor, para Paladini (2009), surge com a visão transcendental do produto, uma abordagem muito mais complexa. 4.6 A imagem e a marca: uma abordagem transcendental da qualidade A pergunta mais frequente dos céticos em relação à dinâmica da qualidade é “por quê”? Por que necessitamos buscar permanentemente um novo approach para a gestão estratégica da qualidade? A resposta, baseada no pensamento de Ries e Trout (2001), é que nos tornamos uma sociedade saturada de comunicação. Assim, raramente os consumidores, segundo Samara e Morsch (2005), estão conscientes de que sua decisão de compra resulta do desenrolar articulado das seguintes etapas: reconhecimento da necessidade; busca de informação; avaliação das alternativas de produto (ou 83 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE serviço); avaliação das alternativas de compra; decisão de compra e comportamento pós‑compra. Para os autores, essas etapas atuam sistematicamente no comportamento do consumidor. Samarae Morsch (2005) afirmam ainda que, embora estruturado de forma padrão, o grau de elaboração e a duração de cada estágio poderão variar em função do grau de envolvimento e da busca de informação. A saturação crescente da comunicação, que constatamos com a grande diversificação dos meios de difusão e de produção da informação, reforça as visões de Ries e Trout e a de Samara e Morsch. Para estes últimos, o processo de decisão de compra do consumidor se inicia com o reconhecimento de uma necessidade (ou problema), isto é, o consumidor sente a diferença entre o seu estado atual e algum estado desejado. Os autores ainda colocam que o reconhecimento do problema, ou seja, a detecção de uma necessidade ou desejo a ser satisfeito, desencadeia o processo de sua satisfação (a compra ou uso de um bem ou serviço para atingir o estado de equilíbrio desejado). Sheth (2000, apud SAMARA; MORSCH, 2005) acrescenta que o reconhecimento do problema pode ocorrer por meio de um estímulo interno ou externo. Considerando que os estímulos internos são estados percebidos de desconforto, físicos ou psicológicos (por exemplo, fome ou aborrecimento, respectivamente), e os estímulos externos são sugestões do mercado que levam o consumidor a conscientizar‑se do problema, o autor completa que a publicidade de uma academia, por exemplo, pode servir de estímulo externo para despertar no consumidor o reconhecimento de uma necessidade de cuidados com o corpo. Segundo Seminik e Bamossy (1996, apud SAMARA; MORSCH, 2005), existem três tipos de reconhecimento de necessidade: de reposição, funcional e emocional. Para os autores, a necessidade de reposição é a mais simples das três. É a situação comum em que um item de baixo custo, comprado com frequência é regularmente reabastecido. Pasta dental, sabão em pó e alimentos são produtos típicos dessa categoria. Eles acrescentam que o consumidor sente pouco desconforto durante o processo decisório e normalmente dedica pouco tempo às fases seguintes. A entrada no processo decisório por reconhecimento de uma necessidade funcional, colocam os autores, tem importância consideravelmente maior para os consumidores. Uma necessidade funcional surge quando o consumidor está em busca de uma solução para uma exigência específica e geralmente mais importante; a necessidade de transporte (um automóvel), de um ambiente mais confortável (móveis e aparelhos domésticos) ou de roupas exemplifica essa categoria. Para Samara e Morsch (2005), as necessidades funcionais podem surgir como resultado da quebra ou obsolescência dos itens possuídos, ou, ainda, de uma mudança significativa na vida do consumidor (a compra de uma casa, por exemplo); elas são geralmente atendidas por produtos de custo mais alto e vida mais longa. Portanto, para os autores, o reconhecimento de uma necessidade funcional resulta numa progressão mais demorada e meditada em cada fase do processo decisório. Por último, Samara e Morsch (2005) colocam, que a entrada do consumidor num processo decisório motivado pelo reconhecimento de uma necessidade emocional constitui um desafio para os estrategistas da gestão da qualidade. A dificuldade decorre do fato de que tais necessidades podem se manifestar no 84 Unidade II desejo por uma ampla gama de produtos, haja vista que os consumidores