Prévia do material em texto
FABIANA MARION SPENGLER
GILMAR ANTONIO BEDIN
(Organizadores)
ACESSO À JUSTIÇA,
DIREITOS HUMANOS
& MEDIAÇÃO
Rembrandt. Meditar Filosofal. c. 1631.
Óleo sobre madeira. Louvre, Paris, França.
ISBN 978-85-86265-54-9
Multideia Editora Ltda.
Alameda Princesa Izabel, 2.215
80730-080 Curitiba – PR
+55(41) 3339-1412
editorial@multideiaeditora.com.br
Conselho Editorial
Coordenação editorial e revisão: Fátima Beghetto
Projeto gráfico e capa: Sônia Maria Borba
Spengler, Fabiana Marion (org.)
S747 Acesso à justiça, direitos humanos & mediação [recurso eletrônico] / organização de
Fabiana Marion Spengler, Gilmar Antonio Bedin – Curitiba: Multideia, 2013.
260p.; 23cm
ISBN 978-85-86265-54-9
(VERSÃO ELETRÔNICA)
1. Acesso à justiça. 2. Direitos humanos. I. Bedin, Gilmar Antonio (org.). II. Título.
CDD 340.1(22.ed)
CDU 340
É de inteira responsabilidade do autor a emissão de conceitos.
Autorizamos a reprodução dos conceitos aqui emitidos, desde que citada a fonte.
Respeite os direitos autorais – Lei 9.610/98.
CPI-BRASIL. Catalogação na fonte
Marli Marlene M. da Costa (Unisc)
André Viana Custódio (Unisc/Avantis)
Salete Oro Boff (Unisc/IESA/IMED)
Carlos Lunelli (UCS)
Clovis Gorczevski (Unisc)
Fabiana Marion Spengler (Unisc)
Liton Lanes Pilau (Univalli)
Luiz Otávio Pimentel (UFSC)
Orides Mezzaroba (UFSC)
Sandra Negro (UBA/Argentina)
Nuria Bellosso Martín (Burgos/Espanha)
Denise Fincato (PUC/RS)
Wilson Engelmann (Unisinos)
Neuro José Zambam (IMED)
FABIANA MARION SPENGLER
GILMAR ANTONIO BEDIN
(Organizadores)
ACESSO À JUSTIÇA,
DIREITOS HUMANOS
& MEDIAÇÃO
Curitiba
2013
Doglas Cesar Lucas
Fabiana Marion Spengler
Gabriel de Lima Bedin
Gilmar Antonio Bedin
Giuseppe Ricotta
Luciane Moessa de Souza
Mauro Gaglietti
Nuria Belloso Martín
Sidney Guerra
Colaboradores
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq (financia-
mento através do Edital AOE Chamada MCTI/
CNPq/FINEP nº 06/2012 – Apoio à Realização
de Eventos – ARC – LINHA 1) e à Fundação
de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul –
Fapergs (financiamento mediante o Auxílio à
Organização de Evento Científico, Tecnológico,
Artístico e Cultural – AOE) que possibilitaram
a realização do I Seminário Internacional de
Acesso à Justiça, Direitos Humanos e Mediação,
bem como a publicação dos textos lá debatidos,
na forma do presente livro.
Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo
dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o por-
teiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O ho-
mem do campo reflete e depois pergunta se então não pode
entrar mais tarde. “É possível”, diz o porteiro, “mas agora não.”
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o
porteiro não se põe de lado, o homem se inclina para olhar o
interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz:
“Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas
veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos portei-
ros. De sala para sala, porém, existem porteiros, cada um mais
poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão
do terceiro”. O homem do campo não esperava tais dificulda-
des: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa
ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro,
com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa
barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar
até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um ban-
quinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado
dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e can-
sa o porteiro com os seus pedidos. Muitas vezes, o porteiro
submete o homem a pequenos interrogatórios. Pergunta-lhe
a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são per-
guntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes
senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode
deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado para a via-
gem com muitas coisas, lança mão de tudo, por mais valioso
que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre
dizendo: “Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer
alguma coisa”. Durante todos esses anos, o homem observa o
porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros
e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada
na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso in-
feliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo
mesmo. Torna-se infantil, e uma vez que, por estudar o portei-
ro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de
pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião.
Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato
está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam.
Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe
inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tem-
po de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele
tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até
então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que
se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido.
O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a
diferença de altura mudou muito em detrimento do homem.
“O que é que você ainda quer saber?”, pergunta o porteiro.
“Você é insaciável.” “Todos aspiram à lei”, diz o homem. “Como
se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu
para entrar?” O porteiro percebe que o homem já está no fim,
e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: “Aqui
ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava
destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a”.
(“O Processo” – Franz Kafka)
PREFÁCIO
A crise das instituições, especialmente do Judiciário1, é a praga
do Estado contemporâneo2.
A obstrução das vias de acesso à justiça, problema cada vez
mais crescente nos países da América Latina e na Europa, promove
um distanciamento cada vez maior entre o Poder Judiciário e a popu-
lação.
Em diferentes países, a crise do Estado-jurisdição se fortale-
ce com uma instituição burocrática e lenta, desacreditada pelo povo e
que representa na verdade um convite à demanda, potencializando os
conflitos.
O marcante crescimento do acesso à justiça, que evoluiu con-
juntamente com a passagem da concepção liberal para a concepção
social do Estado moderno, permitiu que diferentes grupos sociais
buscassem meios eficazes de tutela para a solução dos seus conflitos.
Naquela época em que prevalecia como máxima dominante o laissez
faire, todas as pessoas eram formalmente presumidas iguais e os me-
canismos de acesso à justiça eram criados sem preocupação com sua
eficiência prática ou efetiva.
Assim, partindo da ideia de egalité, um dos marcos da Revo-
lução Francesa, o Estado não deveria intervir nas disputas, perma-
necendo passivo em relação à incapacidade que muitas pessoas têm
de utilizar plenamente a Justiça. Esse procedimento adotado para a
1 “[...] se, dentre outras virtudes aproximou-se o jurisdicionado e o cliente dos serviços
jurisdicionais do Judiciário, nem por isso o princípio do acesso ao Judiciário deve
ser sobrevalorizado de tal forma que inviabilize a própria prestação jurisdicional”.
(TAVARES, André Ramos. Tratado da arguição de preceito fundamental. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 300)
2 PINHO, Humberto Dalla Bernadina de; PAUMGARTTEN, Michele. A experiência íta-
lo-brasileira no uso da mediação em resposta à crise do monopólio estatal de re-
solução de conflitos e a garantia do acesso à justiça. Revista Eletrônica de Direito
Processual Civil, v. VIII, p. 443-471, jul./dez. 2011.
Humberto Dalla 10
solução dos litígios repercutia a filosofia essencialmente individua-
lista dos direitos refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos
séculos XVIII e XIX e que assumiram a partir do século XX, um cará-
ter mais coletivo.
O modelo democrático moderno que se afirmou como decor-
rência da renovação do “pacto social”reclamada pela filosofia política
desde o século XVII, partia do estado de natureza de Locke, para justi-
ficar um Estado de poderes limitados3.
E, na visão liberal nascente, o conflito ocorreria sempre entre
indivíduos e sempre para reivindicar direitos, de uns sobre os outros;
a lei abstrata apresentar-se-ia como o parâmetro da solução deste
conflito, aplicada por um juiz imparcial, e se após o julgamento hou-
vesse resistência num ameaçador desafio à sociedade, o ato poderia
ser reprimido, com uso inclusive da força.
Verdade que a composição justa dos conflitos vem se tornando
cada vez mais complexa, pois além do crescente demandismo repre-
sentado pelas lides individuais, cuja solução se resume a resolver a
pendência na dicotomia vencedor-vencido, a crise na prestação juris-
dicional se mostra mais evidente na solução dos megaconflitos que
hoje se expandem pela sociedade massificada e competitiva, mostran-
do-se a solução adjudicada não raro, deficiente.
Em ambos os casos, a pretensa solução se resume a resolver
apenas a crise jurídica, deixando em aberto as pressupostas crises de
outra natureza, as quais, por não terem sido conjuntamente dirimidas,
a tendência é que retornem num momento futuro, porventura até re-
crudescidas.
O crescente acesso à justiça para a solução de conflitos de inte-
resse em áreas socialmente impactantes evidencia que o termo juris-
dição não pode mais se restringir ao clássico dizer o Direito, ou seja,
não basta a garantia do acesso à justiça, mas à essa liberdade pública
deve-se agregar o direito a um provimento jurisdicional idôneo a pro-
duzir os efeitos práticos a que ele se preordena.
Nesse contexto, a obsessiva produção de normas, muitas vezes
de escassa eficiência, que é símbolo de vários ordenamentos, acaba
3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os conflitos como processo de mudança social,
2000. p. 220.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 11
abrindo uma fenda abissal entre o mundo do dever ser e o mundo efe-
tivo e real do ser.
E cada vez mais se inova a legislação processual e mais con-
trovérsias entre os operadores jurídicos surgem, retardando o trâmi-
te dos processos acumulados nos Tribunais, que, associado à falta de
recursos humanos e materiais, à cultura judiciarista que resiste aos
meios alternativos de resolução de conflitos, e à ineficiência das ins-
tâncias administrativas em equacionar os conflitos que surgem em
nossa sociedade, fazendo com que eles acabem judicializados, criam o
ambiente propício para a crise que se avista, motivando um incremen-
to na litigiosidade sem que o Estado tenha condições para atendê-la,
ou tentando fazê-lo, responde a destempo ou de forma inconsistente.
Como bem observado por Boaventura de Sousa Santos, Maria
Manuel Leitão Marques e João Pedroso4, o problema do excesso legis-
lativo reflete a tendência de cada povo ao posicionar suas escolhas
para resolver os conflitos por meios autocompositivos ou através da
adjudicação.
No Brasil, embora o acesso à justiça figure entre os direitos e
garantias fundamentais, é mister um reexame da expressão para que
o instituto não seja minimizado à mera oferta generalizada e incondi-
cionada do serviço judiciário estatal5.
A cultura demandista que se instalou na sociedade brasileira,
por conta de uma leitura irreal da garantia constitucional do aces-
so à justiça que tanto se buscou nos últimos trinta anos, permitiu
com essa oferta o desaguadouro geral e indiscriminado no Judiciário
4 “Se em certas sociedades os indivíduos e as organizações mostram uma clara prefe-
rência por soluções consensuais dos litígios ou de todo modo obtidas fora do campo
judicial, noutras a opção por litigar é tomada facilmente. [...] Os Estados Unidos fo-
ram considerados como tendo a mais elevada propensão a litigar, configurando uma
‘sociedade litigiosa’, como lhe chamou Lieberman (1981). [...] Avançaram-se então
várias razões que alimentariam tal cultura litigiosa, desde a existência de um número
excessivo de advogados até o enfraquecimento dos laços comunitários e dos com-
promissos de honra na gestão da vida coletiva. Segundo alguns, a propensão a litigar
estaria a resultar numa enorme drenagem de recursos econômicos que de outra ma-
neira poderiam ser afetos a tarefas do desenvolvimento.” (SANTOS, Boaventura de
Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 30, fev. 1996, p. 48)
5 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no
Contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 58.
professor2
Realce
Humberto Dalla 12
de toda e qualquer pretensão resistida ou insatisfeita, obrigando-o
a albergar desavenças que beiram o capricho dos litigantes, como
as controvérsias de mínima expressão pecuniária ou nenhuma com-
plexidade jurídica, que não justificam a judicialização, podendo ser
resolvidas por outros meios, perante outras instâncias, fora e além
do aparato estatal.
Nesse passo, para nós, o melhor modelo é aquele que admoesta
as partes a procurar a solução consensual, com todas as suas forças,
antes de ingressar com a demanda judicial. Não parece ser ideal a so-
lução que preconiza apenas um sistema de mediação incidental muito
bem aparelhado, eis que já terá havido a movimentação da máquina
judiciária, quando em muitos dos casos, isto poderia ter sido evitado.
Por outro lado, não concordamos com a ideia de uma mediação
ou conciliação obrigatória. É da essência desses procedimentos a vo-
luntariedade. Essa característica não pode ser jamais comprometida,
mesmo que sob o argumento de que se trata de uma forma de educar
o povo e implementar uma nova forma de política pública.
Somos de opinião que as partes deveriam ter a obrigação de
demonstrar ao Juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma so-
lução consensual para o conflito.
Estamos pregando aqui uma ampliação no conceito processual
de interesse em agir, acolhendo a ideia da adequação, dentro do bi-
nômio necessidade-utilidade, como forma de racionalizar a prestação
jurisdicional e evitar a procura desnecessária pelo Poder Judiciário.
Poderíamos até dizer que se trata de uma interpretação neo-
constitucional do interesse em agir, que adequa essa condição ao
regular exercício do direito de ação às novas concepções do Estado
Democrático de Direito.
Entretanto, esta é apenas uma das facetas desta visão. A ou-
tra, e talvez a mais importante, seja a consciência do próprio Poder
Judiciário de que o cumprimento de seu papel constitucional não con-
duz, obrigatoriamente, à intervenção em todo e qualquer conflito.
Tal visão pode levar a uma dificuldade de sintonia com o princí-
pio da indelegabilidade da jurisdição, na esteira de que o juiz não pode
se eximir de sua função de julgar, ou seja, se um cidadão bate às portas
professor2
Realce
professor2
Realce
professor2
Realce
professor2
Realce
professor2
Realce
professor2
Realce
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 13
do Poder Judiciário, seu acesso não pode ser negado ou dificultado,
conforme preceitua o artigo 5º, inciso XXXV, da Carta de 1988.
O que deve ser esclarecido é que o fato de um jurisdicionado
solicitar a prestação estatal não significa que o Poder Judiciário deva
sempre e necessariamente ofertar uma resposta de índole impositi-
va, limitando-se a aplicar a lei ao caso concreto. Pode ser que o juiz
entenda que aquelas partes precisem ser submetidas a uma instância
conciliatória, pacificadora, antes de uma decisão técnica6.
E isto fica muito claro no Projeto do novo Código de Processo
Civil brasileiro, na medida em que o artigo 118 confere uma série de
poderes ao juiz, sobretudo no que se refere à direção do processo,
mencionando expressamente a adequação e a flexibilização mitigada
enquanto instrumentos para se alcançar a efetividade.
Nesse passo, é evidente que a maior preocupação do juiz será
com a efetiva pacificaçãodaquele litígio, e não apenas, com a prolação
de uma sentença, como forma de resposta técnico-jurídica à provoca-
ção do jurisdicionado.
Não custa lembrar, como nos indica Eligio Resta7, que a con-
ciliação tem o poder de “desmanchar” a lide, resultado este que na
maioria dos casos não é alcançado com a intervenção forçada do Poder
Judiciário.
É importante deixar clara essa nova dimensão do Poder Judi-
ciário, aparentemente minimalista numa interpretação superficial,
mas que na verdade revela toda a grandeza desta nobre função do
Estado. Nessa perspectiva, efetividade não significa ocupar espaços e
agir sempre, mas intervir se e quando necessário, como ultima ratio e
com o intuito de reequilibrar as relações sociais, envolvendo os cida-
dãos no processo de tomada de decisão e resolução do conflito.
6 Já há alguns anos temos insistido na necessidade de ampliação dos horizontes da so-
lução de conflitos. A propósito: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mecanismos
de Solução Alternativa de Conflitos: algumas considerações introdutórias. Revista
Dialética de Direito Processual, São Paulo, Oliveira Rocha, v. 17, p. 9-14, 2004; PINHO,
Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: a redescoberta de um velho aliado na solu-
ção de conflitos. In: PRADO, Geraldo (Org.). Acesso à Justiça: efetividade do processo.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 105-124.
7 RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Trad. Sandra Vial. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004.
p. 119.
professor2
Realce
professor2
Realce
Humberto Dalla 14
É relevante também registrar a opinião de Luis Alberto Warat8,
para quem o objetivo da mediação não seria o acordo, mas a mudança
das pessoas e seus sentimentos. Somente desta forma seria possível
transformar e redimensionar o conflito.
Essa ideia parte da premissa de que os conflitos nunca desapa-
recem por completo; apenas se transformam e necessitam de geren-
ciamento e monitoramento a fim de que sejam mantidos sob controle9.
Muitas vezes, esse controle significa, na prática, garantir que o
canal de comunicação fique sempre aberto, e conscientizar as partes
sobre a importância da preservação do vínculo que as une10.
8 WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. v. 1, p. 31.
9 “No entanto, por que não cabe ao Poder Judiciário ‘eliminar’ e sim ‘decidir’ conflitos
sociais? O fato de que o Judiciário tem como “função fundamental” a decisão de con-
flitos não quer dizer que a sua função seja a eliminação de conflitos. Assim, o con-
flito social representa um antagonismo estrutural entre elementos de uma relação
social que, embora antagônicos, são estruturalmente vinculados – aliás, o “vínculo” é
condição sine qua non do conflito. Portanto, se os elementos não são estruturalmen-
te ligados, também não podem ser conflituosos ou divergentes. Nesse contexto, as
funções (competências) do Poder Judiciário fixam-se nos limites de sua capacidade
para absorver e decidir conflitos, ultrapassando os próprios limites estruturais das
relações sociais. Não compete ao Poder Judiciário eliminar vínculos existentes entre
os elementos – ou unidades – da relação social. A ele caberá, mediante suas deci-
sões, interpretar diversificadamente esse vínculos, podendo, inclusive, dar-lhes uma
nova dimensão jurídica (no sentido jurisprudencial). Não lhe ‘compete’ dissolvê-los
(no sentido de eliminá-los), porque estaria suprimindo a sua própria fonte ou im-
pedindo o seu meio ambiente de fornecer-lhes determinados inputs (demandas).”
(SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquanto po-
lítica pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul, Edunisc, 2010.
p. 24. Disponível em: <http://www.unisc.br/por tal/pt/editora/e-books/95/media-
cao-enquanto-politica-publica-a-teoria-a-pratica-e-o-projeto-de-lei-.html>. Acesso
em: 12. nov. 2012)
10 “Outras três palavras provenientes do prefixo med possuem sua importância apon-
tada por Eligio Resta. O autor explica que entre dois valores extremos, mas opostos
e conflitantes, a relação escalonada oferece resultados diversos: a média, a moda e a
mediana. Nesse contexto, a média pressupõe a separação e a divisibilidade, porém,
exclui a conjunção, como recorda a notória decisão do juízo salomônico. A média re-
solve o conflito, porém, o faz cortando, interrompendo cada comunicação e excluindo
passado e futuro: é o que faz o juízo quando decide com base numa escolha fria e con-
tábil”. (SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquan-
to política pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul, Edunisc,
2010. p. 40. Disponível em: <http://www.unisc.br/portal/pt/editora/e-books/95/
mediacao-enquanto-politica-publica-a-teoria-a-pratica-e-o-projeto-de-lei-.html>.
Acesso em: 12. nov. 2012)
professor2
Realce
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 15
Ademais, como referido, a mediação não deve ser utilizada na
generalidade dos casos. Tal conduta equivocada levaria a uma falsa
esperança, em mais uma forma de solução de conflitos que não tem o
condão de se desincumbir satisfatoriamente de certos tipos de litígios.
Daí a importância, frise-se, de ser instituído um mecanismo
prévio para a tentativa da solução negociada dos conflitos, ainda que
não necessariamente a mediação.
É preciso, pois, a adoção de uma política de racionalização na
prestação jurisdicional. Se desde o início fica claro que o cerne da con-
trovérsia não é jurídico, ou seja, não está relacionado à aplicação de
uma regra jurídica, de nada adianta iniciar a relação processual, para
então sobrestá-la em busca de uma solução consensual. Isto leva ao
desnecessário movimento da máquina judicial, custa dinheiro aos co-
fres públicos, sobrecarrega juízes, promotores e defensores e não traz
qualquer consequência benéfica.
É mister amadurecer, diante da realidade brasileira, formas
eficazes de fazer essa filtragem de modo a obter uma solução que se
mostre equilibrada entre os princípios do acesso à justiça e da duração
razoável do processo.
Já nos encaminhando para o fim deste breve texto, e ciente de
que as matérias aqui suscitadas abrem caminho para tantos outros
questionamentos, gostaríamos de ressaltar que a mediação é um ex-
traordinário instrumento que possibilita a compreensão do conflito a
partir da participação efetiva dos envolvidos, destacando, no entanto,
que o movimento europeu, em especial o italiano, deve servir de mode-
lo para as mudanças processuais que estão prestes a se operar no Brasil.
Parece-nos que ao longo da (recente) tradição democrática
brasileira, talvez até mesmo como uma expressão da mea culpa do
Estado, sabedor de seu fracasso ao atender às necessidades mais bási-
cas da população, forjou-se a ideia de que o Poder Judiciário deve ter
uma posição paternalista em relação ao jurisdicionado.
O cidadão procura o juiz, despeja seu problema e fica aguardan-
do impacientemente, reclamando e praguejando caso a solução demo-
re ou se não vem do jeito que ele deseja. Defendemos que as partes
devem ser envolvidas de forma mais direta na solução dos conflitos, e
a mediação contribuirá, em muito, para isso.
professor2
Realce
professor2
Realce
Humberto Dalla 16
A implementação dessas ideias permitirá um enorme avanço
no processo de desenvolvimento social do povo brasileiro e, ao mesmo
tempo, levará à intensificação de uma preocupação que hoje já ocupa
a mente dos juristas.
Refiro-me à necessidade de se pensar um sistema que, ao mes-
mo tempo em que permite e incentiva o uso da mediação, preserva e
viabiliza todas as garantias constitucionais deste procedimento, tor-
nando-se verdadeiramente equivalente ao processo judicial, enquan-
to forma legítima de solução de conflitos no Estado Democrático de
Direito.
Enfim, o desafio de agora em diante não é mais o de inserir a
mediação no ordenamento brasileiro ou no italiano, mas sim justificar
constitucionalmente esse meio alternativo, e principalmente preser-
var e resgatarsua natureza com as premissas especialmente lançadas
pelo direito fraterno na importante contribuição do jurista italiano
Eligio Resta ao direito contemporâneo, permitindo que o anseio de
trinta anos por um efetivo acesso à justiça não se reverta definitiva-
mente numa grave crise do Estado-jurisdição, enfrentada por países
de diferentes continentes, que periga não se reverter se a questão do
monopólio judicial para a solução dos conflitos não for enfrentada
com a seriedade e imparcialidade que o tema requer.
Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2012.
Humberto Dalla
Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro
Doutor. Prof. Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ
Professor Assistente da Universidade Estácio de Sá
SUMÁRIO
Capítulo I
OS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA INTERNACIONAL ......................... 0019
Sidney Guerra
Capítulo II
DESAFIOS DA JURISDIÇÃO NA SOCIEDADE GLOBAL:
Apontamentos sobre um novo cenário para o Direito e o papel dos
Direitos Humanos ....................................................................................................... 0045
Doglas Cesar Lucas
Gilmar Antonio Bedin
Capítulo III
POLITICHE DI SICUREZZA, TOLLERANZA ZERO E DIRITTI UMANI.
UNA LETTURA SOCIOLOGICA ............................................................................... 0065
Giuseppe Ricotta
Capítulo IV
O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA COMO CONCRETIZAÇÃO
DOS DIREITOS HUMANOS: garantias no âmbito nacional e
internacional ................................................................................................................. 0091
Gabriel de Lima Bedin
Fabiana Marion Spengler
Capítulo V
EL ACCESO A LA JUSTICIA COMO DERECHO
FUNDAMENTAL: la mediación en la Unión Europea como
instrumento de acceso a la justicia ..................................................................... 0111
Nuria Belloso Martín
Capítulo VI
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO CULTURA DA
ECOLOGIA POLÍTICA ................................................................................................. 0167
Mauro Gaglietti
Capítulo VII
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E O NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL .......................................................................................................... 0203
Luciane Moessa de Souza
professor2
Realce
OS DIREITOS HUMANOS NO
SISTEMA INTERNACIONAL
Sidney Guerra
Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Pós-
-Doutor pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor e Mestre em Direito. Professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Mestrado
da Universidade Católica de Petrópolis. Advogado no Rio de Janeiro.
Contato: sidneyguerra@terra.com.br.
1 Considerações gerais
Após a hecatombe da Segunda Guerra Mundial1, durante a
qual o mundo teve a oportunidade de assistir a uma série de barbáries
envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a necessidade da criação de
mecanismos que pudessem garantir proteção aos seres humanos2. A
1 Browlie lembra que “os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e a preocupação
em prevenir a repetição de catástrofes associadas às políticas internas das Potências
do Eixo levaram a uma preocupação crescente pela proteção jurídica e social dos
Direitos Humanos e das liberdades fundamentais. Um pioneiro notável neste campo
foi Hersch Lauterpacht, que salientou a necessidade de uma Declaração Internacional
dos Direitos do Homem. As disposições da Carta das Nações Unidas fornecem tam-
bém uma base dinâmica para o desenvolvimento do direito. [...] Inevitavelmente, esta
transportou para o foro internacional as ideologias e conceitos de liberdade dos vá-
rios Estados dominantes, tendo as diferenças ideológicas entre socialismo e capita-
lismo, influenciando os debates.” (BROWLIE, Ian. Princípios de direito internacional
público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 587)
2 Vide, a propósito, o magistério de TALAVERA, Fabián Novak; MOYANO, Luis Garcia.
Derecho internacional público. Perú: Fondo Editorial de la PUC, 2002. Tomo II, v. II, p.
262: “Sin embargo, los derechos humanos seguirían siendo una preocupación exclusiva
del Derecho Interno de los Estados hasta bien entrado el siglo XX, momento a partir del
cual empezarían a surgir las primeras convenciones internacionales destinadas a pro-
hibir determinadas prácticas odiosas contra el ser humanos. Luego de ello – con la crea-
ción de la Organización de las Naciones Unidas en los años cuarenta y de determinadas
Organizaciones regionales –, la preocupación internacional por los derechos humanos
se iría incrementando, hasta llegar a establecer un conjunto de reglas y principios de
Ca
pít
ulo
I
Sidney Guerra20
partir daí floresce uma terminologia no Direito Internacional, relacio-
nando-o aos Direitos Humanos3: o Direito Internacional dos Direitos
Humanos4.
O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um
fenômeno do pós-guerra e seu desenvolvimento pode ser atribuído às
monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de
que parte dessas violações poderia ser prevenida se um efetivo siste-
ma de proteção internacional dos direitos humanos já existisse, o que
motivou o surgimento da Organização das Nações Unidas, em 19455.
Assim, os direitos da pessoa humana ganharam extrema re-
levância, consagrando-se internacionalmente, e surgindo como res-
posta às atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, espe-
cialmente aos crimes praticados nos campos de concentração da
Alemanha nazista6.
protección del ser humano de alcance universal, que conforman lo que hoy se conoce
como el Derecho Internacional de los Derechos Humanos.”
3 “A proteção internacional dos direitos humanos constitui um dos traços mais mar-
cantes não só do Direito Internacional convencional moderno como também, num
plano mais vasto, da evolução do Direito Internacional contemporâneo. E se é certo
que muitas convenções se dirigem diretamente aos Estados, outras há que confe-
rem direitos diretamente aos indivíduos. A primeira via – a via da mera proteção
diplomática – vai sendo cada vez mais abandonada na medida em que se pretende de
fato tornar mais eficaz o Direito Internacional dos Direitos Humanos, acima de tudo
porque ela se revela inoperante na defesa do indivíduo contra o próprio Estado a que
ele pertence e que constitui o seu principal adversário potencial.” (PEREIRA, André
Gonçalves; QUADROS, Fausto. Manual de direito internacional público. 3. ed. Lisboa:
Almedina, 2002. p. 392)
4 Este estudo foi contemplado no livro intitulado Direito internacional dos direitos hu-
manos, de Sidney Guerra (São Paulo: Saraiva, 2011), cuja leitura é recomendada para
melhor compreensão do tema.
5 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 2006. p. 140.
6 “O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição
de sujeito de direitos, a pertinência à determinada raça – a raça pura ariana. O século
XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio con-
cebido como projeto político e industrial. No momento em que os seres humanos se
tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição,
em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a recons-
trução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do ra-
zoável. [...] Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-
Guerra deveria significar a sua reconstrução.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e
o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 131-132)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 21
Indubitavelmente, a Segunda Guerra havia deixado um rastro
incomensurável de destruição e afronta aos valores mais essenciais do
ser humano. Por conseguinte, no pós-guerra, o foco passa para os es-
tudos dos direitos humanos,nos quais a análise da dignidade humana
ganha relevo no âmbito internacional, consolidando a ideia de limi-
tação da soberania nacional7 e reconhecendo que os indivíduos pos-
suem direitos inerentes à sua existência que devem ser protegidos8.
Antes das mudanças perpetradas na sociedade internacional
por conta da Segunda Grande Guerra Mundial, a pessoa humana era
relegada a um plano inferior, e por isso mesmo apenas os Estados eram
considerados sujeitos de direito internacional. Todavia, no pós-guerra
relevantes mudanças ocorreram em razão de os Direitos Humanos te-
rem sido internacionalizados, a começar pela criação da ONU9.
A Organização das Nações Unidas tem atuação voltada para a
manutenção da paz e para a segurança internacional, bem como para
a valorização e a proteção da pessoa humana. Evidencia-se que para
alcançar esses propósitos fundamentais, a ONU deva adotar os seguin-
tes princípios: a) a Organização é baseada no princípio da igualdade
soberana de todos os seus membros; b) todos os membros deverão
7 Na mesma direção MACHADO, Jónatas E. M. Direito internacional: do para-
digma clássico ao pós 11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 363:
“Tradicionalmente entendia-se que a sua tutela (direitos humanos) era uma ques-
tão de natureza doméstica, integrando a reserva de soberania estatal. Atualmente,
a ordem internacional reclama valor transnacional fundamental a universalidade
dos direitos do ser humano, afirmando a existência de deveres correspectivos de
proteção por parte dos Estados e da comunidade internacional globalmente consi-
derada. A promoção e o respeito dos direitos humanos são reconhecidos por uma
opinio juris global como uma obrigação erga omnes, sendo algumas normas neste
domínio reconhecidas como jus cogens.”
8 GUERRA, Sidney. Temas emergentes de direitos humanos. Rio de Janeiro: FDC, 2006.
9 Em interessante abordagem, Jónatas Machado afirma que “os direitos humanos têm
relevo estruturante e conformador na arquitetura institucional das Nações Unidas. A
Carta das Nações Unidas refere-se a eles, na linha do juscontratualismo liberal, como
constituindo uma dimensão da cooperação entre os Estados e uma questão de inte-
resse geral da comunidade internacional. Do mesmo modo, afirma-se que os mesmos
se reconduzem ao objeto da competência da ONU. Igualmente digno de nota é o fato
de a sua proteção internacional ser considerada uma condição para a manutenção da
paz. No entanto, esta visão não resultou na sua imediata elevação à qualidade de nor-
mas fundamentais da ordem jurídica internacional.” (MACHADO, Jónatas E. M. Direito
internacional: do paradigma clássico ao pós 11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra,
2006. p. 366)
Sidney Guerra22
cumprir de boa-fé as obrigações assumidas de acordo com a Carta;
c) todos os membros deverão resolver suas controvérsias por meios
pacíficos, de modo a não ameaçar a paz, a segurança e a justiça inter-
nacionais; d) todos os membros deverão evitar o uso da força contra a
integridade territorial ou independência política do Estado; e) todos
os Membros devem dar assistência em qualquer ação patrocinada pela
ONU; f) para assegurar a paz e a segurança internacional a ONU fará
com que todos os Estados, mesmo os não membros, ajam de acordo
com os princípios contidos na Carta; g) nenhum dispositivo da Carta
autoriza a ONU a intervir em assuntos que dependam essencialmente
de jurisdição interna de qualquer Estado.
De fato, os direitos humanos ganham força sob a égide da
Organização das Nações Unidas10, onde foram produzidos vários tra-
tados internacionais para a proteção dos referidos direitos11. A come-
çar pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pela produção
normativa do Pacto de Direitos Civis e Políticos e do Pacto de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção sobre discriminação ra-
cial; a Convenção sobre os direitos da mulher; a Convenção sobre a
tortura; a Convenção sob os direitos da criança etc.12.
Essa “codificação” internacional em matéria de direitos huma-
nos ocorre principalmente pelo fato do próprio Estado ser o maior
violador desses direitos. Assim é que se inicia a denominada fase le-
gislativa dos direitos humanos, sob a batuta das Nações Unidas, com
a elaboração de um quadro normativo extenso que procura efetiva-
mente vincular a Organização Internacional aos seus propósitos, bem
como a certas disposições contidas em seu ato de criação.
10 “Construído aos poucos, desde a assinatura da Carta de São Francisco, em 1945, o sis-
tema de proteção aos direitos humanos das Nações Unidas difere substancialmente
dos sistemas regionais na composição, na forma de operação, no embasamento jurí-
dico, e no tipo de resultados perseguidos.” (ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos
humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 73)
11 Tive a oportunidade de apresentar estudos relativos ao tema, como, por exemplo,
em Curso de direito internacional público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012;
Direitos Humanos na ordem jurídica internacional e reflexos para a ordem constitucio-
nal brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; Direitos humanos: uma abordagem
interdisciplinar. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002 etc.
12 Nesse propósito, vide GUERRA, Sidney. Tratados e convenções internacionais. Rio e
Janeiro: Freitas Bastos, 2006.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 23
A proteção internacional dos direitos humanos defere, no
sistema onusiano, um status e um standard diferenciados para o in-
divíduo. Isto é, apresenta um sistema de proteção à pessoa humana,
seja nacional ou estrangeira, diplomata ou não, um núcleo de direitos
insuscetíveis de serem derrogados em qualquer tempo, condição ou
lugar. Inaugura-se, portanto, uma doutrina em que os instrumentos
de proteção dos direitos do indivíduo levam em consideração o reco-
nhecimento, de âmbito universal, da dignidade da pessoa humana. É
a partir desse reconhecimento que se estabelecem medidas de con-
tenção e de abusos que são praticados especialmente pelos próprios
Estados.
Frise-se, por oportuno, que a proteção internacional da pessoa
humana não faz distinção à nacionalidade ou país de origem de uma
pessoa, isto é, o sistema internacional não procura proteger apenas os
que possuem proteção diplomática ou determinada categoria de pes-
soas ou nacionais e sim todos indiscriminadamente.
Sendo assim, este artigo pretende pretende expor aspectos
gerais sobre a proteção dos direitos humanos no sistema onusiano,
abordando a fase legislativa e a fase de proteção, para que, por fim,
possam ser traçados alguns entraves e desafios sistema internacional.
2 a fase legislativa da proteção internaCional dos direitos
humanos no sistema onusiano
O sistema de proteção internacional dos direitos humanos no
âmbito da Organização das Nações Unidas caracteriza-se como um
sistema de cooperação intergovernamental que tem por objetivo a
proteção dos direitos inerentes à pessoa humana13. Esse sistema foi
13 Sobre o tema relativo à proteção dos direitos humanos, a Organização das Nações
Unidas proclama: “Uno de los grandes logros de las Naciones Unidas ha sido la creación
de un conjunto global de instrumentos de derechos humanos – un código universal de
derechos humanos protegidos internacionalmente – al cual se pueden suscribir todas
las naciones y al cual pueden aspirar todos los pueblos. La Organización no solo ha de-
finido una amplia gama de derechos reconocidos internacionalmente, como derechos
económicos, sociales, culturales, políticos y civiles, sino también ha establecido meca-
nismos para promoverlos y protegerlos y para ayudar a los gobiernos a que cumplan
sus obligaciones.” (ONU. ABC de las Naciones Unidas. New York: Publicación de las
Naciones Unidas, 2004. p. 295)
Sidney Guerra24
inaugurado no ano de 1945, com a criação da referida Organização
Internacional, quando fica evidente que o sistema acaba por conver-
gir para a proteção dos direitos humanos.Além de ter consagrado a
proteção internacional dos direitos humanos como princípios funda-
mentais de seu texto normativo, a Carta da ONU também deixou explí-
cito que a proteção dos direitos humanos é um meio importante para
assegurar a paz.
Mas foi no dia 10 de dezembro de 1948 que a Assembleia Geral
da Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal
dos Direitos do Homem com 48 votos a favor e nenhum contrário14.
A Declaração de Direitos de 1948 apresenta uma dinâmica uni-
versalista em matéria de direitos humanos ao estabelecer que todos
os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e que pos-
suem capacidade para gozar os direitos e as liberdades sem distinção
de qualquer espécie, raça, sexo, cor, língua, opinião política ou qual-
quer outra natureza, origem nacional, social, riqueza, nascimento ou
qualquer outra limitação de soberania15.
As disposições da Declaração dividem-se em três grandes gru-
pos: a) disposições relativas aos fundamentos filosóficos; b) princí-
pios gerais; c) direitos substantivos, sendo considerado um documen-
to extremamente importante por ter concebido de forma pioneira a
14 “Ese conjunto de instrumentos jurídicos se basa en la Carta de las Naciones Unidas y en
la Declaración Universal de Derechos Humanos, aprobadas por la Asamblea General
en 1945 y 1948, respectivamente. Desde entonces, las Naciones Unidas han ampliado
gradualmente la legislación de derechos humanos para abarcar normas concretas re-
lativas a mujer, los niños, las personas con discapacidad, las minorías, los trabajadores
migrantes y otros grupos vulnerables, que ahora poseen derechos que los protegen de
prácticas discriminatorias frecuentes desde hacía largo tiempo en muchas sociedades.”
(ONU. ABC de las Naciones Unidas. New York: Publicación de las Naciones Unidas,
2004. p. 295)
15 Dinh, Daillier e Pellet lembram que, “como todas as declarações de direitos contidas
nas constituições nacionais após a Segunda Grande Guerra Mundial, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem consagra os direitos civis e políticos tradicionais e
os direitos econômicos e sociais e constitui uma síntese entre a concepção liberal oci-
dental e a concepção socialista: apesar de não terem ficado inteiramente satisfeitos
com as cedências feitas – sobretudo pelo mutismo da declaração sobre os direitos dos
povos – os países do Leste abstiveram-se voluntariamente na votação final para não
a mancharem com votos hostis.” (DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET,
Alain. Direito internacional público. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2003. p. 675)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 25
previsão de vários direitos da pessoa humana no plano internacional,
embora tenha recebido severas críticas, especialmente em razão de
não ser um documento internacional que vincule o Estado em seu
cumprimento. Isso porque foi adotada por uma resolução das Nações
Unidas, por meio de sua Assembleia Geral.
Por outro lado, o documento demonstra claramente a inten-
ção da sociedade internacional em conceber normas universais que
fossem contrárias às práticas de aviltamento da dignidade humana.
Corroborando o entendimento, Salcedo16, valendo-se de manifestação
da Corte Internacional de Justiça datada de 1980, assevera que, mes-
mo tendo sido concebida por uma resolução no âmbito da Assembleia
Geral das Nações Unidas, não restam dúvidas de que a Declaração de
1948 se apresenta como uma higher law não podendo ser desprezada
tal condição.
A Corte Internacional de Justiça reconheceu o seu estatuto
superior na sentença proferida em 24 de maio de 1980 sobre o pes-
soal diplomático e consular dos Estados Unidos em Teerã: “o fato
de privar seres humanos abusivamente da liberdade e submetê-los,
em condições penosas, a coação física é manifestamente incompatí-
vel com os princípios da Carta das Nações Unidas e com os direitos
fundamentais enunciados na Declaração Universal dos Direitos do
Homem”17.
Sem embargo, a Declaração de Direitos de 1948 enuncia em
seu artigo II que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos
e liberdades estabelecidas na Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de
qualquer outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nasci-
mento, ou qualquer outra condição.” Ela também estabelece a previ-
são de direitos de diferentes categorias e que traduzem a grande preo-
cupação com a dignidade da pessoa humana.
Posteriormente surgem o Pacto de Direitos Civis e Políticos e
também o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos
no ano de 1966, que entram em vigência no ano de 1976, depois que
16 SALCEDO, Juan Antonio Carillo. Curso de derecho internacional público. Madrid:
Tecnos, 1991.
17 Idem, p. 131.
Sidney Guerra26
35 Estados ratificam os referidos Pactos18. Como se pode depreender
da própria nomenclatura dos Pactos19, o primeiro versa sobre os di-
reitos denominados de primeira geração (civis e políticos), isto é, são
direitos contemplados para os indivíduos, ao passo que o segundo
corresponde aos direitos de segunda geração, impondo uma série de
atribuições aos Estados.
Essa percepção deriva da própria natureza dos direitos de
primeira geração que pressupõe atuação correspondente a uma abs-
tenção (liberdade negativa), enquanto os direitos de segunda geração
pressupõem a uma prestação (liberdade positiva). Frise-se, por opor-
tuno, que, embora um Pacto contemple os direitos denominados de
primeira geração e o outro os direitos denominados de segunda gera-
ção, não há hierarquia entre os referidos direitos20.
Assim, sobre o Pacto de Direitos Civis e Políticos, observa-se
que há determinação para que os Estados-partes assumam o com-
promisso de respeitar e assegurar a todos os indivíduos os direitos
previstos no documento internacional, dentro do seu território e que
18 Jónatas Machado lembra que os Pactos de 1966 “têm como principal objetivo con-
ferir força jurídica vinculativa aos direitos humanos, coisa que não sucedia com a
Declaração Universal de Direitos Humanos.” (MACHADO, Jónatas E. M. Direito inter-
nacional: do paradigma clássico ao pós 11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra,
2006. p. 369)
19 “[...] Após um trabalho exaustivo da Comissão de Direitos Humanos e do Terceiro
Comitê da Assembleia Geral, este adotou, em 1966, dos Pactos e um Protocolo. [...]
Os Pactos têm a força jurídica de tratados para os Estados que neles são partes
e constituem uma codificação detalhada dos Diretos Humanos.” (BROWLIE, Ian.
Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997. p. 595)
20 Vale trazer à colação, desde logo, as palavras de Vipajur: “All rights and freedoms
are indivisible and interdependent. The UN system of human rights does not rank
them in any hierarchy or any order of priority. Though we may classify rights in differ-
ent categories, they are all complementary to each other. They are also inter-related.
No set of rights has priority over the other. In fact, the ending of the Cold War and the
ideological confrontations of East – West has meant that the thesis which has been
around from the beginnings of the United Nations, that the rights are inter-related at
the international level. Distinctions such as that between the immediate enforcement
of civil and political rights and the progressive implementation of economic, social
and cultural group is really “rights” while the other is not.” (VIPAJUR, Abdulrahim.
The Universal Declaration of Human Rights – A Cornerstore of modern human rights
regime. Perspectives on human rights. New Delhi: Manak Publications, 1999.
p. 16)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 27
estejam sujeitos à sua jurisdição, sem que haja qualquer tipo de dis-
criminação21.
Do mesmo modo, os Estados se comprometem em criar legis-
lações que possam dar efetividade aos direitos concebidos no Pacto,
a saber: direito à vida;direito ao julgamento justo; direito à naciona-
lidade; direito de não ser submetido à tortura ou tratamento cruel,
desumano ou degradante; direito a não ser escravizado; direito à pri-
vacidade; direito à liberdade; direito à segurança pessoal; liberdade
de circulação; liberdade de pensamento; liberdade de consciência; li-
berdade de religião; liberdade de expressão; liberdade de associação;
direito de votar e de ser votado etc.
Com efeito, o Pacto acima identificado, além de agasalhar o rol
de direitos já contemplados na Declaração de Direitos de 1948, acaba
por ampliá-lo com a inserção de novos direitos outrora não contem-
plados. Nesse sentido, vale destacar os direitos insculpidos no artigo
11 (proíbe a detenção por dívidas contratuais); artigo 24 (direito ao
nome e à nacionalidade para a criança); artigo 20 (vedação da propa-
ganda de guerra e incitamento à intolerância étnica ou racial); artigo
27 (proteção à identidade cultural, religiosa e linguística) etc.
Ainda em relação ao Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966,
evidencia-se que não autoriza nenhuma suspensão do direito à vida;
proíbe a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degra-
dantes; proíbe a escravatura e a servidão e reconhece várias outras
liberdades.
Depreende-se, pois, que a vida e a dignidade da pessoa huma-
na passam a ocupar lugar de destaque e privilegiado, fazendo com
que ocorra uma “grande codificação” em matéria de direitos huma-
nos. Não se pode olvidar do Protocolo Facultativo, que complementa
o mecanismo de garantia e monitoramento da implementação dos
21 “[...] o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos é mais rigoroso na de-
lineação dos direitos, mais forte na afirmação da obrigação e respeito pelos direitos
consagrados e encontra-se mais bem apetrechado com meios de revisão e de fiscali-
zação. [...] Esses direitos são definidos com a maior precisão possível e relacionam-
-se com as questões clássicas da liberdade e segurança do indivíduo, da igualdade
perante a lei, do julgamento justo e de outras questões semelhantes.” (BROWLIE, Ian.
Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1997. p. 596)
Sidney Guerra28
dispositivos do Pacto de Direitos Civis e Políticos, ao permitir a apre-
sentação de petições individuais ao Comitê pelas pessoas que são ví-
timas de violações dos dispositivos constantes do citado documento
internacional.
