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O que é literatura? Uma colagem feita pelo fotógrafo britânico Ewan Fraser Clique para ver o clipe E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia José e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? E agora, José? sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio — e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho do mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde? teogonia: conjunto de divindades de um povo. utopia: lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos; fantasia; quimera. “José”, de autoria de Carlos Drummond de Andrade. 3. Observe estes trechos do poema: “você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José?” a. Levante hipóteses: Quem é José? Justifique sua resposta. b. Por que a expressão e agora? é usada insistentemente no poema? “sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio — e agora?” Texto 1 O que é literatura? é uma pergunta complicada justamente porque tem várias respostas. E não se trata de respostas que vão se aproximando cada vez mais de uma grande verdade, da verdade-verdadeira. Cada tempo e, dentro de cada tempo, cada grupo social tem sua resposta, sua definição. Respostas e definições — vê-se logo — para uso interno. Ao longo dos dois mil anos que nos separam de — digamos — Platão, vários têm sido os critérios pelos quais se tenta identificar o que torna um texto literário ou não literário: o tipo de linguagem empregada, as intenções do escritor, os temas e assuntos de que trata a obra, o efeito produzido pela sua leitura... tudo isso já esteve ou ainda está em pauta quando se quer definir literatura. Cada um desses critérios produziu definições consideradas corretas. Para uso interno daquele grupo ou daquele tempo, correspondendo as respostas ao que foi (ou é) possível pensar de literatura num determinado contexto. [...] (Marisa Lajolo. Literatura― Leitores & leitura. São Paulo: Moderna, 2001. p. 26.) O que é literatura? • Conceito modificado historicamente; • Marisa Lajolo – cada grupo social tem sua definição; depende do contexto; • Antonio Candido – todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura. Texto 2 Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações. Vista deste modo, a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possam viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos sonham todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas do dia sem alguns momentos de entrega ao universo fabulado. O sonho assegura durante o sono a presença indispensável desse universo, independentemente da nossa vontade. E, durante a vigília, a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito — como anedota, causo, história em quadrinho, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco. Ela se manifesta desde o devaneio amoroso ou econômico no ônibus até a atenção fixada na novela de televisão ou na leitura seguida de um romance. Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito. (Antonio Candido. “O direito à leitura”. In: Textos de intervenção. São Paulo: Duas Cidades, 2002. p. 174-5.) Literatura como arte da palavra • Linguagem artística, rica em sentidos, em imagens e sonoridades; Literatura como recriação da realidade • o escritor recria a realidade a partir de sua visão particular; Literatura como prazer • toda pessoa tem o direito ao prazer proporcionado pela literatura e pela arte; Literatura como experiência • ampliação das experiências através de um mundo ficcional; Literatura como interação e transformação • literatura também é comunicação e, consequentemente, promove a interação entre pessoas. Funções da literatura Da mesma forma que o conceito de literatura tem mudado historicamente, a função ou o papel que essa forma de expressão cumpre socialmente também tem variado, de acordo com o momento e com o grupo que a produz. A função da literatura nem sempre é intencional, isto é, quem produz literatura não tem necessariamente um objetivo específico com sua produção. Entretanto, ao serem publicados, os textos de alguma maneira interferem na realidade social. Em certas épocas, por exemplo, a literatura assume uma função predominantemente lúdica; em outras, uma função filosófica e pedagógica; em outras, uma função política, ideológica e até panfletária. Conheça algumas das funções atribuídas à literatura. Literatura como arte da palavra Enquanto arte da palavra, a literatura é linguagem artística, rica em sentidos, em sonoridades e imagens. O poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, explora vários desses recursos, como ritmo (“A festa acabou / a luz apagou”), sonoridades (“se você tocasse / a valsa vienense”), imagens (“lavra de ouro”, “terno de vidro”). Literatura como recriação da realidade O escritor literário recria a realidade a partir de sua visão particular. No poema “José”, por exemplo, Drummond parte de uma realidade concreta, o contexto da Segunda Guerra Mundial, e cria uma realidade ficcional — a de um José acuado e sem saídas — para transmitir o sentimento de perplexidade e de opressão que se vivia naquele momento histórico. Quando Antonio Candido afirma que todo ser humano tem necessidade de se descolar da realidade cotidiana e usufruir de um “universo fabulado”, ele se refere ao universo ficcional criado pela