costumam buscar a satisfação de necessidades emocionais como status, prestígio, conquista ou uma sensação de pertencimento em produtos de escolha de compra e especialidades caras. O desenvolvimento do setor de entretenimento doméstico, por exemplo, decorre da tendência das pessoas de ficar mais tempo em casa e tem despertado o desejo de muitos consumidores de adquirir smart TVs com tela grande, equipamentos de home theaters, além de outros produtos oferecidos a consumidores que desejam ter prestígio e a emoção do cinema em casa. Diante do exposto, observamos que qualquer produto pode produzir satisfação emocional, dependendo do indivíduo. Por exemplo, a maioria dos consumidores iniciará o processo decisório de compra de um amaciante de roupas pelo reconhecimento da necessidade de reposição. Porém, segundo Samara e Morsch (2005), se o consumidor que compra o referido produto está sinceramente preocupado com a satisfação de sua família com o resultado, então, nesse contexto há um elemento emocional. Assim, o profissional da gestão da qualidade, para os autores, deve entender que diferentes estados de precisão podem dar início ao processo decisório, e, dependendo do estado de necessidade, os consumidores darão diferentes graus de importância à decisão. Além disso, os desejos de informação variam de um estado de necessidade para outro. Sabendo quais são esses estados, os profissionais de mercado podem adequar o design, o preço ou a estratégia promocional de seus produtos de modo a atender aos desejos de seus clientes potenciais. Tal situação pode ser ilustrada pelo caso da mudança de embalagem do ketchup de vidro para o plástico, facilitando o manuseio do produto pelo consumidor. Igualmente, acrescentam os autores, não apenas estímulos internos podem levar ao reconhecimento da necessidade por parte do consumidor, muitas vezes as necessidades surgem de estímulos externos, provocados pelo ambiente. Assim, os profissionais da gestão da qualidade têm importância destacada, pois, não raro, atividades promocionais eficazes, como anúncios e publicidade, acabam gerando desejos na mente do consumidor. Uma campanha promocional realizada pela cervejaria Schincariol, em outubro de 2003, para o lançamento da cerveja Nova Schin, teve forte impacto nos consumidores, aumentando significativamente suas vendas e sua participação no mercado. Saiba mais Rejeitada por muitos, mais pelo estigma de cerveja popular do que propriamente pelo sabor, a cerveja anteriormente conhecida como Schincariol e posteriormente batizada Nova Schin é um caso a ser estudado. Para saber mais sobre seu lançamento, consulte o site: <http://schin.com.br/>. Apesar dessa aparente relação entre a imagem e a marca, a rigor, ambas, segundo Paladini (2009), não integram o produto, sendo componentes que vão além dele, ou seja, transcendem o produto. Por isso, 85 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE essa abordagem costuma ser chamada de transcendental: ela estabelece, segundo ele, que a relação do consumidor com o bem ou o serviço está centrada em elementos que não estão presentes no produto, nem na forma como foi produzido. O consumidor, de acordo com Paladini (2009), adquire um produto porque tem identificação com a marca; por exemplo, ele compra um carro Ford porque seu pai sempre teve carros da Ford, o mesmo se dando com seu pai em relação a seu avô. Ou porque a imagem da empresa lhe transmite confiança ou simpatia; por exemplo: ele acha que é o maior fabricante nacional desse produto, o que tem mais credibilidade, tradição e força no mercado. Ou, ainda, porque desenvolveu uma relação de fidelidade com a empresa; por exemplo, quando todas as experiências anteriores com produtos de certa loja são positivas. De forma mais ampla, para Paladini (2009), essa abordagem consolida as marcas que são de tal modo conhecidas que o nome de seu produto confunde‑se com a própria marca, determinando ações que, embora pareçam especificamente dirigidas a certo produto, são gerais. Exemplo: tomar uma Brahma, tirar uma xérox, fazer a barba com gilete. Tais marcas surgem como referencial para todos os produtos similares e fixam‑se na mente do consumidor como as mais representativas entre os produtos similares. Há, aqui, para o autor, um comportamento