Vale lembrar que a petição ou comunicação individual só
será admitida se o Estado responsável pela violação dos direitos ti-
ver ratificado o Pacto e o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos, reconhecendo assim a competência do
Comitê para tal.
No que concerne ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, os Estados-partes devem adotar medidas, tanto por esforço
próprio como pela assistência e cooperação internacional, nos planos
econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que
visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados,
o pleno exercício dos direitos reconhecidos no documento internacio-
nal, a saber: remuneração justa; trabalho; educação; nível de vida que
seja adequado; participação na vida cultural etc.
Para alcançar os objetivos listados acima, o Pacto estabelece
que os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus re-
cursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da coopera-
ção econômica internacional22.
Fato curioso é que o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos prevê uma série de direitos para o indivíduo, ao passo que o
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consa-
gra um rol de deveres aos Estados; ou seja, a ideia apresentada de liber-
dades negativas (direitos de primeira geração) e de liberdades positivas
(direitos de segunda geração) são observadas a partir da leitura dos
referidos documentos internacionais, fazendo com que os primeiros se-
jam considerados autoaplicáveis, e os segundos, programáticos.
22 Browlie lembra que “estas obrigações são do tipo programático e necessitam de ser
promovidas pelo Estado, exceto no caso das disposições relativas aos sindicatos. Os
direitos reconhecidos devem ser exercidos ao abrigo de uma garantia de não discri-
minação, embora exista uma restrição no caso dos direitos econômicos reconhecidos
no sentido de os países em vias de desenvolvimento poderem determinar em que
medida garantem tais direitos aos não nacionais.” (BROWLIE, Ian. Princípios de direi-
to internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 596)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 29
Com efeito, o vasto número de documentos internacionais que
foram produzidos sob os auspícios da ONU em matéria de direitos
humanos fez com que a dignidade da pessoa humana passasse a se
inserir entre os principais interesses da sociedade internacional. Há,
portanto, a visão de que esta última forme um todo e os seus interes-
ses predominem sobre os dos Estados individualmente. Outra conse-
quência relevante da internacionalização desses direitos está relacio-
nada à soberania dos Estados, cuja noção vai sendo alterada de forma
sistemática23, ou seja, os direitos humanos deixam de pertencer à ju-
risdição doméstica ou ao domínio reservado dos Estados24.
Desta forma, os direitos humanos que pertenciam ao domínio
constitucional estão em uma migração contínua e progressiva (inter-
nacionalização), que os estão elegendo e acomodando suas tensões
em padrões primários supranacionais.
Nota-se claramente que na busca incessante do reconheci-
mento, desenvolvimento e realização dos maiores objetivos por par-
te da pessoa humana e contra as violações que são perpetradas pe-
los Estados e pelos particulares, o Direito Internacional dos Direitos
Humanos têm-se mostrado instrumento vital para a uniformização,
fortalecimento e implementação da dignidade da pessoa humana.
23 Em igual sentido, Flávia Piovesan: “Os Direitos Humanos se converteram em tema de
legítimo interesse internacional, transcendente ao âmbito estritamente doméstico, o
que implicou no reexame dos valores da soberania a autonomia absoluta do Estado. A
universalização dos direitos humanos fez com que os Estados consentissem em sub-
meter ao controle da comunidade internacional o que até então era de domínio reser-
vado.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional.
7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 175)
24 Quanto à ameaça da soberania dos Estados, afirmam Dinh, Daillier e Pellet: “A pro-
teção internacional do indivíduo acarreta uma grave ameaça à soberania do Estado.
Em razão da sua competência pessoal e da sua competência territorial, é a ele que
compete o poder exclusivo de agir no que respeita aos indivíduos nacionais ou es-
trangeiros que vivam sobre o seu território. Ora, é evidente que nenhum Estado re-
conhece senão a sua própria legislação – ordinária e constitucional – que ignora os
direitos individuais e não basta para constituir, só por si, uma proteção eficaz destes
direitos. Por outro lado, os Estados reconhecem dificilmente a ideia de uma prote-
ção internacional que jogaria em definitivo contra eles próprios. Nestas condições,
é previsível que eles, na qualidade de legisladores internacionais, não aceitem sem
reticências o estabelecimento de uma intervenção exterior neste domínio ainda
que fosse a da comunidade internacional.” (DINH, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick,
PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2003. p. 673)
Sidney Guerra30
Destarte, tal dignidade vem constituindo um verdadeiro va-
lor na sociedade internacional, e deve, impreterivelmente, servir de
orientação a qualquer interpretação do Direito Internacional Público,
isto é, do direito que a regulamenta.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos afirma-se em
nossos dias com inegável vigor; trata-se essencialmente de um direito
de proteção, marcadopor uma lógica própria, e voltado à salvaguarda
dos direitos dos seres humanos, e não dos Estados25.
Desses topoi, solidifica-se o reconhecimento de que os Direitos
Humanos permeiam todas as áreas da atividade humana e correspon-
dem a um novo ethos de nossos tempos.
A dignidade da pessoa humana passa a ser considerada como
núcleo fundamentador do Direito Internacional dos Direitos Humanos
(e também do direito interno), entendido como o conjunto de normas
que estabelecem os direitos que os seres humanos possuem para o de-
sempenho de sua personalidade, e determinam mecanismos de prote-
ção a tais direitos.
Impende assinalar que inúmeros mecanismos de proteção na
ordem jurídica internacional foram criados a partir de então, tais como:
sistema de relatórios, sistema de queixas e reclamações interestatais,
o Conselho (antiga Comissão) de Direitos Humanos etc. A partir dessa
grande mudança que ocorre no plano internacional é que o Estado pode
ser responsabilizado por violação aos direitos humanos.
A doutrina26 tem despendido estudos sobre a temática voltada
à responsabilidade internacional do Estado em relação às violações
25 Na mesma direção é o posicionamento de Garcia-Meckled: “a form of public interna-
tional law creating rights for individuals and duties for states, as well as domestic and
international remedies for violation of rights and failure of duties. [...] Human rights
provisions are those which give entitlements to individual persons, individually or in
some cases collectively, to make legal claims before public authorities and where the
legal support for these claims is said to respect these individuals, entitlements as hu-
man persons.” (GARCIA-MECKLED, Saladin. The human rights ideal and international
human rights law. The legalization of Human Rights. London: MPG, 2006. p. 14)
26 “Como decorrência do complexo sistema de obrigações internacionais assumidas
pelos Estados (quer no âmbito regional, quer em dimensão global), não há como
negar a importância do desenvolvimento de um mecanismo de responsabilidades
internacional dos estados, que garanta coerção compatível com o dano gerado pelo
descumprimento das obrigações assumidas. [...] Assim, ao se ampliar o mecanismo
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 31
dos direitos humanos27. Por isso, como já tive a oportunidade de assen-
tar em outro estudo28, os Direitos Humanos passam a constituir objeto
de ramo autônomo do Direito Internacional Público, com instrumen-
tos, órgãos e procedimentos de aplicação próprios, caracterizando-
-se essencialmente como direito de proteção. O Direito Internacional
dos Direitos Humanos tem por objeto o estudo do conjunto de regras
jurídicas internacionais (convencionais ou consuetudinárias) que re-
conhecem aos indivíduos, sem discriminação, direitos e liberdades
fundamentais que assegurem a dignidade da pessoa humana e que
consagrem as respectivas garantias desses direitos. Visa, portanto, a
proteção das pessoas através da atribuição direta e imediata de direi-
tos aos indivíduos pelo Direito Internacional29; direitos esses que se
pretendem também ver assegurados perante o próprio Estado.
3 a fase de proteção
A Organização das Nações Unidas, ao ser criada no ano de 1945,
inaugura um novo momento no campo das relações internacionais ao
integrar o indivíduo como sujeito de direito internacional. Os direitos
da pessoa humana passam a ser universalizados propiciando a criação
de um verdadeiro “código internacional dos direitos humanos”.
Como visto, a Organização das Nações Unidas se estabeleceu
com a finalidade de preservar as futuras gerações do “flagelo da guer-
de jurisdição internacional, criam-se condições efetivas para ver incidir a responsa-
bilidade internacional, consistente na obrigação internacional de reparar a violação
prévia de norma internacional.” (CAZETTA, Ubiratan. Direitos humanos e federalismo:
o incidente de deslocamento de competência. São Paulo: Atlas, 2009. p. 18)
27 Assim, André de Carvalho Ramos sustentou: “A responsabilização internacional por vio-
lação de direitos humanos estabelecida no âmbito da Organização das Nações Unidas
é complexa e dividida em duas áreas: a área convencional, originada por acordos inter-
nacionais, elaborados sob a égide da ONU, dos quais são signatários os Estados, e a área
extraconvencional, originada de resoluções da Organização das Nações Unidas e seus
órgãos, editadas a partir da interpretação da Carta da ONU e seus dispositivos relativos
à proteção dos direitos humanos.” (RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional
de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 119)
28 GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 78-79.
29 MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra:
Almedina, 2006. p. 82.
Sidney Guerra32
ra” e tem sua atuação voltada para a manutenção da paz e para a se-
gurança internacional, bem como para a valorização e a proteção da
pessoa humana. Assim, os direitos humanos ganharam uma Comissão
que funcionava no âmbito do Conselho Econômico e Social: a Comissão
de Direitos Humanos da ONU.
A Comissão de Direitos Humanos pautou sua atuação no sen-
tido de propor recomendações, elaboração de relatórios sobre a pro-
teção dos direitos humanos, rechaçando, inclusive, toda forma de dis-
criminação.
Há quem afirme30 que a maior conquista da Comissão está no
simples fato de ter passado a existir, sendo o primeiro organismo mun-
dial com Estados com qualidade de membros focado exclusivamente
em direitos humanos, transformando-se em organização de referên-
cia para Estados e indivíduos, tanto para dar conselhos como para re-
ceber reclamações. Seu poder investigativo trouxe à tona alguns dos
mais terríveis abusos de direitos humanos no mundo e proporcionou
o ímpeto necessário para que houvesse mudança. Encorajou governos
a agir de forma a melhorar seu histórico de direitos humanos, em evi-
dente esforço para evitar críticas por parte da Comissão.
Entretanto, a atuação da Comissão sempre foi alvo de críticas31
no que concerne à seletividade e ao discurso excessivamente político
adotado pelos seus membros no tratamento das questões pertinentes
a direitos humanos, culminando em sua extinção e criação do Conselho
de Direitos Humanos.
30 SHORT, Katherine. Da Comissão ao Conselho: a Organização das Nações Unidas conse-
guiu ou não criar um organismo de direitos humanos confiável. Revista Internacional
de Direitos Humanos, São Paulo, Rede Sur, v. 9, 2008, p. 169.
31 Na mesma direção seguem Hitters e Fappiano: “La Comisión de Derechos Humanos
necesitaba, para algunos Estados, una revisión. Su amplia discrecionalidad política le
permitía conocer de todo tipo de situaciones, pero carecía de medios de coerción para
establecer un estándar mínimo de protección. Por otro lado, no se puede ignorar que,
al ser la Comisión un órgano intergubernamental compuesto por representantes de los
gobiernos de los Estados miembros, su acción se teñía en buena parte de motivaciones
políticas y no sólo humanitarias. Su politización se manifestaba en la elección de sus
miembros, al decidir que Estados serán investigados, o al adoptar sus decisiones ple-
narias. Esta situación mermó su credibilidad y sustentó la crítica de su sobre discurso.”
(HITTERS, Juan Carlos; FAPPIANO, Oscar L. Derecho internacional de los derechos hu-
manos. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2007. p. 203)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 33
Nesse sentido, em 15 de maio de 2006, é adotada a Resolução
60/251, que institui o Conselho de Direitos Humanos. O referido
Conselho foi criado com a aprovação de 170 países, havendo 4 votos
contra (Estados Unidos, Israel, Ilhas Marshall e Palau) e 3 abstenções
(Venezuela, Iran e Belarus).
Em princípio, o Conselho de Direitos Humanos possui a ca-
racterística de órgão subsidiário da ONU. A Resolução 60/251 ainda
elenca a universalidade, imparcialidade, objetividadee não seletivi-
dade como princípios que norteiam os trabalhos do Conselho. Atribui
também especial importância ao diálogo e cooperação internacionais
como forma de viabilizar a proteção e fomento dos direitos humanos,
civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao
desenvolvimento.
O Conselho de Direitos Humanos surge com proposta ambicio-
sa e inovadora, a começar pelo processo de eleição de seus membros e
sua composição. Ao contrário da Comissão, a eleição é realizada dire-
tamente pela Assembleia Geral por meio de votação secreta e maioria
absoluta e não pelo ECOSOC, o que permite que todos os membros
onusianos possam participar do processo de escolha dos integrantes
do Conselho, em clara consonância com o princípio da universalidade.
De outra banda, no processo eleitoral, deve ser levada em con-
sideração a contribuição do candidato para a promoção e proteção
dos direitos humanos. Além disso, é igualmente imprescindível que
o Estado demonstre voluntária e publicamente seu compromisso por
meio de documento que fundamente sua candidatura, deixando clara
sua intenção. Ainda no mesmo dispositivo, a Resolução prevê a hipó-
tese de suspensão de membro do Conselho que cometa violações sis-
temáticas e significativas aos direitos humanos.
No que concerne à composição, a Resolução estabelece que
o Conselho é formado por 47 países, ao contrário da Comissão que
previa 53 integrantes. A distribuição geográfica ocorre da seguinte
forma: 13 países da África (eram 15 na Comissão); 13 países da Ásia
(antigamente eram 12); 6 países do Leste Europeu (enquanto eram
5 na Comissão); 8 países da América Latina e Caribe (eram 11 na
Comissão), e, finalmente, 7 países da Europa Ocidental e outros (antes
eram 10).
Sidney Guerra34
A diminuição do número de integrantes em relação à Comissão
propiciou uma maior competitividade entre os países. Evidência disso
foi a quantidade de candidatos designados em número superior ao de
assentos disponíveis por todas as regiões, exceto a África. Fato igualmen-
te curioso foi a candidatura de países com um histórico considerável de
violações aos Direitos Humanos, como Sudão e Zimbábue. O mandato é
de três anos, admitindo-se uma possível reeleição sucessiva, enquanto
que na antiga Comissão não havia limites para reeleições consecutivas e
não se vislumbrava a possibilidade de suspensão de mandato.
Como se pode notar, os países africanos e asiáticos perfazem,
juntos, aproximadamente 55% do total de integrantes do Conselho.
Na Comissão, tal percentual girava em torno de 50%. Essa confortável
maioria, além de evidenciar, por si só, a grande influência que esses
países terão na aprovação de resoluções, também lhes permite parti-
cipação mais ativa na elaboração da agenda e lhes confere maior peso
no estabelecimento das prioridades traçadas pelo Conselho.
Outro aspecto inovador e extremamente positivo diz respeito
à frequência com que o Conselho se reúne ao longo do ano. Na antiga
Comissão, era realizada uma única sessão ao ano, que tinha duração
de seis semanas. No Conselho, a Resolução prevê três sessões anuais,
com período não inferior a dez semanas. Além dessas três sessões,
qualquer membro pode solicitar que seja realizada uma sessão es-
pecial, mediante aprovação de um terço dos membros do Conselho.
O aumento dessas sessões é extremamente profícuo para que sejam
discutidas e adotadas medidas preventivas visando a evitar o recru-
descimento de eventuais tensões que possam eclodir no cenário in-
ternacional.
A Resolução 5/1, que dispõe sobre a construção institucio-
nal do Conselho de Direitos Humanos, fixa uma agenda muito mais
concisa, mas não menos abrangente que a Comissão. Integram a
agenda do Conselho: questões referentes à organização e procedi-
mento; relatório anual do Alto-Comissariado das Nações Unidas
para Direitos Humanos e do Secretário Geral; promoção e proteção
dos direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e cultu-
rais, incluindo o direito ao desenvolvimento; situações de Direitos
Humanos que requerem atenção do Conselho; órgãos e mecanis-
mos de Direitos Humanos; Revisão Periódica Universal; situação dos
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 35
Direitos Humanos na Palestina e outros territórios árabes ocupados;
continuação e implementação da Declaração de Viena e do Programa
de Ação; racismo, discriminação racial, xenofobia e formas relacio-
nadas de intolerância, continuação e implementação da Declaração
de Durban e do Programa de Ação; assistência técnica e reforço da
capacidade institucional.
O Conselho, por meio da Resolução 60/251, também chamou
para si a responsabilidade de prosseguir com todos os mandatos, me-
canismos, funções e responsabilidades da Comissão, visando manter
um sistema de procedimentos especiais, de denúncia e de grupo de
trabalhos. Contudo, um ano após a primeira sessão, o Conselho se com-
prometeu a racionalizar e reforçar os procedimentos e mecanismos es-
peciais. Nesse sentido, a Resolução 5/1 leva a cabo tal disposição.
As revisões nos procedimentos especiais se iniciaram na sexta
sessão e continuaram na sétima e oitava sessões do Conselho. Até ago-
ra, todos os mandatos temáticos foram estendidos. Além disso, novos
mandatos temáticos foram criados, um sobre as formas tipicamente
contemporâneas de escravidão e outro sobre o acesso seguro à água
potável e saneamento básico.
No tocante aos procedimentos de denúncia (complaint proce-
dures), a Resolução 5/1 permite que indivíduos e organizações possam
trazer reclamações sobre violações para a apreciação do Conselho.
Cria, também, dois Grupos de Trabalho distintos: o primeiro é o Grupo
de Trabalho em Comunicações (Work Group on Communications), res-
ponsável por examinar as denúncias com base nos critérios de ad-
missibilidade previamente estabelecidos. Após análise, a denúncia é
submetida ao Estado interessado para que este possa se manifestar
a respeito das alegações sobre violações de direitos humanos levadas
ao seu conhecimento. Não serão aceitas denúncias anônimas e com
pouca fundamentação. O segundo é o Grupo de Trabalho em Situações
(Work Group on Situations) que com base nas informações e recomen-
dações fornecidas pelo Grupo de Trabalho em Comunicações, elabora
relatório a ser submetido ao Conselho.
Outra criação da Resolução 60/251 é o Comitê Consultivo
(Advisory Committee), que substitui a antiga Subcomissão de Promoção
e Proteção dos Direitos Humanos. Sua atribuição consiste em fornecer
opiniões consultivas de experts ao Conselho, baseadas em estudo e
Sidney Guerra36
pesquisa prévios. Contudo, suas atividades estão subordinadas à re-
quisição do Conselho.
Impende assinalar que as atividades desse grupo limitam-se
à formulação de sugestões, não dispondo do poder de elaborar reso-
luções ou decisões. Quanto ao método de trabalho adotado, o Comitê
Consultivo permite que os Estados, instituições nacionais de Direitos
Humanos, Organizações Não Governamentais e outras entidades
da sociedade civil possam interagir. Esta abertura propiciada pela
Resolução 5/1 à sociedade civil permite que esta auxilie o Comitê na
elaboração de opiniões consultivas mais fidedignas, na medida em
que constituem canal importante que aproximará o Comitê da realida-
de dos países nos quais as ONGs atuam.
O estabelecimento de um Fórum sobre questões envolvendo
as minorias (Forum on minority issues) também constitui inovação do
Conselho. O Fórum é uma plataforma para a promoção do diálogo e
cooperação em temas que envolvam as minorias nacionais, étnicas,
religiosas e linguísticas.
Uma das maiores inovações do Conselho de Direitos Humanos
é a adoção do Sistema de Revisão Periódica Universal (RPU) pela
Resolução 60/251. A incorporação desse mecanismo objetiva sepul-
tar a seletividade e os padrões duplos que maculavam o processo de
revisão existente nos trabalhos da Comissão.
Desta forma, todos os países eleitos deverão se submeter à
RPU, como pré-requisitoindispensável à sua integração ao Conselho.
Por meio desse mecanismo, é possível analisar o histórico de Direitos
Humanos de todos os países, fato que não se verificava no órgão ante-
cessor. No entanto, apesar dos objetivos “nobres” que motivaram sua
criação, o mecanismo de Revisão Periódica Universal ainda padece de
limitações, correndo o risco de cair na superficialidade. Isto porque
se trata de um processo intergovernamental, no qual não se verifica a
participação de especialistas independentes.
Indubitavelmente, a substituição da Comissão pelo Conselho re-
presenta a renovação de um compromisso que, ao longo dos anos, foi se
desgastando em virtude de interesses políticos. Todavia, para que ocor-
ra proteção mais efetiva dos direitos humanos, é imprescindível que os
países-membros adotem nova postura no tratamento dessa questão.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 37
4 entraves e desafios: Considerações finais
Muitas são as dificuldades para que ocorra a efetiva proteção
aos direitos humanos no plano internacional. A doutrina32 tem apre-
sentado um rol dos principais entraves do sistema consagrado no
âmbito onusiano, sendo apresentadas as maiores críticas para: a) a
definição do conceito de direitos humanos; b) um catálogo de direitos
humanos; c) a identificação do conceito de cada direito; d) a menção
dos mecanismos de implementação; e) os mecanismos de garantia
destinados a assegurar a observância dos direitos humanos33.
Em verdade, os problemas suscitados acima estão interligados.
Como já tivemos a oportunidade de afirmar34, geralmente a expressão
“direitos humanos” é empregada para denominar os direitos positiva-
dos nos documentos internacionais, como também as exigências bá-
sicas relacionadas com a dignidade, liberdade e igualdade de pessoa
que não alcançaram estatuto jurídico positivo35.
32 MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra:
Almedina, 2006. p. 124.
33 Segundo Browlie, há duas fontes de fragilidade no sistema das Nações Unidas de
proteção dos direitos humanos: “em primeiro lugar, a obrigação jurídica é geral na
origem, tendo-se avançado no sentido de completar a Carta através da adoção de
pactos que atribuem um conteúdo mais específico aos direitos protegidos e que apre-
sentam processos coercivos mais sofisticados. Assim, embora seja duvidoso que os
Estados possam ser chamados a responder por cada alegada violação das disposições
bastante vagas da Carta, não pode haver grandes dúvidas sobre a existência de res-
ponsabilidade nos termos da Carta a respeito de qualquer violação substancial des-
tas disposições, especialmente quando está envolvido um grupo de pessoas ou um
padrão de atividade. A segunda, é a ausência de uma definição precisa. Se a intenção
dos redatores da Carta for respeitada, é evidente que o conceito de Direitos Humanos
encerra no seu âmago uma certeza razoável. Além disso, em 1948, a Assembleia Geral
adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que é abrangente e que afetou,
até certo ponto, o conteúdo do direito nacional, chegando a ser invocada pelos tri-
bunais.” (BROWLIE, Ian. Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997. p. 593-594)
34 GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011.
p. 205.
35 Para Sudre, os direitos humanos são entendidos como “les droits et facultés assurant
la liberté et la dignité de la personne humaine et bénéficiant de garanties institutionel-
les, n’ont été introduits que récemment dans le corpus international. Ce n’est qu’apres
la Seconde Guerre mondiale et ses atrocités qu’émerge le Droit international des droits
de l’homme avec la multiplication d’instruments internationaux énoncant les droits ga-
rantis.” (SUDRE, Frederic. Droit européen et international des droits de l’homme. 8. ed.
Paris: PUF, 2006. p. 13)
Sidney Guerra38
Segundo Antonio-Enrique Pérez Luño, os direitos humanos
formam um conjunto de faculdades e instituições que, em cada mo-
mento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade,
da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamen-
te pelos ordenamentos jurídicos dos níveis nacional e internacional.
Portanto, possuem não só caráter descritivo (direitos e liberdades re-
conhecidos nas declarações e convenções internacionais), como tam-
bém prescritivo (alcançam as exigências mais vinculadas ao sistema de
necessidades humanas, e que, devendo ser objeto de positivação, ainda
assim não foram consubstanciados)36.
Guerra Martins também procurou dar sua contribuição ao afir-
mar que as diferentes noções de direitos humanos surgiram inicial-
mente como ideais que refletiam crescente conscientização contra a
opressão ou a inadequada atuação por parte da autoridade estadual.
Prima facie, assistiu-se a positivação em instrumentos jurídicos inter-
nos e, posteriormente, essa positivação também ocorreu em nível in-
ternacional. Cada tipo de direito humano constitui um determinado
standard normativo e implica uma relação de Direito Público entre se-
res humanos e autoridades públicas com vista a prosseguir os valores
humanos fundamentais e a proteger as necessidades contra a interfe-
rência dessas autoridades37.
Os direitos humanos também se diferenciam, por sua vez, da
ideia de direitos naturais, e não devem ser referidos como expressões
correlatas. A pendência que geralmente acarreta a confusão concei-
tual gira em torno dos fundamentos dos direitos humanos. A busca
de um fundamento absoluto de validade empreendida pelos adeptos
do jusnaturalismo é uma tarefa laboriosa, nem sempre possível de ser
direcionada a um final, e, ainda que admitida a sua viabilidade, ques-
tiona-se a validade deste empreendimento38.
Essa busca de fundamento absoluto e irresistível, na visão de
Norberto Bobbio, não tem sentido, porque as tentativas de conceituar
36 LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos,
1998. p. 46-47.
37 MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra:
Almedina, 2006. p. 83.
38 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12. tir. Trad. Carlos Nélson Coutinho. Rio de
Janeiro: Campus, 1992. p. 15 ss.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 39
“direitos do homem” revelaram-se tautológicas, na medida em que fa-
zem alusão apenas ao estatuto almejado, mas sem mencionar seu con-
teúdo, ou, mesmo quando tratam do conteúdo, o fazem com termos
avaliativos, cuja interpretação é diversificada e está sujeita à ideologia
do intérprete39.
Mais um ponto obscuro na busca de um fundamento absolu-
to é o apelo a valores últimos, nem sempre justificáveis e até mesmo
antinômicos, exigindo uma concessão mútua para serem realizados40.
Um terceiro fator prejudicial à noção de fundamento absoluto
é que os direitos dos homens compõem uma classe sujeita a modifica-
ções, isto é, são direitos historicamente relativos e formam uma classe
heterogênea, incluindo pretensões diversas e até mesmo incompatí-
veis, tornando insustentável a ideia de terem por base o mesmo fun-
damento absoluto41.
Ainda segundo Bobbio, os direitos do homem não atingiram
níveis mais elevados de eficácia enquanto a argumentação girou em
torno de um fundamento absoluto irresistível. Para ele, a questão do
fundamento absoluto dos direitos do homem perdeu parte de sua re-
levância porque, apesar da crise do fundamento, ainda assim foi pos-
sível construir a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como
documento que conta com legitimidade praticamente mundial, apesar
de não haver consenso quanto ao que poderia ser considerado funda-
mento absoluto de tais direitos.
Desta forma, a questão central em relação aos direitos do ho-
mem, em sua opinião42, passou a ser a busca pela eficácia, pois apenas
mostrar que são desejáveis não equacionou o problema da sua realiza-
ção. Mais do que encontrar o fundamento absoluto dos direitos huma-
nos, o papel principal passoua ser a procura dos vários fundamentos
possíveis em cada caso concreto, unidos ao estudo dos problemas ine-
rentes à sua eficácia.
39 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12. tir. Trad. Carlos Nélson Coutinho. Rio de
Janeiro: Campus, 1992. p. 15 ss.
40 Idem.
41 Idem, p. 16.
42 Idem, p. 23-24.
Sidney Guerra40
Muito embora alguns direitos humanos sejam inerentes à con-
dição humana e com apelo à universalidade, não é possível desvin-
culá-los da sua dimensão temporal e espacial, sendo imprópria a afir-
mação de que direitos humanos equivalem aos direitos naturais ou
direitos do homem.
Sem embargo, se por um lado há dificuldades no sistema vi-
gente das Nações Unidas, digno de registro é que a própria Carta con-
templou aspectos que versam sobre direitos humanos, em algumas
passagens, o que permite a atuação dos vários órgãos que fazem parte
da Organização sem que eles tenham uma “competência originária”
para tratar da matéria.
Como visto, não se pode olvidar do preâmbulo da Carta da
Organização das Nações Unidas que estabelece:
Nós os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as ge-
rações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes, no
espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humani-
dade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem,
na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito
dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e
pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o
respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fon-
tes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover
o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma
liberdade ampla. [...]
Logo após, no artigo 1, item 3, apresenta os direitos humanos
como um dos propósitos das Nações Unidas:
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os
problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural
ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos di-
reitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem
distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Essas manifestações permitem afirmar que a Carta da ONU foi
redigida com a intenção voltada para a proteção do indivíduo, com to-
dos os desdobramentos desse sentimento.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 41
O artigo 13, por exemplo, atribui à Assembleia Geral a possibi-
lidade de iniciar estudos e fazer recomendações, destinados a promo-
ver cooperação internacional no terreno político e incentivar o desen-
volvimento progressivo do direito internacional e a sua codificação; e
promover cooperação internacional nos terrenos econômico, social,
cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos direitos
humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos,
sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Frise-se, por oportuno, que em 28 de fevereiro de 1994 a
Assembleia Geral criou o Alto Comissariado para os Direitos Humanos,
cujas atribuições principais são: promover e proteger o gozo de todos
os direitos civis, políticos, econômicos e culturais; desempenhar as
tarefas designadas pelos órgãos competentes do sistema das Nações
Unidas, formulando recomendações para promoção dos direitos hu-
manos; proporcionar serviços de assessoramento e assistência técni-
ca e financeira; coordenar programas de informação e educação em
direitos humanos; aumentar a eficiência do mecanismo internacional
de proteção dos direitos humanos.
O mandato de tal Alto Comissariado, que inclui recomendações
para melhorar a situação dos direitos humanos no mundo, é cumprido
pelo Centro para Direitos Humanos e outras instituições. Deve ocorrer
diálogo constante com os Estados no sentido de garantir o respeito a
esses direitos e a promoção de cooperação internacional.
No capítulo que trata da cooperação internacional econômica
e social deve ser destacado o artigo 55, que afirma que para criar con-
dições de estabilidade e bem-estar necessárias às relações pacíficas e
amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igual-
dade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas
favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições
de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos
problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos;
a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o
respeito universal e efetivo a raça, sexo, língua ou religião. Sendo cer-
to que para a realização dos propósitos acima enumerados, todos os
Membros da Organização se comprometam a agir em cooperação com
esta, em conjunto ou separadamente (art. 56).
Sidney Guerra42
Quanto ao Conselho Econômico e Social, este fará ou iniciará
estudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter
econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos e poderá
fazer recomendações a respeito de tais assuntos à Assembleia Geral,
aos Membros das Nações Unidas e às entidades especializadas inte-
ressadas. Poderá, igualmente, fazer recomendações destinadas a pro-
mover o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberda-
des fundamentais para todos e também poderá preparar projetos de
convenções a serem submetidos à Assembleia Geral, sobre assuntos
de sua competência. Cabe também ao Conselho Econômico e Social a
criação de comissões para os assuntos econômicos e sociais e a pro-
teção dos direitos humanos assim como outras comissões que forem
necessárias para o desempenho de suas funções.
De toda sorte, é sabido que o compromisso assumido pelos
Estados que integram o plano das Nações Unidas em promover e pro-
teger os Direitos Humanos não deverá se limitar a formalismos, de-
vendo vir acompanhado de atitudes que demonstrem sua intenção em
cooperar com os trabalhos desenvolvidos na esfera internacional43.
Nesse contexto, fica evidente que a proteção dos Direitos Humanos no
sistema internacional não deverá se esgotar na atuação do Conselho
de Direitos Humanos44.
43 Veja-se a interessante manifestação de Paulo Sérgio Pinheiro: “Está na hora de tor-
narmos os princípios da Declaração Universal e de outros importantes instrumentos
de direitos humanos, aplicáveis a todas as pessoas, independentemente de onde esti-
verem e para além de qualquer excepcionalismo cultural. [...] O sistema global ou os
sistemas regionais de proteção internacional dos direitos humanos nos hemisférios
sul e norte nunca serão eficazes por completo para os excluídos, se os países não
solucionarem a deficiência da legislação interna, a ineficácia do poder judiciário, a
inoperância do aparato repressivo do Estado e a implementação precária dos direi-
tos no âmbito nacional.” (PINHEIRO, Paulo Sérgio. Os sessenta anos da Declaração
Universal: atravessando um mar de contradições. Revista Internacional de Direitos
Humanos – SUR, São Paulo, ano 5, n. 9, dez. 2008, p. 84)
44 É importante assinalar que o sistema de proteção internacional dos direitos huma-
nos não se esgota do plano das Nações Unidas, posto que existem sistemas regionais
de proteção, a exemplo do Europeu, Americano e Africano. Este assunto foi tratado
em outra oportunidade e, para ter acesso às informações, recomenda-se a leitura de
GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Saraiva,
2011.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 43
5 referênCias
ABC de las Naciones Unidas. New York: Publicación de las Naciones Unidas, 2004.
ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. São Paulo:
Perspectiva, 2003.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
BROWLIE, Ian. Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997.
CAZETTA, Ubiratan. Direitos humanos e federalismo: o incidente de deslocamento de
competência. São Paulo: Atlas, 2009.
DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito internacional público.2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
GARCIA-MECKLED, Saladin. The human rights ideal and international human rights
law. The legalization of Human Rights. London: MPG, 2006.
GUERRA, Sidney. Curso de direito internacional público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2012.
GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011.
GUERRA, Sidney. Direitos Humanos na ordem jurídica internacional e reflexos para a
ordem constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GUERRA, Sidney. Temas emergentes de direitos humanos. Rio de Janeiro: FDC, 2006.
GUERRA, Sidney. Tratados e convenções internacionais. Rio e Janeiro: Freitas Bastos,
2006.
GUERRA, Sidney. Direitos humanos: uma abordagem interdisciplinar. Rio de Janeiro:
América Jurídica, 2002.
HITTERS, Juan Carlos; FAPPIANO, Oscar L. Derecho internacional de los derechos hu-
manos. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2007.
LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos,
1998.
MACHADO, Jónatas E. M. Direito internacional: do paradigma clássico ao pós 11 de
setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2006.
MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra:
Almedina, 2006.
PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto. Manual de direito internacional públi-
co. 3. ed. Lisboa: Almedina, 2002.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Os sessenta anos da Declaração Universal: atravessando
um mar de contradições. Revista Internacional de Direitos Humanos. SUR, São Paulo,
ano 5, n. 9, dez. 2008.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 2006.
Sidney Guerra44
RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional de direitos humanos. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002.
SALCEDO, Juan Antonio Carillo. Curso de derecho internacional público. Madrid:
Tecnos, 1991.
SHORT, Katherine. Da Comissão ao Conselho: a Organização das Nações Unidas
conseguiu ou não criar um organismo de direitos humanos confiável. Revista
Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, Rede Sur, v. 9, 2008.
SUDRE, Frederic. Droit européen et international des droits de l’homme. 8. ed. Paris:
PUF, 2006.
TALAVERA, Fabián Novak; MOYANO, Luis Garcia. Derecho internacional público.
Perú: Fondo Editorial de la PUC, 2002. Tomo II. Volume II.
VIPAJUR, Abdulrahim. The Universal Declaration of Human Rights – A Cornerstore
of modern human rights regime. Perspectives on human rights New Delhi: Manak
publications, 1999.
DESAFIOS DA JURISDIÇÃO
NA SOCIEDADE GLOBAL:
Apontamentos sobre um novo
cenário para o Direito e o papel
dos Direitos Humanos1
Doglas Cesar Lucas
Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Roma Tre, Itália. Doutor em
Direito pela Unisinos e Mestre em Direito pela UFSC. Professor nos cursos de
Graduação e Mestrado em Direito da Unijuí. Professor no Curso de Graduação
em Direito do Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo – IESA.
Pesquisador do CNPq. Avaliador do MEC/INEP.
Gilmar Antonio Bedin
Doutor e Mestre em Direito pela UFSC. Coordenador e professor do Mestrado
em Direitos Humanos da Unijui. Professor colaborador do Mestrado em Direito
da URI.
1 Considerações iniCiais
É notório que as dificuldades da Jurisdição tradicional se agra-
varam com a crise do Estado social e com o advento da globalização
econômica. Esta fase da história é paradigmática e se constitui numa
nova e complexa realidade a ser tratada pelo Direito. O contemporâ-
neo, resultado de uma elaboração em curso, desconhece limites de
1 Texto produzido a partir do projeto de pesquisa intitulado “Direitos Humanos,
Identidade e Mediação”, financiado pelo edital Universal 14/2011 do CNPq, Processo
nº 481512/2011-0, vinculado ao Mestrado em Direito da Unijuí.
Ca
pít
ulo
II
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin46
tempo e de espaço, reduz significativamente as fronteiras entre as na-
ções, pulveriza o processo de produção de mercadorias e cria redes
de mercados, torna o capital financeiro um agente especulador sem
nacionalidade e sem controle estatal, enfim, faz com que a política
seja substituída pelo mercado como espaço máximo de regulação e
de controle social. O processo de exclusão social é intensificado pela
aposta no projeto global de mercado, que prima pelo reinado do lucro
e diminui as potencialidades das políticas públicas dos Estados-nação.
Novas formas de conflitividade são geradas a partir de novos focos de
pressão social, pois os conflitos de massa, étnicos e culturais redefi-
nem a pauta de demandas sociais e jurídicas, exigindo uma ampliação
e qualificação do poder jurisdicional, tanto no âmbito externo como
interno.
A sociedade contemporânea evidencia um novo momento
histórico, centrado na celeridade e no risco das relações, na transpo-
sição dos espaços geográficos de produção econômica e jurídica, na
construção de novos locais de decisão e de influência, na conflitivi-
dade complexa, características que têm levado a uma crise de identi-
dade funcional das instituições modernas, da qual o Poder Judiciário
não ficou isento. As pressões provocadas pela desterritorialização do
processo produtivo, pela transnacionalização dos mercados, pela re-
definição de tempo e de espaço, pela rapidez e incerteza das relações
sociais, pelas demandas cada vez menos estandardizadas, caracte-
rizam o cenário contemporâneo como bastante distinto daquele na
qual o Poder Judiciário, nos moldes pensados pelo moderno Estado
de Direito, estava acostumado a interferir2. Definitivamente, a juris-
dição precisa se reinventar em termos quantitativos e qualificativos.
Precisa construir uma nova dinâmica de intervenção, mais criativa,
conectada com as demandas do tempo em que opera, ágil para fazer
frente à complexidade que afeta todos os níveis da vida cotidiana
e, ao mesmo tempo, suficiente madura e habilidosa para conviver
e dialogar com novos espaços de produção do direito e da decisão
jurídica. O presente texto se preocupa, sem clareza de seu paradeiro,
em enfrentar estas veredas.
2 FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário nos universos jurídico e social: esboço para
uma discussão de política judicial comparada. Revista Serviço Social e Sociedade, São
Paulo, Cortez, ano XXII, n. especial, 2001.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 47
2 as limitações formais e substanCiais da jurisdição
moderna: o surgimento de novos espaços e sujeitos de
regulação, Complexos e desConeCtados
A racionalidade moderna, pretensamente capaz de estabelecer
conceitos sempre “apropriados” para responder às demandas sociais,
de racionalizar o conflito e reduzir as complexidades, de engendrar
limites geográficos para o exercício do direito e do poder, de legiti-
mar instituições e categorias sociais pela dimensão formal, ahistórica
e apolítica da legalidade estatal, sofre com o contexto contemporâneo
uma crise conceitual, que é ao mesmo tempo uma crise de eficiência,
efetividade e de viabilidade. O contexto atual manifesta racionalidades
específicas e muitas vezes incompatíveis entre si, que não são absor-
vidas e compreendidas pela dinâmica operacional do Poder Judiciário
moderno, situação que tem contribuído para a formação de novas
formas e instâncias de regulação, controle e decisões sociais não al-
cançadas pelo procedimentalismo metodológico da Jurisdição. Pode-
-se afirmar que as modernas promessas do Estado-juiz são incapazes
de abarcar a complexidade dos conflitos atuais. Ora, enquanto estes
conflitos não reconhecem o limite das fronteiras dos Estados-nação,
o Judiciário mantém-se fiel a uma noção de competência essencial-
mente territorial; enquanto a economia globalizada opera em tempo
real, primando pela rapidez das relações e das trocas, o tempo dos
procedimentos judiciais é o tempo do retardamento, o tempo diferi-
do; enquanto proliferam conflitos sociais de massa, próprios de uma
realidade social cada vez mais excludente, o Poder Judiciário perma-
nece operando comum referencial teórico-prático que desconhece o
conflito e reconhece apenas uma luta processual entre sujeitos iguais
de direitos; enquanto as Constituições contemporâneas consagraram
positivamente princípios e escolhas morais publicamente construí-
dos, valorizando as experiências e os valores históricos, o Judiciário
permanece administrando os conflitos sociais da mesma forma que
protegia a propriedade e a liberdade no século XVIII, isto é, apenas
racionalizando e institucionalizando os conflitos em vez enfrentá-los
em suas complexidades. O quadro aponta para o “esgotamento dos
parâmetros jurídico-processuais em que foram afinal enquadrados os
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin48
direitos individuais e coletivos no processo de racionalização desses
mesmos direitos”3.
Definitivamente, as promessas da modernidade de garantir a
segurança jurídica a partir de um sistema normativo racionalizador,
hermético e apolítico não passaram de uma ilusão com força ideoló-
gica, capaz de legitimar um determinado modelo de organização do
poder estatal. O reducionismo legalista cega o direito na capacidade
de ver a amplitude das relações que marcam a vida social em seu eter-
no processo de construção de significados, verdades, comportamen-
tos e também regulamentos. Além disso, enclausura o direito numa
redoma de fórmulas e de procedimentos orientados de maneira dis-
positiva para regular de modo exclusivo as relações sociais, como se
estas compusessem uma realidade observável e controlável somente
através dos mecanismos jurídicos.
Ocorre que estes mitos jurídicos modernos, apesar de ainda
insistirem e persistirem na produção de saberes e verdades jurídicas,
estão sendo duramente questionados em sua essência pelo novo qua-
dro de realidades econômicas, culturais e políticas, que não se resume
e não se explica a partir de tais mitos, uma vez que as exigências da
vida contemporânea são cada vez mais imprevisíveis e determinadas
por variantes praticamente desconhecidas da racionalidade moderna
ou consideradas por ela pouco significativas no processo de produção
de suas verdades e de suas instituições.
O tempo é outro e distinto daquele que fez nascer à razão ju-
rídica moderna. Vive-se hoje em um tempo de reorganização social
em que a capacidade da comunidade de produzir riscos e problemas
é bastante maior do que a capacidade de se estabelecer soluções para
atenuar esse mesmo risco ou resolver as demandas sociais. A globali-
zação, processo paradoxal e multifacetado que avança e retrocede de
forma cíclica, produz um aumento vertiginoso na capacidade de ex-
ploração econômica, amparada numa incessante revolução tecnológi-
ca que, por sua vez, não consegue prever e nem solucionar os perigos
advindos dessa veloz expansão. Quanto maior é a capacidade tecnoló-
3 RIBEIRO, Paulo de Tarso Ramos. Direito e processo: razão burocrática e acesso à justi-
ça. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 58-59. Ver ainda STRECK, Lenio Luiz. A crise de
efetividade do sistema processual brasileiro. Revista Direito em Debate, Ijuí, Unijuí, n.
5, 1995.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 49
gica de expandir a economia, maior é o grau de incerteza e inseguran-
ça quanto aos possíveis riscos sociais que poderão advir desse cres-
cimento4. E se maior é a capacidade social de se produzirem danos e
riscos, maior também é a preocupação social de se regulamentar, de
normatizar para evitá-los ou para corrigi-los/atenuá-los no caso de
litígio.
A reestruturação capitalista, caracterizada pela internacio-
nalização dos mercados, pela desregulamentação da economia, pela
dizimação dos monopólios públicos, do mesmo modo que ampliou a
capacidade de produção e acirrou a competitividade, alterou, no pla-
no social, a dimensão estrutural dos padrões de trabalho e motivou
um desmantelamento das políticas de emprego e de seguridade social.
Esse mesmo cenário afetou e reorientou a dimensão e a capacidade
política soberana dos Estados, principalmente devido à internaciona-
lização dos processos de decisão e à crescente perda de legitimida-
de da democracia representativa. No campo propriamente jurídico, é
largamente perceptível a precarização dos direitos sociais, assinalada
especialmente pela deslegalização e desconstitucionalização de tais
direitos. Além disso, a reestruturação da economia capitalista afetou
as tradicionais instituições modernas de resolução de conflitos, con-
duzindo-as a uma completa reformulação estrutural e funcional ou
mesmo abandonando-as e constituindo novos e alternativos modelos
jurisdicionais, mais sintonizados com a lógica do mercado5.
