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@lauramorais.adv Direito Processual Penal Sistemas Processuais Penais. Princípios fundamentais do processo penal. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS 1. Pretensão Punitiva Quando se fala em pretensão punitiva, a ideia é muito básica. Se pegarmos o Código Penal, em seu art. 121, encontramos uma pena estabelecida entre 6 a 20 anos. Até aí temos o direito de punir em abstrato. O indivíduo será punido através da pretensão punitiva. O conceito de pretensão punitiva deve ser compreendido como um poder-dever do Estado, isto é, de sujeitar o autor do delito ao cumprimento daquela pena, seja ela pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Assim, a pretensão punitiva consiste no poder do Estado de exigir de quem comete um delito a submissão à sanção penal. Através da pretensão punitiva, o Estado-Administração procura tornar efetivo o jus puniendi, exigindo do autor do crime, que está obrigado a sujeitar-se à sanção penal. 2. Sistemas Processuais 2.1. Sistema inquisitorial A primeira característica do sistema inquisitorial é a concentração de poderes nas mãos do juiz. Quais outras as características do sistema inquisitorial? Não há contraditório: O qual sequer seria concebível em virtude da falta de contraposição entre acusação e defesa. Gestão da prova: O juiz concentra todas as funções. Princípio da Verdade Real: Esse é um princípio está superado. Antigamente, trabalhava-se a ideia que seria possível se chegar a uma verdade real no @lauramorais.adv processo penal. E exatamente para se chegar a esta verdade real é que se conferia uma ampla atividade probatória do juiz. Só que não existe verdade real. Jamais conseguiremos reproduzir no processo uma verdade que seja absoluta. O que existe hoje é uma verdade processual; é uma busca da verdade. A concentração de poderes nas mãos do juiz e a iniciativa acusatória é incompatível com a garantia da imparcialidade (CADH, art. 8º, §1º) e com o princípio do devido processo legal. O nosso CPP é 1941, e sofre até hoje inúmeras alterações legislativas, mas em sua origem teve um viés extremamente inquisitorial (inspiração no modelo fascista italiano). Por isso que o raciocínio deve ser o seguinte: a leitura do Código de Processo Penal à da Constituição Federal de 1988. 2.2. Sistema acusatório Tem como característica, de plano, cada parte exercendo uma função distinta. O juiz estará lá para julgar. Teremos um órgão acusatório e um órgão para defesa. Portanto, teremos a presença do contraditório. O acusado deixa de ser tratado como objeto de prova, tornando-se um verdadeiro sujeito de direitos. Assim, caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de condições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Aqui, há uma separação das funções de acusar, defender e julgar. Como se dá a gestão da prova? Aqui, tem-se um problema, a depender da doutrina. Alguns doutrinadores, dentre eles, GERALDO PRADO, afirmam que num sistema acusatório puro o juiz não pode produzir nenhuma prova de ofício, seja na fase investigatória, seja na fase processual. Outra vertente doutrinária, que acaba sendo a majoritária e acompanhada pela jurisprudência brasileira, entende que o juiz pode produzir prova de ofício apenas fase processual. Quando se estuda em processo @lauramorais.adv penal, a persecução penal tem duas fases distintas: a) fase de investigação preliminar e b) a fase de processo judicial propriamente dito. O sistema acusatório é o sistema adotado pela nossa Constituição Federal, em seu art. 129, inciso I: Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; A partir do exato momento em que Constituição Federal outorga ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública, está dizendo que a função de acusar deve ser exercida nos casos de ação penal pública pelo MP. Então, claramente o juiz não pode exercer essa função. É também a posição majoritária da doutrina. 2.3. Sistema misto ou francês É chamado de sistema misto porquanto o processo se desdobra em duas fases distintas: a primeira fase é tipicamente inquisitorial, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, por isso, sem contraditório. Nesta, objetiva-se apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Na segunda fase, de caráter acusatório, o órgão acusador apresenta a acusação, o réu se defende e o juiz julga, vigorando, em regra, a publicidade e a oralidade. @lauramorais.adv 3. Princípios Processuais Penais 3.1. Princípio da Presunção da Inocência (estado de inocência ou presunção de não culpabilidade) Consiste no direito de não ser declarado culpado senão após trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório). Assim, mantém-se um status de inocência ou não culpável pelo menos até ao final do processo. 