evidenciado pelo consumidor: ele prioriza a marca pela confiança implícita que ela transmite em função de aspectos que são inerentes à forma como o produto foi se consolidando no mercado ao longo do tempo. Isso favorece a fixação de uma política da qualidade, que pode, por exemplo, priorizar a fabricação de produtos em regiões cuja mão de obra possui características culturais favoráveis ao desenvolvimentode determinados elementos. É o caso da tradição suíça na fabricação de chocolates e relógios; logo, marcas suíças desses produtos possuem vantagens naturais (PALADINI, 2009). Tal abordagem, segundo Paladini (2009), ao contrário do que se pensa, não tem características que possam ser consideradas subjetivas, embora esteja fortemente associada às preferências pessoais. Ela tem elementos quantificáveis decorrentes da fidelidade de parcelas significativas do mercado a um produto (ou aos produtos) de determinada marca. Essa lealdade, acrescenta ele, consolida um tempo de permanência do produto no mercado (dado que pode ser medido), liderando sua faixa de mercado (outro dado que pode ser medido), com fluxos de vendas bem caracterizados (outro dado que também pode ser medido) e assim por diante. Produtos com liderança de mercado, e por longo tempo, não atingem essa posição por acaso. Existem razões reais para tanto e que, com certeza, podem ser medidas. De acordo com Paladini (2009), uma pesquisa que se insere nesse contexto é a conhecida Top of Mind, uma pesquisa que revela quais são as marcas mais lembradas pela população brasileira e é realizada por organização envolvidas com marketing. O tempo de permanência do produto na lista de preferências do consumidor determina outra importante dimensão dessa mesma abordagem: a constatação de que a qualidade parece ser inerente ao produto, um atributo naturalmente associado a ele. É como se a qualidade fosse inata, congênita, intrínseca ao produto. 86 Unidade II Essa abordagem é usada no mundo todo por empresas que possuem marcas muito conhecidas e que são líderes em seus segmentos. Sempre que tais organizações lançam um produto novo, sua estratégia de marketing é evidenciar que se trata de mais um produto da marca x. Como a marca é reconhecida e bem aceita no mercado, mesmo que o novo produto não seja conhecido, acaba‑se considerando que ele é de qualidade justamente por ser da marca x (PALADINI, 2009). Por fim, Paladini afirma que a quinta abordagem de Garvin se aproxima, de forma muito visível, da noção da qualidade enquanto adequação ao uso, mas em um contexto mais amplo. 4.7 A visão do usuário como principal abordagem relacionada à adequação ao uso Segundo Deming (1990), o consumidor é a parte mais importante da linha de produção; para ele, sem alguém para comprar nosso produto, poderíamos muito bem fechar a fábrica. “Mas do que o consumidor necessita?” questiona Deming, e ainda: “o quanto podemos ser úteis a ele? Do que ele pensa que necessita? Ele pode pagar por isso”? Para o autor, ninguém tem todas as respostas, mas, felizmente, coloca ele, não é necessário ter todas as respostas para gerenciar a qualidade. A necessidade de estudar as expectativas do consumidor e de fornecer serviços ligados ao produto foi uma das principais doutrinas de qualidade ensinadas aos administradores japoneses a partir de 1950 (DEMING, 1990). O mais importante, para Deming (1990), é o princípio de que o objetivo das pesquisas de mercado é atender às necessidades dos consumidores, seus desejos e criar produtos e serviços que lhes propiciem uma vida melhor no futuro. Um segundo princípio, para ele, é que ninguém pode adivinhar o prejuízo futuro de um negócio, prejuízo esse gerado por um cliente insatisfeito. Assim, para o autor, o custo de substituição de um item defeituoso na linha de produção é relativamente fácil de ser estimado, mas o custo de um item defeituoso que é entregue a um cliente desafia qualquer medida. Deming coloca ainda que “um cliente insatisfeito não reclama: ele apenas muda de fornecedor” (DEMING, 1990, p. 130). Alinhado ao pensamento de Deming, Paladini (2009) destaca que o conjunto de abordagens de Garvin cria um grupo de prioridades nas ações do consumidor. A primeira razão que determina a aquisição de um produto é o atendimento a uma