Na medida em que a economia globalizada opera em escala
planetária, amparada, como se disse, na internacionalização do mer-
4 A título de exemplo, José Eduardo Faria, na obra organizada conjuntamente com
Kuntz, destaca que “quanto mais a engenharia nuclear, a engenharia econômica, a
biotecnologia e a biogenética avançam, maiores são os riscos de terremotos finan-
ceiros, crises de liquidez, especulações, golpes e manipulações em bolsas de valores,
pânico no sistema securitário, corridas no sistema bancário e choques estruturais
nos mercados de capitais, levando à inadimplência generalizada de empresas e famí-
lias e/ou reduzindo a pó tanto o pecúlio de pequenos e médios poupadores quanto o
patrimônio dos grandes investidores; de desastres genéticos, catástrofes tecnológi-
cas, acidentes ecológicos, mudanças climáticas e degradação ambiental irreversível,
penalizando comunidades inteiras e condenando ou comprometendo a qualidade de
vida das gerações futuras...” (FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos
direitos? São Paulo: Max Limonad, 2002)
5 FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? São Paulo: Max Limonad,
2002.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin50
cado de capitais, na competição cada vez mais acirrada, na política
de créditos internacionais, na concessão de vantagens públicas aos
grandes investidores, enfim, na medida em que o mercado mundial
exige ambientes seguros e confiáveis para realizar os seus negócios,
os Estados-nação ficam reféns de um conjunto de políticas econômi-
cas fixadas externamente, mas que são impostas pelo mercado como
necessárias para viabilizar sua inserção no cenário mundial, o que
corrói a autonomia interna dos países na definição de suas políticas
econômicas. Dito de maneira diferente, a participação de países periféri-
cos no mercado internacional está condicionada à perda de autonomia
política e econômica, bem como à assunção de um conjunto de ajus-
tes financeiros que visam garantir estabilidade e confiabilidade para a
realização das negociações comerciais.
Como a economia globalizada internacionaliza o mercado, seja
de produtos, serviços ou créditos, sua dinâmica desloca-se de acordo
com padrões econômicos internacionais, que desconsideram em gran-
de medida a ingerência dos mecanismos estatais tradicionais, os quais
foram estruturados para atuar num espaço limitado, e por isso insu-
ficientes para enfrentar os problemas de natureza transnacional. Por
essa razão surge um conjunto de organismos e instituições internacio-
nais, em grande parte privados, com o objetivo de organizar e solucio-
nar os litígios que ocorrem nas relações econômicas internacionais.
Quanto mais rápido for este processo de internacionalização
da economia, mais rapidamente a Jurisdição tradicional revelará sua
incapacidade de solucionar os impasses advindos da globalização eco-
nômica. Primeiro, porque sua competência é geograficamente restri-
ta, o que destoa da dinâmica de um mercado internacional; segundo,
porque os procedimentos utilizados pela Jurisdição tradicional fun-
cionam num tempo diferido, de retardamento, enquanto os conflitos
internacionais exigem respostas rápidas, adequadas às operações do
mercado; terceiro, porque o direito estatal tradicionalmente aplicado
pela atividade jurisdicional passa a ganhar uma nova feição, caracteri-
zadapela desregulação, desformalização e deslegalização, movimento
que reflete a incapacidade do Estado em regular a sociedade e orga-
nizar a economia por meio dos instrumentos clássicos. Surgem, muito
rapidamente, normatividades paralelas e novos ambientes de regula-
mentação e de deliberação sobre assuntos capitais para o projeto esta-
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 51
tal, que tendem a suplantar a exclusividade do ordenamento jurídico
positivo6. Calera chama a atenção para o fato de que a desregulação faz
parte de uma recuperação conservadora por parte da sociedade civil,
que exige um saneamento jurídico para poder constituir os espaços de
liberdade necessários ao livre desenvolvimento do mercado. No lugar
dos textos legais, a desregulação pretende fortalecer “a ‘contratualiza-
ção’ das relações jurídicas frente à intervenção do Estado”7. Por mais
precário que possa ser o direito estatal, o autor prefere confiar a ele os
rumos da sociedade do que deixá-la a mercê do jogo incontrolável das
liberdade econômicas e dos grupos privados.
Quando se refere ao surgimento de ambientes não oficiais de
regulação e de resolução de conflitos é preciso, de plano, desfazer
uma confusão: o quadro de novas regulações não é novo, mas é mais
complexo, pois, se antes a Jurisdição conseguia conviver com ou mes-
mo absorver as diversas racionalidades regulatórias provenientes de
um direito nascido das relações sociais, à sombra do direito oficial, os
traços da realidade contemporânea acusam a limitação da atividade
jurisdicional frente às demais instâncias de regulação e decisão, que
nascem da precariedade jurisdicional convencional e do espaço deixa-
do pelo direito oficial no trato de questões contemporâneas.
Tendo em vista que a economia globalizada enfraquece a auto-
nomia das nações na definição de suas próprias políticas sociais, por-
que diretamente subordinadas ao fluxo da política monetária interna-
cional, a legislação de cunho social perde muito de sua eficácia, de sua
normatividade, reduzindo-se praticamente a uma dimensão simbóli-
ca. Esta mesma lógica está presente nas reformas constitucionais que
atacam o conjunto de direitos sociais e que são apresentadas como
necessárias ao ajustamento do Estado à nova realidade e às exigências
da economia global.
6 É importante notar, como adverte Faria, que “estão florescendo os mais variados pro-
cedimentos negociais, mecanismos informais e órgãos para-estatais de resolução de
conflitos, sob a forma de esquemas de mediação, conciliação, arbitragem, auto-com-
posição de interesses e auto-resolução de divergências e até mesmo da imposição da
lei do mais forte nas áreas periféricas inexpugnáveis sobre controle do crime organi-
zado e do narcotráfico (constituindo esta última um direito marginal que, na prática,
revela-se um contra-direito).” (FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos
direitos? São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 71)
7 CALERA, Nicolás María López. Yo, el Estado. Madrid: Trotta, 1992. p. 27.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin52
Distintamente de uma Jurisdição exclusiva e centralizada nas
mãos do Estado, verifica-se o aparecimento de novos ambientes de
regulação, controle e decisão, constitutivos de um neopluralismo ju-
risdicional e normativo, limitando consideravelmente a capacidade de-
liberativa da Jurisdição tradicional e reduzindo a imperatividade do
direito positivo. Nesse cenário de redefinição das funções do Estado,
o problema que se coloca para as funções jurisdicionais é de funda-
mental importância, pois somente um Judiciário sintonizado com o
seu tempo será capaz de fazer frente aos subsistemas jurídicos que re-
jeitam o direito estatal e que trazem consigo o poder de invalidação do
direito por meio da valorização de ambientes de regulação privados.
Essa nova conformação do direito, para responder aos apelos
de uma economia global, de uma sociedade complexa, de um multi-
culturalismo progressivo, e para responder aos riscos cada vez maio-
res produzidos pelo avanço tecnológico, faz aparecer racionalidades
orientadas por uma grande tendência ao pragmatismo que, diferente-
mente das abstrações universalistas da modernidade, empenham-se
em responder aos conflitos da sociedade de mercado a partir de um
“direito negociado”, um direito construído e que se move pela exigên-
cia das respostas rápidas, um direito invadido pelo pragmatismo do
mercado.
Na inexistência de um poder que centralize o processo de pro-
dução e aplicação do direito no contexto de várias e complexas racio-
nalidades, a sociedade contemporânea cede espaços para que surjam
instâncias alternativas de regulação e solução de conflitos, processo
que se dá tanto nacionalmente como internacionalmente. Na seara in-
ternacional, surge um direito paralelo ao dos Estados (basicamente de
natureza mercatória), fruto da integração econômica e da formação
de blocos entre as nações, ou mesmo fruto da “proliferação dos foros
de negociação descentralizados estabelecidos pelos grandes grupos
empresariais”.8 Esse direito marginal produzido pelas grandes corpo-
rações e blocos econômicos acaba por interferir na própria legislação
8 FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros,
1996. p. 11. A título de exemplo pode-se destacar a proliferação de arbitragens inter-
nacionais privadas que atuam na solução de grande parte dos conflitos entre empre-
sas transnacionais, fenômeno que comprova a transformação em curso que afeta os
mecanismos tradicionais de resolução dos conflitos.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 53
nacional que, preocupada em manter os níveis de confiabilidade e de
segurança para os investidores externos, segue os ditames que orien-
tam a dinâmica do comércio internacional.
Ao constatar na sociedade contemporânea a publicização do
privado e a privatização do público, a quase total indistinção entre po-
derio econômico e poderio político, como também o papel normativo
exercido pela administração pública que, sem controle do Parlamento
e convivendo com uma multiplicidade de instâncias decisórias, esta-
belece um conjunto de orientações para organizar os interesses da so-
ciedade civil, André-Noël Roth9 destaca que a sociedade se encaminha
para um “modelo de regulação social neofeudal”, no qual as empresas
transnacionais dominantes vão definindo o quadro jurídico de acordo
com seus interesses, reservando à periferia uma atuação residual para
ajustar detalhes, sem poder ultrapassar o quadro geral da regulação
fixada.
No contexto em que o Estado demonstra total incapacidade
para monopolizar o processo de regulação e resolução dos conflitos,
tende a se desenvolver, segundo o mesmo autor, um “direito reflexivo,
ou seja, um direito procedente de negociações, de mesas redondas,
etc. [...]”10. Assim,
[...] a teoria do direito reflexivo integra a incapacidade atual do
Estado de ‘dirigir’ a sociedade e legitima a multiplicação de ins-
tâncias de negociações entre atores sociais [...] O papel do Estado
se limita, por um lado, a dar indicações e promover incitações
(não coativas), quanto ao conteúdo das regras, e por outro lado,
a controlar a conformidade dos procedimentos de negociação.11
Essas novas tendências explicam em parte a expansão dos pro-
cedimentos jurisdicionais alternativos12, como a arbitragem, a con-
9 ROTH, André-Noël. O direito em crise: o fim do Estado moderno? In: FARIA José
Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São
Paulo: Malheiros, 1996.
10 Idem, p. 22.
11 Idem, p. 24.
12 MORAIS, José Luis Bolzan. Mediação e arbitragem: alternativas à Jurisdição! Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin54
ciliação, a negociação, teoricamente mais adequados para atender à
lógica da celeridade, da informalização, da pragmaticidade, próprias
da racionalidade mercadológica/pragmática contemporânea. Assim,
por exemplo, o caráter dialogale negociado dos Juizados especiais evi-
dencia um utilitarismo processual despreocupado com as garantias
constitucionais legadas pela democracia e revelam o compromisso
da Jurisdição/administração com a eficiência e a celeridade definidas
pelo mercado. Atropelam-se direitos e garantias para se ajustar a um
tempo instantâneo que produza respostas imediatas e se esquece de
que o direito, apesar de não estar num tempo correto, não pode ser
assemelhado ao tempo do mercado, pois é instrumento de garantia, de
defesa de prerrogativas que exige a reflexão, a maturação e o cuidado
para não conduzir a legalismos autoritários13. Como resultado dessa
paranoia, o Poder Judiciário é obrigado a decidir/produzir em série
para responder aos padrões/metas de eficiência, precipitando perigo-
samente a realização do direito.
As reformas processuais sugeridas e as em andamento confir-
mam essa constatação de ajustamento do direito ao tempo do merca-
do, capaz de produzir respostas mais rápidas e negociadas. É claro que
uma Jurisdição rápida é desejada por todas as comunidades e condi-
ção indispensável para o aprimoramento do acesso aos tribunais. O
que não pode ocorrer, porém, é o desvirtuamento do problema central
e a utilização da morosidade da prestação jurisdicional como argu-
mento para fazer avançar reformas legislativas que solapem os direi-
tos e garantias que constituíram os Estados democráticos. É evidente
que certas medidas de natureza estrutural precisam ser adotadas, mas
com o cuidado de não se aumentar a crise do direto positivo com uma
ridícula estratégia que salve a Jurisdição e ao mesmo tempo decrete a
morte dos direitos que ela deveria garantir14.
13 Sobre o processo de informalização e privatização da justiça penal e sobre a cons-
trução de uma justiça dialogal, ver: CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre
(Orgs.). Diálogos sobre a justiça dialogal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
14 A reestruturação da atividade jurisdicional deve manter-se fiel aos propósitos da de-
mocracia, devendo: atacar questões que obstruam justamente o acesso democrático,
por que não dizer igualitário aos tribunais; redefinir procedimentos jurídicos (exces-
so de recursos, por exemplo) que fazem do litígio processual uma espera agonizante
e desestimuladora para cidadãos hipossuficientes; reorganizar a burocracia carto-
rial; aumentar significativamente o número de profissionais que atuam na realização
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 55
Distintamente do paradigma legal racionalista/universalista
de viés moderno, a explosão de conflitos cada vez mais complexos e
pontuais tem resultado numa postura legislativa inflacionária, carac-
terizada pela aprovação de “‘leis de circunstância’ e por ‘regulamentos
de necessidade’ surgidos a partir de conjunturas políticas, sociais e
econômicas muito específicas e transitórias”15, intensidade legislati-
va que invariavelmente conduz a um enfraquecimento do direito em
razão da pragmaticidade exagerada e da dificuldade de se conhecer a
real dimensão jurídica que as normas deveriam conter. Afinal, o direi-
to não cultiva a provisoriedade e o efêmero.
Justamente pela dificuldade de se legislar minuciosamente e a
priori sobre um universo de problemas incertos e transitórios, tende-
-se a editar normas mais abertas e genéricas para se ajustarem mais
facilmente à rapidez das mudanças e à complexidade litigiosa. Em
virtude da falta de clareza e de precisão das normas, amplia-se a dis-
cricionariedade do Poder Judiciário e a inserção judicial na vida polí-
tica, social e econômica. O ativismo judicial e a interpretação ampla
dos tribunais passam a representar um processo contínuo de fixação
dos significados e de alcance dos enunciados normativos, fazendo do
momento de aplicação do direito o verdadeiro espaço de construção
semântica dos textos legais16. Nessas novas bases de produção legis-
lativa, de aberturas propositais para dar conta de respostas pragmáti-
cas, o exercício da Jurisdição assume um papel de produção normativa
pela adequação/aproximação entre a generalidade do enunciado legal
e a realidade dos fatos sub judice, aumentando substancialmente o pa-
pel da formação jurisprudencial do direito17. Apesar de esse processo
do direito; redefinir o processo de formação dos operadores jurídicos, na direção de
valorizar o raciocínio crítico-reflexivo capaz de dar conta de uma realidade jurídica
em contínua reformulação e de fazer compreender as novas feições assumidas pelo
direito etc.
15 FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? São Paulo: Max Limonad,
2002. p. 130-131.
16 Verifica-se também um certo receio de legislar em temas complexos, responsabili-
dade que com muita frequência o Legislativo tem compartilhado com os setores da
sociedade civil interessados na matéria em apreciação, o que pode representar tanto
uma ampliação dos processos democráticos como um risco de apropriação da tarefa
legislativa por entidades privadas com grande influência.
17 FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? São Paulo: Max Limonad,
2002.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin56
se afigurar mais visível no terreno econômico, é possível afirmar que
o espaço jurisdicional passa a se constituir num local privilegiado na
trajetória constitutiva dos direitos, sobretudo pelo fato de que o me-
canismo jurisprudencial tem se afirmado como instância canalizadora
dos elementos políticos, culturais e econômicos que, em última análi-
se, determinam as exigências e o conteúdo das decisões jurídicas em
um dado momento.
Um direito mais principiológico tende a valorizar o papel da
jurisprudência, a qual assume a tarefa de determinar o conteúdo, caso
a caso, das normas jurídicas, processo este que afeta o próprio texto
constitucional. Ao destacarem a jurisprudencialização da Constituição,
José Luiz Bolzan de Morais e Walber de Moura Agra referem que “a ju-
risprudencialização configura-se na definição do texto constitucional
por intermédio das decisões da Jurisdição constitucional, mormen-
te por intermédio das sentenças proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal”18. Sustentam os autores que essa reorganização do processo
de produção do direito exige repensar e redefinir o princípio da clássi-
ca separação dos poderes, pois
[...] o enquadramento das funções estatais dentro do esque-
ma da rígida tripartição de poder não corresponde mais às
necessidades das sociedades hodiernas, que devido a sua alta
complexidade permite o afloramento das mais diversas neces-
sidades. Em decorrência da alucinante velocidade como os fa-
tos sociais ocorrem, exigindo respostas imediatas dos órgãos
públicos, o Poder Legislativo, que para realizar uma lei tem que
cumprir um minucioso e longo procedimento, não pode aten-
der de forma eficiente a essas demandas. A concepção de Poder
Legislativo como órgão único de produção normativa torna-se
insustentável.19
18 MORAIS, José Luiz Bolzan de; AGRA, Walber de Moura. A jurisprudencialização da
Constitucionalização e a densificação da legitimidade da Jurisdição constitucional.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. (Neo) constitucionalismo. Ontem, os có-
digos. Hoje, as Constituições. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica, 2004.
p. 42.
19 Idem, p. 226.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 57
Se, no entanto, as transformações sociais em curso acenam
para o desmantelamento do Estado, para o seu enfraquecimento e
para uma intervenção estatal mínima, curiosamente, como resposta
aos altos níveis de desigualdade social e violência contra o patrimô-
nio, consolida-se um Estado muito forte no campo da repressão, do
controle e da punição, o que conduz a um fortalecimento da Jurisdição
e da legislação penal20. Esta opção pelo penal e não pelo constitucional
revela, de forma sintomática, que as escolhas sociais estão sendo fil-
tradas por uma cortina de medo e por uma difundida cultura do terror,
ambas reveladoras da segregaçãoque ataca o tecido social em todas as
suas dimensões e que transforma as políticas de segurança pública em
sinônimo de política penal. Abandonam-se as políticas sociais de lon-
go prazo e se investe em falsas soluções pragmáticas, como o aumento
de penas, a retirada de benefícios dos apenados, a criminalização de
outras condutas, definindo os rumos de uma Jurisdição-carrasco, uma
atividade jurisdicional a serviço da caçada aos excluídos. Segundo
Garapon, “passa-se de uma lógica civil ou administrativa a uma lógica
penal, quer dizer, de uma lógica de reparação e de continuidade para
uma lógica de expulsão e descontinuidade”21.
Esta opção pelo penal é identificada por Garapon como resul-
tado da incapacidade de a sociedade estabelecer suas identidades, de
construir seus laços solidários a partir dos espaços de sociabilidade
tradicionais, convertendo-se a justiça penal num grande espetáculo
público para os encontros e desencontros da vingança sobre o agres-
sor e a piedade estendida à vítima. Numa sociedade democrática de-
sencantada com suas formas de gerar consenso, “o direito penal se
oferece como um caminho provável, como último recurso quando a
ideologia desertou do espaço social”22.
20 O direito penal tende-se a expandir e adaptar-se às necessidades da economia glo-
bal, expansão que, não raras vezes, é apresentada como solução para a proteção
dos cidadãos. Sobre os rumos do direito penal na sociedade global merece desta-
que a obra de SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da
política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
21 GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2001. p. 105.
22 Idem, p. 97.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin58
Assim, a Jurisdição penal torna-se um ambiente da radicaliza-
ção das paixões humanas desencontradas, sem referência e sem au-
toridade, ao mesmo tempo em que desempenha uma função estraté-
gica nos processos de repressão necessários para a acomodação dos
agentes desafiadores de uma sociabilidade gerida pelo mercado. Não
se trata, aqui, de defesa de um direito penal abolicionista, mas apenas
da constatação de que a Jurisdição penal, assim como todo debate em
torno da segurança pública, transformou-se num espaço de referên-
cias para a vítima, ao abastecer suas expectativas de vingança num
sentimento coletivo. Ocupou-se um espaço que deveria ser da demo-
cracia, mas que somente é capaz de incluir a partir de um processo de
rotulamento e de exclusão. Nesse sentido, cada condenação penal tor-
na-se um sossego, cada prisão um alento simbólico para as angústias
desencontradas que não conseguem cultivar os espaços democráticos
e nem crer na potencialidade propositiva de suas instituições.
3 a força normativa dos direitos humanos Como
horizonte de sentido para a Construção de uma
nova Cultura jurisdiCional naCional e pós-naCional:
repensando lugares, proCedimentos e Conteúdos
Nunca se viu uma tensão e um debate tão grandes sobre a fun-
ção jurisdicional como atualmente. Críticas, sugestões e diversas aná-
lises são dirigidas à atividade jurisdicional por diferentes segmentos
sociais. A crise é uma constatação que ninguém ou quase ninguém con-
testa e as soluções apresentadas são de múltiplas orientações. Fala-se
muito em controle externo do Poder Judiciário, em reformas proces-
suais para agilizar a prestação da “justiça”, em reformas estruturais,
em qualificar a formação dos magistrados e em outras temáticas que
envolvem direta ou indiretamente o assunto. Parece que a angústia
em apresentar soluções provoca uma apatia do diálogo e gera propo-
sições perigosas, capazes apenas de tentar atender aos reclamos prag-
máticos de uma realidade complexa.
Mas, antes de reagir, de responder ao quadro de dificuldades, é
preciso perguntar, ou no mínimo perguntar de modo mais qualificado,
sobre quais são as funções da Jurisdição ou, dito de maneira diferen-
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 59
te, o que uma sociedade democrática, que valoriza a diversidade e se
fundamenta na proteção dos direitos humanos, espera da atuação ju-
risdicional e do próprio Estado no contexto de uma sociedade comple-
xa. A negação do diálogo, a castração da diferença e a racionalização
estereotipada, que marcam os mecanismos tradicionais de solução de
conflitos e que geram apenas soluções jurídicas formais e não sociais
substanciais, têm pautado também o conjunto de respostas/soluções
dadas para resolver as crises operacionais do Poder Judiciário. Isto é,
o tecnicismo exagerado e o racionalismo cartesiano, que cegaram o
direito positivo para a sensibilidade e para as necessidades históricas,
continuam a cegar os operadores do direito e a induzi-los a reducio-
nismos explicativos, um verdadeiro risco para a democracia.
Pensar o direito, os conflitos sociais e a Jurisdição no contexto
da realidade social contemporânea não significa negar as conquistas
e as virtudes da modernidade inacabada; significa, antes, repensar o
direito, os conflitos e a Jurisdição para fortalecê-los. O grande desafio
é humanizar o direito/Jurisdição para poder compreender os conflitos
sociais também em sua dimensão humana, e não apenas jurídica, o
que permitirá reconhecer nas novas formas de litigiosidade a reve-
lação das próprias formas da humanidade, que se reproduzem e se
inovam, também, pelos conflitos sociais. Como a modernidade forjou
uma Jurisdição limitada para atender a uma conflituosidade rotula-
da aprioristicamente e limitada geograficamente em sua abrangência,
para o jurista o conflito racionalizou-se, juridificou-se e perdeu o seu
viés humano. O aumento e a complexidade dos conflitos contemporâ-
neos desafiam o purismo metodológico e a racionalidade hermética
do direito positivo moderno que, ao racionalizar e centralizar o direi-
to/Jurisdição, negou epistemologicamente a pluralidade/diversidade
do conflito e perdeu a criatividade e a inventividade para tratar com
o novo e com situações não padronizadas. E como os conflitos não
podem ser eliminados da realidade social, uma sociedade complexa
constitui-se de conflitos complexos, de conflitos não tabulados e não
estereotipados, de conflitos que a racionalidade tradicional não con-
segue entender e atender.
E o quadro não é de otimismo, pois, nos destroços dessa
Jurisdição incapaz de compreender a essência humana do conflito e
insuficiente para organizar a realidade social contemporânea, não sur-
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin60
gem soluções emancipadoras, mas apenas novos ambientes de regu-
lação e de solução de conflitos que, por sua vez, tendem a adaptar-se
mais à “cultura” do mercado e do consumo do que ao projeto democrá-
tico. A Jurisdição tradicional, além de ceder espaços e ser questionada
por novas formas de solução de conflitos, é repensada a partir da efi-
ciência do mercado e obrigada a “produzir” soluções jurídicas em tem-
po real, mesmo que isso signifique muitas vezes a perda de garantias
processuais. Os conflitos sociais não são aprisionáveis por modelos e
por fórmulas padronizadas. Seguem o curso da história, alimentam-
-se em várias fontes e reproduzem o próprio dinamismo das relações
humanas. Os conflitos impulsionam para o novo, são necessários para
produzir a vida, para declarar as diferenças e para aceitar os diferen-
tes. Para os juristas e para a Jurisdição tradicional a teoria do conflito
é a inexistência do conflito, é a tentativa de evitá-lo, de repensá-lo e de
redefini-lo como litígio ou como controvérsia jurídica. A padronização
do conflito e a negação da diferença e do diferente tornam a Jurisdição
um espaço muito frágil, um ambiente desorientado, confuso e inca-
paz de trabalhar com um contexto social constituído pela diversidade,
pelo pragmatismo, enfim, pela complexidade que não se deixa con-
ceituar e aprisionar. As expectativas sociais não são consensuais, pois
representam a pluralidade deinteresses e de concepções de justiça, si-
tuação que se agrava nas sociedades de abissal desigualdade material
e que denuncia a insuficiência e o descompasso da razão burocrática
jurisdicional para atender ao conjunto de demandas da sociedade. O
aparecimento de novas formas de resolução de conflitos é exemplo
desta crise, que é uma crise dos paradigmas do direito, que afeta a
organização da sociedade23.
A Jurisdição deve constituir-se em um espaço público de de-
bate, local privilegiado para expor e tratar das diferenças em conflito.
Não pode ser ambiente de constrangimento, de usurpação do desejo e
de negação do cidadão, sob pena de cultivar um autoritarismo devas-
tador de sonhos e reprodutor de uma visão simplista e reducionista da
realidade social. Não se pode estimular um modelo jurisdicional que
se assente na rejeição da diversidade, na castração das particularida-
des e na generalização dos sujeitos. A democracia exige olhar e valo-
23 RIBEIRO, Paulo de Tarso Ramos. Direito e processo: razão burocrática e acesso à justi-
ça. São Paulo: Max Limonad, 2002.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 61
rizar as diferenças, comprometer-se com cidadãos históricos (Pedros,
Paulos, Marias) e não apenas com sujeitos processuais (réus, autores,
eleitores, contratantes, etc.), e humanizar a aplicação do direito e os
próprios conflitos sociais. Isso faz lembrar de Warat e de sua preo-
cupação com uma magistratura que parece resolver conflitos que lhe
são alheios, sem sentir a existência daqueles que fazem parte do pró-
prio conflito. As respostas são dadas sem a participação do outro e a
responsabilidade é atribuída exclusivamente à norma. Os juízes, se-
gundo o autor, “decidem conflitos sem relacionar-se com os rostos. As
decisões dos juízes são sem rosto”24.
A força normativa dos direitos humanos substancializou o pa-
pel do Estado, construindo novos contornos para a sua agenda de pos-
sibilidades jurídico-políticas. Essa profunda alteração não represen-
tou, contudo, apenas uma mudança na postura valorativa, de afirmação
e reconhecimento da dignidade humana como núcleos fundantes do
Direito, mas significou também uma reformulação e questionamento
sobre a validade do direito e a sua própria operacionalidade tecnológi-
ca. Como tecnologia que também é, o direito precisa reinventar-se, ser
criativo ao ponto de construir ferramentas novas, procedimentos efi-
cientes para garantir o enfrentamento da nova realidade e sobretudo
para satisfazer um conjunto de novos direitos, de base epistemológica
cada vez mais complexa e desconectada da temporalidade e espaciali-
dade modernas.
Seja em um ambiente nacional ou pós-nacional, a necessidade
de diálogo com novos atores, novos lugares e o reconhecimento de de-
mandas complexas, faz dos direitos humanos um critério epistêmico,
valorativo e tecnológico importante para a construção e avaliação de
novas ferramentas jurisdicionais e administrativas. O discurso dos di-
reitos humanos precisa ser, cada vez mais, um discurso normativo sem
deixar de ser utópico e prospectivo. Isso significa que as instituições
deverão ser avaliadas segundo o atendimento aos níveis de satisfação
desses direitos sem obstruir a própria capacidade reivindicativa de
sua natureza. Levar a sério os direitos humanos em todas as suas di-
mensões é condição de possibilidade para travar disputas em todos
24 WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. v. 1, p. 214-
215.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin62
os espaços institucionais e não institucionais, criar uma nova cultura
de ensino e aprendizado do direito e fortalecer uma postura política
e jurídica democrática fortemente republicana que seja capaz de en-
frentar ranços históricos da desigualdade social de todos os tipos. Sem
esse enfrentamento jurídico republicano a Jurisdição tenderá a repro-
duzir velhas fórmulas técnicas no enfrentamento de problemas novos,
apresentando ótimas soluções para problemas que não existem mais
(a não ser na cabeça de juristas) ou soluções atrasadas e desconecta-
das para um modelo de mundo que não existe mais. Para além disso,
não faltam acusações sobre uma espécie de apropriação e confusão
cada vez maiores entre os papéis jurisdicionais e aqueles de responsa-
bilidade da política, cenário que revela os benefícios do envolvimento
da jurisdição com a proteção dos direitos fundamentais, mas que tam-
bém deixa transparecer a continuidade e a fragilidade das estratégias
jurisdicionais tradicionais na promoção desses mesmos direitos.
O modelo de Jurisdição moderna não consegue enfrentar as
demandas da economia global e os conflitos multiculturais que ca-
racterizam a excessiva diversidade da sociedade atual, de modo que a
elaboração de um novo paradigma de resolução de conflitos deve ser
conduzido a partir de pressupostos comprometidos com a ampliação
e o fortalecimento das conquistas democráticas. Furtar-se ao diálogo
e ao compromisso de reinventar a racionalidade jurídica neste mo-
mento de dificuldades significa permitir que as soluções se deem à
revelia dos interessados, distante das preocupações e dos espaços so-
ciais que, ao mesmo tempo e paradoxalmente, produzem o conflito e
retratam a atualização das demandas públicas pela própria implanta-
ção do litígio, seja ele absorvido ou não pelo direito estatal. Em outras
palavras, quanto mais a Jurisdição sofre com um conjunto de deman-
das internas e externas que não consegue solucionar, mais claro fica
que tanto as expectativas dos grupos marginais excluídos como dos
grupos marginais que se excluem não estão sendo absorvidas nem se
revelam capazes de atualizar as razões operacionais e funcionais do
direito.
A Jurisdição será capaz de conviver com tantos ambientes de-
cisórios internos e externos? Não chegou o momento de se pensar
novas maneiras de produzir respostas jurídicas às demandas sociais,
capazes de valorizar espaços constituídos pela sociedade civil de for-
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 63
ma democrática? Por certo, não será o mercado que dará as diretrizes
de uma reforma jurisdicional afinada com os direitos sociais e com as
conquistas constitucionais que marcaram o cenário jurídico do século
XX como um tempo de significativos avanços para a afirmação da de-
mocracia. O mercado não tem compromisso com o desenvolvimento
das nações, não age em razão de sentimentos de solidariedade e tam-
pouco se preocupa com a implementação das políticas sociais presen-
tes nas cartas constitucionais contemporâneas. Nesse sentido, é im-
portante compreender a crise de identidade funcional do Judiciário
para compreender a própria crise que afeta a racionalidade do Estado
moderno, que afeta suas promessas, bem como para avaliar as alter-
nativas à Jurisdição tradicional que têm aflorado como respostas para
o déficit operacional do Judiciário. Conhecer os rumos das funções ju-
risdicionais é, pois, conhecer as escolhas do próprio Estado, suas limi-
tações e suas potencialidades.
referênCias
CALERA, Nicolás María López. Yo, el Estado. Madrid: Trotta, 1992.
CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, Alexandre (Orgs). Diálogos sobre a justiça dialo-
gal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
FARIA, José Eduardo. O Poder Judiciário nos universos jurídico e social: esboço para
uma discussão de política judicial comparada. Revista Serviço Social e Sociedade, São
Paulo, Cortez, ano XXII, n. especial, 2001.
FARIA José Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspec-
tivas. São Paulo: Malheiros, 1996.
FARIA, José Eduardo; KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? São Paulo: Max
Limonad, 2002.
GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. 2. ed. Rio de
Janeiro: Revan, 2001.
MORAIS, José Luis Bolzan de. Mediação e arbitragem: alternativas à Jurisdição! Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
MORAIS, José Luis Bolzan de; AGRA, Walber de Moura. A jurisprudencialização da
Constitucionalização e a densificaçãoda legitimidade da Jurisdição constitucional.
Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica. (Neo) constitucionalismo. Ontem, os
códigos. Hoje, as Constituições. Porto Alegre: Instituto de Hermenêutica Jurídica,
2004.
RIBEIRO, Paulo de Tarso Ramos. Direito e processo: razão burocrática e acesso à jus-
tiça. São Paulo: Max Limonad, 2002.
Doglas Cesar Lucas & Gilmar Antonio Bedin64
ROTH, André-Noël. O direito em crise: o fim do Estado moderno? In: FARIA José
Eduardo (Org.). Direito e globalização econômica: implicações e perspectivas. São
Paulo: Malheiros, 1996.
STRECK, Lenio Luiz. A crise de efetividade do sistema processual brasileiro. Revista
Direito em Debate, Ijuí, Unijuí, n. 5, 1995.
SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política crimi-
nal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. v. 1.
POLITICHE DI SICUREZZA,
TOLLERANZA ZERO E DIRITTI
UMANI. UNA LETTURA
SOCIOLOGICA
Giuseppe Ricotta
Ricercatore confermato e Professore aggregato di Sociologia generale pres-
so la Sapienza Università di Roma, Facoltà di Scienze Politiche, Sociologia,
Comunicazione (Dipartimento di Scienze Sociali), insegna Sociologia della
Sicurezza Sociale nel corso di laurea in Scienze e Tecniche del Servizio Sociale.
Laureato in Sociologia nel 1996, nel 2001 ha conseguito il Dottorato di Ricerca in
Sistemi Sociali e Analisi delle Politiche Pubbliche (Sapienza Università di Roma).
1 insiCurezza soCiale e “nuove Classi periColose”
Il problema della criminalità diffusa, con particolare riferimento
alla sicurezza nelle città, è stato uno degli argomenti centrali del dibat-
tito politico italiano negli ultimi vent’anni. La domanda di sicurezza da
parte dei cittadini, infatti, è stata rappresentata in forte crescita sia dai
mezzi di comunicazione di massa, sia dalla classe politica – oltre che
da numerosi esperti – e in alcune fasi come vera e propria emergenza
sociale1. In tal senso, sono aumentati i discorsi e le proposte politiche da
1 Il legame tra sicurezza oggettiva e sicurezza percepita è controverso. In Italia, i tassi
di criminalità sono aumentati a partire dagli anni ‘70 e in misura costante fino agli
anni ‘90, per poi avere un andamento più complesso (con un costante calo degli omi-
cidi dopo il 1992 – dovuto alla diminuzione degli omicidi di mafia) e una decrescita
a partire dal 2008 dei reati in genere (Arcidiacono e Selmini, 2010), seguendo con
10/15 anni di ritardo un trend che ha caratterizzato sia gli Stati Uniti che numerosi
Paesi europei. La stessa percezione di sicurezza non sembrerebbe essere aumenta-
ta negli ultimi quindici anni secondo i dati raccolti dall’Istat (l’istituto nazionale di
statistica italiano) a partire dal 1993 e così commentati in un rapporto del Ministero
dell’Interno italiano (1997: 17): “da almeno quattordici anni, tale paura [di subire
Ca
pít
ulo
III
Giuseppe Ricotta66
parte dei leader di partito, sia nazionali che locali, relativi alla lotta alla
criminalità, soprattutto nel corso delle campagne elettorali.
Le cause sociali alla base di questa enfasi sull’insicurezza dei
cittadini sono comuni a quelle degli altri Paesi europei e possono es-
sere ricondotte alle dinamiche del mutamento sociale che ha caratte-
rizzato negli ultimi trent’anni le società tardo-moderne. Nel dibattito
sociologico contemporaneo, infatti, il sentimento di insicurezza, così
come l’incertezza, la paura, il rischio, sono altrettante categorie inter-
pretative utilizzate per analizzare la “seconda modernità” e i processi
di globalizzazione2. Per Zygmunt Bauman la “società dell’incertezza”
trova la sua radice nell’enfasi posta sulla libertà individuale: il proces-
so di individualizzazione tipico delle società moderne comporterebbe,
allo stesso tempo, un aumento del sentimento di insicurezza3. L’attore
sociale, infatti, nel suo processo di affrancamento dalle forme di con-
trollo e protezione di prossimità pre-moderne (familiari, di lignaggio,
ecc.), deve sentire garantita la sicurezza di sé e la fiducia in sé in tre
ambiti tra loro connessi: 1) la security, ovvero la sicurezza esistenziale
che ci garantisce che ciò che è stato conquistato e conseguito rimarrà
in nostro possesso; b) la certainty, ovvero la certezza di essere nel giu-
sto attraverso la possibilità di discernere tra ciò che è ragionevole e ciò
che non lo è, tra ciò che è degno di fede e ciò che è ingannevole, tra il
bene e il male; c) la safety, ovvero la sicurezza personale, l’incolumità,
del nostro corpo e delle sue estensioni (i nostri beni, la nostra famiglia,
un reato] appare stabile, se non addirittura in lieve declino”. Tuttavia, sempre l’Istat
(2010 – dati 2008-09) ha di recente rilevato un aumento del senso di insicurezza dei
cittadini rispetto al periodo 1997-98, a fronte di una lieve diminuzione di reati quali
i furti in abitazione, i furti di oggetti e le rapine con uso di armi.
2 Bauman, Z., 1999a, La società dell’incertezza, Bologna, il Mulino.
Bauman, Z., 1999b, In search of Politics, Cambridge, Polity Press.
Beck, U., 1986, Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, Frankfurt,
Suhrkamp.
Castel, R., 2003, L’insécurité sociale: qu’est ce qu’être protégé?, Paris, éd. du Seuil.
Giddens, A., 1990, The Consequences of Modernity, Cambridge, Polity Press.
Luhmann, N., 1991, Soziologie des Risikos, Berlin-New York, de Gruyter.
3 In particolare, secondo Bauman (1999b), viene oggi ribaltato ciò che ne Il disagio
della civiltà Sigmund Freud aveva individuato come tratto specifico del processo di
civilizzazione occidentale, ovvero la repressione della libertà e quindi della felicità
in cambio della sicurezza. Al contrario, nella società contemporanea predomina la
libertà individuale: la sicurezza è sacrificata al fine di conseguire maggiore felicità.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 67
i nostri vicini). Queste tre dimensioni della sicurezza oggi sono mes-
se in crisi, rispettivamente, dal liberismo economico globale e la con-
nessa crisi del mercato del lavoro e dello stato sociale, dalla pluralità
e contraddittorietà delle interpretazioni del mondo, dall’esposizione
percepita a crescenti minacce alla propria incolumità fisica e alla pro-
pria comunità di riferimento.
E però, secondo Bauman4, l’incertezza per il futuro, la precarie-
tà della posizione sociale occupata, la perdita di punti di riferimento
valoriali e identitari stabili, tendono più facilmente a concretizzar-
si nella terza dimensione dell’insicurezza, quella che fa riferimento
all’incolumità e quindi al crimine; a questioni che riguardano la sicu-
rezza personale e la protezione dei beni acquisiti, e che si prestano a
opzioni di policy di segregazione ed esclusione, favorendo un conflitto
urbano a bassa intensità.
L’imporsi del tema sicurezza della città o sicurezza urbana,
può esser eletta, in altri termini, come la cornice entro cui vengono
ricondotte le nuove tensioni sociali che seguono la crisi economica e
politica che in Europa prende corpo a partire dagli anni ‘70 e ‘80. Si fa
qui riferimento, in particolare, alla lotta per l’accesso alle risorse del
welfare nazionale e locale, sempre più scarse, al problema abitativo
nelle grandi città, alla disoccupazione strutturale e alle conseguenti
tensioni del mercato del lavoro, all’abbassamento di qualità della vita
nelle grandi periferie urbane.
In sintesi, i processi di individualizzazione (conseguenza della
modernità, v. Giddens, 1990) e la crisi dello stato sociale e del merca-
to del lavoro (specifici della nuova fase tardo-moderna caratterizzata
dalla crisi economica e dalle politiche neo-liberiste), rappresentano
le principali cause socio-economiche del riemergere dell’insicurezza
sociale e, contemporaneamente, della centralità che hanno assunto i
temi della sicurezza e della percezione di insicurezza da parte dei cit-
tadini a causa della criminalitàdiffusa e del degrado urbano5.
4 Bauman, Z., 2005, Fiducia e paura nella città, Milano, Mondadori.
5 Castel, R., 2003, L’insécurité sociale: qu’est ce qu’être protégé?, Paris, éd. du Seuil.
Garland, D., 2001, The Culture of Control. Crime and Social Order in Contemporary
Society, Oxford, Oxford University Press.
Wacquant, L., 1999, Les prisons de la misère, Paris, Raisons d’agir.
Giuseppe Ricotta68
Tra le analisi più lucide che hanno saputo mettere insieme crisi
economica e dello stato sociale ed emergere di nuovi conflitti urbani,
vi è quella di Robert Castel6 In particolare, Castel ha sottolineato lo
stretto legame esistente, nelle società tardo-moderne, tra l’insicurez-
za “sociale” – connessa ai rischi che possono degradare la condizione
socio-economica degli individui (quali la malattia, l’infortunio sul la-
voro, la mancanza di denaro durante la vecchiaia, ecc.), e quella che
egli definisce l’insicurezza “civile”, ossia la sfera della sicurezza che fa
riferimento all’incolumità fisica (propria e dei propri cari) e alla pro-
tezione dei beni personali. Se la precarizzazione del mercato del lavo-
ro e la crisi del welfare state, seguiti al mutamento dell’economia di
mercato degli anni ‘70, hanno fatto riemergere con forza il tema della
marginalità sociale, allo stesso tempo hanno causato il “ritorno delle
classi pericolose”, vale a dire la cristallizzazione su gruppi specifici di
cittadini, generalmente situati ai margini, di tutte le minacce veicolate
da una determinata società.
Le classi pericolose sono, nella definizione di Castel, gruppi so-
ciali marginali, ma non tutti i gruppi sociali marginali sono classi pe-
ricolose. Al contrario, ampie fasce della classe operaia e impiegatizia
meno qualificata, le giovani generazioni del ceto popolare coinvolte
dalla dequalificazione di massa, possono dare sostegno elettorale a
movimenti politici, quali ad esempio il Fronte Nazionale in Francia,
che proprio sul risentimento sociale verso altri gruppi (gli immigrati
o i loro figli, le cosiddette “seconde generazioni”) fondano una par-
te significativa della loro proposta politica di difesa socio-economica,
identitaria e fisica del territorio nazionale o locale di riferimento. Lo
stesso è avvenuto in altri Stati europei, tra cui l’Italia: si pensi all’affer-
mazione elettorale della Lega Nord, a lungo forza di governo del Paese,
che ha individuato in alcuni specifici gruppi (gli immigrati in genere,
i romanì che vivono nei cosiddetti “campi nomadi”, i “mussulmani”,
ecc.) i nemici pubblici della sicurezza, del benessere e della qualità
della vita degli autoctoni “padani”.
Castel, in particolare, individua nelle periferie urbane il luogo
in cui si riversano tanto le nuove classi pericolose, quanto le fasce di
popolazione espulse dai processi produttivi. Nelle odierne banlieus
6 Castel, R., 2003, L’insécurité sociale: qu’est ce qu’être protégé?, Paris, éd. du Seuil.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 69
metropolitane, infatti, si mescolano lavoro precario e attività margina-
li, fallimenti scolastici e disoccupazione, habitat degradato e urbaniz-
zazione senz’anima, presenza di gruppi di origine nazionale differente
e giovani che non studiano né lavorano, visibilità di pratiche micro-cri-
minali (tipo il piccolo spaccio) e atti di vandalismo. Gli appartenenti
alle nuove classi pericolose, spesso portatori di una cultura di origine
straniera, sono discriminati negativamente quando ricercano il lavoro
o la casa, e devono fare i conti con l’ostilità della popolazione urbana
e delle forze dell’ordine. Castel, inoltre, suggerisce un parallelo tra i
proletari europei dell’800, prima che si sviluppasse un sistema di pro-
tezione sociale pubblico, e queste nuove classi: entrambe pericolose in
quanto non accasate all’interno delle società in cui vivono7.
Ma vi è – ha notato Bauman 8 – una differenza sostanziale tra le
vecchie classi pericolose della modernità, i proletari europei dell’800,
e le nuove classi pericolose della modernità avanzata: se le prime era-
no costituite da gente “in eccesso”, non ancora integrata nel sistema
(ma ci avrebbero pensato, soprattutto dopo la seconda guerra mon-
diale, lo sviluppo del welfare e la grande crescita economica), le se-
conde appaiono non assimilabili affatto, “superflue”, condannate a
un’esclusione irrevocabile, permanente, a causa della crisi economica
e dell’arretramento di quello stesso stato sociale che aveva invece ga-
rantito l’integrazione protettiva delle prime.
Bauman colloca in questa nuova categoria di classe pericolosa
tanto l’underclass esclusa dal lavoro perché superflua, quanto i “cri-
minali”, anch’essi inadatti a essere socialmente riciclati e per i quali
quindi vanno progettate politiche che gli impediscano di combinare
guai ed entrare in contatto con quanti rispettano le leggi e sono inclusi
nel sistema socio-economico. La “purezza locale” 9 delle città necessi-
ta, per essere difesa, di una “tolleranza zero” verso coloro – gli esclusi
del sistema socio-economico – che la minacciano attraverso compor-
7 Come ci ricorda Castel, i lavoratori della fabbriche, prima di essere inclusi in un siste-
ma di protezione pubblico, erano sottoposti agli effetti negativi dei cicli dell’econo-
mia di mercato, ovvero la disoccupazione e la povertà, e venivano additati dalle classi
benestanti come pericolosi per le loro abitudini e i loro comportamenti. Lo “Stato
gendarme” doveva badare a esse attraverso le Forze dell’ordine.