3.1.2. Previsão constitucional e convencional Não está apenas previsto na CF/88 (art. 5º, LVII), como também na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, §2º): Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Art. 8º, §2º. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. 3.1.3. Dimensões de atuação do princípio da presunção de inocência Tal princípio atua em duas dimensões: a) Dimensão interna ao processo: 1) Regra Probatória (In dubio pro reo) Recai sobre a acusação o ônus de comprovar a culpabilidade do acusado, além de qualquer dúvida razoável, e não deste de provar sua inocência. O CPP apresenta dispositivos que manifestam sobre esta regra probatória: Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: @lauramorais.adv VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) 2) Regra de tratamento A privação cautelar da liberdade de locomoção, sempre qualificada pela nota da excepcionalidade, somente se justifica em hipóteses estritas. Em outras palavras, a regra é que o acusado permaneça em liberdade durante o processo; a imposição de medidas cautelares pessoais (v.g., prisão preventiva ou cautelares diversas da prisão) é a exceção. b) Dimensão externa ao processo: A presunção da inocência não deve ser tratada apenas dentro do processo, mas também fora dele. Quando vão divulgar uma informação pela imprensa, deve-se ter o cuidado para respeitar tal princípio. Assim, o princípio da presunção da inocência e as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade demandam uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização do acusado, funcionando como limites democrático à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. 3.2. Princípio do “Nemo Tenetur se Detegere” Traduz a ideia de que ninguém é obrigado a produzir prova contra a si mesmo. 3.2.1. Previsão legal Na CADH, o teor o que dispõe o art. 8º: Art. 8º Garantias judiciais (...) @lauramorais.adv 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: g. direito de não ser obrigado a depor contra si mesma,nem a declarar-se culpada; Também está previsto na CF/88, em seu art. 5º, inciso LVIII: Art. 5º (...) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; A expressão “permanecer calado” reflete o direito ao silêncio. É um dos desdobramentos do princípio do Nemo Tenutur se Detegere. 3.2.2. Titular do Direito a Não-Autoincriminação O titular desse direito é o suspeito, investigado, indiciado, assim como também o acusado. Pouco importa se o sujeito está preso ou solto. Mas e a testemunha pode invocar o Direito ao Silêncio? Sabemos que há um crime previsto no Código Penal, em seu art. 342, de falso testemunho: Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: (Redação dada pela Lei nº 10.268, de 28.8.2001) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.850, de 2013) @lauramorais.adv Se ensejar uma autoincriminação a testemunha, automaticamente ela passa a ter o direito a não-autoincriminação. Se das perguntas formuladas à testemunha puder resultar em uma autoincriminação, ela pode invocar o princípio do nemo tenutur se detegere. Sobre o assunto, STF assinala: “(...) Paciente que, embora rotulado de testemunha, em verdade encontrava-se na condição de investigado. Direito constitucional ao silêncio. Atipicidade da conduta. Ordem concedida para trancar a ação penal ante patente falta de justa causa para prosseguimento” (STF, 2ª T, HC 106.876/RN). 3.2.3. Advertência quanto do direito de não produzir prova contra si mesmo No âmbito criminal, vejamos o art. 5º, LXVIII da CF/88: Art. 5º (...) LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; Pela CF/88, o preso será informado de seus direitos. Daqui a jurisprudência extrai esse dever de advertência. O cidadão não tem somente o direito ao silêncio, como ele deve ser informado do seu direito ao silêncio. Esse dever de advertência advém do direito norte-americano que ficou conhecido como o famoso Aviso de Miranda. Essa questão surgiu num caso conhecido Miranda versus Arizona. O Miranda rights ou Miranda warnings têm origem no famoso julgamento Miranda versus Arizona (1966), em que a Suprema Corte americana firmou o entendimento de que nenhuma validade pode ser conferida às declarações feitas pela pessoa à polícia, a não ser que antes ela tenha sido claramente informada de: 1) que tem o direito de não responder; @lauramorais.adv 2) que tudo o que disser pode vir a ser utilizado contra ele; 3) que tem o direito à assistência de defensor escolhido ou nomeado. No Brasil também temos o dever de advertência, porém não com esses três avisos de Miranda. No Brasil, o ideal é apenas dizer que “você ciente, avisado, devo informá-lo que você tem direito ao silêncio; você não é obrigado a produzir prova contra a si mesmo”. Na jurisprudência há várias manifestações desse dever de advertência. Destacamos: STF: “(...) Gravação clandestina de “conversa informal” do indiciado com policiais. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita “conversa informal”, modalidade de “interrogatório” sub- reptício (fraudulento), o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. O privilégio contra a auto- incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não. (...)”. (STF, @lauramorais.adv 1ª Turma, HC 80.949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14/12/2001). Obrigatoriedade de advertência quanto ao direito ao silêncio por parte da imprensa: É a famosa eficácia horizontal e vertical dos direitos fundamentais. Se existe o dever de advertência, ele não vale só para o Estado, mas para particulares, incluindo-se aí a imprensa. Essa orientação, no entanto, não é adotada pelo STF, valendo esse dever de advertência apenas para o Estado (autoridades estatais). O precedente é o seguinte: STF: “(...) Alegação de ilicitude da prova, consistente em entrevista concedida pelo paciente ao jornal “A Tribuna”, na qual narra o modus operandi de dois homicídios perpetrados no Estado do Espírito Santo, na medida em que não teria sido advertido do direito de permanecer calado. Entrevista concedida de forma espontânea. Constrangimento ilegal não caracterizado. Ordem denegada”. (STF, 2ª Turma, HC 99.558/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 14/12/2010). 3.2.4. Desdobramento do princípio O princípio do Nemo tenutur se detegere vai muito além do que apenas o direito ao silêncio. Vejamos os desdobramentos: a) O direito ao silêncio ou de permanecer calado: Do exercício desse direito e demais desdobramentos, não pode resultar prejuízos ao imputado. Por isso, cuidado quando se lê o art. 198 do CPP “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz” @lauramorais.adv A doutrina quase que unânime vai dizer que a parte final riscada não teria sido recepcionada pela CF/88, pois fere o direito ao silêncio. b) Direito ao silêncio no Tribunal do Júri e sua utilização como argumento de autoridade Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado; II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. c) Direito à mentira ou Inexigibilidade de dizer a verdade: Parte da doutrina diz que, como parte do desdobramento do princípio do nemo tenutur se detegere, o acusado teria o direito de mentir. No ordenamento jurídico brasileiro, não há o crime de perjúrio, presente no sistem norte- americano. Sobre o assunto, destacamos o precedente: STF: “(...) O direito de permanecer em silêncio insere- se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a prática da infração @lauramorais.adv penal”. (STF, 1ª Turma, HC 68.929/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 28/08/1992). d) Direito de não praticar qualquer comportamento ativo que possa incriminá-lo: - Comportamento ativo: O indivíduo está protegido pelo princípio do nemo tenutur se detegere. Por força do direito de não produzir prova contra si mesmo, doutrina e jurisprudência têm adotado o entendimento de que não se pode exigir um comportamento ativo do acusado, caso desse facere possa resultar a autoincriminação. Ex. Participar da reconstituição do crime. - Comportamento passivo: vai tolerar a produção da prova. Ex. reconhecimento de pessoas e coisas. STF: “(...) O privilégiocontra a autoincriminação, garantia constitucional, permite ao paciente o exercício do direito de silêncio, não estando, por essa razão, obrigado a fornecer os padrões vocais necessários a subsidiar prova pericial que entende lhe ser desfavorável. Ordem deferida, em parte, apenas para, confirmando a medida liminar, assegurar ao paciente o exercício do direito de silêncio, do qual deverá ser formalmente advertido e documentado pela autoridade designada para a realização da perícia”. (STF, 2ª Turma, HC 83.096/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 12/12/2003 p. 89). e) Direito de não permitir a prática de prova: Cuida acerca da prova invasiva. Essas provas invasivas estão protegidas pelo princípio do nemo tenutur se detegere. @lauramorais.adv - Prova invasiva: É uma prova em que implica na penetração do organismo humano e na extração de parte dele. Ex: coleta de sangue; coleta de cabelo; bafômetro. Atenção!!! 