necessidade, a seguir vêm outras razões associadas às questões de prioridade, oportunidade, conveniência, utilidade, seleção entre algumas opções para o momento ou para o futuro, maior proveito, preferência, vantagem, benefício imediato (ou não), gosto, desejo etc. Movida por esses (ou quaisquer outros) motivos, acrescenta o autor, é feita a compra. Surgem, então, segundo ele, três novas situações: (1) o consumidor fica insatisfeito com o produto, e deixa de comprá‑lo no futuro; (2) o consumidor fica satisfeito com o produto e pode ser que volte a comprar outro da mesma marca; e (3) o produto supera as expectativas do consumidor e, então, ele voltará a comprar outros da mesma marca. Considera‑se, para Paladini (2009), que somente essa terceira opção pode determinar a fidelidade do consumidor, e, por isso, as empresas que investem nessa direção são as únicas que se posicionam estrategicamente, com ações que apontam para a sobrevivência da organização. 87 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Segundo o autor, os produtos do grupo 3 direcionam‑se a mercados específicos, têm características particulares e costumam cobrir faixas bem demarcadas do mercado. São soluções direcionadas e constituem o melhor exemplo da abordagem centrada no usuário. É o caso de xampus, por exemplo. Existem xampus que são direcionados para tipos diversos de cabelos: para crianças, cachorros, tratamento do cabelo de nadadores ou para pessoas que frequentemente pintam seus cabelos etc. Com esse direcionamento, completa o autor, a avaliação da qualidade fixa‑se na avaliação que o próprio consumidor faz do produto, ou seja, a qualidade tem sua caracterização condicionada ao grau com que bens e serviços atendem o consumidor. Podemos observar que um comportamento do consumidor parece evidente: ele associa suas necessidades ou suas características pessoais a itens que o produto deve portar. E ele seleciona produtos adequados a essas prioridades, o que favorece a fixação de uma política da qualidade, a qual pode, por exemplo, levar a organização a oferecer produtos que cubram toda uma gama de demandas. Um mesmo fabricante de veículos pode disponibilizar um carro popular, barato, pequeno e econômico para jovens estudantes; pode, a seguir, oferecer um carro esporte com alguns itens de conforto para um jovem recém‑ingressado no mercado de trabalho; a seguir, sua pauta de produtos pode oferecer o carro médio para um jovem casal e mesmo um carro com porta‑malas maior para casais com filhos pequenos, e até disponibilizar carros com padrões de luxo, para executivos bem‑sucedidos. A ideia é que, para qualquer fase da vida do consumidor, de acordo com Paladini (2009), a empresa tem um carro adequado. Em resumo, essa abordagem define com precisão o que significa adequação ao uso. Resumo A partir da definição de qualidade como adequação ao uso, observamos a consolidação de algumas visões estratégicas referentes ao tema, entre as quais destacamos a visão da qualidade total, que criou toda uma sistemática gerencial específica conhecida como Gestão da Qualidade Total. Quando analisamos como os conceitos de qualidade são colocados em prática, identificamos forte relevância nas ações que eles demandam da Gestão da Qualidade, evidenciando o direcionamento da organização para o mercado e, em particular, o mercado consumidor. Os resultados dessas ações como diferencial competitivo são identificados na prática como: melhoria do desempenho, da confiabilidade, da durabilidade, das facilidades de uso, do custo de utilização, da segurança, do conforto, do maior leque de funções, do porte, do peso, da diversidade e até em itens críticos, como o preço do produto. Para uma definição de qualidade bem elaborada, observa‑se uma certa sobreposição entre as ações que acompanham o conceito de Gestão da Qualidade e as ações caracterizadas pelo modelo de Gestão 88 Unidade II da Qualidade. Logo, parece não fazer muito sentido pensar nos dois conceitos de forma diferente. Aproximar o processo produtivo do consumidor pode ser uma forma de transmitir confiança a ele. Quando, por exemplo, o consumidorvê como são feitas as pizzas pelo vidro que separa as mesas da cozinha, ele parece avalizar o produto, constatando se o produto possui as características desejáveis