8 Bauman, Z., 2005, Fiducia e paura nella città, Milano, Mondadori.
9 Idem.
Giuseppe Ricotta70
tamenti pericolosi o semplicemente fastidiosi. A tal proposito, Robert
Castel ci domanda se non si stia assistendo, in Europa, a una regres-
sione dallo Stato sociale e protettore (tipico dello sviluppo più maturo
della modernità in Europa) a uno Stato sicuritario e punitivo (che se-
guirebbe la crisi economica e sociale iniziata negli anni ‘70 – in parti-
colare dopo la crisi petrolifera del 1973). Uno Stato che, come lo Stato
gendarme in epoca di “modernità liberale ristretta”10, rivolge gli sforzi
del controllo sociale verso le categorie economicamente più deboli.
Secondo Loïc Wacquant11, il nuovo governo dell’insicurezza
sociale provocata dalla crisi del welfare, avviene proprio attraver-
so una politica punitiva verso i poveri: una gestione securitaria del-
le categorie sociali problematiche collocate nelle zone più margina-
li del tessuto urbano, con una parallela trascuratezza di altre forme
di devianza (la criminalità economica, di Stato e dei colletti bianchi).
Conseguentemente, la prigione assumerebbe la funzione di una pattu-
miera giudiziaria dove devono essere collocati i “rifiuti umani” delle
società di mercato12. All’atrofia dello stato sociale corrisponderebbe
un’ipertrofia dello stato penale; e il processo di criminalizzazione del-
la povertà e degli emarginati condurrebbe alla sostituzione delle poli-
tiche sociali con il trattamento penale della miseria13
Se questo mutamento di prospettiva verso la marginalità sociale
e il crimine, più punitiva e meno incline al recupero, trova riscontro in
numerose esperienze internazionali, è necessario comprendere da dove
essa abbia attinto ispirazione e soprattutto su quali basi sia fondata la
sua legittimità sociale. I policy maker, in Italia così come in altri Paesi
occidentali, hanno potuto attingere nel campo della sicurezza dalle tesi
provenienti dalle scienze criminologiche che, a partire dagli anni ‘70,
hanno offerto nuove interpretazioni e soluzioni per il contrasto e per la
prevenzione del crimine e del degrado urbano. Faccio qui riferimento,
10 Così Castel definisce la fase della modernità precedente all’affermarsi dei sistemi di
welfare.
11 Wacquant, L., 2004, Punir les pauvres: le nouveau gouvernement de l’insécurité sociale,
Marseille, Agone.
12 Bauman (2004) ha parlato, a sua volta, di “vite di scarto” o di “rifiuti umani”: persone
private dei loro modi e mezzi disopravvivenza per lo smaltimento dei quali lo “Stato
caserma” progetta luoghi di smaltimento (banlieues, campi per immigrati, ecc.).
13 Wacquant, L., 1999, Les prisons de la misère, Paris, Raisons d’agir.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 71
da un lato, alle criminologie “della rivincita”14, che definiscono il crimi-
nale come attore malvagio e mostruoso, che attenta alla vita della co-
munità e che necessita di un contrasto duro, attraverso gli strumenti del
sistema penale, in particolare l’incarcerazione a scopo di incapacitazio-
ne e, ove prevista, la pena di morte. Dall’altra, alle criminologie “della
vita quotidiana”15 che, interpretando il crimine come fenomeno natu-
rale e inevitabile della società contemporanea e il criminale come un
attore razionale (e riconoscendo allo stesso tempo i limiti deterrenti del
sistema penale), mirano a identificare quali siano le situazioni favorevo-
li all’azione criminale, per suggerire misure di contrasto e prevenzione
che ne aumentino i costi e ne diminuiscano i benefici – ad esempio attra-
verso un aumento della sorveglianza umana o della video-sorveglianza
oppure attraverso interventi urbanistici dissuasivi.
David Garland16 , in particolare, ha indagato le cause sociali che
hanno determinato questa nuova cultura del controllo nelle società
tardo-moderne, analizzando le trasformazioni sociali avvenute negli
Stati Uniti e in Gran Bretagna negli ultimi trent’anni. Con lo svilup-
po economico e sociale connesso ai processi di modernizzazione, il
tasso e la varietà dei reati commessi invece di diminuire è aumentato
(processo che ha caratterizzato tutte le società a forte tasso di indu-
strializzazione e crescita economica a partire dagli anni ‘60 e fino agli
anni ‘90). In particolare, ci si riferisce agli street-crime, ovvero alla mi-
cro-criminalità o criminalità diffusa, che ha insidiato la qualità della
vita della classe media predisponendo vasti settori dell’opinione pub-
blica verso una domanda di maggiore sicurezza urbana. Questo feno-
meno è spiegabile con l’aumento delle opportunità di crimine dovuto,
tra l’altro, al numero sempre più elevato di beni in circolazione e alla
diminuzione delle forme di controllo sociale informale nelle case e nei
quartieri. Il depauperamento delle reti sociali urbane, il diffondersi di
spazi sociali più estesi, anonimi e meno controllabili, conseguenze del-
la modernità, avrebbero comportato, inoltre, un aumento del degrado
urbano oltre a favorire ulteriormente i processi di individualizzazione,
elementi che acuiscono il senso di insicurezza dei cittadini. Allo stesso
14 Melossi, D., 2002, Stato, controllo sociale, devianza, Milano, Modadori.
15 Garland, D., 2001, The Culture of Control. Crime and Social Order in Contemporary
Society, Oxford, Oxford University Press.
16 Idem.
Giuseppe Ricotta72
tempo, le modalità di azione del “welfare penale”, in particolare le po-
litiche correttive, sono state investite da una forte crisi di legittimità.
In una situazione del genere, discorsi politici sulla sicurezza dai toni
emotivi e punitivi hanno trovato un consenso crescente in vasti settori
dell’opinione pubblica: un’opportunità populista, cui è difficile rinun-
ciare per i vantaggi di legittimità che può offrire a una classe dirigente
per altri versi inefficace nel contrastare crisi economica, precarizza-
zione del mercato del lavoro e impoverimento dei sistemi di welfare17 .
2 la siCurezza urbana in italia e la tolleranza zero
A conferma delle tesi sociologiche commentate nel preceden-
te paragrafo, si può osservare come specifici eventi di portata glo-
bale, quali la crisi economica internazionale, le difficoltà del merca-
to del lavoro, la crisi fiscale degli Stati con la conseguente messa in
discussione del welfare state, uniti ai grandi flussi migratori, stiano
avendo in Europa un impatto locale, visibile soprattutto nelle aree
periferiche delle grandi città. Inoltre, l’attentato terroristico dell’11
settembre 2001 a New York e Washington, prima, gli attentati nelle
capitali europee di Madrid (2003) e Londra (2004), poi, hanno avuto
una ripercussione immediata sul dibattito relativo alla messa in si-
curezza delle città di fronte a potenziali nuovi attacchi terroristici18
e posto la questione dello “scontro di civiltà”19 al centro del dibattito
pubblico.
In tal senso, Bauman20 ha sottolineato come la politica urbana
e locale sia stata sovraccaricata negli ultimi anni da problemi par-
ticolarmente complessi. Questo è oltremodo vero per l’Italia, dove
sono stati soprattutto i sindaci delle città a insistere sul tema della
sicurezza urbana e a reclamare nei confronti del governo centrale sia
nuovi poteri, sia interventi specifici per la messa in sicurezza delle
città. L’Italia, per quanto riguarda le politiche di sicurezza urbana, ha
17 Ricotta, G., 2012, “Sicurezza urbana e tolleranza zero”, in La rivista delle politiche so-
ciali, n. 1: 117-133.
18 Battistelli, F., 2008, a cura, La fabbrica della sicurezza, Milano, Angeli.
19 Huntington, S.P., 1993, “The Clash of Civilizations?”, in Foreign Affairs, 72, 3: 22-49.
20 Bauman, Z., 2005, Fiducia e paura nella città, Milano, Mondadori.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 73
seguito con almeno un decennio di ritardo quanto già avvenuto in
altri Paesi europei, quali ad esempio la Gran Bretagna e la Francia,
e ancor prima negli Stati Uniti d’America. Questa nuova enfasi sulla
sicurezza delle città ha coinciso, in particolare, con specifici eventi
e cambiamenti di natura politica, economica e demografica: la crisi
dei partiti nazionali e il crollo della cosiddetta Prima Repubblica in
seguito alle inchieste del pool di magistrati di Milano nel 1992 sulla
corruzione politica (la cosiddetta “Tangentopoli”), il nuovo prota-
gonismo dei sindaci (eletti direttamente dai cittadini a partire dal
1993), l’avvento al governo del Paese di forze politiche nuove, post-
costituzionali e dai forti tratti populisti, quali Forza Italia di Silvio
Berlusconi e la Lega Nord21; la crisi fiscale dello stato e le conseguen-
ze politiche nel campo del welfare e del mercato del lavoro; il flusso
immigratorio che determina in vent’anni un profondo cambiamento
nella composizione demografica del Paese22.
La specificità italiana in merito alle politiche di sicurezza si
può riassumere in tre punti: 1) un drastico cambio nei contenuti dei
discorsi della politica sulla sicurezza, dall’attenzione posta fino ai pri-
mi anni ‘90 al contrasto alle organizzazioni mafiose e prima ancora
al terrorismo politico, alla nuova enfasi accordata al micro-crimine,
significativamente rinominato “criminalità diffusa”23; 2) un legame
sempre più stresso tra i temi della sicurezza e dell’immigrazione, come
principale risposta politica al grande sommovimento demografico che
caratterizza il paese a partire dagli anni ‘90; 3) il protagonismo dei
21 Insieme ad Alleanza Nazionale, partito nazional-conservatore nato proprio lo stesso
anno dall’esperienza del partito post-fascista Movimento Sociale Italiano.
22 Se nel 1991, infatti, la presenza di cittadini immigrati costituiva l’1% della popolazione
italiana, nel 2011 questa percentuale è salita al 7,5%. In valori assoluti, si è passati dai
circa 500mila immigrati del 1991, ai circa 5 milioni odierni (Caritas/Migrantes, 2011).
23 Il “ritardo” con il quale la questione sicurezza si è affermata in Italia, sia rispetto a
quanto avvenuto in altri Paesi occidentali, sia rispetto allo stesso trend dei reati, è
stato interpretato proprio alla luce di questa specificità criminale italiana: da un lato,
la presenza del terrorismo politico negli anni ‘70, dall’altro, la presenza storica del
crimine organizzato e l’aggressione di Cosa Nostra ai rappresentati delle istituzio-
ni culminata negli anni 1992/1993, con gli attentati ai magistrati Giovanni Falcone
e Paolo Borsellino e con le stragi di Firenze e Milano (Battistelli, 2008; Melossi e
Selmini, 2009). Dopo questa fase stragista,le logiche d’azione mafiosa nel Paese han-
no assunto forme più sofisticate e occulte, quanto più possibile lontane dai riflettori
dei mezzi di comunicazione e della politica.
Giuseppe Ricotta74
sindaci dei comuni italiani, che, nella crisi di legittimità avviatasi dopo
le inchieste della magistratura italiana sulla corruzione politica, chie-
dono nuovi poteri per affrontare anche le questioni relative alla sicu-
rezza nelle città, di competenza del potere centrale nell’ordinamento
giuridico italiano24.
Il mutamento del frame sicurezza in Italia è, dunque, caratte-
rizzato innanzitutto dalla sua nuova declinazione urbana. Il concetto
di sicurezza urbana non corrisponde a quello di ordine pubblico25 ol-
tre ad essere collocato a livello locale, infatti, enfatizza l’idea della go-
vernance multilivello e delle politiche integrate, la collaborazione dei
diversi “produttori di sicurezza”, dalle forze dell’ordine nazionali, alle
polizie locali, ai servizi pubblici territoriali, al terzo settore – secon-
do i modelli provenienti da altri contesti europei Inoltre, il concetto
di sicurezza urbana non mette a fuoco esclusivamente i crimini, ma
tutti quei comportamenti che sono in grado di diminuire la percezio-
ne della sicurezza nelle città; ad esempio le cosiddette inciviltà, vale a
dire tutti quei comportamenti che, pur non costituendo un reato pe-
nale, possono incidere sulla sicurezza e la qualità della vita dei citta-
dini (schiamazzi notturni, scritte sui muri, abbandono di rifiuti, ecc.);
oppure il degrado urbano e il degrado sociale, che chiamano in causa
fenomeni molto diversi tra loro, dall’incuria degli spazi verdi al consu-
mo di droghe o bevande alcoliche in luogo pubblico, dalla prostituzio-
ne per strada all’accattonaggio, ecc. Proprio per questo suo obiettivo
di classificazione dei comportamenti che incidono sulla percezione di
sicurezza dei cittadini, il concetto di sicurezza urbana – che ha una de-
rivazione extra-giuridica – esclude dalla definizione i crimini a bassa
visibilità, quali alcune attività tipiche del crimine organizzato, le vio-
lenze domestiche, o i cosiddetti crimini dei colletti bianchi. Di conse-
guenza, la sicurezza urbana può essere interpretata, da un lato, come
un ambito di policy specifico degli enti locali in tema di qualità del-
la vita urbana, tramite interventi di regolazione sociale e urbanistica
(cura degli spazi verdi, regolamentazione degli esercizi commerciali,
24 Nell’ordinamento italiano, la competenza in tema di ordine e sicurezza pubblica è
in capo allo Stato centrale. A livello locale, è la figura del prefetto a rappresentare
l’autorità provinciale per l’ordine pubblico e la sicurezza, assistito dal questore, il
quale esercita la propria autorità operativa sulle Forze dell’ordine nazionali (L. 121
del 1981).
25 Selmini, R., 2004, a cura, La sicurezza urbana, Bologna, il Mulino.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 75
illuminazione delle strade, così come interventi a supporto delle vitti-
me, o di particolari categorie svantaggiate tramite le politiche di wel-
fare locale, ecc.); dall’altro, come motivazione teorica per un’azione
dissuasiva/repressiva nei confronti di comportamenti non criminali
ma “fastidiosi” per la cittadinanza e dannosi per la sicurezza in ge-
nerale (ad esempio attraverso ordinanze anti-prostituzione, anti-ac-
cattonaggio, per la proibizione della vendita di bevande alcoliche in
determinate ore o luoghi, per la limitazione dell’uso di spazi pubblici,
ecc.). Due accezioni, con vaste aree di sovrapposizione, che trovano
comune fondamento nell’ipotesi dell’inciviltà come fattore di insicu-
rezza dei cittadini e facilitatore di un aumento dei comportamenti de-
vianti e criminali.
Una delle tesi che ha maggiormente contribuito alla traduzione
dell’ipotesi delle inciviltà in diversi contesti, tra cui l’Europa e l’Italia, è
la broken windows theory, promossa da due studiosi neoconservatori
nordamericani, James Q. Wilson e George L. Kelling (1982). Secondo
questa tesi, se viene infranto il vetro della finestra di uno stabile ed
esso non viene riparato tempestivamente, presto tutte le altre finestre
saranno rotte; questo comportamento, sperimentato in alcuni studi di
psicologia sociale condotti da Philip Zimbardo nel 1969, si traduce in
una raccomandazione in termini di politiche della sicurezza urbana:
se non si interverrà a ripristinare il decoro urbano violato da atti van-
dalici, questa disattenzione delle istituzioni nei confronti delle inci-
viltà indurrà i cittadini a sentirsi più insicuri, a non frequentare e a
non prendersi cura del loro quartiere, e incoraggerà i malviventi ad
agire indisturbati; le inciviltà e il degrado urbano, se tollerati, diver-
rebbero segnali fisici della mancanza di controllo e dell’abbandono
del quartiere da parte delle istituzioni. Seguendo la tesi delle finestre
rotte, è la mancanza di controllo sociale che determina la paura del
crimine e l’insicurezza, più che i tassi di vittimizzazione. Questi ultimi,
al contrario, aumenterebbero proprio a causa del depauperamento
del controllo sociale informale e dell’erosione delle regole condivise
di convivenza.
Il senso di insicurezza, dunque, dipenderebbe dalle inciviltà,
oltre che da alcuni reati predatori e violenti. E la paura dei cittadini è
anche di essere molestati da quanti i due autori definiscono disorder-
ly people: gente che dà fastidio, che disturba la quiete pubblica. Non
Giuseppe Ricotta76
si tratta, necessariamente, di persone violente, di criminali, quanto
piuttosto di persone poco raccomandabili, aggressive o imprevedi-
bili: mendicanti, ubriachi, adolescenti turbolenti e agitati, prostitute,
perdigiorno, malati mentali. Come si può osservare, questa tesi offre
un’interpretazione scientifica 26 alla centralità, di fronte all’emergenza
sicurezza nella società contemporanea, del ruolo giocato dalla mar-
ginalità sociale, da categorie disagiate socialmente e reinterpretate
entro il frame del disordine sociale che genera insicurezza. E poiché
un quartiere vissuto come insicuro è presto abbandonato o poco fre-
quentato dalle persone “per bene”, continuare a tollerare la presenza
di inciviltà e di persone che danno fastidio è il viatico per un aumento
dei reati veri e propri.
È in questo passaggio logico che risiede il nocciolo della “tol-
leranza zero”, proposta da Rudolph Giuliani, sindaco di New York dal
1994 al 2001: essere severi anche con comportamenti fastidiosi o inci-
vili, quali il mendicare o lo scrivere sui muri, è una strada efficace non
solo per l’aumento della qualità della vita e della sicurezza percepita
dai cittadini, ma soprattutto per la lotta a crimini più gravi, quali rapi-
ne, aggressioni e omicidi.
In Italia, nel corso di tutti gli anni ‘90 i comuni hanno svilup-
pato politiche di sicurezza urbana, spesso con il supporto attivo delle
Regioni, e creato dipartimenti e deleghe politiche ad hoc. Protagonisti
di questa produzione di politiche dal basso sono stati soprattutto i
comuni dell’Italia settentrionale, amministrati da giunte di centro-si-
nistra27 Nel portare avanti le iniziative politiche in tema di sicurezza
urbana, i sindaci hanno utilizzato i pochi strumenti già esistenti, a vol-
te riadattandoli da ambiti di intervento differenti (ad esempio, attra-
verso lo strumento delle ordinanze sindacali per l’incolumità fisica dei
cittadini in casi di emergenze). Sono state, in particolare, perseguite
politiche di “nuova prevenzione”, specie di tipo situazionale, attraver-
so la sorveglianza formale del territorio (con il coinvolgimento della
Polizia municipale o il ricorso a pattugliamenti misti di polizie nazio-
nali e locali), l’arredo urbano dissuasivo (cancelli, barriere architetto-
26 Wacquant, L., 1999, Les prisons de la misère, Paris, Raisons d’agir.
27 Selmini, R., 2000, “Le misure di prevenzione adottate nelle città italiane”, in Quaderni
di Città Sicure, 20b: 53-77.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO77
niche in genere), la video-sorveglianza, l’aumento dell’illuminazione,
il contrasto di comportamenti specifici (soprattutto la prostituzione
in strada) attraverso lo strumento delle sanzioni amministrative28/29.
Si tratta, dunque, di un approccio al tema della sicurezza urbana che
ha accolto la cosiddetta ipotesi delle inciviltà come una delle cause più
importanti del senso di insicurezza urbano e dell’aumento della cri-
minalità diffusa – ma in una prospettiva bilanciata anche da interventi
locali di tipo sociale, a supporto delle fasce più deboli o delle vittime
di reato.
Un salto di qualità nelle politiche di sicurezza in Italia si con-
cretizza con la cosiddetta stagione dell’ “emergenza sicurezza” (2007-
2009), quando il governo nazionale assume un ruolo di traino nell’in-
novazione legislativa nel campo della sicurezza urbana30. Il modo in
cui è declinato il tema della sicurezza nelle città, con particolare rife-
rimento alla questione immigrazione (specie quella proveniente dal-
la Romania a seguito del suo ingresso nella Unione Europea) e alla
questione dei “campi nomadi”, è condizionato in modo decisivo dal
dibattito venutosi a creare a seguito di alcuni efferati omicidi avvenuti
28 Selmini, R., 2000, “Le misure di prevenzione adottate nelle città italiane”, in Quaderni
di Città Sicure, 20b: 53-77.
29 La nuova prevenzione è coerente con i processi di devoluzione in tema di gestione
della sicurezza e con l’allargamento del campo di intervento delle politiche di sicu-
rezza (dai fenomeni criminosi alle inciviltà e al degrado urbano e sociale). Oltre alla
prevenzione situazionale, che si concentra sul contesto in cui avvengono i fenomeni
criminosi al fine di ridurre il più possibile le opportunità e di aumentare i rischi per i
potenziali criminali, sono state implementate da alcuni comuni italiani (seppur in mi-
sura minore) politiche locali di prevenzione sociale, volte ad intervenire sulle cause
del disagio sociale e della criminalità: interventi sociali sul disagio giovanile, misure
di recupero per ex-detenuti, servizi di accompagnamento per donne sole, assistenza
psicologica diretta alle vittime di reati, ecc. (Selmini, 2000). Alla dicotomia “situa-
zionale/sociale” per la classificazione delle politiche di prevenzione in tema di sicu-
rezza, Battistelli (2011) ha proposto di sostituire quella “situazionale/strutturale”: il
primo tipo è riferito agli interventi che si concentrano sul tempo e sullo spazio in cui
si verifica un comportamento incivile o illegale, il secondo tipo agli interventi sulla
genesi, sul contesto e sulle variabili costitutive dello stesso tipo di comportamento.
30 Battistelli, F. e L.F. Lucianetti, 2010, “La sicurezza tra politics e policy”, in A. Pajno, a
cura, La sicurezza urbana, Rimini, Maggioli: 75-110.
Galantino, M.G., 2010, La società della sicurezza. La costruzione sociale della sicurezza
in situazioni di emergenza, Milano, Angeli.
Ricotta, G., 2012, “Sicurezza urbana e tolleranza zero”, in La rivista delle politiche so-
ciali, n. 1: 117-133.
Giuseppe Ricotta78
nella città di Roma nel 2007, e compiuti da cittadini romeni31. In quel
frangente, il governo nazionale, sotto la pressione di alcuni sindaci di
spicco32, licenzia una serie di provvedimenti che indirizzano l’inter-
pretazione della sicurezza urbana verso un’idea di controllo di com-
portamenti specifici, compiuti da specifiche categorie sociali – dando
vita in modo più diffuso a strumenti di policy con caratteristiche inter-
pretabili entro i frame della tolleranza zero e della criminalizzazione
degli esclusi.
In particolare, nel novembre 2007, in risposta diretta al de-
litto avvenuto nei pressi della stazione ferroviaria di Tor di Quinto
a Roma, del quale viene accusato un cittadino romeno alloggiato nel
vicino “campo nomadi” (poi condannato all’ergastolo), l’allora go-
verno di centro-sinistra licenzia un provvedimento sull’espulsione
prefettizia immediata di cittadini comunitari e loro familiari per mo-
tivi di pubblica sicurezza che li rendano incompatibili con l’ordinaria
convivenza33.
31 Nello specifico, l’uccisione di una ragazza presso la stazione ferroviaria centrale a
seguito di una lite per futili motivi, l’assassinio di un ciclista a scopo di rapina, la vio-
lenza sessuale e l’omicidio di una donna nei pressi della stazione ferroviaria di Tor
di Quinto, sempre a scopo di rapina. I quotidiani nazionali, i telegiornali, i rotocalchi
televisivi hanno riportato a lungo e con toni drammatici i particolari relativi alle tre
vicende – tutte caratterizzate da una sproporzione tra il danno subito dalla vittima (la
perdita della vita) e il futile movente dell’aggressore.
32 Da ricordare, in particolare, la fiaccolata organizzata a Milano nel Marzo 2007 dall’al-
lora sindaco Letizia Moratti, per chiedere maggiore attenzione da parte del governo
Prodi (di centro-sinistra) per la sicurezza dei cittadini. “La percezione della sicurezza
– dirà a proposito il leader del PDL Silvio Berlusconi, nel corso dell’iniziativa – non
c’è, c’è una percezione di insicurezza, ci sono interi quartieri occupati da emigranti
e non c’è una presenza di forze dell’ordine rassicurante” (La Repubblica, 26 marzo
2007). Da segnalare, inoltre, la “Carta per la sicurezza urbana”, detta anche Carta di
Parma, siglata da venti sindaci di città del nord d’Italia il 18 aprile 2008, in cui le
autorità locali chiedono al governo interventi di carattere legislativo e stanziamenti
per ampliare i loro poteri in materia di sicurezza urbana e per potenziare l’azione e la
cooperazione delle Forze dell’ordine e delle Polizie locali.
33 Un provvedimento – è stato criticamente osservato (Pastore, 2007) – che si è rivolto
a una specifica categoria sociale, l’immigrato comunitario, piuttosto che all’autore
di un reato specifico (al quale si applicano le norme penali ordinarie), secondo la
sottostante tesi che l’espulsione di un certo numero dei soggetti appartenenti alla
categoria degli immigrati comunitari (con il riferimento implicito ai cittadini romeni)
potesse servire a garantire la sicurezza del Paese.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 79
Ma è soprattutto il IV governo Berlusconi, formatosi dopo la
netta vittoria elettorale del centro-destra nel 2008, a sostanziare le
politiche di sicurezza secondo il modello della broken windows theory
e del contrasto dei comportamenti attribuibili ai disorderly people.
Sull’onda emotiva della campagna per la sicurezza 2007/08 il nuovo
Ministro dell’Interno, Roberto Maroni della Lega Nord, darà il via a
una serie di iniziative in tema di sicurezza34: l’introduzione del reato di
immigrazione clandestina, il piano emergenza nomadi, l’introduzione
delle ronde nelle città (“volontari per la sicurezza”), l’impiego delle
Forze armate in compiti di polizia e la traduzione in norma del concet-
to di sicurezza urbana. Quest’ultimo atto avviene attraverso la riforma
dell’art. 54 del TUEL (“testo unico delle leggi sull’ordinamento degli
enti locali”), che rafforza i poteri di ordinanza dei sindaci delle città
nella nuova veste di ufficiali di governo. I sindaci possono adottare
provvedimenti normativi a tempo indeterminato al fine di prevenire
o eliminare gravi minacce alla sicurezza urbana – e non solo, come in
precedenza, in casi di urgenza e di fronte a gravi pericoli per l’incolu-
mità fisica dei cittadini. Da allora i sindaci hanno licenziato numerose
ordinanze: anti-prostituzione, anti-mendicità, anti-lavavetri, anti-al-
col (ma anche anti-burqa, anti-kebab, anti-gavettoni, ecc.)35.
La sicurezza urbana è stata successivamente definita (Decreto
del Ministero dell’Interno del 5 agosto 2008) come un bene pubbli-
co da tutelare attraverso attività poste a difesa, nell’ambito delle co-
munità locali, del rispetto delle norme che regolano la vita civile, per
migliorare le condizioni di vivibilità nei centri urbani, la convivenza
e la coesione sociale. Ciò attraverso il contrasto e la prevenzione del
degradourbano e dell’isolamento (che possono favorire lo spaccio di
stupefacenti, lo sfruttamento della prostituzione, l’accattonaggio con
34 Il neo-Ministro dell’Interno non tarderà a far visita all’icona della tolleranza zero,
Rudolph Giuliani, per “studiare il modello di sicurezza urbana di New York, basato
sul concetto della tolleranza zero” (La Repubblica, 13 dicembre).
35 Il 7 aprile 2011, la Corte Costituzionale, con la sentenza n. 115, ha dichiarato incosti-
tuzionali alcune innovazioni introdotte dal cosiddetto “Pacchetto sicurezza” nel 2008
in tema di ordinanze sindacali. In particolare, è stata ritenuta illegittima la possibi-
lità del sindaco, quale ufficiale di governo, di emanare ordinanze anche in assenza
di situazioni “contingibili e urgenti”, di fatto ridimensionando i poteri straordinari
di ordinanza dei sindaci, per ricollocarli nell’alveo dei provvedimenti di urgenza e
provvisori.
Giuseppe Ricotta80
impiego di minori e disabili o l’abuso di alcol), gli atti di vandalismo,
l’occupazione impropria di immobili o del suolo pubblico, il commer-
cio abusivo, e infine le attività di accattonaggio e di prostituzione me-
desimi, in quanto fenomeni che possono offendere la decenza pubbli-
ca e impedire la libera fruizione di spazi urbani agli altri cittadini.
Il provvedimento politico si salda, a ben vedere, con l’ipotesi
delle inciviltà, e pone al centro delle preoccupazioni del sindaco, in
tema di sicurezza urbana, più che interventi di carattere economico
e sociale o di “prevenzione strutturale”36, più consoni alla tradizione
delle politiche urbane, attività di contrasto securitario verso fenomeni
di marginalità sociale37.
3 marginalità soCiale e diritti nella Città di roma
Il nesso tra marginalità sociale e pericolosità sociale, dunque,
trova spazio in una specifica interpretazione del concetto di sicurez-
za urbana; in particolare, se alcune categorie sociali che presentano
una condizione di marginalità e di povertà relativa sono rappresenta-
te in termini di disorderly people, in quanto autori di comportamenti
che, seppure non criminali, causano decadimento della qualità di vita
e della percezione di sicurezza in città, si possono attuare provvedi-
menti che, invece di indirizzarsi verso specifici reati, si indirizzano
verso specifici gruppi sociali, con conseguenze discutibili sia in termi-
ni di efficacia dei provvedimenti stessi che di tutela dei diritti umani.
Rileggendo alcuni provvedimenti in tema di sicurezza urbana che han-
no riguardato la città di Roma tra il 2007 e il 2009, si può facilmente
rilevare questo processo di criminalizzazione di alcune fasce di po-
polazione caratterizzate da marginalità sociale: nello specifico, feno-
meni quali l’accattonaggio, la prostituzione in strada, la condizione di
disagio abitativo delle popolazioni romanì e la loro precarietà di status
36 Battistelli, F., 2011, “Sicurezza urbana: il paradosso dell’insicurezza e il dilemma della
prevenzione”, in Rassegna italiana di Sociologia, LII, 2: 201-228.
37 Dopo un anno dall’entrata in vigore del provvedimento, delle 788 ordinanze censite
dall’Anci, il 69% erano state emesse da Comuni del Nord Italia, e avevano come ambiti
di intervento disciplinati, in ordine di numerosità, il consumo di bevande alcoliche,
la prostituzione, il vandalismo, la vendita di alimenti/bevande, l’abbandono di rifiuti,
l’accattonaggio molesto, gli schiamazzi, il decoro e disturbo della città, il divieto di
sosta/campeggio (Cittalia/Anci, 2009b).
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 81
giuridico38, sono stati interessati da provvedimenti ad hoc in quanto,
a seconda dei casi, interpretati come offensivi della pubblica decenza,
d’intralcio per la libera fruizione degli spazi urbani da parte degli altri
cittadini, causa di grave allarme sociale.
In sintesi, gli interventi prodotti dai diversi livelli di governo
hanno tradotto un’emergenza sociale in un’emergenza sicurezza.
Rispetto alla prostituzione, ad esempio, il sindaco di Roma
di centro-destra, appena eletto, ha emanato un’ordinanza sindacale
(n. 242 del 16 settembre del 2008) che interpreta la prostituzione in
strada come un problema di decoro urbano39 L’ordinanza mira, infatti,
a contrastare gli atteggiamenti indecorosi e indecenti che offendono
la pubblica sensibilità e che generano episodi di tensione nella cittadi-
nanza; inoltre, il fenomeno è definito pericoloso per la salute pubblica,
a causa dei rifiuti e dei residui organici che verrebbero reperiti nei
luoghi abitualmente frequentati da prostitute e clienti; infine, la pro-
stituzione in strada è vista come causa di insicurezza stradale, ovvero
di comportamenti imprudenti, in violazione del codice della strada,
degli automobilisti (anche per via dall’abbigliamento indecoroso delle
prostitute che provoca distrazione). Il contrasto della prostituzione in
strada è affidato, secondo i poteri dell’amministrazione locale, a una
multa di 200 euro per i clienti e per le prostitute.
Analizzando i contenuti dell’ordinanza, si può osservare come
siano citate questioni già altrimenti disciplinate (la sicurezza stradale)
o di interpretazione controversa (la pubblica decenza). Soprattutto,
per quanto interessa in questa sede, nell’ordinanza viene sottoposta a
controllo e criminalizzata, seppur in assenza di reati contro terzi, una
categoria (quella delle prostitute in strada) caratterizzata da disagio
sociale e a forte rischio di vittimizzazione per violenze, stupri, rapi-
ne, sfruttamento e riduzione in schiavitù (CGIL et al., 2009; Unità di
Strada, 2009). Un monitoraggio sugli effetti delle ordinanze anti-pro-
stituzione in Italia condotto dalle Unità di Strada (2009)40 che lavora-
38 Brazzoduro, M., 2010, “Roma. Poveri di status, i rom”, in Sgritta, a cura: 250-267.
39 Battistelli, F. e L.F. Lucianetti, 2010, “La sicurezza tra politics e policy”, in A. Pajno, a
cura, La sicurezza urbana, Rimini, Maggioli: 75-110.
40 Il rapporto è stato promosso da CNCA, Associazione On the Road, Coop. Dedalus,
Movimento Identità Transessuale, Comitato per i diritti civili delle prostitute,
Consorzio Nova e Asgi, e vi hanno partecipato complessivamente 26 enti di cui 24
Giuseppe Ricotta82
no a contatto con le prostitute ha evidenziato, come principali effetti
di questi provvedimenti, una rapida diminuzione dell’effetto deterren-
te del provvedimento amministrativo, e quindi un numero invariato
di presenze di prostitute in strada, accompagnato da un’alta mobilità
del target nel tentativo di evitare le zone con maggiore presenza di
Forze dell’ordine, o lo spostamento del fenomeno nei comuni limitrofi
a quello che ha emanato l’ordinanza. Ma le questioni più critiche del
provvedimento, secondo le Unità di Strada, riguarderebbero lo scarso
coinvolgimento nella progettazione di policy delle associazioni e delle
strutture che operano da anni sul tema; l’elevato costo di queste politi-
che, specie considerando gli effetti temporanei cui danno vita; l’occul-
tamento in alcuni casi del fenomeno prostituzione verso luoghi chiusi
(case, night club), e la conseguente minore predisposizione al contatto
delle prostitute con le Forze dell’ordine e gli operatori sociali41.
Per quanto riguarda i cosiddetti “lavavetri” e venditori ambu-
lanti nei pressi dei semafori, a Roma è stata emanata un’ordinanza sin-
dacale (n. 184 del 20 ottobre 2009) che vieta l’offerta del servizio di
pulizia dei vetri delle automobili e similari e l’offerta di mercanzia va-
ria su aree stradali ad uso pubblico nel territorio del Comune di Roma.
Anche a questi comportamenti è imputata la responsabilità di provo-
care distrazione alla guida, tensione con gli utenti della strada, pregiu-
dizio al libero transito, pericolo per l’incolumità dei soggetti coinvol-
ti. Anche in questo caso, come sanzione è prevista una multa (di 100
euro), oltre al sequestro del denaro, della mercanzia e delle attrezza-
ture42. Ciò che viene punito con ammenda è un comportamento, lavare
gestisconodirettamente unità di strada di intervento sociale nel campo della pro-
stituzione. A Roma, il monitoraggio è stato condotto dalle cooperative Il Cammino,
Parsec e Magliana ‘80.
41 È inoltre interessante notare che nel primo monitoraggio di Cittalia/ANCI (2009a)
sulle ordinanze, nel mese di marzo 2009 al primo posto delle attenzioni dei sindaci ci
fosse proprio la prostituzione. Invece, nelle ricerche condotte sulla percezione della
sicurezza presso i cittadini, tale fenomeno risulta agli ultimi posti come causa d’insi-
curezza (v. ad es. quanto riportato nello stesso rapporto di monitoraggio di Cittalia/
Anci o, per quanto concerne la città di Roma, v. Ricotta, 2009).
42 Da segnalare, a proposito, le critiche provenienti dal Vicariato di Roma, attraverso
le parole del cardinale Agostino Vallini: “la domanda di legittima sicurezza dei cit-
tadini, che la pubblica amministrazione ha il dovere di tutelare, non può non essere
coniugata con il diritto fondamentale di ogni uomo alla sopravvivenza e alla ricerca
di condizioni per una vita dignitosa” (Il Messaggero, 8 novembre 2009).
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 83
i vetri delle automobili agli incroci delle strade, che, rappresentando
una forma dissimulata di mendicità, in Italia non costituisce reato.
Andrebbero, di fatto, puniti solo eventuali comportamenti – qualora
verificatisi – quali minacce, violenze private, molestie, se denunciati
da qualcuno. È, in sintesi, la categorizzazione come soggetti pericolosi
dei lavavetri e dei mendicanti a giustificare l’ordinanza, e non un reato
specifico.
Ma il caso più evidente del processo di criminalizzazione del di-
sagio sociale è rappresentato dagli interventi messi in atto dal Comune
di Roma e dal Governo italiano a proposito dei cosiddetti “campi no-
madi”. Si tratta, nello specifico, di assembramenti di baracche, contai-
ner, roulotte, o semplici tende, a seconda dei casi, dove hanno trovato
rifugio nel corso degli ultimi decenni, e a diverse ondate di migrazio-
ne, soprattutto romanì43 provenienti dalla ex-Jugoslavia (in partico-
lare nei primi anni ‘90, a causa della guerra civile in Bosnia) e dalla
Romania (specie a seguito dell’allargamento dell’Unione Europea a
Bulgaria e Romania nel 2007). La realtà dei campi è, a parte rare ecce-
zioni, una situazione esclusiva del contesto italiano, ed è caratterizzata
da condizioni “inumane e degradanti”, secondo le stesse parole usate
dalla Commissione straordinaria per la tutela e la promozione dei di-
ritti umani del Senato della Repubblica italiana (2011: 5). A Roma, in
particolare, nel 2009 si è stimata da parte delle Polizia Municipale la
presenza di un centinaio di campi: 7 autorizzati dall’amministrazione
comunale, 14 “tollerati” e 80 campi spontanei. Si configurano come
vere e proprie favelas all’interno del tessuto urbano44 ,e le persone che
43 I romanì, comunemente definiti zingari (ma l’uso del termine nel corso del tempo
è divenuto politicamente scorretto, benché ancora utilizzato sia in letteratura che
presso le istituzioni), zigani, gitani o nomadi (termine inesatto, in quanto solo una
minoranza di romanì pratica il nomadismo per scelta), costituiscono la principale
minoranza etnica in Europa (il Consiglio d’Europa ne stima le presenza di circa 11
milioni), mentre in Italia rappresenterebbero circa lo 0,2% della popolazione com-
plessiva, ovvero tra i 130mila e i 170mila (Cittalia/Anci, 2011). Si ritiene – ma non
vi sono prove definitive in merito – che queste popolazioni provengano da una zona
compresa tra l’India e il Pakistan attuali. In Italia, le principali popolazioni romanì
sono costituite da rom, sinti e camminanti siciliani. La loro presenza nel territorio
italiano risale all’incirca al 1400.
44 Pistecchia, A., S. Miscioscia e M. Accorinti, 2012, “Situazioni abitative e vita nei campi
a Roma: strategie di adattamento di due comunità rom”, paper presentato a Espanet
Conference. Risposte alla crisi: esperienze, proposte e politiche di welfare in Italia e in
Europa, 20-22 settembre.
Giuseppe Ricotta84
ci vivono non hanno nella maggioranza dei casi accesso ai più elemen-
tari di diritti di cittadinanza: istruzione, salute, lavoro e, ovviamente,
un alloggio adeguato. La più recente crisi economica che ha investito a
partire dal 2008 l’Italia, non ha colpito in modo specifico le già preca-
rie condizioni di vita, l’emarginazione sociale e la povertà strutturale
di quanti vivono nei campi, e tuttavia ha contribuito a esasperare gli
stati d’animo di quanti in città si trovano a condividerne spazi conti-
gui, generalmente periferici, connotati da degrado urbano e assenza di
servizi pubblici45 La miccia del conflitto è stata innescata, come ricor-
dato nel precedente paragrafo, dall’omicidio avvenuto a Roma nell’au-
tunno del 2007 nei pressi della stazione ferroviaria di Tor di Quinto e
del vicino campo nomadi.
Nel caso di Roma, in realtà, era già in vigore un patto per la si-
curezza, firmato tra l’allora sindaco Walter Veltroni e l’allora Ministro
dell’Interno Giuliano Amato del II governo Prodi il 18 maggio 2007,
in cui si faceva riferimento al contenimento delle “popolazioni senza
territorio”, alla costruzione di quattro villaggi della solidarietà e all’ab-
battimento di insediamenti abusivi, con successiva riqualificazione
delle aree liberate, con poteri trasferiti dal Ministero dell’Interno alle
autorità locali. Gli sgomberi erano già iniziati nel 2006 e, nell’arco
di un anno, ne erano stati eseguiti già una ventina46 .Il numero degli
sgomberi è proseguito a ritmo serrato negli anni successivi, anche a
seguito nei nuovi provvedimenti introdotti IV Governo Berlusconi e
dal nuovo sindaco di Roma, Gianni Alemanno, di centro-destra.
È, infatti, in pieno clima di allarme sociale per l’emergenza si-
curezza che il IV Governo Berlusconi vara lo “stato di emergenza in
relazione agli insediamenti di comunità nomadi nel territorio delle
regioni Campania, Lazio e Lombardia”: nel maggio 2008, ricorrendo a
una legge del 1992 sui poteri d’emergenza in caso di disastri naturali,
un Decreto del Presidente del Consiglio dei Ministri conferisce poteri
speciali ai prefetti al fine di risolvere la cosiddetta emergenza nomadi
in Lombardia, Campania e Lazio, potendo derogare a un certo numero
di leggi (provvedimento poi esteso a Piemonte e Veneto). Il 31 luglio
2009 viene siglato un piano nomadi specifico tra Comune di Roma e
45 Sgritta, G.B., 2010, a cura, Dentro la crisi. Povertà e processi di impoverimento in tre
aree metropolitane, Milano, Angeli.
46 Brazzoduro, M., 2010, “Roma. Poveri di status, i rom”, in Sgritta, a cura: 250-267.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 85
prefetto, in qualità di commissario straordinario per l’emergenza no-
madi. Il piano prevede un censimento delle popolazioni ritenute no-
madi, sgomberi e chiusura degli insediamenti abusivi e dei campi “tol-
lerati” e la costruzione di villaggi attrezzati per le comunità nomadi
nella Regione Lazio – in linea con quanto già messo in campo dalla
precedente giunta di centro-sinistra, benché all’insegna della nuova
retorica della tolleranza zero messa in campo dal sindaco Alemanno.
L’intervento nei confronti delle popolazioni considerate no-
madi riporta nel testo motivazioni di carattere sociale, quali il mi-
glioramento delle condizioni di vita nei campi, ma di fatto è motivato
dall’emergenza sicurezza, poiché la presenza dei campi, come recita
lo stesso provvedimento, “ha determinato un aumento dell’allarme
sociale, con gravi episodi che mettono in serio pericolo l’ordine e la
sicurezza pubblica”.
Una specifica commissione Osce inviata in Italia nel luglio
2008 per valutare le condizioni di rom e sinti a seguito dell’emana-
zione del piano di emergenza, giudicherà il provvedimento spropor-
zionato rispetto alla reale dimensione di minaccia: un provvedimento
che stigmatizza un gruppo etnico, i rom e i sinti appunto, rafforzando
e alimentando i sentimenti anti-zingarinella popolazione italiana47.
Anche un rapporto di Amnesty International (2010) sul piano nomadi
di Roma, avanza durissime critiche al carattere securitario del prov-
vedimento di sgomberi e all’assenza in esso di una reale prospettiva
di welfare. In particolare, l’associazione a difesa dei diritti umani ha
messo in evidenza come l’esclusione sociale da casa e lavoro di quanti
vivono nei campi si sia sommata, a causa del provvedimento, alla col-
pevolizzazione di questa specifica categoria sociale, a prescindere da
47 Il 16 novembre del 2011, il Consiglio di Stato, accogliendo il controricorso di un’as-
sociazione per la difesa dei diritti dei rom e di due abitanti di un campo nomadi di
Roma, ha ribadito che non sussistevano nel 2008 le condizioni per decretare lo stato
di emergenza. L’attuale Governo Monti, succeduto al IV Governo Berlusconi, ha fat-
to ricorso il 15 febbraio 2012 alla Corte Suprema di Cassazione contro la Sentenza
del Consiglio di Stato. Contemporaneamente, tuttavia, lo stesso Consiglio dei Ministri
italiano ha messo in campo nel 2012 la Strategia Nazionale di inclusione dei Rom,
Sinti e Camminanti in attuazione della comunicazione della Commissione europea
173/2011 (in cui si afferma l’esigenza di superare la situazione di emarginazione
economica e sociale della principale minoranza europea). La Strategia italiana, co-
struita con l’apporto delle associazioni di rom e sinti, prevede interventi nel campo
del lavoro, dell’abitare, dell’istruzione e dei servizi sociali e sanitari, con una partico-
lare attenzione al contrasto delle forme di discriminazione.