1) Verificar acerca da alteração legislativa na Lei de trânsito, na qual os sinais visíveis pelo agente policial são capazes de subsidiar uma ação penal contra o condutor do veículo. 2) Lei n° 12.037/09 que regulamenta a identificação criminal do civilmente identificado, o seu art. 5°-A acerca do perfil genético do investigado: Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. - Prova não invasiva: É uma inspeção, é uma verificação corporal, ou seja, é uma prova em que não há penetração no organismo humano. Não está protegido pelo princípio do nemo tenutur. Ex: fios de cabelo (descartado voluntária ou involuntariamente). Segue abaixo o julgado: STF: “(...) Coleta de material biológico da placenta, com propósito de se fazer exame de DNA, para averigüação de paternidade do nascituro, embora a oposição da extraditanda. (....) Mantida a determinação ao Diretor do Hospital Regional da Asa Norte, quanto à realização da coleta da placenta do filho da extraditanda. (...) Bens jurídicos constitucionais como “moralidade administrativa”, “persecução penal pública” e “segurança pública” que se acrescem, - como bens da comunidade, na expressão de Canotilho, - ao direito @lauramorais.adv fundamental à honra (CF, art. 5°, X), bem assim direito à honra e à imagem de policiais federais acusados de estupro da extraditanda, nas dependências da Polícia Federal, e direito à imagem da própria instituição, em confronto com o alegado direito da reclamante à intimidade e a preservar a identidade do pai de seu filho. (...) Mérito do pedido do Ministério Público Federal julgado, desde logo, e deferido, em parte, para autorizar a realização do exame de DNA do filho da reclamante, com a utilização da placenta recolhida, sendo, entretanto, indeferida a súplica de entrega à Polícia Federal do “prontuário médico” da reclamante”. (STF, Tribunal Pleno, Rcl-QO 2.040/DF, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 27/06/2003 p. 31). Atenção: Exame de raio X é considerada prova invasiva ou não invasiva? O STJ entendeu ser uma prova não invasiva. Significa dizer que o exame de Raio X pode ser realizado, mesmo contra a vontade do acusado. 3.2.5. Nemo tenetur se detegere e a prática de outros ilícitos Crime de falsa identidade. Assegura que ninguém pode ser compelido a fazer prova contra si mesmo. Não obstante os tribunais reconheçam este princípio, lhe tem imposto limites: é o que tem ocorrido de maneira reiterada quando se discute a possibilidade de o conduzido pela autoridade policial apresentar documentos falsos para burlar a sua identificação. Nesses casos, os tribunais superiores têm rechaçado a aplicação do princípio, concluindo pela tipicidade da conduta, conforme Súmula do STJ: Súmula 522-STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa. @lauramorais.adv 4. Princípio do contraditório Está previsto na CF/88, art. 5º, LV: Art. 5º (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 4.1. Conceito. De acordo com corrente clássica, o contraditório é a ciência dos atos processuais e a possibilidade contrariá-los (Direito à ciência + Possibilidade de Reação). Com base no princípio do contraditório, não se admite a prolação de uma decisão surpresa, mesmo numa matéria cognoscível de ofício. Portanto, consiste na ciência bilateral dos atos ou termos do processo e a possibilidade de contrariá-los, consubstanciada pela expressão em latim audiatur et altera pars (seja ouvida também a parte adversa). Pelo menos, em regra, só se pode praticar o ato processual, só se pode falar em prova se esta foi produzida em contraditório, ou seja, com a ciências das partes e possibilidade de contrariá-las. 4.2. Elementos. a) direito à informação; b) direito de participação. O contraditório seria, assim, a necessária informação às partes e a possível reação a atos desfavoráveis. Daí a importância dos meios de comunicação dos atos processuais: citação, intimação e notificação. Não por outro motivo, vejamos a Súmula 707 do STF, @lauramorais.adv Súmula 707 do STF: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo. 4.3. Concepção moderna do Princípio do Contraditório Hoje a doutrina trabalha com a ideia de um contraditório efetivo e equilibrado. Numa posição mais moderna e avançada é que devemos deixar de lado a ideia de um contraditório como possibilidade apenas de reação, uma