literatura. Literatura como prazer Ao defender o “direito à leitura”, Antonio Candido leva em conta que toda pessoa, independentemente de seu nível social ou de sua escolaridade, tem direito ao prazer proporcionado pela literatura e pela arte. Usufruir da beleza de um texto literário ou da riqueza de recursos utilizados em uma obra de arte, ouvir música, assistir a uma peça de teatro ou a um bom filme são atividades que nos proporcionam prazer, fruição estética. Para Antonio Candido, esse é um direito de todos. O poema “José”, embora reflita sobre um momento crítico da história da humanidade, nos proporciona, por meio de seus recursos poéticos, uma experiência estética prazerosa e enriquecedora. Literatura como experiência A literatura nos permite ampliar nossas experiências, embora por meio de vivências experimentadas em um mundo ficcional. Veja o que diz sobre isso Luzia de Maria: Quando pegamosum livro para ler, um romance ou mesmo um ensaio, ou até mesmo um jornal ou revista, o que nos move é muito mais a experiência e o prazer que essa leitura nos proporciona do que simplesmente a busca de informação. [...] a leitura, enquanto oportunidade de enriquecimento e acumulação de experiências, se torna primordial na formação do ser humano. O que é experiência? Não pode ser medida e não é facilmente definida. Talvez nem precise de definições. A experiência é sinônimo de estar vivo, criando e explorando, interagindo com mundos — reais, possíveis e inventados. (Leitura e colheita. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 23.) Literatura como interação e transformação A literatura também é comunicação e, como tal, tem a capacidade de promover a interação entre pessoas e tocá-las ou transformá-las. O escritor Rubem Alves descreve assim essa capacidade da palavra literária: Toda alma é uma música que se toca. Quis muito ser pianista. Fracassei. Não tinha talento. Mas descobri que posso fazer música com palavras. Assim, toco a minha música… Outras pessoas, ouvindo a minha música, podem sentir sua carne reverberando como um instrumento musical. Quando isso acontece, sei que não estou só. Se alguém, lendo o que escrevo, sente um movimento na alma, é porque somos iguais. A poesia revela a comunhão. (Na morada das palavras. Campinas: Papirus, 2003. p. 71.) Muitas vezes, a literatura ganha conotação político-social e se torna expressão artística e ideológica de um povo. Como exemplo desse papel da literatura, veja os versos a seguir, do poeta afro-brasileiro Adão Ventura, que expressam o protesto do autor contra a condição do negro após o fim da escravidão. Literatura oral e literatura escrita Apesar de a palavra literatura ter se formado a partir do radical littera (escrita), a literatura já existia muito antes de ser inventada a escrita. Ainda hoje, na Amazônia brasileira ou na África, por exemplo, existem manifestações literárias estritamente orais (poemas, contos, preces) de alguns povos, às quais certos estudiosos têm chamado de oratura. Com a invenção da escrita, muitas manifestações literárias puderam ser preservadas ao longo dos tempos, e, assim, tornou-se possível pessoas de diferentes épocas e lugares terem acesso a textos literários produzidos em outros contextos. A Odisseia e a Ilíada, de Homero, são consideradas as obras fundadoras da literatura ocidental. Foram escritas provavelmente no século VIII a.C., mas as histórias que elas narram já vinham sendo contadas oralmente na Grécia antiga durante séculos. Estilos de época As transformações ocorridas na literatura no decorrer do tempo são objeto de estudo do que se chama história da literatura. Da mesma forma que a história humana, a história da literatura também é organizada em eras e períodos, e também acompanha as transformações históricas, sociais e culturais da humanidade. Cada período da literatura é chamado de movimento literário, estilo de época ou estética literária. Embora os livros que tratam de história da literatura apresentem as estéticas literárias demarcadas por períodos, autores, obras e datas, as fronteiras entre elas não são estanques. É natural que um autor de uma época leia autores de épocas passadas e seja por eles influenciado. Também é natural que um autor que viva em um momento de transição apresente em sua produção elementos da estética literária anterior, ainda presente, e da estética posterior, ainda em formação. Mais importante do que saber situar um autor ou uma obra na linha do tempo é ser capaz de ler um texto literário e compreendê-lo, isto é, conseguir relacionar as ideias principais apresentadas por ele com o modo de pensar e sentir o mundo experimentado pelo ser humano da época. Apresentamos a seguir um quadro com a periodização da literatura brasileira, para servir de referência em caso de necessidade de consulta. Como os primeiros textos escritos no Brasil datam do século XVI e foram influenciados pela literatura portuguesa, apresentamos também um quadro com a produção literária medieval portuguesa. • Literatura já existia muito antes da escrita ser inventada; • Manifestações literárias estritamente orais; • Invenção da escrita – preservação da literatura ao longo do tempo. Estilos de época • Cada período da literatura; • Fronteiras entre eles não são estanques; • Características experimentadas por cada autor em seu tempo e contexto. Copie no seu caderno!