Giuseppe Ricotta86
concreti reati commessi; inoltre, il documento di Amnesty sottolinea
l’illegittimità degli sgomberi forzati, in quanto effettuati senza prote-
zione legale o altre salvaguardie, quali una consultazione effettiva dei
cittadini interessati e l’offerta di un adeguato alloggio alternativo.
Anche il Consiglio d’Europa per i diritti umani ha espresso per-
plessità nei confronti del piano emergenza nomadi del Governo italia-
no. Nel rapporto dedicato all’Italia del febbraio 2009, il commissario
Thomas Hammarberg ha sottolineato le gravi condizioni di marginali-
tà in cui versano gli abitanti dei campi, raccomandando al Governo ita-
liano di adottare misure concrete per combattere la discriminazione
sociale e legale di rom e sinti, e favorirne l’integrazione tramite misure
di welfare sociale.
Da segnalare, inoltre, la decisione della II Sezione del
Tribunale Civile di Roma di accogliere l’istanza di due associazioni in
riferimento a un nuovo villaggio attrezzato previsto nell’ambito del
piano nomadi di Roma (agosto 2008). Il Tribunale ha giudicato vero-
simile “il carattere discriminatorio delle attività di assegnazione de-
gli alloggi presso il campo” in quanto la realizzazione del nuovo cam-
po escluderebbe rom e sinti “dalla possibilità di accesso a soluzioni
abitative propriamente intese con l’effetto di determinarne, ovvero
incentivarne, l’isolamento e la separazione dal restante contesto ur-
bano e di comprometterne la pari dignità sociale”. Inoltre, il codice
comportamentale previsto nei campi è giudicato dal Tribunale “le-
sivo del diritto della libertà personale, alla vita privata e familiare e
alla libertà di riunione”.
Come si può notare da questa sintetica analisi di tre diversi
ambiti di intervento nella città di Roma, il tratto comune è l’indivi-
duazione di disorderly people e la proposta di interventi di controllo
e di contrasto di comportamenti o di semplici presenze “fastidiosi”,
per ripristinare il “decoro urbano”, più che per il contrasto di reati
specifici. Da contrappeso a questo processo di criminalizzazione di
comportamenti connessi alla marginalità sociale, vi è stata l’attività
di valutazione e denuncia proveniente dal mondo dell’associazioni-
smo oltre che il ruolo di controllo esercitato dai tribunali, dalle as-
sociazioni stesse e dalle organizzazioni internazionali, nel dichiarare
illegittime o contrarie ai diritti umani specifiche iniziative a tutela
della sicurezza urbana.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 87
4 ConClusioni
Se nelle società pre-moderne il vagabondo incarnava il perso-
naggio minaccioso per eccellenza, associato al brigante, al bandito, al
fuorilegge48 nelle società tardo-moderne le persone che danno fasti-
dio, che disturbano la quiete pubblica, a volte semplicemente per la
loro presenza marginale, incorrono nel rischio di subire un equivalen-
te processo di criminalizzazione: categorie, specifici gruppi nazionali,
attività al limite del legale quali l’accattonaggio o la prostituzione in
strada, insediamenti abitativi precari, di fronte alla richiesta di una
maggiore qualità della vita e sicurezza urbana, e in assenza di politi-
che di welfare locale, divengono potenziali target di politiche di sicu-
rezza per il controllo di determinati comportamenti, o per la semplice
rimozione fisica del problema, al di là della presenza o meno di una
fattispecie di reato.
Come si è argomentato nel corso di questo scritto, il legame
tra marginalità sociale e politiche di sicurezza trova spazi di legitti-
mazione entro una specifica interpretazione del concetto di sicurezza
urbana: l’idea che alcuni comportamenti o condizioni di vita – se pur
non criminali – possano essere visti come responsabili di un decadi-
mento della qualità di vita nelle città, di degrado urbano e turbativa
sociale, e – soprattutto – che possano essere attribuiti in via esclusiva,
o principale, a disorderly people.
La politiche di sicurezza urbana degli ultimi anni, basate su
interventi emergenziali e spesso illegittimi, se possono avere avuto
successo in termini di consenso elettorale, rischiano di aggravare i
problemi che hanno inteso affrontare, con notevoli costi economici e
sociali e un pericoloso arretramento nel campo della tutela dei diritti
umani.
bibliografia
Amnesty International, 2010, La risposta sbagliata. Italia: il “piano nomadi” viola il
diritto all’alloggio dei rom a Roma, Roma, gennaio.
Battistelli, F., 2008, a cura, La fabbrica della sicurezza, Milano, Angeli.
48 Castel, R., 2003, L’insécurité sociale: qu’est ce qu’être protégé?, Paris, éd. du Seuil.
Giuseppe Ricotta88
Battistelli, F., 2011, “Sicurezza urbana: il paradosso dell’insicurezza e il dilemma del-
la prevenzione”, in Rassegna italiana di Sociologia, LII, 2: 201-228.
Battistelli, F. e L.F. Lucianetti, 2010, “La sicurezza tra politics e policy”, in A. Pajno, a
cura, La sicurezza urbana, Rimini, Maggioli: 75-110.
Bauman, Z., 1999a, La società dell’incertezza, Bologna, il Mulino.
Bauman, Z., 1999b, In search of Politics, Cambridge, Polity Press.
Bauman, Z., 2004, Wasted lives. Modernity and its Outcasts, Cambridge, Polity Press.
Bauman, Z., 2005, Fiducia e paura nella città, Milano, Mondadori.
Beck, U., 1986, Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, Frankfurt,
Suhrkamp.
Brazzoduro, M., 2010, “Roma. Poveri di status, i rom”, in Sgritta, a cura: 250-267.
Caritas/Migrantes, 2011, Dossier Statistico Immigrazione, Roma, Edizioni Idos.
Castel, R., 2003, L’insécurité sociale: qu’est ce qu’être protégé?, Paris, éd. du Seuil.
Cittalia/Anci, 2009a, Oltre le ordinanze. I sindaci e la sicurezza urbana, Roma.
Cittalia/Anci, 2009b, Oltre le ordinanze. I sindaci e la sicurezza urbana. Seconda edi-
zione, Roma.
Cittalia/Anci, 2010, Le politiche di integrazione urbana e la marginalità: il caso dei
Rom e dei Sinti in Italia, Roma.
CGIL et al., 2009, Rapporto sui diritti globali, Roma, Ediesse.
Commissione straordinaria per la tutela e la promozione dei diritti umani, 2011,
Rapporto conclusivo dell’indagine sulla condizione di rom, sinti e caminanti in Italia,
Roma, Senato della Repubblica.
Galantino, M.G., 2010, La società della sicurezza. La costruzione sociale della sicurezza
in situazioni di emergenza, Milano, Angeli.
Garland, D., 2001, The Culture of Control. Crime and Social Order in Contemporary
Society, Oxford, OxfordUniversity Press.
Giddens, A., 1990, The Consequences of Modernity, Cambridge, Polity Press.
Huntington, S. P., 1993, “The Clash of Civilizations?”, in Foreign Affairs, 72, 3: 22-49.
Istat, 2010, Reati, vittime e percezione della sicurezza, Roma.
Luhmann, N., 1991, Soziologie des Risikos, Berlin-New York, de Gruyter.
Martin, L. e R. Selmini, 2000, “I progetti per la sicurezza nelle città italiane”, in
Quaderni di Città Sicure, 20b: 27-36.
Melossi, D., 2002, Stato, controllo sociale, devianza, Milano, Modadori.
Melossi, D. e R. Selmini, 2009, “‘Modernisation’ of institutions of social and penal
control in Italy/Europe: the ‘new’ crime prevention”, in Crawford, A., ed., Crime
Prevention Policies in Comparative Perspective, Portland, William Publishing: 153-
176.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 89
Ministero dell’Interno, 2007, Rapporto sulla criminalità in Italia. Analisi, prevenzione,
contrasto, Roma
Pastore, F., 2007, “Se un delitto fa tremare l’Italia. Come si affronta una security cri-
sis?”, Italianieuropei, 5: 19-32.
Pistecchia, A., S. Miscioscia e M. Accorinti, 2012, “Situazioni abitative e vita nei campi
a Roma: strategie di adattamento di due comunità rom”, paper presentato a Espanet
Conference. Risposte alla crisi: esperienze, proposte e politiche di welfare in Italia e in
Europa, 20-22 settembre.
Ricotta, G., 2009, Periferie insicure? Insicurezza e sicurezza nei cinque capoluoghi del
Lazio, Dipartimento di Scienze Sociali, Sapienza Università di Roma.
Ricotta, G., 2012, “Sicurezza urbana e tolleranza zero”, in La rivista delle politiche
sociali, n. 1: 117-133.
Selmini, R., 2004, a cura, La sicurezza urbana, Bologna, il Mulino.
Selmini, R., 2000, “Le misure di prevenzione adottate nelle città italiane”, in Quaderni
di Città Sicure, 20b: 53-77.
Sgritta, G. B., 2010, a cura, Dentro la crisi. Povertà e processi di impoverimento in tre
aree metropolitane, Milano, Angeli.
Unità di Strada, 2009, Ordinanze anti-prostituzione. Rapporto di monitoraggio, Roma,
7 luglio.
Wacquant, L., 1999, Les prisons de la misère, Paris, Raisons d’agir.
Wacquant, L., 2004, Punir les pauvres: le nouveau gouvernement de l’insécurité so-
ciale, Marseille, Agone.
Wilson, J.Q. & Kelling G.L., 1982, “Broken Windows. The Police and Neighborhood
Society”, in The Atlantic Monthly, 279, 3: 29-38.
O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA
COMO CONCRETIZAÇÃO DOS
DIREITOS HUMANOS: garantias no
âmbito nacional e internacional1
Gabriel de Lima Bedin
Graduado em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande
do Sul. Aluno do Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Uni-versidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Advogado.
Fabiana Marion Spengler
Pós-Doutora pela Università Degli Studi di Roma Tre/Itália, com bolsa CNPq (PDE). Doutora
em Direito pelo Programa de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos – Unisinos, com bolsa CAPES. Mestre em Desenvolvimento Regional, com
concentração na Área Político Institucional da Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc.
Docente dos cursos de Graduação e Pós-graduação lato e stricto sensu da Universidade
de Santa Cruz do Sul – Unisc. Professora colaboradora dos cursos de Graduação e Pós-
-graduação lato e stricto sensu da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul – Unijuí. Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Políticas Públicas no Tratamento
dos Conflitos”, vinculado ao CNPq. Coordenadora do Projeto de Pesquisa “Mediação de
conflitos para uma justiça rápida e eficaz”, financiado pelo CNPq (Edital Universal 2009 –
processo 470795/2009-3) e pela Fapergs (Edital Recém-Doutor 03/2009, processo 0901814).
Coordenadora do projeto de pesquisa: “Acesso à justiça, jurisdição (in)eficaz e mediação:
a delimitação e a busca de outras estratégias na resolução de conflitos”, financiado pelo
Edital Fapergs 02/2011 – Programa Pesquisador Gaúcho (PqG), edição 2011. Pesquisadora do
projeto “Multidoor courthouse system – avaliação e implementação do sistema de múltiplas
portas (multiportas) como instrumento para uma prestação jurisdicional de qualidade,
célere e eficaz”, financiado pelo CNJ e pela CAPES. Pesquisadora do projeto intitulado:
“Direitos Humanos, Identidade e Mediação”, financiado pelo Edital Universal 14/2011 e pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí. Coordenadora
e mediadora judicial do projeto de extensão “A crise da jurisdição e a cultura da paz: a
mediação como meio democrático, autônomo e consensuado de tratar conflitos”, financiado
pela Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc. Advogada. Contato: fabiana@unisc.br.
1 Artigo produzido a partir do projeto de pesquisa intitulado: “Direitos Humanos,
Identidade e Mediação”, financiado pelo edital Universal 14/2011 do CNPq, processo
nº 481512/2011-0, vinculado ao Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí.
Ca
pít
ulo
IV
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 92
1 introdução
O direito de acesso à justiça é importantíssimo na sociedade
contemporânea e possui status de direito fundamental. Ao longo da
história, porém, o direito de acesso à justiça passou por inúmeras
transformações, sendo entendido e exercido de forma diversa na épo-
ca antiga, medieval, moderna e contemporânea.
Este artigo, primeiramente, visa analisar os aspectos históricos
do direito de acesso à justiça, compreendendo a sua evolução e como
era exercido ao longo da história humana. É objeto do artigo, então, o
direito de acesso à justiça na época antiga – Código de Hamurabi, Grécia
Antiga e Roma Antiga – passando pela Idade Média – e a forte influência
da Igreja Católica sobre o direito e a justiça –, pela Idade Moderna – e seu
perfil essencialmente individualista dos direitos – e, por fim, uma breve
análise da evolução histórica do direito de acesso à justiça no Brasil.
Posteriormente, passa-se a discorrer sobre o direito de acesso
à justiça como direito humano, compreendendo a influência das gera-
ções dos direitos humanos sobre o acesso à justiça e a sua modificação
de um direito meramente formal nos Estados liberais para um direi-
to concreto e garantidor dos direitos humanos nos Estados sociais.
Analisam-se, ainda, as reformas necessárias para a concretização do
direito ao acesso à justiça.
Por derradeiro, o artigo objetiva compreender as garantias do
direito ao acesso à justiça no âmbito nacional e internacional, des-
tacando o conteúdo da Constituição de 1988 no Brasil, bem como a
maior relevância adquirida pelo direito de acesso à justiça após a pro-
mulgação da referida Constituição, e os Tratados Internacionais de
Direitos Humanos que versam sobre o direito de acesso à justiça.
Desse modo, este artigo visa compreender a evolução do di-
reito ao acesso à justiça nos diversos momentos históricos da huma-
nidade, bem como as influências sofridas nas diferentes gerações de
direitos humanos. Analisará, ainda, as atuais garantias do direito ao
acesso à justiça no Brasil e na sociedade internacional.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 93
2 aCesso à justiça: aspeCtos históriCos
A problemática do direito de acesso à justiça se fez perceber
mais intensamente nos Estados liberais burgueses dos séculos XVIII e
XIX. O embrião do direito ao acesso à justiça, porém, pode ser apreen-
dido no período antigo, pois se visualizam no Código de Hamurabi2
as primeiras garantias que podem ser entendidas como inibidoras de
opressão entre os indivíduos, bem como o incentivo a estes a procura-
rem a instância judicial, no caso, o próprio soberano3.
Nesse primeiro momento, o acesso à justiça estava umbilical-
mente ligado ao acesso à religião, pois a justiça do soberano – repre-
sentante da divindade na Terra ou, então, considerada a própria di-
vindade – emana da justiça divina e é realizada, por conseguinte, por
meio de inspiração divina. Frise-se, ainda, que o estrangeiro e o escra-
vo – que nesse período histórico em muitos momentos seconfundiam
– não são considerados indivíduos capazes de ter acesso à justiça.
Na Grécia Antiga, igualmente, era garantido ao cidadão o
acesso a um julgamento, inclusive pelo predomínio do ideal demo-
crático, sobretudo na Cidade-Estado de Atenas. O poder-dever de
julgar, porém, era exercido por todos os cidadãos4, reunidos em as-
sembleia5, e não por meio de juízes togados e especializados como
hodiernamente6
No que se refere ao pensamento grego sobre o direito e a justi-
ça, Carneiro7 afirma que
2 Diz o texto atribuído a Hamurabi: “em minha sabedoria eu os refreio para que o forte
não oprima o fraco e para que seja feita justiça à viúva e ao órfão. Que cada homem
oprimido compareça diante de mim, como rei que sou da justiça. Deixai-o atentar nas
minhas ponderadas palavras. E possa o meu monumento iluminá-lo quanto à causa
que traz, e possa ele compreender o seu caso.”.
3 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
4 Registre-se, por oportuno, que o número de cidadãos era bastante reduzido, pois es-
trangeiros, escravos e mulheres não eram considerados cidadãos.
5 Um exemplo do procedimento utilizado na justiça grega é o julgamento de Sócrates.
6 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
7 Idem.
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 94
[...] várias noções importantíssimas são originárias daquela
época, especialmente no que diz respeito ao direito e à justiça,
como a noção de patrocínio em juízo, a necessidade da presen-
ça de advogado para o equilíbrio das partes em litígio, e outras,
que determinaram a iniciativa de Constantino na elaboração
de uma lei que assegurasse o patrocínio gratuito aos necessi-
tados e que, posteriormente, veio a ser incorporada ao Código
de Justiniano.
No direito romano, por sua vez, havia primeiramente a justiça
privada. Posteriormente, criou-se a figura do árbitro, o qual era escolhi-
do pelas próprias partes litigantes para dirimir a controvérsia. A função
de árbitro era geralmente atribuída a algum sacerdote, pois se tratava
de pessoa imparcial e, além disso, traduzia a vontade divina. Ainda em
Roma, inaugurou-se a figura do pretor, que elaborava a regra a ser apli-
cada no caso concreto e indicava um árbitro que iria decidir a contro-
vérsia, função que em seguida passou a exercer cumulativamente.
Na Idade Antiga, portanto, a figura do julgador passou do sobe-
rano, por todos os cidadãos, pelo sacerdote e chegou ao pretor, sendo
neste último o início da justiça pública, isto é, da jurisdição8.
No período medieval havia forte influência da concepção re-
ligiosa em toda a sociedade, inclusive sobre o direito e a justiça. O
indivíduo, nesse cenário, era julgado pela sua fé. Isso se deve ao pre-
domínio da Igreja Católica após a queda do Império Romano9, por-
quanto “[...] passou a ser a única instituição organizada e com a ca-
pacidade de produzir uma síntese do legado [...] da estrutura política
[...]”10 do Império Romano, caracterizando-se como herdeira natural
desse império.
Na modernidade11, sobretudo nos Estados liberais burgueses
dos séculos XVIII e XIX, os procedimentos adotados para o tratamen-
to de controvérsias refletiam a filosofia essencialmente individualista
8 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
9 O Império Romano entrou em declínio no século IV.
10 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
11 O direito de acesso à justiça na modernidade será tratado especificamente no próxi-
mo tópico.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 95
dos direitos12.. Dessa forma, o acesso à justiça restringia-se ao direito
formal do cidadão perante o Poder Judiciário de propor ou contestar
uma ação13.
Enquanto o direito de acesso à justiça era consolidado na
Europa (mesmo no período do sistema laissez-faire dos séculos XVIII
e XIX), no Brasil andava de passos lentos. Do ponto de vista legisla-
tivo, havia pouquíssimas referências a um direito próprio e exigível
de acesso à justiça14. As Ordenações Filipinas, do século XVII, restrin-
giam-se a afirmar que às pessoas miseráveis era assegurado o patro-
cínio de advogado.
Saliente-se que mesmo após a proclamação da Independência
do Brasil em 1822, portanto já no século XIX, o direito ao acesso à
justiça pouco havia sido modificado15. A Constituição de 1824, em-
bora estabelecesse a partir do artigo 151 as diretrizes do “Poder
Judicial”, previa uma matriz fortemente centralizadora que concedia
ao Imperador a cumulação do exercício do cargo de “Chefe do Poder
Executivo” (arts. 102 a 104) e do “Poder Moderador” (arts. 10 e 98 a
101), o que impedia o pleno exercício do direito ao acesso à justiça.
Relativamente à legislação infraconstitucional desse período,
ressalte-se que o Código de Processo Criminal de 1832 estabelecia
disposições provisórias sobre a administração da justiça, inclusive no
aspecto de processo civil, que posteriormente foram utilizadas como
bases para o futuro Código de Processo Civil16. Desse modo, em de-
corrência do processo histórico e político da época, é possível afirmar
12 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
13 ANNONI, Danielle. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional.
Curitiba: Juruá, 2003.
14 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
15 Idem.
16 Carneiro destaca que, “[...] do ponto de vista histórico, o primeiro Código de Processo
Civil elaborado no Brasil foi o Regulamento 737, de 1850, destinado a determinar a
ordem do juízo no processo comercial com inovações especialmente no que se refere
à simplicidade dos feitos; seguiu a ele o Regulamento 738, que dispunha sobre os
Tribunais de Comércio e o processo das falências. Posteriormente, foi elaborada e
editada uma Consolidação das Leis do Processo Civil, que tomou força de lei em 28 de
dezembro de 1876.” (Idem, p. 36)
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 96
que o direito ao acesso à justiça, como entendemos hoje, não existiu
no Império brasileiro17.
A Constituição de 1934, por sua vez, instituiu a justiça do tra-
balho, criou a ação popular e a assistência judiciária gratuita18/19 para
os necessitados, com a isenção de pagamento de emolumentos, cus-
tas, taxas e selos, prevendo, ainda, a obrigação dos Estados e da União
acerca da criação de órgãos especiais para o exercício do direito. A
Carta Constitucional de 1937 representou um grande retrocesso, pois
suprimiu as conquistas referentes à ação popular e à assistência judi-
ciária gratuita, previstas na Constituição de 1934.
Na área infraconstitucional do período, merece destaque a
Consolidação das Leis do Trabalho, editada em 1943, haja vista que
fora o primeiro diploma legal que se preocupou com a coletividade, se
opondo ao individualismo dominante na época20. A Consolidação das
Leis do Trabalho ofereceu destaque à conciliação extrajudicial como
forma de solucionar conflitos; regulou a organização sindical; confe-
riu aos sindicatos a legitimidade de celebrar convenções ou acordos
coletivos; e previu uma ação de natureza coletiva como prerrogativa
dos sindicatos.
O Direito Processual Civil, nesse período histórico, mesmo con-
siderando os avanços do Código de 1973 ainda em vigor, permaneceu
individualista, tecnicista, elitizado e conservador. Individualista, pois
fundamentado pelo princípio da igualdade formal; tecnicista uma vez
que sem preocupação com as finalidades sociais e políticas do proces-
so; elitizado porque caro; e conservador em razão de estar afastado da
realidade21.
17 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública.Rio de Janeiro: Forense, 2000.
18 Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à seguran-
ça individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] “32” A União e os Estados
concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos
especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos.
19 A concessão da assistência judiciária gratuita, porém, somente foi formalizada por
meio da edição da Lei Federal nº 1.060/50, a qual ainda está em vigor.
20 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
21 Idem.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 97
A partir da década de 1980 ocorreram inúmeras transforma-
ções no direito ao acesso à justiça, principalmente no que se refere à
sua democratização e utilização como forma de efetivar e concretizar
os direitos individuais, econômicos, sociais e coletivos. Na área legisla-
tiva foram editadas diversas normas que auxiliaram na concretização
do direito de acesso à justiça, dentre as quais se destaca, sem exau-
rir a legislação, a Lei Federal nº 7.019/82 (criava o procedimento de
arrolamento de bens em caso de partilha amigável); a Lei Federal nº
6.938/81 (dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e conce-
de legitimidade ao Ministério Público para postular a responsabilidade
civil por danos causados ao Meio Ambiente); a Lei Federal nº 7.224/84
(instituía o Juizado das Pequenas Causas); a Lei Federal nº 7.347/85
(disciplina a ação civil pública); a Lei Federal nº 7.853/89 (disciplina a
tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos das pessoas por-
tadoras de deficiência); a Lei Federal nº 7.913/89 (disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos contra o mercado mobiliá-
rio); a Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente);
a Lei Federal nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); a Lei
Federal nº 9.099/95 (institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais);
Dessa forma, o direito ao acesso à justiça sofreu inúmeras
transformações importantes ao longo da história, passando da in-
fluência direta da religião para o monopólio do Estado laico; de mero
direito formal e abstrato para se tornar uma garantia essencial ao
Estado Democrático de Direito, bem como fundamental para efetivar a
realização de todos os direitos. Com efeito, o direito de acesso à justiça
adquiriu cada vez mais protagonismo, passando a ser entendido como
um direito essencial e garantidor dos direitos humanos.
3 direitos humanos e aCesso à justiça
O surgimento dos direitos do homem se deve a uma longa ma-
turação histórica que transformou o modelo de sociedade então exis-
tente. Passou-se do modelo organicista ou holista22 para individualista
22 Possuía a tese central na crença de que “o todo” (Estado) era anterior e superior
“às partes” (os indivíduos). Os grandes pensadores são Aristóteles e Platão (BEDIN,
Gilmar Antonio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí: Unijuí, 2002).
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 98
ou atomista23, o que representou a alteração do centro do mundo po-
lítico do Estado (entendido como “o todo”) para os indivíduos (enten-
didos como “as partes”)24.
Nesse período histórico, até a alteração do centro do mundo
político, imperava a figura central do “dever” e não do “direito”, confor-
me se observa no Código de Hamurabi, nos 10 mandamentos e na Lei
das XII Tábuas. Os direitos do homem, portanto, surgiram e se institu-
cionalizaram somente no século XVIII com a modernidade25.
Para Douzinas26, a inauguração simbólica e o marco inicial da
modernidade podem ser situados no tempo na aprovação dos do-
cumentos revolucionários do século XVIII, quais sejam, a Declaração
da Independência norte-americana de 177627, a Declaração de Direitos
norte-americana de 179128, e a Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão de 178929.
As declarações do século XVIII expandiram-se dos Estados
Unidos da América (EUA) e da França para toda a humanidade. Essa
expansão, porém, não aconteceu de forma linear e tampouco sem di-
ficuldades, mas fora abrilhantada por algumas sucessivas gerações de
direitos que lhe empregaram um progresso extraordinário. Para este
trabalho vamos adotar a classificação proposta por Bedin30, o qual clas-
23 Sua tese central reside no fato de considerar “as partes” (indivíduos) anteriores
e superiores “ao todo” (Estado). Seus grandes pensadores são Hobbes, Locke e
Rousseau (BEDIN, Gilmar Antonio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí:
Unijuí, 2002).
24 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
25 Idem.
26 DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.
27 Também conhecida como Declaração de Direitos de Virgínia.
28 Corresponde às dez primeiras Emendas à Constituição norte-americana, as quais
garantem direitos fundamentais, tais como a liberdade de expressão, de credo e de
reunião.
29 É pertinente o registro de que a Declaração Francesa de 1789 serviu como forma e
essência para a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Os idealizado-
res da Declaração das Nações Unidas de 1948 seguiram o modelo estabelecido pela
Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, embora subs-
tituíssem o ‘homem’ pelo mais ambíguo ‘humano’ ao longo de todo o texto. (HUNT,
Lynn. A invenção dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009).
30 BEDIN, Gilmar Antonio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí: Unijuí, 2002.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 99
sificou os direitos do homem em três gerações: 1ª) direitos civis, 2ª)
direitos políticos, e 3ª) direitos econômicos e sociais.
A primeira geração de direitos – denominados de direitos civis
– surgiu com a Declaração de Direitos de Virgínia de 1776 (EUA) e com
a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (França).
Tratam-se de direitos negativos31, pois são estabelecidos contra o
Estado e são caracterizados por serem direitos tipicamente liberais.
Podemos exemplificá-los como os direitos de liberdade física (direito
à vida, liberdade de locomoção, direito à segurança individual, entre
outros), de expressão (liberdade de imprensa, direito à livre manifes-
tação do pensamento, direito ao sigilo de correspondência), de cons-
ciência (filosófica, política e crença religiosa), de propriedade privada,
da pessoa acusada (direito ao princípio da reserva legal, à presunção
de inocência, ao devido processo legal) e garantia dos direitos (direito
de petição, ao habeas corpus e ao mandado de segurança).
A segunda geração – direitos políticos –, por sua vez, surgiu
no decorrer do século XIX e podem ser entendidos como desdobra-
mentos dos direitos civis. Os direitos políticos se caracterizam por
serem direitos positivos, ou seja, direito de participar do Estado32.
Exemplificam-se os direitos políticos como o direito ao sufrágio uni-
versal, de constituição de partido político, de plebiscitos, de referendo
e o direito de iniciativa popular33.
31 Para Bedin, os direitos civis estão vinculados à limitação do poder do Estado e a re-
serva para o indivíduo uma esfera de liberdade em relação ao Estado. Tais direitos,
então, marcam uma divisão entre o público e o privado, sendo esta uma das caracte-
rísticas fundamentais da sociedade moderna e uma das bases do pensamento liberal
e democrático. (BEDIN, Gilmar Antonio. Direitos humanos e acesso à justiça: aspectos
nacionais e internacionais. In: MENEZES, Wagner. O direito internacional e o direito
brasileiro. Ijuí: Unijuí, 2004)
32 O deslocamento dos direitos negativos para os direitos positivos “[...] é importan-
tíssimo, pois revela o surgimento de uma nova perspectiva da liberdade, que deixa
de ser pensada exclusivamente de forma negativa, comonão-impedimento, para ser
compreendida de forma positiva, como autonomia, como possibilidade de participa-
ção na esfera pública. Por isso, esta geração de direitos representa um momento de
transformação do Estado moderno: de sua versão liberal para sua forma democráti-
ca.” (BEDIN, Gilmar Antonio. Direitos humanos e acesso à justiça: aspectos nacionais
e internacionais. In: MENEZES, Wagner. O direito internacional e o direito brasileiro.
Ijuí: Unijuí, 2004. p. 68)
33 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 100
Os direitos econômicos e sociais – de terceira geração – despon-
taram no decorrer do século XX, em especial na sua segunda década
através constitucionalismo social, por influência da Revolução Russa
de 1917, Constituição Mexicana de 1917 e da Constituição de Weimar
de 1919. Os direitos dessa geração tornam os indivíduos “credores” do
Estado, pois se referem à obrigação de realizar ações concretas para ga-
rantir um mínimo de igualdade, bem-estar e de acesso aos bens mate-
riais produzidos pela sociedade. Caracterizam-se, portanto, por serem
direitos garantidos “através” ou “por meio” do Estado, isto é, trata-se do
“[...] reconhecimento jurídico institucional do princípio da igualdade”34.
Os direitos de terceira geração ramificam-se entre os direitos do
homem trabalhador e do homem consumidor de bens e serviços pú-
blicos. Naqueles, têm-se os direitos à liberdade de trabalho, ao salário
mínimo, à limitação da jornada de trabalho, ao descanso semanal remu-
nerado, às férias anuais remuneradas, ao direito de greve entre outros.
Nestes, temos os direitos à seguridade social, à educação e à habitação.
Dessa forma, é possível afirmar que direito ao acesso à justi-
ça evoluiu juntamente com os direitos do homem, acompanhando os
atributos de cada geração de direitos. Assim, na modernidade esse di-
reito refletia a filosofia liberal, isto é, extremamente individualista dos
direitos, característica dos direitos de primeira geração. Assim,
A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um
‘direito natural’, os direitos naturais não necessitam de uma
ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram conside-
rados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o
Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O
Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas,
tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direi-
tos e defendê-los adequadamente, na prática.35
Não resta dúvida, então, que o direito de acesso à justiça no sis-
tema laissez-faire era restrito a quem podia arcar com a cobertura dos
custos com recursos próprios. A justiça, portanto, era entendida como
34 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
35 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 101
qualquer outro bem36, e aqueles que não pudessem pagar para usu-
fruí-la eram considerados os únicos responsáveis pelo tratamento de
seus conflitos, não havendo qualquer responsabilização por parte do
Estado. Assim, como a maioria das pessoas não dispunha de recursos
aptos a usufrui-la, o direito de acesso à justiça tinha caráter de uma
garantia abstrata, uma vez que não era acompanhada de qualquer ins-
trumento que assegurasse a eficácia da prestação jurisdicional 37Ao
Estado, nesse contexto, cabia tão somente administrar a aplicação da
vingança privada38.
Com efeito, conforme as sociedades do laissez-faire foram cres-
cendo em tamanho e complexidade, principalmente nas duas primei-
ras décadas do século XX, e com o nascimento do constitucionalismo
social39, o direito de acesso à justiça assumiu outros contornos, prin-
cipalmente pelo entendimento que a atuação estatal é necessária para
assegurar o pleno exercício de todos os direitos, notadamente os direi-
tos individuais e sociais.
Registre-se, por oportuno, que a modificação do entendimento
acerca do direito ao acesso à justiça nesse período histórico é decor-
rente das alterações dos direitos de terceira geração, ou seja, do fato
de os indivíduos serem “credores” do Estado referente às sua obri-
gação de realizar ações concretas para garantir um mínimo de igual-
dade e bem-estar40. Assim, fez-se necessária uma atuação positiva do
Estado para garantir o gozo dos direitos, inclusive o direito ao acesso
à justiça. Desse modo,
[...] o direito ao acesso efetivo [à justiça] tem sido progressiva-
mente reconhecido como sendo de importância capital entre os
36 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
37 BEDIN, Gilmar Antonio. Direitos humanos e acesso à justiça: aspectos nacionais e in-
ternacionais. In: MENEZES, Wagner. O direito internacional e o direito brasileiro. Ijuí:
Unijuí, 2004.
38 ANNONI, Danielle. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional.
Curitiba: Juruá, 2003.
39 Reiterando o já exposto, as Constituições mexicana, de 1917, e a de Weimar, de 1919,
foram precursoras dos direitos econômicos e sociais.
40 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 102
novos direitos individuais e sociais, uma vez que titularidade
de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos
para sua efetiva reivindicação.41
Nesse momento, portanto, o direito de acesso à justiça deixou
de ser um direito meramente formal “[...] para se tornar uma garantia
essencial de toda a sociedade democrática e um dos elementos consti-
tutivos do Estado Democrático de Direito”42. O direito de acesso à jus-
tiça, então, passou a “[...] ser encarado como o requisito fundamental –
o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno
e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos
de todos”43.
Nesses termos, o Estado deveria garantir o direito de acesso
à justiça como forma de empregar efetividade aos direitos humanos.
Assim, necessitou-se de um conjunto de reformas para ampliar a con-
cretização do referido direito, as quais são detalhadamente analisadas
por Mauro Cappelletti e Bryan Garth44. Os referidos pesquisadores se-
param as reformas necessárias em três ondas distintas. A primeira re-
lacionada à incorporação dos pobres e dos hipossuficientes culturais,
a segunda pelos novos interesses e a terceira pelos novos mecanismos
de tratamento de controvérsias45.
A primeira onda, então, visa superar os obstáculos relaciona-
dos à pobreza financeira, destacando-se a adequada representação
dos pobres em juízo46 e, inclusive, antes do juízo47. Assim, a reforma
41 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
42 BEDIN, Gilmar Antonio. Direitos humanos e acesso à justiça: aspectos nacionais e in-
ternacionais. In: MENEZES, Wagner. O direito internacional e o direito brasileiro. Ijuí:
Unijuí, 2004.
43 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
44 Idem.
45 SPENGLER, Fabiana Marion; BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Medição e arbitragem:
alternativas à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
46 O acesso à justiça pelos desfavorecidos financeiramente por meio da assistência judi-
ciária revela-se um importante instrumento de inclusão social.
47 Relacionados à desinformação dos seus direitos pelas pessoas sem recursos financei-
ros e à sua impossibilidade de contratar advogado.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 103
proposta está diretamente relacionada na inclusão das pessoas hi-
possuficiente economicamente, inclusive quanto à possibilidade de
garantir a essas pessoas a informação necessária acerca dos seus di-
reitos e a devida representação emjuízo.
O segundo momento da reforma – segunda onda – é relacio-
nado à ruptura da tradicional postura individualista do processo, per-
mitindo o surgimento de novos procedimentos judiciais que possibili-
tassem a representação dos interesses difusos e coletivos. Criaram-se,
então, mecanismos jurídicos que viabilizaram a instrumentalização e
a proteção desses direitos.
A última onda estava preocupada com o esgotamento da ca-
pacidade de tratamento dos conflitos pelo Poder Judiciário em de-
corrência do aumento dos direitos reconhecidos e da consequente
universalização da jurisdição. A terceira onda estava preocupada,
ademais, com “[...] o emprego de técnicas processuais diferenciadas,
para tornar a Justiça mais acessível, tais como a simplificação dos
procedimentos e a criação de novos mecanismos de tratamento de
controvérsias”48.
A pesquisa de Mauro Cappelletti e Bryan Garth49, portanto, fora
fundamental para entender a problemática do direito do acesso à jus-
tiça e, igualmente, para analisar as propostas para a sua modificação,
possibilitando a universalização da jurisdição e principalmente para
garantir o exercício de direitos humanos.
O direito de acesso à justiça, por conseguinte, sofreu inúmeras
alterações ao longo da histórica. Suas características foram modifica-
das conforme a evolução dos direitos humanos, passando de um di-
reito meramente formal, característica dos direitos liberais do século
XVIII, para um direito social e concreto, garantido pelo Estado para
todos os cidadãos. Transformou-se, ainda, de direito individual em di-
reito coletivo preocupado com a eficiência da prestação jurisdicional,
possibilitando novas estratégias aos tratamentos de conflitos.
48 SPENGLER, Fabiana Marion; BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Medição e arbi-
tragem: alternativas à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
p. 55.
49 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 104
Assim, destacadas a importância e a evolução do direito ao
acesso à justiça, inclusive como direito humano, faz-se necessário
analisar as garantias relacionadas ao gozo desse direito. Nesses ter-
mos, mostra-se imperativo estudar os textos legais e constitucionais
que tratam do assunto, garantindo o exercício do direito ao acesso à
justiça.
4 o direito de aCesso à justiça no âmbito naCional e
internaCional
O direito de acesso à justiça, como já se analisou neste artigo,
evoluiu e se complexou juntamente com a sociedade. Os conflitos deixa-
ram de ser julgados pelo soberano para ser tratados pelo Estado; aban-
donou-se a inspiração divina como fundamento de decidir, passando a
responsabilidade para o Estado laico; e deixou de ser um direito formal
do Estado liberal para se transformar em um direito concreto do Estado
social, responsável pela concretização dos direitos humanos.
No Brasil, o direito de acesso à justiça – não obstante consta-
rem na Constituição de 1934 a ação popular e a assistência judiciária
gratuita (art. 113, “32” e “38) e haver previsão expressa daquele direi-
to na Constituição de 1946 (art. 141, § 4º) – assumiu maior relevância
e efetividade após a promulgação da Constituição de 1988. Isso acon-
teceu em razão das práticas políticas e jurídicas que possibilitaram a
universalização da jurisdição após a sobredita Constituição. Até a sua
promulgação, mesmo com a edição da Lei Federal nº 1.060/50 que
versa sobre a assistência judiciária gratuita, a maior parte da popula-
ção se mantinha distante da Justiça.
As medidas adotadas pela Constituição de 1988 e que possibili-
taram uma maior relevância do direito de acesso à justiça foram: a con-
sagração do princípio da igualdade material (art. 3º); alargamento do
conceito de assistência judiciária gratuita (art. 5º, LXXIV), compreen-
dendo também o direito à informação, consultas, assistência judicial e
extrajudicial; previsão de criação dos juizados especiais para julgamen-
to e execução de causas cíveis de menor complexidade e penais de me-
nor potencial ofensivo (art. 98, I); previsão de uma justiça de paz (art.
98, II); tratamento constitucional da ação civil pública para defesa dos
direitos difusos e coletivos (art. 129, III); novos instrumentos destina-
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 105
dos à defesa coletiva de direitos (arts. 5º, LXX, LXXI) e legitimidade aos
sindicatos (art. 8º, III) e sociedades associativas (art. 5º, XXI) defende-
rem direitos coletivos e individuais; reestruturação e fortalecimento do
Ministério Público (arts. 127 e 129); e elevação da Defensoria Pública
como instituição fundamental à função jurisdicional (art. 134)50.
Além desses direitos, destacam-se a constitucionalização do
princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV); do contraditório e da
ampla defesa (art. 5º, LV); e do juiz natural (art. 5º, LIII). Consolidaram-
-se, igualmente, os instrumentos processuais constitucionais do manda-
do de segurança, individual e coletivo, e a ação popular. A Constituição
de 1988, ademais, preocupou-se com a universalização do direito ao
acesso à justiça, elevando esse direito para a condição de direito fun-
damental (art. 5º, XXXV)51, bem como ao prever o direito do cidadão à
devida prestação jurisdicional em um prazo razoável52 (art. 5º, LXXVIII)
também como direito fundamental.
A preocupação com o acesso à justiça, entretanto, não é ex-
clusiva do Brasil e da Constituição de 1988, uma vez que há legisla-
ção internacional sobre a temática. Isso é verificado, por exemplo, na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de
dezembro de 1948, pela Organização das Nações Unidas. O seu arti-
go X afirma que “toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma
audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e im-
parcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de
qualquer acusação criminal contra ele”.
A Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem
e das Liberdades Fundamentais, de 4 de novembro de 1950, dispõe
em seu artigo 6º, 1, que
50 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
51 Para Vieira de Cristo, o constituinte de 1988 se inspirou na Constituição de Weimar
de 1919 ao incluir o direito de acesso à justiça como um direito fundamental. A refe-
rida Constituição estabelecia em seu art. 105, “b” que “[...] ninguém poderá ser sub-
traído ao seu juízo legal”. (VIEIRA DE CRISTO, Ismael. Acesso à justiça e participação
popular: reflexões sobre o direito de ação. São Paulo: Pulsar, 2000. p. 104)
52 O inciso LXXVIII fora incluído no rol do artigo 5º da Constituição de 1988 por meio
da Emenda Constitucional nº 45/2004, conhecida como e emenda da “Reforma do
Judiciário”. A sua inclusão se deve ao conteúdo do artigo 8º, I, do Pacto de San José da
Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992 através do Decreto nº 678.
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 106
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada,
equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal
independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá,
quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de ca-
ráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em
matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser públi-
co, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à im-
prensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo,
quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança
nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de
menores ou a proteção da vida privada das partes no processo
o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo
tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pu-
desse ser prejudicial para os interesses da justiça.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos53, de 16 de
dezembrode 1966, da mesma forma, prevê em seu artigo 14, 1, que
Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pes-
soas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e pu-
blicamente por um tribunal competente, independente e impar-
cial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer
das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter
civil. As audições à porta fechada podem ser determinadas du-
rante a totalidade ou uma parte do processo, seja no interesse
dos bons costumes, da ordem pública ou da segurança nacional
numa sociedade democrática, seja quando o interesse da vida
privada das partes em causa o exija, seja ainda na medida em
que o tribunal o considerar absolutamente necessário, quando,
por motivo das circunstâncias particulares do caso, a publicida-
de prejudicasse os interesses da justiça; todavia qualquer sen-
tença pronunciada em matéria penal ou civil será publicada,
salvo se o interesse de menores exigir que se proceda de outra
forma ou se o processo respeita a diferendos matrimoniais ou à
tutela de crianças.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também de-
nominado Pacto de San José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969,
igualmente versa sobre o acesso à justiça. Vejamos o seu artigo 8º, 1:
53 Ratificado pelo Brasil em 1992 por meio do Decreto nº 592.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 107
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias
e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal com-
petente, independente e imparcial, estabelecido anteriormen-
te por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obriga-
ções de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.
Desse modo, denota-se que a preocupação com o direito de
acesso à justiça não é exclusividade do legislador constitucional ou in-
fraconstitucional brasileiro, uma vez que há dispositivos em tratados
internacionais que garantem o seu pleno exercício. Assim, “A pesar de
não entrar em detalhes, como ocorre com as ordens jurídicas internas,
as organizações internacionais são unânimes em reconhecer o direito
de acesso à justiça como um dos mais importantes direitos humanos”54.
O direito de acesso à justiça, portanto, se trata de um dos ins-
trumentos vitais das sociedades democráticas55 e deve ser entendido
como um direito essencial para o gozo das garantias fundamentais dos
cidadãos. Assim, o direito de acesso à justiça é o “mais básico dos di-
reitos humanos”56, garantia fundamental para o exercício dos demais
direitos e o alicerce para democracia contemporânea.
5 Considerações finais
Este artigo demonstrou a evolução do direito ao acesso à jus-
tiça, primeiro umbilicalmente ligado à religião e à figura seletiva do
cidadão grego, passando para sua universalização por meio do Estado
laico. Assim, o direito de acesso à justiça primeiro estava ligado ao so-
berano, depois a todos os cidadãos, aos sacerdotes e, por fim, ao pre-
tor, inaugurando a jurisdição.
No Brasil, o direito de acesso à justiça somente foi consolidado
após a Constituição de 1988, em decorrência de práticas políticas e
jurídicas que permitiram a universalização da jurisdição. Isso somen-
54 BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo. Ijuí:
Unijuí, 2009.
55 Idem.
56 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
Gabriel de Lima Bedin & Fabiana Marion Spengler 108
te aconteceu, saliente-se, em razão de vários princípios e dispositivos
constitucionais aptos a possibilitar aos indivíduos o acesso à justiça,
como, por exemplo, a ampliação do conceito de assistência judiciária
gratuita, passando para assistência integral.
Compreendeu-se, ademais, que o direito de acesso à justiça
sofreu influência das diversas gerações de direitos humanos, sendo
entendida como mero direito formal nos Estados liberais da primeira
geração de direitos humanos e, posteriormente, como direito concre-
to. Assim, o direito de acesso à justiça é um dos mais relevantes dentre
os direitos humanos, pois possibilita aos indivíduos a concretização
dos demais direitos humanos.