que não são visíveis inicialmente (higiene na fabricação e no manuseio, por exemplo). O comportamento do consumidor evidencia a associação das suas necessidades (ou suas características pessoais) a itens que o produto deve portar. Um mesmo fabricante de veículos pode disponibilizar um carro popular, barato, pequeno e econômico para jovens estudantes; pode, a seguir, oferecer um carro esporte com alguns itens de conforto para um jovem recém‑ingressado no mercado de trabalho; a seguir, sua pauta de produtos pode oferecer o carro médio para um jovem casal e mesmo um carro com porta‑malas maior para casais com filhos pequenos, e até disponibilizar carros com padrões de luxo, para executivos bem‑sucedidos. A ideia é que, para qualquer fase da vida do consumidor, a empresa tem um carro adequado. Em resumo, essa abordagem define com precisão o que significa adequação ao uso. Exercícios Questão 1. (PROMINP/CESGRANRIO/2006) Uma forma de entender o conceito e a importância dos sistemas de qualidade e de viabilizar a aplicação da padronização e da melhoria nesses sistemas é a aplicação do ciclo PDCA. Assinale a alternativa que apresenta as fases do ciclo PDCA. A) Planejamento, Divulgação, Correção e Aplicação. B) Planejamento, Execução, Verificação e Ação corretiva. C) Planejamento, Treinamento, Contratação e Atuação. D) Programação, Desenvolvimento, Compras e Ação corretiva. E) Programação, Desenvolvimento, Projeto e Construção. Resposta correta: alternativa B. 89 GESTÃO ESTRATÉGICA DA QUALIDADE Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o ciclo corresponde aos passos para a implantação de um sistema de qualidade, não comportando isso um processo de divulgação deste, por motivos estratégicos. B) Alternativa correta. Justificativa: a alternativa corresponde exatamente ao ciclo PDCA em que o sistema de qualidade deve ter planejamento, ser colocado em prática, ter verificados seus resultados e serem tomadas ações corretivas se forem necessárias. C) Alternativa incorreta. Justificativa: nesta alternativa não se descreve um processo de treinamento, já que isso ocorre no processo de planejamento e execução do sistema de qualidade. D) Alternativa incorreta. Justificativa: no ciclo PDCA não se trabalha com a noção de programação, mas, sim, com a ideia de planejamento que já abarca tanto a programação como o desenvolvimento de um sistema de qualidade. E) Alternativa incorreta. Justificativa: as opções descritas nessa alternativa correspondem a elementos que são pensados no planejamento, sendo este um dos elementos do ciclo PDCA. Questão 2. (IBGE/FGV/2016) José Luís, após sucessivos atrasos no trabalho devido a problemas para acordar cedo, recebe uma advertência de seu superior informando‑lhe que o próximo atraso acarretaria sua demissão. Com medo de perder o emprego, José Luís decide passar no camelô para comprar um despertador, sabendo que o preço seria justo, ainda que não oferecesse nada além da função de despertar. Com base nas abordagens do conceito de qualidade, a exemplo das propostas por David Garvin, é possível afirmar que, para realizar a compra, José Luís foi motivado pelo conceito de qualidade: A) Transcendental. B) Baseada no produto. C) Baseada no valor. D) Baseada na produção. E) Baseada no usuário. Resposta correta: alternativa C. 90 Unidade II Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: o conceito de qualidade para Garvin se baseia em pontos concretos, que estão estreitamente relacionados com as adequações de uso dos produtos. B) Alternativa incorreta. Justificativa: para o autor, a qualidade do produto não encerra a noção de qualidade, indo muito além dele. C) Alternativa correta. Justificativa: para Garvin o conceito de qualidade é dinâmico, mudando constantemente, e o consumidor se baseia na adequação do uso as suas necessidades, estando o valor, nesse caso, nesse conceito de adequação. D) Alternativa incorreta. Justificativa: o foco de Garvin e seu conceito de qualidade não estão centrados na análise da produção, mas, principalmente, no momento de consumo das pessoas. E) Alternativa incorreta. Justificativa: no conceito do autor, a qualidade abarca muitas variáveis que explicariam a escolha e a motivação do consumidor, logo, indo além do próprio usuário ou consumidor.