vez que houve uma mudança objetiva e subjetiva no termo. Mudança objetiva, porque o contraditório hoje deixa de ser trabalhado como a possibilidade de reação. Essa reação deve ser concreta e efetiva. É o que, aliás, se chama de paridade de armas. No processo penal, não basta que a denúncia tenha sido contra determinada pessoa, que ela tenha sido citada. O ordenamento não se contenta mais com essa possibilidade de reagir. A reação deve ser efetiva, razão pela qual diz o art. 261 do CPP que ninguém será processado sem defensor. Portanto, ainda que o condenado não queira oferecer resistência, essa resistência deve se apresentar no processo penal, ainda que oferecida tão-somente pela defesa técnica. Temos ainda a mudança subjetiva do contraditório. Agora a missão de igualar das partes, a fiscalização dessa paridade de armas também se aplica ao juiz. Quer dizer, o juiz deve zelar pelo respeito à paridade de armas. Isso é muito importante porque, às vezes o magistrado verifica um abandono do processo pelo advogado; ele é ausente. Tecnicamente, não há defesa, cabendo ao juiz exigir o respeito à paridade de armas, hipótese em que deverá intimar o acusado para novo defensor, sob pena de não o fazendo, ser-lhe nomeado um defensor dativo. Essa posição mais moderna vem prevalecendo. O que outrora a reação era meramente possível, nos dias atuais, com base no princípio da isonomia, e que a ideia da isonomia não é apenas formal, mas também substancial, o contraditório deve ser @lauramorais.adv efetivo. Por isso que ele deve ser exigido por parte do magistrado caso não seja respeitado. 4.4. Contraditório para a prova (contraditório real) e contraditório sobre a prova (diferido). 4.4.1. Contraditório real: É o contraditório que é observado por ocasião da produção da prova. Esse contraditório funciona como regra. O contraditório real demanda que as partes atuem na própria formação do elemento de prova, sendo indispensável que sua produção se dê na presença do órgão julgador e das partes. É o que acontece com a prova testemunhal colhidaem juízo, onde não há qualquer razão cautelar a justificar a não intervenção das partes quando de sua produção, sendo obrigatória, pois, a observância do contraditório para a realização da prova. Há alguns casos em que o contraditório for real poderá ocorrer um prejuízo à produção da prova. Por isso que, em situações excepcionais, admite-se o contraditório diferido, analisado no item abaixo. 4.4.2. Contraditório diferido: O contraditório sobre a prova (contraditório diferido ou postergado) traduz-se no reconhecimento da atuação do contraditório após a formação da prova, ou seja, essa possibilidade de contrariar vai exercer a posteriori. Em outras palavras, a observância do contraditório é feita posteriormente, dando-se oportunidade ao acusado e a seu defensor de, no curso do processo, contestar a providência cautelar, ou de combater a prova pericial feita no curso do inquérito. É o que acontece, por exemplo, com uma interceptação telefônica judicialmente autorizada no curso das investigações @lauramorais.adv 5. Princípio da ampla defesa. Previsto no art. 5º, LV da CF/88: Art. 5º (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; O direito de defesa está ligado diretamente ao princípio do contraditório. A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta. Afinal, o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório – o direito à informação. Além disso, a ampla defesa se exprime por intermédio de seu segundo elemento: a reação. Quando a CF/88 assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral a ampla defesa, entende-se que a ampla defesa se divide: (a) Defesa técnica (processual ou específica) e (b) Autodefesa (material ou genérica), 5.1. Defesa técnica (processual ou específica). Defesa técnica é aquela exercida por um profissional da advocacia, dotado de capacidade postulatória, seja ele advogado constituído, nomeado, ou defensor público. Para ser ampla, como impõe a CF/88, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva, não sendo possível que alguém seja processado sem que possua defensor. Não se pode cogitar de um processo penal sem defesa técnica. O CPP vai dizer isso de forma categórica em seu art. 261: @lauramorais.adv Art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada. Atenção!!! E se acusado por defendido por estagiário, por um não advogado, se não houver defesa técnica, qual é a consequência disso? A nulidade absoluta por ausência de ampla defesa. Aliás, sobre o assunto, temos a Súmula 523 do STF: Súmula 523 do STF: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”. - Caráter irrenunciável da defesa técnica; A defesa técnica é indisponível e irrenunciável. Logo, mesmo que o acusado, desprovido de capacidade postulatória, queira ser processado sem defesa técnica, e ainda que seja revel, deve o juiz providenciar a nomeação de defensor, mesmo que o acusado discorde. Essa defesa técnica deve ser assegurada inclusive durante a execução penal. Nesse sentido, basta atentar para as importantes modificações introduzidas pela Lei 12.313/10 na Lei de Execução Penal, que passou a prever a assistência jurídica ao preso dentro do presídio e atribuir competências à Defensoria Pública. A presença de advogado é imprescindível no processo criminal, mesmo no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Sobre isso, vejamos o teor da Súmula 708 do STF. Súmula n. 708 do STF: “É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia do @lauramorais.adv único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro”. - Direito de escolha do defensor pelo próprio acusado; Em virtude da relação de confiança que necessariamente se estabelece entre o acusado e quem o defende, entende-se que um dos desdobramentos da ampla defesa é o direito que o acusado tem de escolher seu próprio advogado. Tem o acusado o direito de escolher seu próprio defensor, não sendo possível que o juiz substitua seu advogado constituído por outro de sua nomeação. A nomeação de defensor pelo juiz só poderá ocorrer nas hipóteses de abandono do processo pelo advogado constituído e desde que o acusado permaneça inerte, após ser instado a constituir novo defensor. Sobre o assunto, aliás, temos a Súmula 707 do STF: Súmula 707 do STF: “constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo”. Sobre o assunto, a jurisprudência é muito sólida quanto a isso: STJ: “(...) A escolha de defensor, de fato, é um direito inafastável do réu, porquanto deve haver uma relação de confiança entre ele e o seu patrono. Assim, é de rigor que uma vez verificada a ausência de defesa técnica a amparar o acusado, por qualquer motivo que se tenha dado, deve-se conceder prazo para que o réu indique outro profissional de sua confiança, ainda que revel, para só então, caso permaneça inerte, nomear-lhe defensor dativo. Habeas Corpus concedido, nos termos do parecer ministerial, para anular o feito a partir da decisão que @lauramorais.adv nomeou o defensor dativo, a fim de que seja oportunizado ao réu a indicação de advogado de sua confiança, mantido paciente na situação processual em que se encontra”. (STJ, 5ª Turma, HC 162.785/AC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 13/04/2010, DJe 03/05/2010). Na mesma linha: STJ, 5ª Turma, HC 132.108/PA, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 16/12/2010, DJe 07/02/2011. - (Im) possibilidade de o acusado exercer a sua própria defesa técnica; Desde que seja profissional da advocacia regularmente inscrito na OAB, o acusado pode exercer a sua própria defesa técnica. Não é recomendável, mas é possível. Apenas um profissional da Advocacia pode fazer sua defesa técnica. STF: “(...) Nas ações penais originárias, a defesa preliminar (L. 8.038/90, art. 4º), é atividade privativa dos advogados. Os membros do Ministério Público estão impedidos de exercer advocacia, mesmo em causa própria. São atividades incompatíveis (L. 8.906/94, art. 28). Nulidade decretada”. (STF, 2ª Turma, HC 76.671/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 09/06/1998, DJ 10/08/2000). - Patrocínio da defesa técnica de dois ou mais acusados pelo mesmo defensor. Um único advogado pode defender dois ou mais acusados? É possível, desde que não haja colidência de teses pessoais. STJ: “(...) Hipótese em que o paciente e seu filho foram acusados de tráfico de drogas, sendo que o filho imputava a responsabilidade penal a seu pai e ambos foram patrocinados pelo mesmo advogado. O defensor apresentou alegações finais defendendo apenas o filho e @lauramorais.adv acusando o pai. Havendo teses defensivas conflitantes, fica clara a impossibilidade de que pai e filho fossem patrocinados pelo mesmo advogado. É evidente, assim, o conflito de interesses e a colidência de defesa, que provocou prejuízo ao paciente, haja vista a condenação à reprimenda de 12 (doze) anos de reclusão. Ordem concedida para anular o feito, apenas com relação ao paciente, a partir das alegações preliminares, inclusive”. (STJ, 6ª Turma, HC 86.392/PA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 25/05/2010, Dje 21/06/2010). 