Destarte, o direito de acesso à justiça se transformou em um
importantíssimo instrumento democrático e de concretização de di-
reitos, sendo reconhecido no Brasil e em todo o mundo. Têm-se, en-
tão, diversos dispositivos que garantem o pleno exercício do direito
de acesso à justiça, como a Constituição de 1988 e diversos tratados
internacionais.
6 referênCias
ANNONI, Danielle. Direitos Humanos & acesso à justiça no direito internacional.
Curitiba: Juruá, 2003.
BEDIN, Gilmar Antonio (Org.). Estado de direito, jurisdição universal e terrorismo.
Ijuí: Unijuí, 2009.
BEDIN, Gilmar Antonio. A Idade Média e o nascimento do Estado moderno: aspectos
históricos e teóricos. Ijuí: Unijuí, 2008.
BEDIN, Gilmar Antonio. Direitos humanos e acesso à justiça: aspectos nacionais e
internacionais. In: MENEZES, Wagner. O direito internacional e o direito brasileiro.
Ijuí: Unijuí, 2004.
BEDIN, Gilmar Antonio. Os direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí: Unijuí, 2002.
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1988.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação
civil pública. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
CONVENÇÃO para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
4 de novembro de 1950. Disponível em: <http://www.echr.coe.int/NR/ rdon-
lyres/7510566B-AE54-44B9-A163-912EF12B8BA4/0/POR_CONV.pdf>. Acesso em:
16 ago. 2012.
professor2
Realce
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 109
DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. 10 de dezembro de 1948. Disponível
em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal. htm>.
Acesso em: 16 ago. 2012.
DOUZINAS, Costa. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras,
2009.
PACTO Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. 16 de dezembro de 1966.
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/
tidhuniversais/cidhdudh-direitos-civis.html. Acesso em: 16 ago. 2012.
SPENGLER, Fabiana Marion; BOLZAN DE MORAIS, José Luis. Medição e arbitragem:
alternativas à jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
SPENGLER, Fabiana Marion; LUCAS, Doglas Cesar (Orgs.). Conflito, jurisdição e direitos
humanos: (des)apontamentos sobre um novo cenário social. Ijuí: Unijuí, 2008.
VIEIRA DE CRISTO, Ismael. Acesso à justiça e participação popular: reflexões sobre o
direito de ação. São Paulo: Pulsar, 2000.
professor2
Realce
“El hombre está habitado por silencio y vacío.
¿Cómo saciar esta hambre,
cómo acallar este silencio y poblar su vacío?
¿Cómo escapar a mi imagen?
Sólo en mi semejante me trasciendo,
Sólo su sangre da fe de otra existencia.””
(Octavio Paz. “El prisionero” en Libertad bajo palabra.
México. Tezontle. 1949, p. 19)
1 los aCtuales paradigmas de la mediaCión
La obligada revisión radical del Estado asistencial –más que de
Estado social– impone aligerar a los poderes públicos de costes, fun-
ciones, y estructuras a través de prescindir de empresas y servicios.
EL ACCESO A LA JUSTICIA
COMO DERECHO FUNDAMENTAL:
la mediación en la Unión Europea
como instrumento de acceso
a la justicia
Nuria Belloso Martín
Directora del Departamento de Derecho Público de la Facultad de Derecho de la
Universidad de Burgos (España). Directora del Curso de Especialista Uni-versitario
en Mediación Familiar, Título Propio de la Universidad de Burgos. Coordinadora del
Máster Universitario en Derecho de la Empresa y de los Ne-gocios de la Universidad
de Burgos.
Ca
pít
ulo
V
Nuria Belloso Martín112
Esta nueva perspectiva ha permitidola aceptación y desarrollo, cada
vez mayor de las formas alternativas –en puridad, formas complemen-
tarias– de resolución de conflictos. A nivel del Consejo de Europa y de
organismos internacionales, en la línea de abaratar el pesado coste
de la administración de justicia, cada vez mayor dado el clima de li-
tigiosidad que se ha instalado entre los ciudadanos, la mediación es
considerada como un mecanismo que puede ayudar a reducir gastos
y aligerar el volumen de trabajo que los jueces y magistrados tienen
que acometer.
Todo esto nos permite entender que la mediación se inscribe
en el ámbito de la autorregulación que, en los últimos años, se va ex-
tendiendo en el ordenamiento jurídico. La flexibilidad y rechazo de
moldes rígidos de la mediación han estado reñidos con su regulación
formal legal. De hecho, cuando en España se empezó a plantear la con-
veniencia de legislar acerca de la mediación, se alzaron numerosas
voces en contra. La deslegalización de la mediación se va desdibujan-
do progresivamente, en la medida en que ha sido acogida, primero en
Recomendaciones del Consejo de Europa y, seguidamente, en leyes au-
tonómicas, Directiva Europea y ley nacional. Es más, la mediación in-
trajudicial –si la comparamos con la extrajudicial– es la que más éxito
está obteniendo, en la medida en que tanto la administración de justi-
cia, como los operadores jurídicos y los ciudadanos, se ven implicados
conjuntamente.
Sin embargo, resultaría muy pobre aceptar la implantación de
la mediación por razones crematísticas o utilitaristas. La concepción
de una ciudadanía renovada, consciente de su autonomía –y, además,
de querer ejercer tal autonomía– es la clave de la mediación.
1.1 Una renovada concepción del ciudadano autónomo y
moral mediante la educación
En las sociedades actuales, algunos dudan de que todos los in-
dividuos tengan sentido o conciencia moral, ¿cómo interesarles en la
moralidad? A. Cortina apunta como respuesta la educación. Vinculada
a ésta se encuentra la moral, que no es algo ajeno al individuo, no es un
conjunto de mandatos que brotan de otro mundo y que sólo pueden
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 113
interesar a una persona –niño o adulto– si se les convence mediante
alguna gratificación o alguna sanción externa.
La moral1, en una tradición kantiana es, en principio, capaci-
dad de darse leyes a sí mismo desde un punto de vista intersubjetivo,
de forma que las leyes sean universalizables. Lo cual nos muestra que
los individuos racionales no están cerrados sobre sí mismos, sino que
cada persona es lugar de encuentro de su peculiar idiosincrasia y de
la universalidad; es un nudo de articulación entre subjetividad e inter-
subjetividad.
Una persona “alta de moral” en este sentido sabe, pues, distin-
guir entre normas comunitarias convencionales y principios univer-
salistas, que le permiten criticar incluso las normas comunitarias. Sin
embargo, a la hora de interpretar el punto de vista moral universalis-
ta, existe una gran diferencia entre los kantianos: mientras filósofos
como J. Rawls adoptan como método para determinar qué normas son
las correctas la “asunción ideal de rol” (ponerse en el lugar del otro),
la ética del discurso deja esa tarea en manos de los afectados por la
norma2.
Atendiendo al principio de la ética del discurso, descubierto a
través del método trascendental: “Sólo pueden pretender validez las
normas que encuentran (o podrían encontrar) aceptación por parte
de todos los afectados, como participantes en un discurso práctico”3.
Por lo tanto, para que la norma sea correcta tienen que haber
participado en el diálogo todos los afectados por ella, y se tendrá por
correcta sólo cuando todos –y no los más poderosos o la mayoría– la
acepten porque les parece que satisfacen intereses universalizables.
Por tanto, el acuerdo sobre la corrección moral de una norma no pue-
de ser nunca un pacto de intereses individuales o grupales, fruto de
una negociación, sino un acuerdo unánime, fruto de un diálogo since-
1 Hay diversas concepciones de moral: a) la moral como búsqueda de la felicidad, de
la tradición aristotélica; b) la felicidad como maximización del placer, de tradición
hedonista; c) la moral utilitarista; d) la moral kantiana, etc.
2 Para la ética del discurso vid. CORTINA, A., “Razón comunicativa y responsabilidad
solidaria”, Sígueme, Salamanca, 1985; DOMINGO GARCÍA-MARZÁ, V., “Ética de la jus-
ticia”, Tecnos, Madrid, 1992.
3 HABERMAS, J., “Conciencia moral y acción comunicativa”, Península, Barcelona, 1985,
pp. 116 y 117.
Nuria Belloso Martín114
ro, en el que se busca satisfacer intereses universalizables. Estamos
acostumbrados a tergiversar los términos, de modo que identificamos
diálogo con negociación y acuerdo con pacto y, sin embargo, las ne-
gociaciones y los pactos son estratégicos, mientras que los diálogos
y los acuerdos son propios de una racionalidad comunicativa. Porque
quienes entablan una negociación se contemplan mutuamente como
medios para sus fines individuales y buscan, por tanto, instrumenta-
lizarse. Se comportan entonces estratégicamente con la mira puesta
cada uno de ellos en conseguir su propio beneficio, lo cual suele acon-
tecer a través de un pacto.
Por el contrario, quien entabla un diálogo considera al interlo-
cutor como una persona con la que merece la pena entenderse para
intentar satisfacer intereses universalizables. Por eso no intenta tra-
tarle estratégicamente como un medio para sus propios fines, sino
respetarle como una persona en sí valiosa, que –como diría Kant– es
en sí misma un fin, y con la que merece la pena, por tanto, tratar de
entenderse para llegar a un acuerdo que satisfaga intereses universa-
lizables.
Por eso la persona con altura humana asumiría una actitud
dialógica, lo cual significa4:
1) Que reconoce a las demás personas como interlocutores vá-
lidos, con derecho a expresar sus intereses y a defenderlos
con argumentos.
2) Que está dispuesta igualmente a expresar sus intereses y a
presentar los argumentos que sean necesarios.
3) Que no cree tener ya toda la verdad clara, de suerte que el
interlocutor es un sujeto al que convencer, no alguien con
quien dialogar. Un diálogo es bilateral, no unilateral.
4) Que está preocupado por encontrar una solución correcta y,
por tanto, por entenderse con su interlocutor. “Entenderse”
no significa lograr un acuerdo total, pero sí descubrir lo que
ya tenemos en común.
4 PUIG ROVIRA, J. Mª., con la colaboración de Héctor Salinas, ofrece orientaciones con-
cretas para la adquisición de habilidades dialógicas a través de la educación en “Toma
de conciencia de las habilidades para el diálogo”, en “Didácticas CL & E”, 1993.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 115
5) Que sabe que la decisión final, para ser correcta, no tiene
que atender a intereses individuales o grupales, sino a inte-
reses universalizables, es decir, a aquello que “todos podrían
querer”, por decirlo con la célebre fórmula del contrato so-
cial.
6) Que sabe que las decisiones morales no se toman por ma-
yoría, porque la mayoría es una regla política, sino desde el
acuerdo de todos los afectados porque satisface asimismo
los intereses de todos.
Quien asume esta actitud dialógica muestra con ella que toma
en serio la autonomía de las demás personas y la suya propia; le im-
porta atender igualmente a los derechos e intereses de todos, y lo hace
desde la solidaridad de quien sabe que “es hombre y nada de lo huma-
no puede resultarle ajeno”5.
Naturalmente cada quien llevará al diálogo sus convicciones
y más rico será el resultado cuanto más ricas sean las aportaciones.
Pero a ello ha de acompañar el respeto a todos los interlocutores po-
sibles como actitud de quien trata de respetar la autonomía de todos
los afectados por las decisiones desde la solidaridad. La educación del
hombre y del ciudadano ha de tener en cuenta, por tanto, la dimen-
sión comunitaria de las personas,su proyecto personal, y también su
capacidad de universalización, que debe ser dialógicamente ejercida,
habida cuenta de que muestra saberse responsable de la realidad, so-
5 Desde estos supuestos es posible construir una ética universal, en la que cualquier
persona es un interlocutor válido, que ha de ser tenido en cuenta en las decisiones
que le afectan. Lo cual nos llevaría a revisar en profundidad las relaciones interna-
cionales, y muy especialmente las relaciones Norte-Sur entre países y dentro de cada
país, porque los pobres son interlocutores potenciales a los que nunca se invita a
participar como interlocutores reales. “Los capiteles de las catedrales románticas re-
producían figuras de animales, sacadas de las páginas del Apocalipsis. Y en nuestro
fin de siglo no puedo por menos de traer a la memoria aquel bestiario nietzstchiano,
que condensaba la historia de la moral en tres animales: el camello, cargado de pesa-
dos fardos (la moribunda moral del <yo debo>); el león, afirmante de su voluntad (la
moral del <yo quiero>); el niño que, en su lúdica simplicidad, dice sencillamente <yo
soy>. Una nueva ficción. Un nuevo idealismo el nietzschiano. Al camello, si es que ha
muerto, no ha sucedido león o niño alguno en nuestro finisecular bestiario, sino más
bien un animal humilde, de pelaje bien poco apocalíptico, bien poco épico, pero sin
duda light: el camaleón, que dice sin escrúpulo <yo me adapto>.” (Vid. CORTINA, A.,
La moral del camaleón. Madrid, Espasa-Calpe, 1991, especialmente, cap. 13).
Nuria Belloso Martín116
bre todo de la realidad social, aquel que tiene la capacidad de tomar a
cualquier otra persona como un fin, y no simplemente como un medio,
como un interlocutor con quien construir el mejor mundo posible.
Un individuo, educado en civilidad, entiende que es parte de
una comunidad social y que en dicho medio tiene obligaciones y dere-
chos. En relación a la mediación, la educación, desde temprana edad,
en una cultura de la paz, siendo consciente de la alteridad del otro, de
la conveniencia de dialogar y gestionar las diferencias, hará posible
una sociedad en la que, como es lógico, seguirán existiendo lo conflic-
tos, pero se habrá modificado sustancialmente la forma de gestionar-
los y resolverlos.
1.2 El sustrato ontológico-político de la mediación
La democracia es un producto propio de ciudadanos que en-
tienden su rol y función dentro del contexto social en el que viven.
Eso implica integrar, no discriminar y no excluir a nadie. Una persona
discriminada, excluida o no integrada, difícilmente puede ser educada
en el sentido cívico de pertenencia a una comunidad social.
Como acertadamente sostiene F. Spengler, la mediación es,
esencialmente, un procedimiento democrático porque rompe, disuel-
ve los marcos de referencia de la certeza determinados por el conjunto
normativo. Es democrática porque acoge el desorden –y, por consi-
guiente, el conflicto– como posibilidad positiva de evolución social. Es
democrática en cuanto al fundamento de la relación de uno con otro.
Es una apuesta por la diferencia entre el tratamiento de los conflictos
de manera tradicional (Estado productor de regulación y de jurisdic-
ción, único medio de respuesta) para una estrategia que tenga como
base un Derecho inclusivo6.
6 SPENGLER, F.M., “Mediação e Alteridade: a necessidade de ‘inovações comunicativas’
para lidar com a atual (des)ordem conflitiva” en Spengler, F. M., y Lucas, D. C., (Orgs.).
Justiça Restaurativa e Mediação. Políticas públicas no tratamento dos conflitos sociais.
Ijuí: Unijuí, 2011. p. 215.
Spengler analiza la mediación en cuanto instrumento de justicia social capaz de (re)
organizar las relaciones, ayudando a las partes en conflicto a tratar SUS problemas
con autonomía, reduciendo la dependencia de un tercero (juez) y haciendo posible el
entendimiento mutuo y la comunicación (op. cit., p. 203).
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 117
F. Spengler sostiene que la mediación es la mejor fórmula, en-
contrada hasta ahora para superar el imaginario del normativismo
jurídico, dejando a un lado la búsqueda de la seguridad, de la previsi-
bilidad y certeza jurídica para cumplir con los objetivos inherentes a la
autonomía, a la ciudadanía, a la democracia y a los derechos humanos.
De ahí que las prácticas de mediación se configuren como un instru-
mento de ejercicio de la ciudadanía en la medida en que educan, faci-
litan y ayudan a producir diferencias y a realizar tomas de decisión,
sin la intervención de terceros que decidan por los afectados en un
conflicto7. Con todo, los que creemos en las bondades de la mediación
somos conscientes de las dificultades que conlleva su defensa frente a
todos aquellos que son escépticos, críticos e incluso se alarman ante lo
que consideran, la falta de seguridad y certeza jurídica en los acuerdos
de la mediación8.
Una de las máximas de la mediación es la de “ponerse en el lu-
gar del otro” para entender sus posiciones, sus intereses, calibrar sus
emociones, lo que siente. Este “ponerse en el lugar de cualquier otro”
es, en realidad, lo que se viene llamando el punto de vista moral, que
elude la parcialidad y hace posible la objetividad al superar el subjeti-
vismo; en la teoría kantiana, la razón para adoptar ese punto de vista
sería que cualquier hombre es un fin en sí mismo que no puede ser
tratado como un simple medio sin que renuncie a su humanidad quien
así lo trata; siguiendo la teoría de J. Rawls el punto de vista moral en-
carnaría la idea de imparcialidad que expresa la estructura de la razón
práctica moderna; y siguiendo a Habermas, se apoyaría en la necesi-
dad de asumir semejante punto de vista en el carácter de interlocutor
válido del que goza cualquier ser dotado de competencia comunicati-
va, atendiendo a la ética del discurso.
Sin embargo, plantear así la cuestión es entender que las nor-
mas morales vienen de fuera, cuando precisamente lo que las especi-
fica frente a normas como las legales es que brotan del propio sujeto:
las normas morales, como afirma explícitamente la tradición kantiana,
son las que un sujeto se daría a sí mismo en tanto que persona. Es de-
7 SPENGLER, F., op. cit., p. 235.
8 En el sistema español, el límite de que “los acuerdos en mediación deben ser siempre
conformes a derecho” no permite que la inseguridad jurídica ni tampoco la ilegalidad
se imponga.
Nuria Belloso Martín118
cir, son aquellas normas que –a su juicio– cualquier persona debería
seguir. Esas normas, en principio, no indican qué hay que hacer para
ser feliz, sino cómo hay que querer obrar para ser justo9.
Por consiguiente, el sustrato de la mediación encuentra su
base tanto en la teoría kantiana –el hombre es un fin en sí mismo, no
un medio–, en la teoría de Rawls –justicia como imparcialidad– como
en la de Habermas –ética del discurso–.
Otra de las máximas de la mediación es “yo gano-tú ganas”, re-
petida hasta la saciedad, para explicar la clara diferencia en el resul-
tado de la mediación –el acuerdo- frente al resultado en un proceso
judicial –la imposición de una sentencia–.
Para entender este cambio de óptica podemos remontarnos a
la fraternidad10, uno de los elementos de la célebre tríade francesa –li-
bertad, igualdad, fraternidad– que ha cedido su protagonismo, duran-
te largos años, a la libertad y la igualdad. En la actualidad recobra su
presencia a través del principio de solidaridad y ha llevado a la cultura
jurídica y política a realizar una reflexión pausada sobre dicotomías,
también clásicas en el derecho, como la de amigo-enemigo.
El criterio amigo-enemigo, planteado por Schmitt11 como una
expresión de la necesidad de diferenciación, conlleva un sentido de
9 Lo cual significa, en definitiva, como bien dice Rawls, ser capaz de ponerse en el lu-
gar del menos aventajado. Vid. RAWLS, J. Teoría de la Justicia y Political Liberalism;
APEL, K. O., Transformación de la filosofía, II, Madrid, Taurus, 1985; también, del
APEL, Estudioséticos, Barcelona, Alfa, 1986; HABERMAS, J., Conciencia moral y ac-
ción comunicativa. Barcelona, Península 1985; “Justicia y solidaridad”, en K. O. APEL,
A. CORTINA, D. MICHELINI, J. DE ZAN, Ética comunicativa y democracia, Crítica,
Barcelona, 1991.
10 E. Resta, en su obra sobre el Derecho fraterno, lo presenta apoyado en una sociedad
humana, delineando un ‘diritto non violento’, en el cual se busca la inclusión y, espe-
cialmente, la ruptura del binomio amigo-enemigo. En la Administración de justicia,
el interés no radica tanto en buscar la causa del conflicto sino que, por el contrario,
se incrementa con el aparato del que “vive nel conflitto e del conflitto che egli decide,
pronunciando l´ultima parola”, con la ilusión de que con esto se consiga disminuir la
conflictualidad y, por consiguiente, “Il rimedio reagisce sul rimedio [...] ma non ha nes-
suna diretta incidenza su cause, dimensioni, effetti della litigiosità che determinano i
conflitti”(RESTA, E., Il diritto fraterno. Roma-Bari, Laterza, 2005, p. 72).
11 Schmitt argumenta que la esencia de lo político no puede ser reducida a la enemistad
pura y simple, sino a la posibilidad de distinguir entre el amigo y el enemigo. El ene-
migo no puede pensarse en términos de cualquier competidor o adversario, como lo
planteaba el liberalismo, ni tampoco como el adversario privado (inimicus). La opo-
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 119
afirmación de sí mismo (nosotros), frente al otro (ellos). Así pues, es
posible observar el contenido positivo de la relación amigo-enemigo
como conciencia de la igualdad y de la otredad12, la cual se define mar-
cando al grupo entre los que se distinguen de los otros con base en
ciertos referentes. La diferencia nosotros-ellos establece un principio
de oposición y complementariedad. La percepción que un grupo de-
sarrolla de sí mismo en relación con los otros es un elemento que al
mismo tiempo que lo cohesiona, lo distingue. La posibilidad de reco-
nocer al enemigo implica la identificación de un proyecto político que
genera un sentimiento de pertenencia. Pero, ni la identificación con/
del enemigo, ni el sentimiento de pertenencia, ni la misma posibilidad
de la guerra que le dan vida a la relación amigo-enemigo son inmuta-
bles. Antes bien, se encuentran sometidos a variaciones continuas, es
decir, no están definidos de una vez y para siempre13.
En la mediación se pretende acabar con esa dicotomía de ga-
nador-vencedor (que refleja el resultado típico de un proceso judi-
cial), y el “yo gano-tú ganas” no es un mero slogan simpático para
presentar la mediación. Se apoya en una ontología que reclama es-
pacios comunes para compartir con otros individuos, en el diálogo,
en la comunicación14.
sición o antagonismo de la relación amigo-enemigo se establece si y sólo si el enemi-
go es considerado público (hostis). (SCHMIT, Carl. El concepto de lo político, Alianza
Editorial, Madrid, 1999; vid. también, CLAUSEWITZ, Karl von. De la Guerra, Rescates
Need, 1998, Buenos Aires).
12 “Otredad” es un sentimiento de extrañeza que asalta al hombre tarde o temprano,
porque tarde o temprano toma, necesariamente, conciencia de su individualidad.
En algún momento cae en la cuenta de que vive separado de los demás; de que exis-
te aquél que no es él; de que están los otros y de que hay algo más allá de lo que él
percibe o imagina. La otredad es la revelación de la pérdida de la unidad del ser del
hombre, de la escisión primordial. Adán se descubre desnudo; habiendo perdido
su inocencia, se ve a sí mismo y apenas se reconoce. La otredad es para el hombre
moderno un mal que se soporta con dolor: la conciencia moderna no acepta que su
individualidad sea una realidad plural y que detrás del hombre que piensa se es-
conda otro que mantiene una vida “ilógica”, que sostiene a menudo lo que la razón
reprueba.
13 Cfr. DELGADO PARRA, Mª. C., “El criterio amigo-enemigo en Carl Schmitt. El con-
cepto de lo político como una noción ubicua y desterritorializada” en Cuadernos de
Materiales, nº14, México, 2001.
14 Sin ánimo de extendernos, aquí se podría considerar el proceso de modelos de comu-
nicación de J. Habermas.
Nuria Belloso Martín120
2 el dereCho de aCCeso a la justiCia Como dereCho
fundamental
El derecho de acceso a la justicia incluye el derecho a un juicio
justo, a que la causa se decida en un plazo razonable, y a obtener algún
tipo de reparación, como una indemnización. Tal derecho se reconoce
en el artículo 10 de la Declaración Universal de Derechos Humanos; en
el artículo 25 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos;
en los artículos 6 y 13 del Convenio Europeo de Derechos Humanos,
en los artículos 2 y 14 del Pacto Internacional de Derechos Civiles y
Políticos; y en el artículo 47 de la Carta de Derechos Fundamentales de
la Unión Europea –en adelante UE–.
A la hora de abordar el estudio del derecho de acceso a la jus-
ticia como derecho fundamental en el ámbito de la Unión Europea es
necesario tener presente que, partiendo de la complejidad del orde-
namiento jurídico al cual pertenecemos desde que nos integramos en
Europa, nos encontramos dentro de un sistema, integral aunque toda-
vía inacabado, de reconocimiento y tutela de los derechos fundamen-
tales, que comprende tanto el sistema comunitario y el derivado de
las tradiciones constitucionales comunes a los Estados miembros de
la Unión, como el sistema del Consejo de Europa, además del produ-
cido por los órganos legislativos propios. Este sistema, con estas tres
ramas, la europea comunitaria, la derivada del Convenio Europeo de
Derechos Humanos y la del derecho interno, ha provocado un mayor
grado de complejidad a la hora de garantizar los derechos fundamen-
tales en el ámbito de la UE15.
La elaboración de un texto que detallase de forma explícita
el contenido de los derechos fundamentales para todos los Estados
miembros de la UE, dado que hasta entonces sólo podía hablarse de
mera consagración jurisprudencial por el Tribunal de Justicia de la
Comunidad Europea –TJCE–, ha sido un reto para la Unión Europea. El
objetivo perseguido estaba determinado a la incorporación de la Carta
de derechos en la fallida Constitución Europea16.
15 Vid. BELLOSO MARTÍN, N., “La doble protección de los Derechos humanos en Europa: el
Consejo de Europa y la Unión Europea”. En: Direito, Cidadania e Políticas Públicas (Coord.
Marli M. M. da Costa, Rosane B. M. da R. Barcelos Terra e Daniela Richter), Vol. III, Porto
Alegre –Brasil–, Universidade Federal do Rio Grande do Sul –UFRGS–, 2008, pp.91-128.
16 El proyecto de Carta de Derechos Fundamentales de la Unión (elaborado por más
de sesenta representantes de los Jefes de Estado y de los Parlamentos nacionales y
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 121
La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión Europea (en
adelante, CDFUE)17 está integrada por cincuenta y cuatro artículos, pre-
cedidos por un Preámbulo. Se distribuyen estos artículos en seis capítu-
los dedicados a los derechos sustantivos, bajo las rúbricas de Dignidad
(arts. 1-5), Libertades (arts. 6-19), Igualdad (arts. 20-26), Solidaridad
(arts. 27-38), Ciudadanía (arts. 39-46) y Justicia (arts. 47-50). Para fi-
nalizar, el capítulo VII recoge ciertas disposiciones generales (denomi-
nadas cláusulas horizontales) que reglamentan el ámbito de aplicación
de los derechos (art. 51), su interpretación y alcance (art. 52), ámbito
y alcance de protección (art. 53) y, la prohibición de abusar de los de-
rechos para dar cobertura a actuaciones encaminadas a suprimirlos o
restringirlos más allá de los límites establecidos en la Carta (art. 54)18.
El Tratado de Lisboa por el que se modifican el Tratado de la
Unión Europea y el Tratado constitutivo de la Comunidad Europea fue
firmado por los representantes de los veintisiete Estados miembros en
la capital portuguesa el 13 de diciembre de 2007. Entró en vigor el 1
de diciembre de 2009, una vez ratificado por todos los Estados miem-bros. El Tratado de Lisboa19 es el último de los Tratados que, en el
europeo) se presentó el 18 de julio de 2000. El proyecto contaba con cincuenta y dos
artículos y se configuraba como un marco general de derechos de los ciudadanos
europeos. Este anteproyecto, sufrió ciertas modificaciones hasta que finalmente, los
líderes europeos de los Quince, la Eurocámara y la Comisión Europea suscribieron la
proclamación formal y solemne de la CDFUE en la Cumbre de Niza el día 7 de diciem-
bre de 2000.
17 La Carta de Derechos Fundamentales de la Unión Europea puede encontrarse en
Internet en la siguiente dirección: <http://ue.eu.int/df>.
18 Las fuentes de inspiración de la CDFUE son explícitamente indicadas en su Preámbulo:
las tradiciones constitucionales comunes a los Estados miembros así como los instru-
mentos internacionales de los que son parte, con especial relevancia el CEDH, el TUE
y los Tratados comunitarios, las Cartas Sociales adoptadas por la Comunidad y por el
Consejo de Europa, así como por la Jurisprudencia del TJCE y del TEDH.
19 A partir del Tratado de Lisboa, el artículo 6 se modifica y se sustituye por el siguiente
texto:
“1. La Unión reconoce los derechos, libertades y principios enunciados en la Carta
de los Derechos fundamentales de la Unión Europea de 7 de diciembre de 2000,
tal como fue adaptada el 12 de diciembre de 2007 en Estrasburgo, la cual tendrá
el mismo valor jurídico que los Tratados.
Las disposiciones de la Carta no ampliarán en modo alguno las competencias de
la Unión tal como se definen en los Tratados.
Los derechos, libertades y principios enunciados en la Carta se interpretarán con
arreglo a las disposiciones generales del título VII de la Carta por las que rige su
Nuria Belloso Martín122
pasado, han modificado los Tratados sobre los que se han fundamen-
tado las Comunidades y la Unión Europea, tales como el Acta Única
Europea (1986), el Tratado de la Unión Europea (Maastricht) (1992),
el Tratado de Ámsterdam (1997) y el Tratado de Niza (2001)20.
Por consiguiente, el Capítulo V, relativo a la Justicia, establece
el Derecho a la tutela judicial efectiva y a un juez imparcial (art. 47),
Presunción de inocencia y derechos de la defensa (art. 48), Principios
de legalidad y de proporcionalidad de los delitos y las penas (art. 49),
y Derecho a no ser juzgado o condenado penalmente dos veces por la
misma infracción (art. 50).
Para el objeto de nuestro estudio, nos interesa destacar el cita-
do artículo 47 de la Carta de los derechos fundamentales de la Unión
Europea, que garantiza el derecho al acceso efectivo a la justicia:
Toda persona cuyos derechos y libertades garantizados por el
Derecho de la Unión hayan sido violados tiene derecho a la tute-
la judicial efectiva respetando las condiciones establecidas en el
presente artículo.
Toda persona tiene derecho a que su causa sea oída equitativa y
públicamente y dentro de un plazo razonable por un juez inde-
pendiente e imparcial, establecido previamente por la Ley. Toda
persona podrá hacerse aconsejar, defender y representar.
interpretación y aplicación y teniendo debidamente en cuenta las explicaciones a
que se hace referencia en la Carta, que indican las fuentes de dichas disposiciones.
2. La Unión se adherirá al Convenio Europeo para la protección de los Derechos
Humanos y Libertades Fundamentales. Esta adhesión no modificará las compe-
tencias de la Unión que se definen en los Tratados.
3. Los derechos fundamentales que garantiza el Convenio Europeo para la
Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales y los
que son fruto de las tradiciones constitucionales comunes a los Estados miem-
bros formarán parte del Derecho de la Unión como principios generales” (art. 6).
20 En lo que se refiere a España, la ley Orgánica 1/2008, de 30 de julio, por la que se
autoriza la ratificación por España del Tratado de Lisboa, por el que se modifican
en Tratado de la unión Europea y el Tratado Constitutivo de la Comunidad Europea,
firmado en la capital portuguesa el 13 de diciembre de 2007 (BOE núm. 184, de 31
de julio de 2008). El artículo 1 establece: “Se autoriza la ratificación por España
del Tratado de Lisboa, por el que se modifican el Tratado de la unión Europea y el
Tratado constitutivo de la Comunidad Europea, firmado en la capital de la República
de Portugal el 13 de diciembre de 2007”. El artículo 2 de esta LO contiene la Carta de
Derechos Fundamentales de la Unión Europea.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 123
Se prestará asistencia jurídica gratuita a quienes no dispongan
de recursos suficientes siempre y cuando dicha asistencia sea
necesaria para garantizar la efectividad del acceso a la justicia.
De conformidad con la legislación europea e internacional so-
bre derechos humanos, los Estados miembros de la UE deben garanti-
zar a todas las personas el derecho de acudir a los tribunales, o a otro
órgano de resolución alternativa de conflictos, y disponer de tutela
judicial cuando se han vulnerado sus derechos. En esto consiste el de-
recho de acceso a la justicia. Asimismo, la legislación comunitaria vela
por el derecho de toda persona a la concesión de un recurso efectivo
ante un juez. Si una víctima no tiene derecho de acceso a la justicia,
no puede ejercitar sus derechos ni obtener reparación de los daños y
perjuicios sufridos.
El derecho de acceso a la justicia que ampara a todas las perso-
nas puede desglosarse en las siguientes partes:
derecho a que su causa sea oída equitativa y públicamente
por un juez independiente e imparcial;
derecho a hacerse aconsejar, defender y representar durante
la causa judicial;
derecho a recibir asistencia jurídica cuando la víctima no pue-
de representarse a sí misma ante el órgano jurisdiccional ni
pagar los servicios de un abogado21;
21 Si los recursos financieros no permiten hacer frente a los gastos vinculados a un pro-
ceso judicial, se puede solicitar el beneficio de justicia gratuita. Si tiene un conflicto
con una empresa, un profesional, su patrón, un miembro de su familia o cualquier
otra persona, en su país o en el extranjero. Si no logra solucionar este conflicto de
mutuo acuerdo, puede usted recurrir a un Tribunal o verse obligado a defenderse si
es la otra parte la que ha tomado la iniciativa de ir a juicio.
Tal vez desee, antes que nada, entrevistarse con un abogado que le explique cuáles
son sus derechos y, a la luz de sus aclaraciones, decidir si vale la pena o no dirigirse a
la justicia.
En todos los Estados miembros de la Unión existen sistemas de justicia gratuita.
Existen diferencias de unos con relación a los otros en cuanto a la naturaleza y el
alcance de la ayuda que puede obtenerse y en cuanto a las condiciones que deben
reunirse para beneficiarse, pero todos persiguen el mismo objetivo: garantizar un
acceso efectivo a la justicia para todos.
Nuria Belloso Martín124
derecho a que su causa se decida en un plazo razonable y se
repare de manera adecuada.
Límites temporales
Cuando una presunta víctima acude a los tribunales, está obli-
gada a iniciar los procedimientos judiciales en un plazo determinado.
Éste debería ser equilibrado; es decir, que la víctima necesita tiempo
suficiente para decidir si su causa está fundamentada y si desea acudir
a los tribunales. Pero, por otra parte, tal plazo no debería prolongar-
se demasiado de modo que el presunto autor se vea en una situación
de incertidumbre. La mayoría de los Estados miembros de la UE han
establecido plazos límite de entre tres y cinco años. En todo caso, en
el ámbito del empleo, el plazo tiende a ser mucho más corto, como
sucede en Eslovenia, que establece ocho días.
Los Estados miembros de la UE deberían garantizar que los
plazos no sean demasiado cortos. Podrían considerar que el plazo no
entre en vigor hasta que la víctima sea consciente de la violación de
sus derechos.
Capacidad procesal
En el ámbito de la lucha contra la discriminación,los Estados
miembros de la UE están obligados a conceder a cierto tipo de aso-
En función de determinadas condiciones, estos sistemas nacionales le garantizan:
• la exención o la asunción, total o parcial de las costas judiciales.
• la asistencia de un abogado que le asesorará previamente al juicio y les represen-
tará durante el mismo cuando proceda, gratuitamente o a cambio de una remune-
ración reducida.
Pueden existir diferencias entre los sistemas de justicia gratuita nacionales, y las con-
diciones impuestas por éstos para poder obtener la justicia gratuita relativas a:
• sus recursos financieros
• el tipo de asuntos para los que se prestaría la justicia gratuita
• las condiciones vinculadas con el fondo del litigio
• los casos en los que deberá rembolsar la ayuda percibida.
• Si se desea solicitar el beneficio de justicia gratuita en otro Estado miembro dis-
tinto del suyo, existen Convenios internacionales que pueden facilitar las gestio-
nes.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 125
ciaciones –como las organizaciones no gubernamentales (ONG) y los
sindicatos– el derecho de presentar demandas judiciales en nombre
o en apoyo del demandante, con la autorización de éste. Algunos
Estados miembros (como Bélgica, Hungría e Irlanda) permiten que
las asociaciones presenten demandas incluso en casos en los que no
puede identificarse a la víctima o en los que hay pautas de discri-
minación. Se conocen como acciones colectivas. Fuera del ámbito de
la legislación en materia de discriminación o de medio ambiente, lo
habitual es que sólo puedan acudir a los tribunales la víctima o su
representante.
Los Estados miembros deberían plantearse la autorización de
las acciones colectivas. Es una cuestión importante, ya que es habitual
que las víctimas no presenten demandas judiciales por diversos moti-
vos, entre otros:
no conocen sus derechos;
no pueden permitírselo;
temen posibles consecuencias negativas, como perder el
puesto de trabajo en el caso de que demanden a su empleador.
Duración de los procedimientos
El tiempo que tarda un tribunal en dictar una sentencia de-
pende del grado de complicación de la causa judicial y del número de
recursos que se interpongan. De este modo, no se puede prever con
exactitud el tiempo que va a durar un caso. En algunos Estados miem-
bros, las demoras son importantes. Si las víctimas tienen que esperar
demasiado tiempo, el derecho de acceso a la justicia puede resultar
inútil. Asimismo, las demoras largas son un factor disuasorio para que
las víctimas acudan a los tribunales.
Los Estados miembros deberían plantearse la introducción de
procedimientos acelerados para las causas judiciales urgentes. Cuando
las causas se refieran a demandas de cantidades pequeñas de dinero,
o no impliquen cuestiones complicadas en relación con las pruebas
y la legislación, se podrían establecer procedimientos más sencillos.
En Austria, Bélgica, Hungría y el Reino Unido hay ejemplos en este
sentido.
Nuria Belloso Martín126
Gastos legales y asistencia jurídica
Para muchas personas, los gastos que genera una demanda ju-
dicial son demasiado altos. Todos los Estados miembros ofrecen algún
tipo de asistencia jurídica en virtud de la cual el Estado ayuda al de-
mandante a pagar al letrado o bien le asigna un abogado de oficio. Para
determinar quién tiene derecho a recibir asistencia jurídica, algunos
Estados miembros realizan una “evaluación de recursos” a partir de
los bienes del demandante, y otros también analizan las probabilida-
des de éxito de la demanda.
Aunque no hay un derecho absoluto a la asistencia jurídica en la
legislación sobre derechos humanos, el Tribunal Europeo de Derechos
Humanos (TEDH) utiliza diversas pruebas. Evalúa la importancia del
derecho que el demandante intenta ejercer, así como si la denegación
de asistencia jurídica impedirá que se oiga su causa de forma equita-
tiva. Dado que la prueba del TEDH es más generosa, es probable que
muchas víctimas en los Estados miembros no reciban asistencia jurí-
dica cuando debieran.
Los Estados miembros deberían asegurarse de que se presta
asistencia jurídica siempre que sea necesaria para garantizar un juicio
justo. Asimismo, deberían propiciar medidas como:
facilitar centros en los que se ofrezca asesoramiento jurídico;
fomentar la contratación de seguros de cobertura jurídica en-
tre la población;
promover la resolución de conflictos a través de órganos al-
ternativos.
El derecho a un recurso
Las víctimas tienen derecho a obtener una reparación que les
compense los daños y perjuicios sufridos y que disuada a los auto-
res de reincidir y a otras personas de cometer tales actos. El modo
de reparación más común es la indemnización. Los niveles de indem-
nización en las causas judiciales por discriminación varían conside-
rablemente de unos Estados miembros a otros. Tales variaciones no
pueden explicarse sólo por las diferencias en los costes de vida entre
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 127
los países. Por otra parte, los niveles de indemnización pueden no ser
suficientemente altos para disuadir a los autores de tales actos o com-
pensar los daños y perjuicios sufridos por las víctimas.
Los Estados miembros de la UE deberían estudiar los nive-
les de indemnización por discriminación para garantizar que son los
apropiados.
Reparaciones disponibles a escala europea e internacional
Cuando las causas judiciales no prosperan en los tribunales
nacionales, los demandantes pueden acudir a los órganos de nivel
europeo o internacional. El Tribunal de Justicia de las Comunidades
Europeas (TJCE) puede decidir sobre causas por infracción del
Derecho comunitario. No obstante, las denuncias sobre violaciones
de derechos humanos suelen presentarse ante el TEDH, encargado de
velar por el cumplimiento del Convenio Europeo para la Protección
de los Derechos Humanos. El Comité Europeo de Derechos Sociales
(CEDS) puede recibir también demandas “colectivas” de determina-
das organizaciones en relación con infracciones de la Carta Social
Europea. Asimismo, los órganos de Naciones Unidas pueden decidir
sobre reclamaciones de violación de los tratados de derechos huma-
nos si el Estado en cuestión es signatario del procedimiento.
Estos sistemas tienen diversas ventajas. El TJCE impone unas
reglas estrictas en relación con la capacidad procesal que dificultan la
presentación de una reclamación ante este tribunal. El TEDH acumu-
la un número ingente de causas judiciales, lo que genera demoras
en el dictamen de las sentencias. Se han introducido reformas que
ayudan a tramitar conjuntamente los casos “repetitivos”. El CEDS se
ocupa sólo de las reclamaciones que presentan determinadas orga-
nizaciones, más que de las de los ciudadanos. El coste del acceso a
los órganos de Naciones Unidas es bajo, puesto que no es necesaria
la representación de un abogado. No obstante, los dictámenes que
emiten no son vinculantes.
Los Estados miembros de la UE deberían considerar la amplia-
ción de las normativas relativas a la capacidad de actuar ante el TJCE.
También deberían garantizar que en sus legislaciones se efectúan los
Nuria Belloso Martín128
cambios que exigen los dictámenes del TEDH para evitar violaciones
repetidas. Además, los Estados que no hayan aprobado los procedi-
mientos de reclamación de los tratados de Naciones Unidas deberían
hacerlo22.
3 la agenCia de dereChos fundamentales
La función de la Agencia de Derechos Fundamentales de la
Unión Europea (FRA) es prestar asesoramiento basado en pruebas a
los responsables de la toma de decisiones en la Unión Europea. Tales
pruebas tienen el fin de informar a los responsables de la formulación
de políticas a escala nacional y comunitaria, y de contextualizar los
debates sobre derechos fundamentales en la Unión Europea23.
22 fra.europa.eu/fraWebsite/research/projects/proj_accessingjustice_en. htmproj_ac /
fra.europa.eu/fraWebsite/research/publications/publications_en.htm.
23 Conocida por sus siglas FRA, es la sucesora del Observatorio Europeo del Racismo y
la Xenofobia. La Comisión Europea presentó una propuesta al Consejo Europeo que
serviría de base para que el 15 de febrero de 2007 se aprobara el reglamento por el
que se creó la Agencia Europea de Derechos Fundamentales, que es el Reglamento
(CE) nº 168/2007. Su sede se encuentra en Viena, realiza sus funciones de manera
independiente y coopera con organismos internacionales, nacionales y otras orga-
nizaciones afines. En sus objetivos está proporcionar asesoría a las instituciones y
autoridades de la Comunidad Europea y a sus Estados miembros cuando apliquen
el derecho comunitario en el ámbito de los derechos fundamentales con el fin de
apoyarlos cuando tomen medidas o formulen medidas de acción que respeten plena-
mente los derechos fundamentales, sin embargo no tiene facultades para examinar
quejas individuales.
Por ejemplo, entre sus propuestas relativas a la cooperación judicial en materia ci-
vil, destacamos: a) Propuesta de reglamento del Parlamento Europeo y del Consejo
relativo a la competencia, la ley aplicable, el reconocimiento y la ejecución de las
resoluciones y los actos auténticos en materia de sucesiones y a la creación de un
certificado sucesorio europeo {SEC(2009) 410} {SEC(2009) 411}; b) Dictamen de la
Comisión sobre la petición del Reino Unido de aceptar el Reglamento (CE) no. 4/2009
del Consejo, de 18 de diciembre de 2008, relativo a la competencia, la ley aplicable, el
reconocimiento y la ejecución de las resoluciones y la cooperación en materia de obli-
gaciones de alimentos; c) Propuesta de REGLAMENTO DEL PARLAMENTO EUROPEO
Y DEL CONSEJO relativo a la competencia judicial, el reconocimiento y la ejecución de
resoluciones judiciales en materia civil y mercantil; d) Propuesta de REGLAMENTO
DEL PARLAMENTO EUROPEO Y DEL CONSEJO por el que se crea la orden europea
de retención de cuentas para simplificar el cobro transfronterizo de deudas en ma-
teria civil y mercantil; e) Propuesta de DECISIÓN DEL CONSEJO sobre la declaración
de aceptación por parte de los Estados miembros, en interés de la Unión Europea,
de la adhesión de la Federación de Rusia al Convenio de La Haya de 1980 sobre los
file:///D:\nubello\AppData\Local\AppData\Local\Temp\fra.europa.eu\fraWebsite\research\publications\publications_en.htm
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 129
La Agencia de Derechos Fundamentales de la UE publicó, en
marzo de 2011, un informe titulado El acceso a la justicia en Europa:
una visión general de retos y oportunidades. En el informe se realiza
un análisis comparativo del acceso a la justicia en todos los Estados
miembros de la Unión, y se determina que existen numerosos obs-
táculos que dificultan a las víctimas el ejercicio de sus derechos. Se
abordan fundamentalmente los procedimientos civiles y administra-
tivos a disposición de las víctimas de discriminación. Aunque se hace
hincapié en el ámbito de la legislación contra la discriminación, los
resultados del informe son aplicables en términos generales a los pro-
cedimientos civiles y administrativos en su conjunto.
«Para que los derechos se hagan efectivos, ha de garantizarse
la capacidad de las víctimas para ejercerlos, procurando que sus casos
se sometan a la resolución de un tribunal u otro órgano similar. Sin
embargo, la investigación de la FRA pone de relieve que, en la práctica,
existen diversas barreras a tal ejercicio».
Por ejemplo, 22 de los 27 Estados miembros de la UE aplican la
norma de que la parte perdedora en un proceso judicial ha de sufragar
las costas procesales de la parte ganadora. El riesgo de perder lleva
a las víctimas a abstenerse de incoar los procedimientos, aunque su
causa esté fundamentada.
El informe pone de relieve varios problemas que dan lugar a
que las víctimas no puedan ejercer sus derechos, o incluso desistan de
ejercerlos mediante el recurso a una acción judicial:
la duración excesiva de los procedimientos parece constituir
la dificultad más frecuente en todos los Estados miembros;
los elevados costes judiciales, incluidos los honorarios de los
abogados y las costas procesales;
las normas restrictivas respecto a quién está facultado para
iniciar un proceso judicial. Tal facultad suele limitarse a la víc-
tima, y no se permite que incoen procedimientos otras enti-
dades como organizaciones no gubernamentales, sindicatos
u órganos nacionales dedicados a la defensa de la igualdad;
Aspectos Civiles de la Sustracción Internacional de Menores; (http://www.usc.es/
es/servizos/cede/derei tosfundamentais/informes.html- Acceso el 09.08.2012).
Nuria Belloso Martín130
una elevada variabilidad entre Estados miembros en cuanto
a los importes de las indemnizaciones otorgadas, que, en al-
gunos casos, parecen resultar excesivamente bajos para que
actúen como elemento disuasorio o compensen plenamente
el daño sufrido.
En el informe también se hace referencia a prácticas prome-
tedoras vigentes en algunos Estados miembros, como las que
siguen:
– procedimientos agilizados;
– seguros que cubren los costes judiciales;
– centros de asesoramiento jurídico, e iniciativas de presta-
ción pro bono, que ofrecen a las víctimas servicios de con-
sejo y representación jurídicos gratuitos;
– procedimientos simplificados en los que las víctimas pue-
den representarse a sí mismas;
– alternativas al recurso a los tribunales para resolver dis-
putas, como la mediación y otros mecanismos no judicia-
les;
– normas de carácter legal más amplias, que permiten que
organizaciones no gubernamentales y otros órganos inte-
resados y especializados presenten demandas.
Uno de los objetivos básicos de la política de la Unión Europea
es mejorar el acceso de los ciudadanos a la justicia. Desde hace años,
los órganos comunitarios vienen manifestando su empeño en esta-
blecer un espacio de libertad, seguridad y justicia en el que parti-
culares y empresas no se vean impedidos ni disuadidos de ejercitar
sus derechos por la incompatibilidad o complejidad de los sistemas
legislativos y administrativos vigentes en cada uno de los 27 Estados
miembros. Cada paso dado por las instituciones europeas en el cum-
plimiento de ese objetivo se ha traducido en una transformación,
de mayor o menor entidad, de los ordenamientos procesales de los
Estados miembros24. La mediación se presenta como un instrumen-
24 Entre los antecedentes reguladores de la mediación en el ámbito europeo se pue-
den citar: 1) La Recomendación de 21 de enero de 1998, del Comité de Ministros
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 131
to, junto a otros, que favorecen el derecho de acceso de los ciudada-
nos a la justicia, como vamos a analizar seguidamente.
4 el dereCho de aCCeso a la justiCia versus dereCho a la
tutela judiCial efeCtiva en españa
El derecho de acceso a la justicia, también denominado por la
doctrina española como derecho a la tutela judicial efectiva, implica
la posibilidad de toda persona, independientemente de su condición
económica, social o de cualquier otra naturaleza, de acudir ante los
tribunales para formular pretensiones o defenderse de ellas, de ob-
tener un fallo de esos tribunales y, que la Resolución pronunciada sea
cumplida y ejecutada.
El derecho al acceso a la justicia25 podría ser analizado desde
una triple perspectiva: a) el acceso propiamente dicho, es decir la po-
sibilidad de llegar al sistema judicial, sin que existan obstáculos para
el ejercicio de dicho derecho; b) lograr un pronunciamiento judicial
que solucione el conflicto o tutele el derecho, siempre que se hubieren
cumplido con los requisitos de admisión que establece la ley; c) lograr
que la Resolución emitida sea cumplida y ejecutada, pues si se entien-
de que se acude a un proceso para que se reestablezca o proteja un de-
recho, un interés o un bien, en la medida en que el fallo no se ejecute,
el derecho de acceso a la justicia no estará satisfecho.En el ámbito español, por parte de la doctrina se ha discutido
mucho acerca de si el derecho a la tutela judicial efectiva podía ser
distinguido de la garantía del debido proceso. Ello obedece a que el
artículo 24 de nuestro texto constitucional recoge ambos derechos:
del Consejo de Europa; 2) El Libro Verde (Libro Verde Fomentar un marco europeo
para la EUR-Lex-Europa) que bajo el título “Las modalidades alternativas de solu-
ción de conflictos en el ámbito civil y mercantil”, se presentó el 19 de abril de 2002
por la Comisión de las Comunidades Europeas a solicitud del Consejo (COM 2002);
3) Finalmente, el Proyecto de Directiva del Parlamento Europeo y del Consejo sobre
ciertos aspectos de la mediación en asuntos civiles y mercantiles, presentada por la
Comisión Europea el 22 de octubre de 2004 (COM (2004) 718 final.
25 Vid. MARABOTTO LUGARO, J. A., “Un derecho humano esencial: el acceso a la justicia”,
en Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Uruguay, Konrad Adenauer,
2003.
Nuria Belloso Martín132
1. Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva
de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses
legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión.
2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predetermina-
do por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser infor-
mados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso pú-
blico sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar
los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar
contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de
inocencia.
3. La ley regulará los casos en que, por razón de parentesco o de
secreto profesional, no se estará obligado a declarar sobre hechos
presuntamente delictivos.
La mayoría de la doctrina española ha optado por el criterio de
la distinción, señalando que el derecho a la tutela judicial efectiva es
un derechos instrumental, que permite la defensa jurídica de todos los
demás derechos, mientras que el debido proceso asegura a los ciuda-
danos la observancia de las reglas constitucionales procesales, cuyos
objetivos son el respeto a los derechos fundamentales y la obtención
de una sentencia ajustada a derecho.
La jurisdicción es un elemento imprescindible para la garantía
de los derechos tanto de libertad como de prestación. Un mejor acceso
a la justicia es fundamental para cumplir con las metas de democrati-
zación de un Estado.
5 la mediaCión en la unión europea26
Hasta el mes de mayo de 2011 no existían instrumentos nor-
mativos vinculantes a nivel internacional sobre autocomposición,
aunque varias organizaciones internacionales sí que han promovido
el recurso a los métodos autocompositivos27.
26 Para mayores informaciones sobre la Unión Europea y acceso a documentos, puede
consultarse el Centro de Documentación Europea de la Universidad de Valladolid:
http://www.cdoce.uva.es.
27 SOLETO Muñoz, H., “La mediación en la Unión Europea”, en Mediación y solución de
conflictos. Habilidades para una necesidad emergente, Soleto Muñoz, H. y Otero Parga,
M. (Coords.), Madrid, Tecnos, 2007, pp. 185-203.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 133
Así, el Consejo de Europa adoptó en 1998 la Recomendación
sobre mediación familiar. La OCDE (Organización para la Cooperación
y el Desarrollo en Europa) estudia el uso de las modalidades de reso-
lución de conflictos relativos al comercio electrónico, ámbito en el que
otras Organizaciones no gubernamentales recomiendan su utiliza-
ción (Global Bussiness Dialogue on e-commerce, Transatlantic Business
Dialogue o Transatlantic consumer Dialogue). Asimismo, la UE ha crea-
do la red de resolución extrajudicial europea, EEJ-Net, que informa y
asiste a los consumidores, y una red para la resolución extrajudicial de
litigios en el sector de servicios financieros, FIN-NET. También apoya
económicamente sistemas de resolución de conflictos de consumo en
línea, como el proyecto ECODIR, plataforma electrónica para la reso-
lución de conflictos.
En el Consejo Europeo de Tampere, de 1999, los Estados miem-
bros llegaron al compromiso de establecer procedimientos de sustitu-
ción extrajudicial. Es así como en 2002 se aprueba el Libro verde de la
Comisión sobre las modalidades alternativas de solución de conflictos
en el ámbito del derecho civil y mercantil de 19 de abril de 200228.
Posteriormente, la Directiva 2003/8/CE del Consejo de la UE, de 27 de
enero de 2003, se interesó por mejorar el acceso a la justicia en los li-
tigios transfronterizos mediante el establecimiento de reglas mínimas
comunes relativas a la justicia gratuita29.
28 Este Libro Verde se ocupaba de las ADR en el ámbito del derecho civil y mercantil,
incluido el derecho laboral y el relacionado con el consumidor. El objetivo era esta-
blecer principios fundamentales que otorguen las garantías necesarias para que la
resolución de los conflictos por instancias extrajudiciales ofrezcan el nivel de segu-
ridad requerido en la administración de justicia. Planteaba 21 preguntas sobre cues-
tiones referentes a las ADR: cláusulas de sumisión, plazos de prescripción, exigencia
de confidencialidad, validez del consentimiento, eficacia de los acuerdos –sobre todo
ejecución-, formación de los mediadores, su acreditación o su régimen de responsa-
bilidad, etc.
29 “El beneficio de justicia gratuita cubrirá también los procedimientos extrajudiciales,
con arreglo a las condiciones estipuladas en la presente Directiva, cuando la ley los
imponga a las partes, o cuando el juez remita a las partes en el litigio a dichos proce-
dimientos” (art. 10).
“La justicia gratuita debe concederse en las mismas condiciones ya se trate de pro-
cedimientos judiciales tradicionales o de procedimientos extrajudiciales como la me-
diación, siempre que el recurso a estos últimos sea obligatorio por ley o haya sido or-
denado por el tribunal” (Considerando nº 21). Es decir, se establece la obligatoriedad
de la mediación, bien por ley, bien por la voluntad del juzgador.
Nuria Belloso Martín134
Conviene recordar que los litigios transfronterizos se caracte-
rizan por la lentitud y el coste de los procedimientos. Con el mercado
interior de la Unión Europea, la intensificación de los intercambios
y la movilidad de los ciudadanos, los conflictos entre nacionales de
Estados miembros diferentes, amplificados por el auge del comer-
cio electrónico transfronterizo, acaban saturando los tribunales. Los
asuntos transfronterizos son particularmente complejos debido a las
diferentes legislaciones nacionales y a cuestiones prácticas como las
costas o las barreras lingüísticas.
La Directiva de la Unión Europea sobre mediación –que fue
adoptada el 21 de mayo de 2008 (IP/08/628)30 y que está en vigor
desde el 21 de mayo de 2011– se aplica cuando dos partes implicadas
en un litigio transfronterizo acuerdan voluntariamente solucionar su
litigio recurriendo a un mediador imparcial. Todos los Estados miem-
bros de la UE deberían disponer actualmente de medidas en vigor
para incorporar la legislación de la UE.
No obstante, a finales de 2011, nueve países no habían noti-
ficado todavía todas las medidas nacionales necesarias para aplicar
plenamente la Directiva. En consecuencia, la Comisión Europea inició
acciones judiciales enviando «cartas de emplazamiento» a los siguien-
tes países: la República Checa, Francia, Chipre, Luxemburgo, los Países
Bajos, Finlandia, Eslovaquia, Reino Unido y España. Los países dispu-
sieron de dos meses para responder31. España –aunque con cierto re-
traso– también ya ha incorporado la Directiva32.
30 La Directiva 2008/52/CE sobre ciertos aspectos de la mediación en asuntos civiles
y mercantiles fue adoptada el 23 de abril de 2008 (IP/08/628). La Comisión propu-
so la Directiva en octubre de 2004 (IP/04/1288).
31 «El acceso a la justicia es una piedra angular del espacio europeo de justicia» ha di-
cho la Vicepresidenta Viviane Reding,Comisaria de Justicia de la UE. «La mediación
constituye una importante alternativa a la posibilidad de acudir a los tribunales en los
litigios transfronterizos, y puede ayudar a las partes a dar con una solución amistosa.
Ahorra tiempo y dinero y evita a las partes que participan en asuntos de carácter fa-
miliar, que ya de por sí son emocionales, el trauma adicional de acudir a los tribunales.
Exhorto a los nueve países restantes a que finalicen urgentemente la incorporación,
para que los ciudadanos y las empresas puedan gozar plenamente de sus derechos.»
32 En el ámbito español, el ministro de Justicia Caamaño, advertía de la cultura de la
litigiosidad, principalmente en el “uso y abuso” de los recursos ante los tribunales:
“La cultura del litigio ha encontrado un “socio perfecto” en la cultura del recurso que
se ha fomentado en exceso en todas las jurisdicciones. Nuestro sistema judicial ha
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 135
Los Estados miembros deberán garantizar que puedan aplicar-
se los acuerdos resultantes de la mediación. Según un estudio finan-
ciado por la UE, el tiempo que se pierde al no recurrir a la mediación
se calcula en un promedio de entre 331 y 446 días suplementarios en
la UE, con costes jurídicos suplementarios que van de 12 471 EUR a
13 738 EUR por asunto. Solucionar los litigios fuera de los tribuna-
les permite ahorrar recursos a los sistemas judiciales y puede reducir
las costas judiciales. Un elemento crucial en cualquier mediación es
la confianza en el proceso, especialmente cuando las dos partes son
de países diferentes. Por lo tanto, las normas de la UE incitan a los
Estados miembros a proporcionar un control de calidad, establecer
códigos de conducta y ofrecer formación a los mediadores para garan-
tizar que se aplique un sistema de mediación efectivo33.
caído en la trampa de un falso hipergarantismo que permite impugnar la práctica
totalidad de las resoluciones dictadas por juzgados y tribunales, más allá del dere-
cho fundamental a la doble instancia en materia penal. Detrás de ello se encuentra
la confusión del derecho de acceso al juez con el derecho a los recursos. La visión
del ciudadano ante la Justicia como una persona desprotegida que requiere, garantía
tras garantía, barreras protectoras que permitan descartar en todo caso y en toda
circunstancia la posibilidad del error judicial, es una perspectiva infundada, porque
la Justicia, igual que la medicina, el periodismo, el deporte o la ciencia, es administra-
da por personas, y por tanto, individuos susceptibles de equivocarse. El error es un
lugar de encuentro especialmente humano. No existe campo, al frente del que estén
personas, en el que sea posible alcanzar un escenario sin error. El error siempre será
una posibilidad, y no importa que establezcamos todavía más instancias judiciales, a
las ya existentes, ante las que apelar. Éstas sólo garantizan que para evitar reiterada-
mente el error pueda provocarse el colapso del sistema”. (F. Caamaño Domínguez, La
voz Periodística. Prensa Digital, 04.07.2011)
33 La Comisión puede emprender actuaciones judiciales contra los Estados miembros
que no incorporen correctamente el Derecho de la UE o que no notifiquen que han
aprobado medidas nacionales para aplicar las normas de la UE. El procedimiento de
infracción comienza con una solicitud de información (una «carta de emplazamien-
to») al Estado miembro afectado, a la que debe responderse en un plazo determina-
do, normalmente de dos meses.
Si la Comisión no queda satisfecha con la información y concluye que el Estado miem-
bro en cuestión no está cumpliendo sus obligaciones con arreglo al Derecho de la UE,
podrá entonces enviar una solicitud formal para que el Estado miembro se atenga al
Derecho de la UE (un «dictamen motivado»), instándole a que informe a la Comisión
sobre las medidas tomadas para cumplirlas, en un plazo determinado, normalmente
de dos meses.
Si un Estado miembro no garantiza que vaya a atenerse al Derecho de la UE, la
Comisión podrá entonces decidir demandar al Estado miembro ante el Tribunal
de Justicia de la UE. No obstante, en más del 90 % de los casos de infracción los
Nuria Belloso Martín136
En el marco de la Unión Europea, existen diversas posturas
frente a los métodos alternativos de resolución de conflictos; por una
parte, se pretende la regulación, pero por otra, se defiende la libertad
de cada Estado o incluso región o entidad local en el establecimiento
de servicios y procedimientos, que habrían de adaptarse al caso con-
creto, huyéndose por lo tanto de procedimientos rígidos o prefijados.
Es una línea de promoción pero no de imposición34.
Todo ello ha dado lugar a que la mediación no se haya de-
sarrollado por igual en todos los Estados miembros. Algunos se han
dotado de un sistema completo de legislación y normas procesales
sobre la mediación, mientras que, en otros, los órganos legislativos
han mostrado escaso interés en reglamentar estos procedimientos.
Existen, por otra parte, ciertos Estados miembros que tienen una ar-
raigada tradición de mediación, basada esencialmente en la autorre-
gulación.
El número de conflictos que acaban ante los tribunales es cada
vez mayor. Este fenómeno tiene dos consecuencias: no sólo se han
alargado los plazos de espera hasta la resolución de los conflictos, sino
que los costes judiciales han aumentado hasta tal punto que a menudo
no guardan proporción con el valor económico del conflicto.
En la mayoría de los casos, la mediación es más rápida y, por
consiguiente, más barata que los pleitos judiciales ordinarios. Esto re-
sulta especialmente cierto en aquellos países en los que los tribunales
tienen una gran carga de trabajo acumulada y donde la duración me-
dia del procedimiento judicial es de varios años.
Estados miembros cumplen sus obligaciones con arreglo al Derecho de la UE antes
de que se recurra contra ellos ante el Tribunal de Justicia. Si el Tribunal de Justicia
dicta sentencia contra un Estado miembro, este debe entonces tomar las medidas
necesarias para cumplir las sentencias.
34 Una Directiva europea establece los objetivos que deben lograr los Estados miem-
bros, dejándoles elegir los medios para hacerlo. La Directiva puede ir dirigida a uno,
varios o todos los Estados miembros. Para que los principios en ella establecidos sur-
tan efecto para los ciudadanos, el legislador nacional debe adoptar una norma de
derecho interno que conforme el ordenamiento jurídico nacional a los objetivos de la
Directiva. La Directiva fija una fecha límite para la transposición al Derecho nacional.
Los Estados miembros cuentan con un margen de maniobra que permite tener en
cuenta sus peculiaridades nacionales. La transposición tiene que realizarse dentro
del plazo que marca la Directiva. Un buen ejemplo lo constituye la Directiva 2008 a la
que vamos a referirnos seguidamente.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 137
Por esta razón, a pesar de las disparidades existentes dentro de
la Unión Europea entre los métodos de mediación y los ámbitos suje-
tos a mediación, este método de solución de conflictos suscita cada vez
más interés como alternativa a las resoluciones judiciales35.
La normativa dispersa e instituciones variadas con que con-
taban los Estados miembros en relación a la mediación, se intentó
unificar mediante la Directiva 2008/52/CE, del Parlamento Europeo y
del Consejo de 21 de mayo de 2008, sobre ciertos aspectos civiles de la
mediación en asuntos civiles y mercantiles36 y que fue publicada en el
Diario Oficial de la Unión Europea el 24 de mayo de 2008.
La Directiva, en su Exposición de Motivos, establece que «la
mediación puede dar una solución extrajudicial económica y rápida a
conflictos en asuntos civiles y mercantiles, mediante procedimientos
adaptados a las necesidades de las partes. Es más probable que los
acuerdos resultantes de la mediación se cumplan voluntariamente y
también que preserven una relación amistosay viable entre las partes.
Estos beneficios son aún más perceptibles en situaciones que presen-
tan elementos transfronterizos».
En la Exposición de Motivos ofrece una justificación de la base
jurídica elegida: “En el contexto de las ADR el impacto de los elemen-
tos transfronterizos es potencialmente mayor que cuando se conside-
ran las medidas relativas al proceso civil de forma aislada, puesto que
es necesario tener en cuenta factores pertinentes tanto en el momen-
to de la mediación como en cualquier otro procedimiento civil subsi-
guiente, incluida la circunstancia de que estos factores puedan entre-
35 En el Portal Europeo de Justicia se puede encontrar amplia información sobre media-
ción. Concretamente, entrando en la página de Estados miembros, se puede acceder,
individualizadamente, a la información sobre mediación de cada uno de los 27 países
que actualmente integran la Unión Europea, y puede consultarse en el idioma que se
desee (https://e-justice.europa.eu/content_ mediation_in_member_states-64-es.do.
Acceso el 26.07.2012). Advertimos que, con respecto a la España, en la fecha en que
la hemos consultado, aún no estaba actualizada porque no se recogía la Ley nacional
de mediación.
36 Vid., BELLOSO MARTÍN, N., “Un paso más hacia la desjudicialización. La Directiva
Europea 52/2008/CE sobre mediación en asuntos civiles y mercantiles. En: Revista
Electrónica de Direito Processual, Revista Semestral da Pós-graduação Stricto Sensu
em Direito Processual da Universidade Estadual de Rio de Janeiro – UERJ, 2ª ed.,
ano 2, Rio de Janeiro, enero-diciembre de 2008, pp. 257-291 (www.revistaproces-
sual.com).
Nuria Belloso Martín138
tanto cambiar. Por ejemplo, los elementos transfronterizos pueden ser
el domicilio o lugar de la actividad empresarial de una o ambas partes,
el lugar de la mediación o el lugar del órgano jurisdiccional competen-
te. El acuerdo mismo de acudir a la mediación puede regirse por una
ley distinta de la que rige la relación legal o contractual original entre
las partes y el subsiguiente acuerdo puede regirse por la ley de otro
país tercero. Dicho acuerdo puede tener que ejecutarse en otro Estado
miembro distinto, dependiendo, por ejemplo, de la ubicación de los
activos del deudor en el momento en que se solicita la ejecución.
Sin embargo, no sería posible restringir el ámbito de la propues-
ta con el único fin de eliminar los obstáculos creados por los elementos
transfronterizos o de facilitar solamente la resolución de los conflictos
que contienen un elemento transfronterizo, sea cual sea. Para evaluar
la conveniencia de la mediación como método de solución de litigios
para un conflicto dado, los elementos transfronterizos constituyen sola-
mente una de las diversas circunstancias pertinentes que deben tener-
se en cuenta. Otras circunstancias incluyen la naturaleza del conflicto y
el fondo del asunto, así como los factores relacionados con el coste, la
duración y las perspectivas de éxito.
La Directiva, en su artículo 12, dispuso que los Estados miem-
bros pondrán en vigor las disposiciones legales, reglamentarias y
administrativas necesarias para dar cumplimiento a la misma antes
del 21 de mayo de 2011, con excepción del artículo 10, al que deberá
darse cumplimiento el 21 de noviembre de 2010 a más tardar e infor-
marán inmediatamente de ello a la Comisión. Pues bien, España no ha
llevado a cabo la trasposición de la Directiva en el plazo indicado. El
Anteproyecto de Ley de Mediación en asuntos civiles y mercantiles, se
elevó al Consejo de ministros el 19 de febrero de 201037. El Proyecto
de Ley de Mediación en Asuntos Civiles y Mercantiles (PLMCM) se pre-
sentó el 11 de abril de 2011, para su fase de enmiendas.
Hasta el 07 de marzo de 2012 no entró en vigor el Real
Decreto-Ley 5/2012, de 5 de marzo, de mediación en asuntos ci-
viles y mercantiles, que incorpora al Derecho español la Directiva
2008/52/CE del Parlamento Europeo y del Consejo, de 21 de mayo
37 Se presentaron diversas objeciones, principalmente las relacionadas con: 1) Estatuto
del mediador; 2) Formación del mediador; 3) Eficacia jurídica del acuerdo.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 139
de 2008. Posteriormente, se ha publicado en el BOE de 03.07.2012
Ley de Mediación en Asuntos civiles y Mercantiles (procedente del Real
Decreto-Ley 5/2012, de 5 de marzo, de mediación en asuntos civiles
y mercantiles).
El objetivo de la Directiva sobre ciertos aspectos de la media-
ción en asuntos civiles y mercantiles es facilitar el acceso a modali-
dades alternativas de solución de conflictos y fomentar la resolución
amistosa de litigios promoviendo el uso de la mediación y asegurando
una relación equilibrada entre la mediación y el proceso judicial. Esta
Directiva se aplicará, en los litigios transfronterizos, en los asuntos ci-
viles y mercantiles, con la salvedad de aquellos derechos y obligacio-
nes que no estén a disposición de las partes en virtud de la legislación
pertinente. Sin embargo, no se aplicará, en particular, a los asuntos fis-
cales, aduaneros o administrativos ni a la responsabilidad del Estado
por actos u omisiones en el ejercicio de su autoridad soberana.
En 2011 se procedió a realizar una evaluación de cómo se estaba
desarrollado el proceso de implantación. Así, se publicó la Resolución
del Parlamento Europeo de 13 de septiembre de 201138, sobre aplica-
ción de la Directiva sobre la mediación en los Estados miembros, su
impacto en la mediación y su aceptación por los Tribunales. En esta
resolución, el Parlamento Europeo hace importantes consideraciones
sobre la Directiva, tales como las siguientes:
«Asegurar un mejor acceso a la justicia es uno de los objetivos
clave de la política de la Unión Europea para establecer un espa-
cio de libertad, seguridad y justicia; considerando asimismo que
el concepto de acceso a la justicia debe incluir, en este contexto,
el acceso a procedimientos adecuados de solución de controver-
sias para particulares y empresas».
«El objetivo de la Directiva 2008/52/CE es fomentar la resolu-
ción amistosa de litigios promoviendo el uso de la mediación
y asegurando una relación equilibrada entre la mediación y el
proceso judicial».
«Además de la previsibilidad, la Directiva tiene por objetivo es-
tablecer un marco que conserve la principal ventaja de la me-
38 Puede consultarse en: <http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pub Ref=-
//EP//TEXT+TA+P7-TA-2011-0361+0+DOC+XML+V0//ES> (acceso el 27 de julio de
2012).
Nuria Belloso Martín140
diación: la flexibilidad, considerando que estos dos requisitos
deberían guiar a los Estados miembros a la hora de elaborar la
legislación nacional mediante la cual se aplica la Directiva».
“Que vale la pena examinar cómo han aplicado los Estados
miembros las principales disposiciones de la Directiva sobre la
mediación en relación con la posibilidad de que los órganos ju-
risdiccionales propongan a las partes que recurran a la media-
ción (art. 5), con la garantía de confidencialidad (art. 7), con el
carácter ejecutivo de los acuerdos resultantes de la mediación
(art. 6) y con el efecto de la mediación sobre los plazos de cadu-
cidad y prescripción (art. 8)”
A continuación, la Resolución del Parlamento Europeo, de 13
de septiembre de 2011, analiza la situación de la aplicación de la
Directiva en los siguientes países: Bulgaria, Francia, Polonia, Italia,
Suecia, Grecia, Eslovenia, Países Bajos, Alemania, Austria, Rumanía y
Hungría. (Subrayamos que en esta Resolución no hay ninguna alusión
a España, ya que en España no se ha empezado a aplicar la Directiva
hasta el mes de julio de 2012, cuando se ha aprobado la Ley que tras-
pone la citada Directiva.) Como aspectos más destacables, se pueden
apuntar los siguientes:
1. Observa que el requisito de confidencialidad establecido por
la Directiva ya se contemplaba en la legislación nacional de
algunos Estados miembros: en Bulgaria, el Código Civil estab-
lece que los mediadores puedennegarse a testificar sobre un
conflicto en el que han mediado39;
2. Observa que, de conformidad con el artículo 6 de la Directiva,
la mayoría de los Estados miembros disponen de un procedi-
miento por el que se confiere al acuerdo por el que se estab-
lece una mediación la misma autoridad que a una decisión ju-
dicial; señala que ello se logra bien mediante la presentación
39 En Francia y Polonia, la legislación que regula la mediación en el ámbito civil estable-
ce disposiciones similares; señala que, entre los Estados miembros, Italia adopta un
enfoque estricto en cuanto a la confidencialidad de los procedimientos de mediación,
mientras que la reglamentación sueca sobre la mediación establece que la confiden-
cialidad no es automática y requiere un acuerdo entre las partes en este sentido; con-
sidera que parece necesario un enfoque más coherente.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 141
del acuerdo ante un órgano jurisdiccional, bien ante notario,
y que, al parecer, algunas legislaciones nacionales han opta-
do por la primera solución, mientras que, por el contrario, en
muchos Estados miembros la legislación nacional también
contempla la opción de la certificación notarial40;
3. Considera que el artículo 8, relativo al efecto de la mediación
sobre los plazos de caducidad y prescripción, es una dispo-
sición fundamental en cuanto que garantiza que a las partes
que opten por la mediación con ánimo de solucionar un litigio
no se les impide posteriormente iniciar un proceso judicial a
causa del tiempo transcurrido durante el procedimiento de
mediación;
4. Señala que algunos Estados miembros han optado por ir más
allá de los requisitos básicos de la Directiva en dos ámbitos,
a saber, los incentivos financieros para la participación en la
mediación y los requisitos obligatorios para la mediación;
señala que estas iniciativas estatales contribuyen a solucio-
nar de manera más eficiente las disputas y reducir la carga de
trabajo de los juzgados;
5. Reconoce que el artículo 5, apartado 2, permite a los Estados
miembros establecer la obligatoriedad de la mediación o so-
meterla a incentivos o sanciones, ya sea antes o después de
la incoación del proceso judicial, siempre que tal legislación
no impida a las partes el ejercicio de su derecho de acceso al
sistema judicial;
6. Observa que algunos Estados europeos han emprendido una
serie de iniciativas para ofrecer incentivos financieros a las
partes que opten por la mediación41
40 Por ejemplo, mientras que en Grecia y Eslovenia la legislación establece que un órga-
no jurisdiccional puede obligar a un acuerdo de mediación, en los Países Bajos y en
Alemania los acuerdos pueden tener carácter ejecutivo, como documentos notaria-
les, y en otros Estados miembros, como por ejemplo Austria, la legislación aplicable
permite que los acuerdos tengan carácter ejecutivo como documentos notariales, sin
que el acto jurídico nacional de transposición haga referencia expresa a dicha posi-
bilidad; pide a la Comisión que garantice que todos los Estados miembros que no
cumplan aún el artículo 6 de la Directiva lo harán sin demora;
41 En Bulgaria, las partes recibirán un reembolso del 50% de la tasa estatal ya abonada
para dirimir el conflicto ante los tribunales si lo resuelven mediante la mediación, y
Nuria Belloso Martín142
7. Observa que, junto con los incentivos financieros, algunos
Estados miembros cuyos sistemas judiciales están colapsados
han recurrido a normas que hacen obligatorio el recurso a la
mediación; toma nota de que en dichos casos no pueden so-
meterse los conflictos ante los tribunales hasta que las partes
no hayan intentado resolver los problemas mediante la me-
diación;
Conviene que nos detengamos, brevemente, en el examen de
la relación entre obligatoriedad y derecho a la tutela judicial efec-
tiva. Como hemos apuntado, el recurso a la mediación se inspira
–tanto en el caso de la Directiva europea como en la ley española– en
la voluntariedad. Esto significa que queda en manos de los interesados
su inicio, su desarrollo y su final. Un final que puede llegar del acuerdo
logrado con la ayuda del mediador o, sencillamente, del abandono –
expreso o tácito– del procedimiento iniciado.
Sin embargo, tanto una como otra normativa permiten que la
mediación se constituya en fase obligatoria –previa o no– del proceso
judicial– o extrajudicial (arbitral). No se trata de una mera propuesta
o información sobre su utilización, en aras de impulsar una institución
en la que parece se confía.
Es decir, el acceso forzoso, por tanto, convierte a la mediación
en requisito necesario de procedibilidad, lo que podría implicar una
colisión con uno de los derechos fundamentales proclamado y recono-
cido en los principales textos internacionales –europeos o no– y en la
mayoría de los internos de naturaleza constitucional. Concretamente,
nos estamos refiriendo al derecho a la tutela judicial efectiva, ampa-
rado implícitamente en el artículo 6 del CEDH – “Toda persona tiene
derecho a que su causa sea oída equitativa, públicamente y dentro de
un plazo razonable, por un Tribunal independiente e imparcial, estab-
lecido por la Ley, que decidirá los litigios sobre sus derechos y obliga-
ciones de carácter civil o sobre el fundamento de cualquier acusación
la legislación rumana prevé el reembolso total de las costas judiciales si las partes
resuelven un conflicto jurídico pendiente a través de la mediación; toma nota de que
se encuentra una disposición similar en la legislación húngara y de que en Italia to-
dos los actos y acuerdos alcanzados mediante mediación quedan exentos de tasas y
costas.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 143
en materia penal dirigida contra ella” –y expresamente en los artículos
47 de la CDFUE– “Toda persona cuyos derechos y libertades garantiza-
dos por el Derecho la Unión hayan sido violados tiene derecho a la tu-
tela judicial efectiva respetando las condiciones establecidas en el pre-
sente artículo”– y el artículo 24 de la Constitución Española –”Todas
las personas tienen derecho a obtener la tutela judicial de los jueces y
tribunales en ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que,
en ningún caso, pueda producir indefensión”–. De ahí que la Directiva
europea insista en que la obligatoriedad que ella misma previene –o
de su sometimiento a incentivos o sanciones– a que la legislación que
ordene la mediación, ya sea antes o después de la incoacción del pro-
ceso judicial, no impida a las partes el ejercicio efectivo de su derecho
a la acción (art. 5.2 DM)42.
Llegados a este punto se hace necesario precisar el contenido
del derecho a la tutela judicial efectiva. Su reconocimiento normativo
no sólo se opone a la existencia de ámbitos exentos de jurisdicción,
sino que también se inquieta ante prevenciones del ordenamiento
jurídico dirigidas a fijar presupuestos y/o requisitos procesales que
puedan terminar imposibilitando o restringiendo excesivamente la
obtención de la garantía jurisdiccional pretendida. A tal efecto, los ma-
gistrados de la Sala Cuarta del Tribunal de Justicia de Luxemburgo, de
18 de marzo de 2010 (caso Rosalía Alassini contra Telecom Italia SpA
(C-317/08) y otros tres similares, ante un supuesto similar de ADR
imperativa, apuntaron seis circunstancias que se exigían con carácter
acumulativo43.
42 CALDERÓN CUADRADO, Mª. P., IGLESIAS BUHIGUES, J. L., La mediación como ‘alter-
nativa’ a la jurisdicción” en De la Oliva Santos, A., Derecho Procesal Civil Europeo. Vol.
II. Acceso a la Justicia y auxilio judicial en la Unión Europea. Madrid, Aranzadi, 2001.
pp.73 y ss.
43 a) Carácter no vinculante de la técnica alternativa-complementaria de solución de
conflictos. Las partes no pueden de ninguna manera venir obligadas a aceptar el re-
sultado de la mediación; b) Oportunidad y simplicidad del acceso al procedimiento
de solución de que se trate. Una complejidad excesiva no sería respetuosa con el de-
rechofundamental (por ejemplo, una ordenación que habilitara un acceso exclusiva-
mente electrónico podría convertirse en un mecanismo obstaculizador de la media-
ción, primero, y de la vía jurisdiccional, después); c) Razonable duración del cauce
establecido. El instrumento mediador no puede llegar a suponer un retraso sustan-
cial a efectos de accionar judicialmente el proceso; d) Gratuidad del sistema impera-
tivo de ADR o la escasa cuantía de los gastos que se originen y que se atribuyan a los
intervinientes; e) Necesaria interrupción/suspensión de los plazos de prescripción
Nuria Belloso Martín144
Por todo ello, la constitucionalidad de la decisión legal estab-
leciendo un sistema de ADR ineludible quedará supeditada a la pre-
visión y respeto de esas seis circunstancias citadas. Como sostiene el
Tribunal de Justicia de la Unión, la restricción del derecho a la tutela
judicial efectiva que supone la mediación estaría justificada. En el fon-
do, tal limitación respondería a objetivos legítimos de interés nacional
–y europeo–, no tendría alternativa menos gravosa o severa –”el estab-
lecimiento de un procedimiento de solución extrajudicial meramente
facultativo no constituye medio igualmente eficaz” para lograr su al-
cance– y sería proporcional al fin perseguido –”no existe una despro-
porcionalidad manifiesta entre tales metas y los inconvenientes even-
tualmente ocasionados por el carácter imperativo” de la metodología
de la mediación44.
Todo ello es posible en la medida en que los derechos funda-
mentales no constituyen prerrogativas absolutas, sino que pueden ser
objeto de limitaciones, siempre y cuando éstas respondan efectiva-
mente a propósitos “de interés general perseguidos por la medida en
cuestión y no impliquen, habida cuenta del objetivo perseguido, una
intervención desmesurada e intolerable que afecte a la propia esencia
de los derechos así garantizados” (STJUE con remisión a su senten-
cia de 15 de junio de 2006, caso Dokter y otros y a la sentencia del
Tribunal Europeo de Derechos Humanos de 21 de noviembre de 2001,
asunto Fogarty contra Reino Unido– y artículo 52 CDFUE)45.
8. Señala que el ejemplo más destacado es el Decreto Legislativo
italiano nº 28, que pretende de esta manera reformar el sis-
o caducidad de las acciones a ejercitar respecto de los derechos discutidos durante
el desarrollo de la alternativa dispuesta; f) Posibilidad de adoptar medidas provi-
sionales durante su tramitación. Que legalmente se establezca como obligatoria la
mediación o cualquier otro sistema de resolución no judicial de controversias no ha
de impedir que en situaciones excepcionales y urgentes pueda garantizarse la efec-
tividad del acuerdo o, llegado el caso, de la sentencia que inmediatamente después
se pretendiera a través del recurso a la tutela cautelar (CALDERÓN CUADRADO, Mª.
P., IGLESIAS BUHIGUES, J. L., La mediación como ‘alternativa’ a la jurisdicción” en De
la Oliva Santos, A., Derecho Procesal Civil Europeo. Vol. II. Acceso a la Justicia y auxilio
judicial en la Unión Europea. Madrid, Aranzadi, 2001, pp. 75-78).
44 CALDERÓN CUADRADO, Mª. P., IGLESIAS BUHIGUES, J. L., La mediación como ‘alter-
nativa’ a la jurisdicción” en De la Oliva Santos, A., Derecho Procesal Civil Europeo. Vol.
II., cit., p. 78.
45 Idem, p. 78.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 145
tema judicial y aligerar la carga de trabajo de los tribunales
italianos, claramente congestionados, reduciendo el número
de casos y el tiempo promedio de nueve años necesario para
resolver conflictos por la vía civil; observa que, como cabía
esperar, este Decreto no ha sido bien recibido por los profe-
sionales, que lo han impugnado ante los tribunales e incluso
se declararon en huelga46;
46 La Directiva 2008/52 (art. 5.2) deja en libertad a los Estados para incluir en sus res-
pectivos ordenamientos internos supuestos de mediación obligatoria: La presente
Directiva no afectará a la legislación nacional que estipule la obligatoriedad de la
mediación o que la someta a incentivos o sanciones, ya sea antes o después de la in-
coación del proceso judicial, siempre que tal legislación no impida a las partes el ejer-
cicio de su derecho de acceso al sistema judicial. Francia no ha establecido supuestos
obligatorios de mediación sino que remite al juez la posibilidad de designar –con
acuerdo de las partes- un mediador en cualquier momento del proceso, disposición
que no se aplica a los casos en que la ley prescribe tentativas de conciliación previas
en materia de divorcio y separación (arts. 22 y 22-1 Ley 125/1995 modificada por
la Ordenanza 1540/2011 de transposición de la Directiva 2008/52). Italia ha opta-
do por obligar a las partes a la mediación previa en determinados tipos de litigios.
Concretamente, el ordenamiento italiano ha optado (art. 5 Real Decreto legislativo
28/2010) por configurar el intento de mediación como condición de procedibilidad
en litigios judiciales en los que puede ser factible el logro de un acuerdo extrajudi-
cial habida cuenta del mantenimiento posterior de una relación jurídica o por otras
circunstancias que así lo aconsejan. La norma italiana no ha optado por determinar
la obligatoriedad sobre la base de la cuantía del litigio, sino por razón de la materia:
litigios sobre copropiedad, derechos reales, división de cosa común, sucesiones,
patria potestad, arrendamientos, resarcimiento de daños derivados de responsa-
bilidad médica y de difamación, seguros, servicios bancarios y financieros, entre
otros.
A este respecto observa H. dalla Bernardina Pinho que “Nell’intendimento del
Parlamento, il § 2º dell’articolo 5º della direttiva comunitaria permette agli Stati
membri l’utilizzazione della mediazione in maniera obbligatoria, o di assoggettarla
ad incentivi o sanzioni, sia prima che dopo l’inizio del processo giudiziale, purché
questo non impedisca alle parti di esercitare il loro diritto di ricorrere al sistema giu-
diziale. Osserva inoltre che il legislatore italiano ha deciso di riformare il suo sistema
legale in questo senso allo scopo di alleggerire il carico di lavoro per i tribunali, risa-
putamente congestionati, agilizzando così il tempo di durata dei processi che molte
volte distorcono il concetto di giustizia, trasformandosi in una vera negazione di di-
ritti. Tuttavia il Parlamento nota che il meccanismo di mediazione preteso nella leg-
ge italiana che ad esso condiziona l’ammissibilità della richiesta giudiziale in alcuni
casi specificamente identificati, non è stato ben accolto dagli operatori giuridici, che
hanno impugnato il decreto, ma sottolinea che in altri paesi in cui la mediazione è di-
ventata obbligatoria, come in Bulgaria ed in Romania, ha contribuito per una disputa
rapida, riducendo la durata eccessiva di un procedimento giudiziale” (BERNARDINA
PINHO, H. dalla y PEDROSA PAUNGARTEN, L., “L’esperienza italo-brasiliana nell’uso
della mediazione in risposta alla crisi del monopolio statale di soluzione di conflit-
Nuria Belloso Martín146
9. Señala que, a pesar de la polémica, los Estados miembros
cuya legislación nacional va más allá de los requisitos bási-
cos de la Directiva sobre la mediación parecen haber logra-
do resultados importantes en la promoción del tratamiento
no judicial de los conflictos en materia civil y mercantil; ob-
serva que los resultados obtenidos, en particular, en Italia,
Bulgaria y Rumanía, demuestran que la mediación puede
facilitar una resolución extrajudicial de los conflictos econó-
mica y rápida a través de procedimientos adaptados a las
necesidades de las partes;
10. Observa que, en el ordenamiento jurídico italiano, la media-
ción obligatoria parece alcanzar el objetivo de descongestio-
nar los tribunales47; no obstante, subraya que la mediación
ti e la garanzia di accesso alla giustizia”, en Mediazione civile e commerciale, 2012
(http://www.diritto.it/docs/33346-l-esperienza-italo-brasiliana-nell-uso-della-
mediazione-in-risposta-alla-crisi-del-monopolio-statale-di-soluzione-di-conflitti).(Acceso el 25.07.2012)
47 La Directiva fue transpuesta en Italia mediante el Decreto Legislativo núm.28, de 4 de
marzo de 2010.
Como aspectos más destacados de la normativa italiana proponiendo un breve análi-
sis comparativo con la Ley española:
1) La obligatoriedad de la mediación. El legislador italiano, con el fin ya declarado
de reducir el número de expedientes judiciales, ha apostado fuertemente por la “me-
diación obligatoria”, ampliando de manera considerable la tipología de controversias
que tendrán que pasar, bajo pena de inadmisibilidad de la demanda, por un intento
de mediación.
A partir del 21 de marzo de 2011 todas las controversias en materia de derechos
reales, divisiones, sucesiones, alquiler y comodato, alquiler de una empresa, pactos
de familia, responsabilidad médica, difamación por medio de la prensa y contratos
de seguro, bancarios y financieros, tendrán que ser sometidas a un intento prelimi-
nar de mediación (Art. 5.1.) y tanto la parte, como el juez ex oficio, podrán alegar la
excepción de inadmisibilidad temporánea de la demanda. Todo ello, sin perjuicio de
las partes de continuar en el proceso de mediación, iniciado obligatoriamente, o de
abandonarlo. Además ya está previsto que, en breve, también todas las controversias
en materia de reclamación de daños en la circulación de vehículos y de comunidad de
vecinos se unirán a la lista anterior.
2) La propuesta de acuerdo. Otro aspecto que caracteriza la normativa italiana, y
que está suscitando no pocas discusiones, es la posibilidad para el mediador de for-
mular una propuesta de acuerdo, tanto si las partes así lo solicitan, como motu pro-
prio en el caso de que no sea posible alcanzar un acuerdo (Art. 11).