5.2. Autodefesa (material ou genérica) Autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado, em momentos cruciais doprocesso. Diferencia-se da defesa técnica porque, embora não possa ser desprezada pelo juiz, é renunciável e disponível, já que não há como se compelir o acusado a exercer seu direito ao interrogatório nem tampouco a acompanhar os atos da instrução processual. Eventual ofensa ao direito do acusado de exercer sua própria defesa é causa de nulidade absoluta por violação à ampla defesa. Assim, quando presente, deve o acusado ser interrogado, sob pena de nulidade do feito (CPP, art. 564, I, e, 2ª parte). Também se afigura necessária a intimação do acusado para os atos processuais, para que possa acompanhá-los, intimação esta que só não precisa ser feita quando for decretada sua revelia (art. 367). Ademais, também deve ser intimado pessoalmente das decisões para que, querendo, possa exercer o seu direito de recorrer pessoalmente (CPP, art. 577). @lauramorais.adv A autodefesa se manifesta no processo penal se desdobra em dois: a) direito de audiência; b) direito de presença; a. Direito de audiência Nada mais é do que o direito de o acusado ser ouvido pelo juiz para tentar formar a convicção quanto à sua inocência. Dessa forma, é o direito que o acusado tem de apresentar ao juiz da causa a sua defesa, pessoalmente. Esse direito se materializa através do interrogatório. Daí o entendimento hoje majoritário em torno da natureza jurídica do interrogatório: meio de defesa. É verdade que, durante muito tempo, o interrogatório foi considerado meio de prova num sistema inquisitorial. Atualmente, no entanto, como o acusado não é obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, por força do direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), não podendo sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício dessa especial prerrogativa. STF: “(...) O INTERROGATÓRIO JUDICIAL COMO MEIO DE DEFESA DO RÉU. Em sede de persecução penal, o interrogatório judicial, notadamente após o advento da Lei 10.792/2003, qualifica-se como ato de defesa do réu, que, além de não ser obrigado a responder a qualquer indagação feita pelo magistrado processante, também não pode sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em virtude do exercício, sempre legítimo, dessa especial prerrogativa (...)” (STF, 2ª Turma, HC 94.016/SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16/09/2008, Dje 38 26/02/2009). @lauramorais.adv b. Direito de presença É o direito que o acusado possui de acompanhar os atos da instrução probatória. Por meio do direito de presença, assegura-se ao acusado a oportunidade de, ao lado de seu defensor, acompanhar os atos de instrução, auxiliando-o na realização da defesa. Se o direito de presença é um desdobramento da autodefesa, a qual é renunciável, conclui-se que o comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, é um direito, e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento, ato este que não está protegido pelo direito à não autoincriminação. Atenção!!! Verificar o art. 217, do CPP. A retirada do acusado da sala de audiência, deve o juiz manter todos os corolários da ampla defesa, assegurando a presença do defensor técnico na audiência, bem como um canal de comunicação livre e reservada deste com o acusado. Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008) Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) @lauramorais.adv Vejamos o seguinte julgado sobre o tema: STF: “(...) Revela-se lícita a retirada dos acusados da sala de audiências, se as testemunhas de acusação demonstram temor e receio em depor na presença dos réus. Se o patrono do paciente não apresentou nenhuma irresignação quanto aos termos da assentada, havendo assinado e concordado com seu conteúdo, resulta preclusa a argüição de qualquer vício a macular o ato de ouvida das testemunhas de acusação. Ordem denegada”. (STF, 1ª Turma, HC 86.572/PE, Rel. Min. Carlos Britto, j. 06/12/2005, DJ 30/03/2008). 5.4. Ampla defesa na execução penal. Na fase da execução penal existe ampla defesa. Nesse sentido, vejamos o teor da Súmula 533 do STJ: Súmula n. 533 do STJ: “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado”. Mesmo aqueles atos e decisões no curso da execução penal que são de responsabilidade do diretor do estabelecimento prisional, vige quanto a elas o direito de defesa e a obrigatoriedade da ampla defesa a ser exercida por um advogado constituído ou por um defensor público nomeado.
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