Lo que es realmente peculiar, y fuente de críticas, no es tanto la facultad del mediador
de proponer soluciones, sino las consecuencias que puede suponer para las partes
http://www.diritto.it/docs/33346-l-esperienza-italo-brasiliana-nell-uso-della-mediazione-in-risposta-alla-crisi-del-monopolio-statale-di-soluzione-di-conflitti). (Acceso
http://www.diritto.it/docs/33346-l-esperienza-italo-brasiliana-nell-uso-della-mediazione-in-risposta-alla-crisi-del-monopolio-statale-di-soluzione-di-conflitti). (Acceso
http://www.diritto.it/docs/33346-l-esperienza-italo-brasiliana-nell-uso-della-mediazione-in-risposta-alla-crisi-del-monopolio-statale-di-soluzione-di-conflitti). (Acceso
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 147
debe promocionarse como una alternativa viable, económi-
ca y rápida de justicia, no como un aspecto obligatorio del
procedimiento judicial;
si no aceptan la propuesta del mediador. A este respecto, el D. Lgs 28/2010 intro-
duce la posibilidad para el juez de condenar en costas a la parte que gana el juicio en el
caso de que el contenido del fallo coincida con la propuesta de acuerdo que había sido
formulada por el mediador y rechazada por la parte ganadora del pleito (Art. 13.1).
3) El título ejecutivo. De especial trascendencia es también la norma que confiere
eficacia de título ejecutivo al acuerdo de mediación alcanzado después de un pro-
cedimiento de mediación llevado a cabo en una institución inscrita en un Registro
específico del Ministerio de Justicia italiano y por un mediador formado con arreglo
a ciertos criterios, previa homologación por parte del Tribunal donde resida la ins-
titución a la que se ha encomendado la mediación (Art. 12). El juez se limitará a un
control formal pudiendo rechazar la homologación del título además en caso de que
el acuerdo sea contrario al orden público o a las normas de ius cogens.
La ley española no exige ningún control previo del juez para que el acuerdo
adquiera carácter ejecutivo. En España, será el mediador el encargado de com-
probar la conformidad del acuerdo con el ordenamiento jurídico, y su firma
será requisito previo para que el acuerdo sea título ejecutivo, lo que podrá plantear
problemas con respecto a la formación de los mediadores, puesto que ni en Italia ni
en España se requiere como requisito para ser mediador el grado universitario en
disciplinas jurídicas.
4) Ventajas fiscales. Para hacer aún más atractiva la mediación, la normativa italiana
ha previsto sendas ventajas fiscales. Por ejemplo en el caso de que las partes alcancen
un acuerdo, se les reconoce una deducción de los impuestos de un importe equivalente
a los honorarios pagados al mediador, hasta un máximo de 500 Euros (Art. 17 y 20).
5) El papel del Juez. Mientras que en la Ley española está previsto que sólo en la con-
vocatoria de la audiencia previa se informará a las partes de la posibilidad de recurrir
a la mediación, instándolas a que asistan a una sesión informativa, en Italia podrá ser
el juez quien invitará a las partes, que tendrá delante, a acudir a una mediación, y es
razonable pensar que las partes no se mantendrán indiferentes a dicha sugerencia en
presencia del Juez.
6) El papel del abogado. Pero sin duda el aspecto más novedoso, y posiblemente eje
de toda la reforma, es el papel que la normativa italiana reserva a los abogados. Ahora
los abogados italianos están obligados, en el momento en que reciben el man-
dato de sus clientes, a informarles de la posibilidad (o de la obligación en su
caso) de someter sus litigios a mediación así como de las ventajas fiscales que eso
conlleva. Dicha información tendrá que ser comunicada al cliente por escrito, so pena
de anulabilidad del contrato de prestación de servicios con el mismo. El documento
que recoge la información, suscrito por el cliente, habrá de ser adjuntado a la deman-
da judicial para que el Juez pueda comprobar que la parte ha sido debidamente infor-
mada. (PIERALLI, A., La mediación mercantil: Italia Vs. España, 14.04.2011 - (http://
www.legaltoday. com/practica-juridica/supranacional/d_ue/la-mediacion-mercan-
til-italia-vs-espana (acceso el 28.07.2012).
Nuria Belloso Martín148
11. Reconoce los logros alcanzados por los incentivos financie-
ros previstos por la ley búlgara sobre la mediación; recono-
ce, no obstante, que estos se deben también al interés mani-
festado hace tiempo por la mediación por el ordenamiento
jurídico de Bulgaria, habida cuenta de que la mediación exis-
te desde 1990 y de que el Centro de Solución de Conflictos
–integrado por mediadores que trabajan por turnos– viene
proporcionando diariamente desde 2010 servicios gratuitos
de mediación e información para las partes en casos judi-
ciales pendientes; señala que en Bulgaria fueron objeto de
mediación dos terceras partes de los casos mencionados y
que la mitad de los casos se resolvieron satisfactoriamente
mediante la mediación;
12. Toma nota también de los logros de la legislación rumana
sobre la mediación: se han establecido disposiciones so-
bre los incentivos financieros y se ha creado el Consejo de
Mediación, una autoridad nacional para la práctica de la me-
diación con estatuto de órgano jurídico autónomo; señala
que este órgano se consagra plenamente a la promoción de
la actividad de mediación, al desarrollo de normas de for-
mación, a la preparación de los proveedores de cursos de
formación, a la expedición de documentos que acreditan la
cualificación de los mediadores profesionales, a la adopción
de un código ético y a la formulación de propuestas para
completar la legislación;
13. Considera que, a la luz de todo lo anterior, el conjunto de los
Estados miembros se encontraban en condiciones de apli-
car la Directiva 2008/52/CE antes del 21 de mayo de 2011
y que, mientras algunos Estados miembros están utilizando
diversos enfoques normativos y otros Estados se encuen-
tran un poco retrasados, lo cierto es que la mayoría de los
Estados miembros no sólo han dado buen cumplimiento de
la Directiva, sino que en realidad superan los requisitos de la
misma;
14. Recalca que las partes que están dispuestas a colaborar para
resolver sus diferencias tienen más posibilidades de traba-
jar conjuntamente que enfrentados entre sí; opina que,por
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 149
tanto, estas partes suelen estar más receptivas a la hora de
considerar la posición de la otra parte y de trabajar en los
aspectos subyacentes de la disputa; considera que a menudo
este enfoque tiene la ventaja añadida de mantener la rela-
ción que las partes tenían antes de la disputa, lo cual es de
vital importancia en asuntos de Derecho de familia donde
hay menores implicados;
15. Anima a que la Comisión, en su próxima Comunicación so-
bre la aplicación de la Directiva 2008/52/CE, también exa-
mine las áreas en las que los Estados miembros han decidi-
do ampliar las medidas de la Directiva más allá del ámbito
de aplicación previsto;
16. Destaca los aspectos favorables para el consumidor de los
sistemas alternativos de resolución de litigios, que ofrecen
soluciones prácticas personalizadas; en este contexto, pide
que se presente sin demora una propuesta legislativa sobre
la resolución alternativa de litigios por parte de la Comisión;
17. Señala que las soluciones que resultan de la mediación y que
se han establecido entre las partes no podrían ser dictami-
nadas por un juez ni por un jurado; opina, por tanto, que
es más probable que a través de la mediación se alcance un
resultado satisfactorio para todas las partes; indica que, de-
bido a ello, hay más posibilidades de que se acepte este tipo
de acuerdo y que el cumplimiento de estos acuerdos de me-
diación suele ser muy elevado;
18. Opina que es necesario aumentar la sensibilización y el en-
tendimiento en torno a la mediación, y pide que se adopten
más medidas en relación con la educación, la creciente sen-
sibilización sobre la mediación, el aumento de la aceptación
de la mediación por parte de las empresas y los requisitos
para acceder a la profesión de mediador;
19. Considera que debe alentarse a las autoridades nacionales
a que desarrollen programas dirigidos a fomentar los co-
nocimientos adecuados sobre la resolución alternativa de
litigios; considera que dichos programas deben tener por
objetivo las principales ventajas de la mediación –costes,
Nuria Belloso Martín150
índice de éxito y rapidez– y dirigirse a abogados, notarios
y empresarios, en particular de PYME, así como al mundo
universitario;
20. Reconoce la importancia de establecer normas comunes
para acceder a la profesión de mediador con objeto de fo-
mentar una mejor calidad de la mediación y de garantizar un
nivel elevado de formación profesional y de certificaciones
en toda la Unión.
6 la mediaCión en españa48
6.1 Fase previa a la trasposición de la Directiva Europea y
entrada en vigor del Real Decreto-Ley 5/2012, de 5 de
marzo, de mediación en asuntos civiles y mercantiles
Dado que hasta el mes de julio de 2012 en España no se con-
taba con una Ley de ámbito nacional sobre mediación, han sido las
Comunidades Autónomas las que más han desarrollado el tema hasta
el momento. La mayor parte de las Comunidades lo ha hecho mediante
Leyes de Mediación Familiar (por tanto, se establecía el instituto de
mediación pero circunscrito a los conflictos familiares).
Sin embargo, una vez comprobadas las bondades de la media-
ción, algunas Comunidades Autónomas optaron por ampliar la media-
ción a buena parte del Derecho Privado, como hizo Cataluña con la que
se ha denominado ley de segunda generación, Ley 15/2009, de 22 de
julio, de Mediación en ámbito de Derecho Privado49.
Junto al ámbito familiar –ámbito que se inscribe en el campo
más amplio de la mediación civil, regulada por la Directiva Europea de
mediación civil y mercantil-, la mediación se utilizaba en otras áreas,
48 https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-es-es.do?-
member=1
49 Esta ley de segunda generación, en relación a la anterior Ley reguladora de la me-
diación en la comunidad Autónoma de Cataluña, pretendía extender la mediación a
otros conflictos surgidos en el ámbito de las comunidades y de las organizaciones. La
mediación comunitaria, social o ciudadana son ejemplos evidentes de los conflictos
derivados de compartir un espacio común, así como las relaciones de vecindad, pro-
fesionales, asociativas, colegiales o, incluso, del ámbito de la pequeña empresa.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 151
tales como la mediación en el ámbito familiar, en el ámbito laboral, en
el ámbito sanitario, en el ámbito intercultural, en el ámbito de la em-
presa familiar, en le ámbito penal, en el ámbito comunitario, etc. todos
aquellos en los que los derechos son disponibles.
6.2 A partir de la trasposición en España de la Directiva
La Exposición de Motivos del R.D.L. 5/2012 establecía que los
tres ejes de la mediación son (i) la desjudicialización (reducir la carga
de trabajo de los Juzgados), (ii) deslegalización, (priorizando el prin-
cipio dispositivo), y (iii) el reconocimiento del acuerdo de mediación
como título ejecutivo, siempre que se eleve a público mediante la cor-
respondiente escritura notarial.
La recientemente promulgada Ley de Mediación en Asuntos ci-
viles y Mercantiles (BOE de 03.07.2012) (procedente del Real Decreto-
Ley 5/2012, de 5 de marzo, de mediación en asuntos civiles y mer-
cantiles) en su Preámbulo, se lamenta de que hasta la aprobación del
RDL 5/2012 en España se carecía de una ordenación general de la
mediación aplicable a los diversos asuntos civiles y mercantiles. Esta
Ley añade un aspecto relevante como es el de asegurar la conexión de
la mediación con la jurisdicción ordinaria, ya que hasta ahora, algún
sector de la doctrina insistía en presentarlas como campos que no en-
contraban su ligamen50.
Con todo, esto no significa que no se hayan llevado a cabo ac-
tuaciones de mediación en ámbitos que no fueran exclusivamente
los de familia. Previamente a la promulgación de la Ley Mediación
en Asuntos civiles y Mercantiles en España, en el Juzgado de Primera
50 Numeroso operadores jurídicos –desde abogados a jueces y magistrados- conside-
raban a la mediación como una “extravagancia”, sin apenas cabida en nuestro orde-
namiento jurídico y, menos, en nuestro sistema judicial. Del escepticismo y rechazo
se ha ido evolucionando a una aceptación que podríamos calificar de “moderada”, a
la espera de ver los resultados. De hecho, en el Preámbulo de la ley se sostiene que
la mediación “contribuye a concebir a los tribunales de justicia en este sector del
ordenamiento jurídico -civil y mercantil- como un último remedio, en caso de que no
sea posible componer la situación por la mera voluntad de las partes, y puede ser un
hábil coadyuvante para la reducción de la carga de trabajo de aquéllos, reduciendo su
intervención a aquellos casos en que las partes enfrentadas no hayan sido capaces de
poner fin, desde el acuerdo, a la situación de controversia”.
Nuria Belloso Martín152
Instancia nº 73 de Madrid se ha llevado a cabo un «Proyecto Piloto de
Mediación Civil Intrajudicial» que fue seleccionado por el Centro de
Responsabilidad Social de la Abogacía del Ilustre Colegio de Abogados
de Madrid, en la convocatoria de ayudas correspondiente al año 2008,
con el fin de que se llevara a cabo con la colaboración del juzgado51.
Como afirma L. A. González Martín52, Magistrado del citado
Juzgado, el desarrollo del proyecto piloto ha puesto de manifiesto la
viabilidad y pertinencia de la mediación en los conflictos civiles que
afectan a materias propias de propiedad horizontal, arrendamientos
rústicos y urbanos, reclamaciones de cantidad, responsabilidad extra-
contractual, accidentes de tráfico, responsabilidad civil profesional,
partícipes de una comunidad de bienes, conflictos sucesorios, división
de cosa común, etc. Igualmente, son apreciables las posibilidades de la
mediación en las disputas de índole mercantil (relaciones societarias,
contrato de transporte, concurso de acreedores, propiedad industrial
e intelectual, etc.). De las consecuencias prácticas del proyecto piloto
cabe destacar la importancia de la labor del juezo magistrado a la
hora de determinar los asuntos que se han de derivar a mediación.
Es un momento trascendental, ya que de una buena elección de los
litigios que han de acudir a mediación dependerá mucho la efectivi-
dad del desarrollo del proceso. Será preciso elaborar protocolos con
criterios de evaluación temprana que faciliten al juzgador la elección
del asunto que es mediable, diferenciándolo de aquel que no lo ha de
ser en ningún caso.
Volviendo de nuevo a la Ley de mediación en asuntos civiles y
mercantiles en España, las principales características a destacar son:
a) Se define la mediación como un medio de solución de con-
troversias en que dos o más partes intentan voluntariamente
alcanzar por sí mismas un acuerdo con la intervención de un
mediador (art. 1).
51 El proyecto ha sido pionero en el ámbito civil como experiencia completa y orga-
nizada, habiendo además merecido en 2011 uno de los «Premios a la Calidad de
la Justicia» que concede el Consejo General del Poder Judicial en la modalidad de
«Justicia más accesible» y dentro de la categoría «Órganos Judiciales».
52 GONZÁLEZ MARTÍN, L. A., “La mediación civil y mercantil; una necesidad y una obli-
gación en el espacio de la Unión Europea. La importancia del profesional de la media-
ción”, en Revista de Mediación, año 5. n. 9. 1er semestre 2012.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 153
b) La Ley es de aplicación a las mediaciones en asuntos civiles y
mercantiles, incluidos los conflictos transfronterizos, siempre
que no afecten a derechos y obligaciones que no estén a dis-
posición de las partes (art. 2.1)53.
c) La Ley excluye de su aplicación la mediación penal, la laboral,
la mediación con las Administraciones públicas y la media-
ción en materia de consumo (art. 2.2.).
d) A fin de intentar evitar usos maliciosos de la mediación, su
comienzo determinará la suspensión (y no la interrupción)
de los plazos de caducidad y de prescripción (art. 4).
e) Se regula el estatuto del mediador (Título III). No se exige un
perfil jurídico al mediador, en coherencia con lo que las legis-
laciones autonómicas han venido estableciendo54.
f) La mediación es siempre voluntaria. Las partes decidirán si
desean acudir a mediación antes o durante el desarrollo del
proceso. Se han operado una serie de modificaciones de ca-
rácter procesal que facilitan la aplicación de la mediación
dentro del proceso civil. Se regula así la facultad de las partes
de someterse a mediación, así como la posibilidad de que sea
el juez el que invite a las partes a llegar a un acuerdo y, a tal
fin, se informen de la posibilidad de recurrir a la mediación.
Se trata de una novedad que, dentro del respeto a la voluntad
de las partes, trata de promover la mediación y las soluciones
amistosas de los litigios55.
53 En defecto de sometimiento expreso o tácito a esta Ley, la misma será aplicable cuan-
do, al menos, una de las partes tenga su domicilio en España y la mediación se realice
en territorio español (art. 2).
54 La Directiva únicamente exige a las personas que vayan a actuar cumpliendo funcio-
nes mediadoras una formación inicial y continua para que su labor se desarrolle de
forma eficaz, imparcial y competente en relación con las partes. Exige además a los
Estados miembros el establecimiento de mecanismos efectivos de control de calidad
referentes a la prestación de servicios de mediación (art. 4).
La norma europea no condiciona el desempeño de la mediación a que el profesional
tenga cualificación jurídica; tampoco determina su procedencia formativa ni su nivel
educativo. Sin embargo sí condiciona el ejercicio de la actividad a contar con una for-
mación tanto inicial como continua.
55 “En atención al objeto del proceso, el tribunal podrá invitar a las partes, a que inten-
ten un acuerdo que ponga fin al proceso, en su caso, a través de un procedimiento de
Nuria Belloso Martín154
g) Tanto el procedimiento de mediación como la documenta-
ción utilizada durante el procedimiento serán confidencia-
les, de forma que ni los mediadores, ni las personas que par-
ticipen en la mediación estarán obligados a declarar o apor-
tar documentación en un procedimiento judicial o en un ar-
bitraje, salvo que las partes de manera expresa y por escrito
dispensen de esta obligación o cuando la documentación
sea solicitada por los jueces del orden jurisdiccional penal
(art. 9)56.
h) Reconocimiento del acuerdo de mediación como título eje-
cutivo, lo que se producirá con su ulterior elevación a escri-
tura pública, cuya ejecución podrá instarse directamente ante
los tribunales (art. 25)57.
i) Contra lo convenido en el acuerdo de mediación sólo podrá
ser ejercitarse la acción de nulidad por las causas que invali-
dan los contratos (art. 23.4).
mediación, instándolas a que asistan a una sesión informativa” Ley de mediación en
asuntos civiles y mercantiles, Disposición Final 14, (el apartado 3 del artículo 443 de
la Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil, queda redactado así).
56 No obstante, lo que no aclara el Real Decreto es qué ocurre con la documentación
que se encontraba a disposición de ambas partes antes de iniciarse la mediación, ¿es
que una parte no podrá aportarla en un procedimiento judicial posterior por el mero
hecho de que la otra parte la aportase al procedimiento de mediación?
57 Los “acuerdos de mediación” (término que en puridad debiera reservarse para los
que convienen las partes con el fin de iniciar la mediación y no a los que las partes
llegan tras seguir un procedimiento de mediación y cuya denominación correcta de-
biera ser “acuerdos transaccionales”) son únicamente ejecutables cuando las partes
eleven el acuerdo alcanzado a escritura pública tras haber seguido el oportuno proce-
dimiento de mediación, debiendo presentar al notario el acuerdo acompañado de las
actas de la sesión constitutiva y final del procedimiento (art. 25,1). La ejecutabilidad
no es inmediata, sino que se precisa la conversión del acuerdo en título ejecutivo
mediante su elevación a escritura pública.
A ello debe añadirse un nuevo elemento que es el del control de legalidad del acuerdo
logrado o acuerdo transaccional.
Por consiguiente, hay una doble vía: mediante acuerdo transaccional extrajudicial
-como mero acuerdo sin fuerza ejecutiva aunque con valor de cosa juzgada que
adquiere ejecutabilidad al elevarse o escritura- y mediante acuerdo intrajudicial
-precisado de homologación-. (HUALDE MANSO, T., “Del Proyecto de Ley española
de mediación (2011) al RD-Ley de mediación (2012)” (http://www.mediacionarbi-
traje.eu/wp-content/uploads/2012/04/Reflexiones-sobre-la-nueva-normativa-de-
mediaci%C3%B3n.pdf).
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 155
Pero quizás el problema al que se enfrenta la mediación en
nuestro país no sea su falta de regulación, sino la inexistencia de una
cultura de mediación, por lo que no resulta claro si la promulgación de
la Ley facilitará la expansión de la mediación y la descongestión de los
Juzgados.
En nuestra opinión, una buena forma de incentivar la media-
ción sería no limitarse a penalizar a quien no hace uso de ella (vid. en
cuanto al juicio verbal y a las costas) sino beneficiar a quien sí lo haga.
A este respecto puede servir de ejemplo el hecho de que en Bulgaria y
Rumanía se devuelva a las partes la totalidad o parte de la tasa judicial
satisfecha si alcanzan un acuerdo de mediación durante la tramitación
del procedimiento judicial o que en Italia los acuerdos de mediación
estén exentos del Impuesto de Actos Jurídicos Documentados.
Por lo que se refiere a la descongestión de los Juzgados, el es-
tablecimiento de una mediación obligatoria en los juicios verbales po-
dría parecer una medida contraproducente, pero, por lo que señala
la Resolución del Parlamento Europeo sobre la transposición de la
Directiva, en Italia se ha establecido esta misma medida y, a pesar de
las dudas iniciales, parece que el resultado está siendosatisfactorio.
j) Desarrollo de la mediación electrónica: ODR
Con el RDL 5/2012 se instaura la mediación electrónica –que
algunos profesionales ya venían desarrollando hacia tiempo58– y en la
Ley de mediación en asuntos civiles y mercantiles, en su Disposición
final séptima se establece el denominado “procedimiento simplifica-
do de mediación por medios electrónicos para reclamación de can-
tidad”59
58 Esta es una de las apuestas de Franco Conforti, miembro de la Asociación de
Mediadores de Alicante e impulsor de la primera web en idioma castellano que
ofrece desde 2008 el servicio de mediación online para particulares y empresas
(info@mediaronline.com- www.mediaronline.com).
59 “El Gobierno, a iniciativa del Ministerio de Justicia, promoverá la resolución de los
conflictos que versen sobre reclamaciones de cantidad a través de un procedimiento
simplificado que se desarrollará exclusivamente por medios electrónicos. Las preten-
siones de las partes, que en ningún caso se referirán a argumentos de confrontación
de derecho, quedarán reflejadas en los formularios de solicitud del procedimiento y
su contestación que el mediador o la institución de mediación facilitarán a los intere-
sados. El procedimiento tendrá una duración máxima de un mes, a contar desde el día
siguiente a la recepción de la solicitud y será prorrogable por acuerdo de las partes.”
Nuria Belloso Martín156
La mediación electrónica se utilizará en todos aquellos asuntos
o reclamaciones de cantidad que no superen los 600 euros y siempre
que las partes tengan acceso a los medios electrónicos60.
k) Obligación de suscribir un Seguro de responsabilidad civil
El artículo 11.3 establece que “El mediador deberá suscribir un
seguro o garantía equivalente que cubra la responsabilidad civil deri-
vada de su actuación en los conflictos en que intervenga”.
Sin un seguro de responsabilidad civil profesional en el caso
de que surja alguna denuncia, los mediadores deberemos respon-
der de las posibles reclamaciones con nuestro patrimonio personal.
Necesitamos un seguro que cubra nuestra actividad profesional como
mediadores61.
l) La ampliación de los ámbitos de aplicación de la mediación.
Concretamente, al aprobarse un conjunto de normas mínimas
para impulsar la mediación en litigios transfronterizos en determina-
dos asuntos civiles y mercantiles, se amplia el campo de influencia de
la mediación a conflictos en materia de propiedad industrial62 como
60 “1. Las partes podrán acordar que todas o alguna de las actuaciones de mediación, in-
cluida la sesión constitutiva y las sucesivas que estimen conveniente, se lleven a cabo
por medios electrónicos, por videoconferencia u otro medio análogo de transmisión
de la voz o de la imagen, siempre que quede garantizada la identidad de los intervi-
nientes y el respeto a los principios de al mediación previstos en esta Ley.” (art. 24.1)
“La mediación que consista en una reclamación de cantidad que no exceda de 600
Euros se desarrollará preferentemente por medios electrónicos, salvo que el empleo
de éstos no sea posible para alguna de las partes.” (art. 24.2)
61 La Asociación Madrileña de Mediadores – AMMM – ha firmado una póliza para toda
España. Como todos los seguros, cuantos más asegurados sean el importe que deberá
abonar cada mediador saldrá más económico, por ello han firmado una póliza que
les permite abarcar a todos aquellos mediadores nacionales, con el fin de unificarnos
todos en una sola póliza y con un coste muy asequible (60 euros anuales).
62 En materia de propiedad industrial, cuestiones relativas a dominios de Internet
y conflictos de marcas transnacionales, el Organismo que venía ocupándose de la
resolución extrajudicial de conflictos era el Centro de Mediación y Arbitraje de la
Organización Mundial de la Propiedad Intelectual –OMPI- (Para ver ejemplos de
mediación de la OMPI http://www.wipo.int/amc/es/media tion/case-example.html).
Existen algunas opiniones reticentes acerca de la posibilidad de someter a media-
ción determinados temas de propiedad industrial, como la declaración de nulidad
de una marca o patente. Sin embargo, en otros supuestos la mediación es posible,
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 157
los de marcas y patentes, mediación en casos de desahucio inmobilia-
rio63, y otros.
La entrada en vigor en España de la Ley de mediación en asun-
tos civiles y mercantiles en España ha dado lugar a nuevos retos que
convendría que, el futuro Reglamento de desarrollo, diera cumplida
cuenta. Entre ellos, cabe citar:
a) En la exposición de Motivos hubiera sido deseable que se
hubiera insistido en que:
La mediación no es sólo un medio de descongestionar los tri-
bunales, sino que además, es un mecanismo autonómico de pacifica-
ción social. Es un medio independiente de acceso a la justicia basada
en la libertad de los ciudadanos como valor social básico que ha de
estar a disposición de la población, en igualdad de condiciones que
el clásico sistema judicial, para permitir que opten por el medio que
mejor se ajuste a sus intereses.
como la resolución de un contrato de licencia de marca. Por ello, cabe entender
que se abren nuevas posibilidades a los operadores en el sector de la propiedad
industrial, principalmente a quienes tengan conflictos transfronterizos en estas
materias, que facilitará su resolución de una forma rápida y más económica que
el sometimiento de las controversias a los Juzgados competentes, y favorecerá la
inclusión de cláusulas contractuales en los contratos sobre propiedad industrial,
lo que dará lugar a que al mediación pueda utilizarse más frecuentemente en la
gestión de este tipo de conflictos.
63 Cada día se producen en España una media de 159 desahucios de viviendas por el
impago de la hipoteca o el alquiler, y hasta el 82% de estos desalojos tienen lugar en
familias con menores a su cargo y que carecen de otra alternativa de residencia. En
el caso concreto de Castellón, sólo el año pasado se ejecutaron 1.796 desalojos, una
cifra de récord derivada de la difícil situación económica por la que atraviesan cientos
de hogares.
Por ello, Ayuntamientos como el de Castellón y otros municipios cercanos, se están
planteando la posibilidad de crear un servicio de mediación gratuita en casos de de-
sahucios. Dichos servicios, que ya funcionan en otras ciudades de España como, por
ejemplo, Valencia, tienen por objetivo orientar a los afectados para ver si es posible
negociar la dación en pago al banco y el establecimiento de un régimen de alquiler o
si, por el contrario, hay que buscar otras fórmulas. Al respecto, cabe señalar que, en
el caso concreto de la vecina Valencia, un total de 13 familias solicitaron la mediación
hipotecaria en la primera semana de funcionamiento de este sistema de arbitraje
impulsado, a través de un convenio, por el Ayuntamiento y el Colegio de Abogados.
Desde la Plataforma de Afectados por la Hipoteca de Castellón valoran «muy positi-
vamente» la propuesta.
Nuria Belloso Martín158
Es una forma de decir al ciudadano que respetamos y confiamos
su capacidad de resolver por sí mismos sus conflictos sin que un tercero
o una ley les diga qué hacer, devolviéndoles el poder de decisión.
b) La necesidad de una pronta promulgación del Reglamento
de desarrollo.
A pesar de los informes emitidos por el Consejo General del
Poder Judicial y el Consejo General de la Abogacía, sobre el Anteproyecto
de Ley de Mediación, que coincidían en muchos puntos con las suge-
rencias por la Plataforma para la Colaboración en la Legislación Estatal
de Mediación, Universidad Complutense de Madrid64 al Ministerio de
Justicia, el Proyecto de Ley remitido a las Cortes Generales y que final-
mente ha sido aprobado, preocupa seriamente a los profesionales de
la mediación porque sigue adoleciendo de tres errores importantes:
1.b. Definición de la mediación: no se habla en ningún momen-
to de la esencia de la mediación es decir: la gestión del
conflicto, sino sólodel acuerdo. La mediación sirve para
favorecer vías de comunicación y la búsqueda de acuerdos
consensuados, no sólo para llegar a acuerdos.
2.b. Formación del mediador: el Ministerio de Justicia no exige
ninguna titulación, ni formación específica para ser media-
dor65, esto es claramente insuficiente y va en contra de la
64 Esta postura ha sido manifestada por asociaciones que representan a 1210 profe-
sionales de la mediación, a los que se suman y apoyan, entre otras, las siguientes
instituciones: Consejo General de la Abogacía Española, Consejero General de
Colegios oficiales de Psicólogos, Consejo General de Educadores Sociales,
Consejo General de Trabajo Social, Colegio Nacional de Doctores y Licenciados
en ciencias políticas y sociologías Colegio de Trabajadores Sociales de Madrid,
Universidad de La Laguna, Universidad de Las Palmas de Gran Canaria,
Universidad de Murcia.
65 Resulta alarmante que la Ley de mediación en asuntos civiles y mercantiles, en el
Título III que regula el Estatuto del mediador, en su artículo 11.2 establece que: “El
mediador deberá estar en posesión del título oficial universitario o de formación pro-
fesional superior […]”, es decir, no se exige que disponga de un título universitario. La
exigencia posterior de “una formación específica para ejercer la mediación, que se
adquirirá mediante la realización de uno o varios cursos específicos impartidos por
instituciones debidamente acreditadas […]” no parece que implique que se vaya a
paliar, en su justa medida, el déficit de formación inicial del profesional mediador.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 159
Directiva 2008/52/CE sobre ciertos aspectos de la media-
ción en asuntos civiles y mercantiles, cuya transposición ha
originado la Ley de Mediación en Asuntos Civiles y mercan-
tiles. Difícilmente los mediadores podrán proporcionar un
servicio de calidad, si no se pone énfasis en su adecuada
preparación profesional.
3.b. Efecto ejecutivo del acuerdo de mediación: el acuerdo de
mediación al que lleguen las partes con la ayuda de un me-
diador sin formación, producirá efectos de cosa juzgada
para las partes. El mediador debe mediar la parte material
del conflicto, pero no puede responsabilizarse de la par-
te jurídica del mismo. La función del mediador, respecto al
acuerdo con eficacia jurídica, debe ser el asegurarse de que
la parte material de lo acordado en mediación concuerde
con la parte jurídica redactada y avalada por los abogados
de las partes.
Nos adherimos a la opinión de que la Ley de mediación no de-
bería tener como máximo objetivo la pretensión de desatascar los juz-
gados. La mediación sirve para entender los conflictos de una manera
distinta, fomenta cultura de la paz, ayudando a las personas a respon-
sabilizarse de sus actos y devolviendo al ciudadano su poder de deci-
sión. Los tres aspectos subrayados ponen seriamente en peligro los
objetivos que debe tener la mediación66.
Las personas mediadoras, los usuario y el ejercicio de la profesión, pueden quedar
en estado de indefensión. Es necesario establecer la obligatoriedad de que el titulado
universitario que ejerce la mediación tenga una formación especializada en técnicas
y procesos de mediación para proteger el derecho del ciudadano a recibir un servicio
de calidad, como ya se exige en las leyes autonómicas. Otro problema, de no existir
un criterio nacional sobre los requisitos para ser un profesional de la Mediación, es
que las comunidades autónomas pueden solicitar diferentes requisitos y una persona
poder ejercer en algunas y en otras no.
66 El pasado 8 de junio de 2012, en la sede de la Universidad Complutense de Madrid,
se creó la Conferencia de Universidades para el Estudio de la Mediación y los Conflictos
(CUEMYC). Esta plataforma, constituida por la mayoría de los responsables de forma-
ción de posgrados y másters en Mediación, así como los Directores de Institutos de
Investigación de las Universidades españolas, nace con el objetivo de ser un referente
nacional e internacional en la consecución de calidad en la mediación. La CUEMYC,
de la que formamos parte, representando a la institución, la Universidad de Burgos,
tiene como principales objetivos:
Nuria Belloso Martín160
c) Coste de la mediación
En la Ley de mediación en asuntos civiles y mercantiles no se
contempla la mediación gratuita67. La ley debería de incluir servi-
cios gratuitos y universales de mediación, dependientes de la admi-
nistración, como lo han hecho las leyes de Mediación Familiar y de
Mediación de todas las Comunidades Autónomas. Es más, habría que
valorar la conveniencia de generalizar el turno de oficio de mediación
que ya contemplan algunas leyes autonómicas de mediación familiar,
así como los servicios de mediación que ya ofrecen algunos colegios
profesionales y ante los cuales los ciudadanos en donde no existen,
podrían alegar agravio comparativo. De no existir servicios gratuitos
de mediación, ¿Qué sucedería en los casos en que las partes acuden y
están de acuerdo con iniciar el proceso de Mediación pero no pueden
pagarlo? ¿Qué sucedería si una de las partes puede pagar y la otra no
¿Qué sucedería en los casos en que el juzgador sugiere una Mediación
que es acogida por las partes pero las partes tienen abogados de oficio
pero no hay un servicio de Mediación gratuito?
Promover, en todos los ámbitos, el desarrollo de la Mediación y la Gestión Alternativa
de Conflictos como una vía cooperativa, constructiva y pacífica de abordar los conflic-
tos humanos;
Desarrollar las acciones necesarias para que la actividad profesional de la mediación
esté reconocida en todos sus ámbitos, de manera que se garantice la calidad del ser-
vicio que prestan los Mediadores;
Garantizar la debida formación del mediador y el rol de estos profesionales y, para
ello, elaborar un catálogo de competencias imprescindibles en la capacitación del
profesional de la Mediación y de la Gestión Alternativa de Conflictos;
Establecer un sistema de reconocimiento mutuo, entre universidades, de sus progra-
mas de formación en esta materia, organizar sistemas de promoción e intercambio
de la investigación, así como establecer las relaciones institucionales a nivel nacional
e internacional para el desarrollo y cumplimiento de estos fines. (Vid. http://www.
uoc.edu y http://www. cuemyc. es).
67 El artículo 15 establece:
“1. El coste de la mediación, haya concluido o no con el resultado de un acuerdo, se
dividirá por igual entre las partes, salvo pacto en contrario.
2. Tanto los mediadores como la institución de mediación podrán exigir a las partes
la provisión de fondos que estimen necesaria para atender el coste de la mediación.
Si las partes o alguna de ellas no realizaran en plazo la provisión de fondos solicitada,
el mediador o la institución podrían dar por concluida la mediación. No obstante, si
alguna de las partes no hubiere realizado su provisión, el mediador o la institución,
antes de acordar la conclusión, lo comunicará a las demás partes, por si tuvieren in-
terés en suplirla dentro del plazo que hubiera sido fijado”.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 161
d) Mayor claridad en cuanto a los organismos y centros encar-
gados de formar a los mediadores.
Se regulan las instituciones de mediación, pero no son las en-
cargadas de la formación sino de impulsar la mediación, facilitando el
acceso y administración de la misma, incluida la designación de me-
diadores (art. 5). Se encarga al Ministerio de Justicia de velar porque
las instituciones de mediación respeten, en el desarrollo de sus activi-
dades, los principios de la mediación, pero resulta un cometido muy
escaso. Al Ministerio de Justicia se le debería dar un papel protagonis-
ta y unificador de la mediación civil y mercantil en España, regulan-
do actividades tales como: la acreditación de los mediadores, la apro-
bación de los concretos contenidos formativos de los títulos o cursos
habilitantes, la gestiónde un único Registro de mediadores para todo
España que sea el que dé publicidad sobre la especialidad y experien-
cia de los mediadores. Especial relevancia adquiere cuáles han de ser
las entidades autorizadas para la expedición de los títulos habilitantes
como mediador. En nuestra opinión, deberían ser las Universidades68.
e) Descoordinación entre los Registros autonómicos y los
Registros dependientes de las Comunidades Autónomas (sal-
vo que en el futuro Reglamento se palie).
f) Forma de acceso para ser mediador: cada Comunidad
Autónoma exige unos requisitos y debería unificarse a nivel
nacional.
g) No especialización del mediador: Aunque hecho realizado los
cursos de formación, debería ser un profesional en Derecho y
en Economía, dado el carácter ejecutivo que se pretende dotar
a los acuerdos elevados a escritura pública. Por otra parte, se
exige que los acuerdos no sean contrarios a Derecho, por lo
que esa formación jurídica es imprescindible (bien sea por la
titulación de origen o por la que proporcionen los cursos de
formación de mediadores).
68 En los últimos años se puede constatar cómo las Universidades, como centros de edu-
cación superior, van recortando su campo de actuación a favor de los colegios profe-
sionales (Vid. Ley de acceso a la abogacía y a la procuraduría). No restamos méritos
al papel que desempeñan los colegios profesionales. Sin embargo, su función es regu-
latoria del ejercicio de una profesión, una etapa posterior a la de la formación como
tal, que es la que debe de seguir contando con el protagonismo de las Universidades.
Nuria Belloso Martín162
7 a modo de ConClusiones
Reconocemos el mérito que ha tenido la reciente legislación
de la Unión Europea para dar el impulso definitivo que necesitaba la
mediación en el viejo continente. Nuestro ordenamiento jurídico con-
tinental europeo, apegado a un derecho tradicional, difícilmente deja-
ba espacio a las formas complementarias de resolución de conflictos.
Ahora, la propia Ley lo regula. Sin embargo, para quienes hemos cono-
cido otras formas de entender la mediación, entendemos que no se ha
conseguido llegar al verdadero significado, a la clave de la mediación.
Siguiendo la línea waratiana, estamos ante el colosal desafío
de preservación de la ciudadanía y de los Derechos Humanos. Tarea
que exige una amplia revisión de ideas. Tenemos que pensar las cosas
desde una óptica diferente, y para eso, tenemos que tener en cuenta
otra concepción del derecho basada en una cultura de negociaciones
preventivas y de la mediación (cultura esta que también jugaría un
papel importante en la revisión de las ideas modernas de ciudadanía
y derechos humanos).
El concepto de mediación que se ha utilizado en la Directiva
Europea –y, por ende, también en la legislación española- es técnico,
haciendo hincapié en el acuerdo y no en la gestión del conflicto, como
sería lo adecuado. La mediación debe ir más allá de un simple acuerdo,
trabajando con la sensibilidad, compasión, alteridad, contagio (afini-
dades selectivas) y diálogo. De lo contrario, corre el peligro de diferen-
ciarse poco de una negociación69.
L. A. Warat sostenía que no existe ninguna teoría general, o
pensamiento científico que guíe las practicas de mediación. Estamos
delante de un cuerpo teórico que organiza su saber a partir de una
69 Se hace una regulación atendiendo más al soporte técnico que a la propia esencia
de la mediación. Así por ejemplo, con el RDL 5/2012 se instaura la mediación elec-
trónica –que algunos profesionales ya venían desarrollando hacia tiempo- y en la
Ley de mediación en asuntos civiles y mercantiles, en su Disposición final séptima
se establece el denominado “procedimiento simplificado de mediación por medios
electrónicos para reclamación de cantidad”. La mediación electrónica se utilizará en
todos aquellos asuntos o reclamaciones de cantidad que no superen los 600 euros y
siempre que las partes tengan acceso a los medios electrónicos “La mediación que
consista en una reclamación de cantidad que no exceda de 600 Euros se desarrollará
preferentemente por medios electrónicos, salvo que el empleo de éstos no sea posib-
le para alguna de las partes” (art. 24.2).
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 163
mezcla y combinación de diferentes fuentes de conocimiento (tanto
filosóficas, epistemológicas, como científicas), pero principalmente se
trata de una forma de conocimiento en constante devenir, producto de
la reconstrucción reflexiva sobre sus propias prácticas de experiencia,
es el conocimiento que nace de un trabajo de reflexión “clínica” sobre
la “clínica”. No cabe duda de que los Cursos de formación de mediado-
res son imprescindibles para que el mediador adquiera o profundice
conocimientos jurídicos y psicológicos y adquiera técnicas sociales de
comunicación. Pero el mediador no trabaja exclusivamente con téc-
nica. Algunas escuelas de mediación creen formar mediadores como
si fueran magos que podrían convertir a las partes con sus trucos. La
magia es otra, consiste en entender a la gente. “Para ser mediador es
preciso ascender a un misterio que está más allá de las técnicas de
comunicación y asistencia a terceros”. Para formar mediadores se pre-
cisan maestros, no profesores o adiestradores70.
Los buenos mediadores tienen una sensibilidad especial. La al-
teridad, el “otro” y su condición de ciudadano, con sus derechos huma-
nos, está constantemente presente. Los programas de “humanización
de la justicia” en Brasil71, son un claro exponente de este objetivo72.
70 “El mediador tiene que ser discípulo de un maestro. Un maestro de verdad, que le
enseñe como desaprender lo aprendido, nunca a aprender”. Algunas de las escuelas
de mediación están preocupadas por producir respuestas rápidas; forman un media-
dor enseñándole a planear cómo ayudar a las partes a llegar a un acuerdo. Se trata
de aumentar la autoestima, de no ser manipulado por nadie. La mediación es una
propuesta para entender el mundo de forma diferente. La mediación es una forma
holística, pues ayuda a la persona a encontrarse consigo misma, a no ser invadida. Es
una propuesta de otredad, de ver el mundo con el otro. Es una propuesta de humani-
zar al hombre, de devolver al hombre la humanidad perdida”. (WARAT, L. A., O Oficio
do Mediador, Vol. I, Florianópolis, Habitus, 2001, p. 29)
71 Brasil no dispone aún de una Ley de mediación. Existe el Proyecto de Ley nº 8046/10,
e fase de discusión (se pueden seguir las diversas fases del iter del Proyecto del Nuevo
Código de Proceso Civil en el blog: http://humbertodalla. blogspot.com.
72 L. A. Warat era un firme defensor de estos programas de humanización del Derecho
y de Justicia ciudadana y comunitaria. Sostenía que esos programas representaban
una valiosa contribución a los procesos de desescolarización de la cultura jurídica.
Por medio de estos programas el aprendizaje del Derecho sale de las Facultades, de
las Escuelas y se instala en diferentes lugares de la propia sociedad. Por medio de
estos programas de humanización el aprendizaje del Derecho se torna una posibi-
lidad para todas las camadas de excluidos sociales. La gente, los diferentes grupos
comunitarios aprenden cuáles son sus derechos a partir de su propia experiencia,
comienzan a conocer el Derecho a partir de sus propias problemáticas. Aprender
Nuria Belloso Martín164
En los países de la Unión Europea parece que no se acaba de
dar con la clave de la mediación. Se pretende justificar la mediación en
su capacidad de reducir el número de procesos. Pero este argumento
es “erróneo y maléfico” –como sostiene H. dalla Bernardina– ya que
con esta concepción poco se podrá aportar a la pacificación social. La
mediación precisa de una fundamentación ontológica, impulsando las
características dialógicas.
Confiamos en que, en España, el futuro Reglamento de desar-
rollo de la Ley de mediación en asuntos civiles y mercantiles palie, en
cierta medida, las carencias que desde Plataformasy asociaciones de
Mediadores –y que aquí hemos señalado– se han apuntado, en aras
de conseguir una normativa ad hoc al propio espíritu de la mediación.
8 bibliografía
APEL, K. O., Transformación de la filosofía, II, Madrid, Taurus, 1985.
APEL, K. O., Estudios éticos, Barcelona, Alfa, 1986.
BELLOSO MARTÍN, N., “La doble protección de los Derechos humanos en Europa:
el Consejo de Europa y la Unión Europea”. En: Direito, Cidadania e Políticas públicas
(Coord. Marli M. M. da Costa, Rosane B. M. da R. Barcelos Terra e Daniela Richter), Vol.
III, Porto Alegre –Brasil–, Universidade Federal do Rio Grande do Sul –UFRGS–, 2008,
pp.91-128.
Derecho deja de ser un privilegio dentro de los procesos de formación de los fu-
turos operadores jurídicos, se transforma en un aprendizaje de la propia ciuda-
danía. La desescolarización del Derecho representa una instancia de aprendizaje
realizado a través del diálogo con el otro y no más el dominio erudito de un saber
únicamente entre expertos. Un diálogo sobredeterminado por el conjunto de ideas
constitutivas de su microcultura comunitaria. De esta forma se aprende Derecho
entendiendo de gente y no de normas.
Asimismo, Vid. La interesante descripción que hace B. de Souza Santos acerca de
la prevención y resolución de los conflictos en el Derecho de Pasárgada, uno de los
asentamientos ilegales y más antiguos y extensos de Rio de Janeiro. Analiza la rela-
ción entre las estructuras normativas del “derecho del asfalto” (Derecho oficial, el de
los códigos) y el “derecho de Pasárgada”. El Derecho de Pasárgada no pretende regu-
lar la vida social exterior a Pasárgada ni tampoco cuestiona los criterios de legalidad
que prevalecen en la sociedad brasileña en general. La informalidad y la flexibilidad
del derecho de Pasárgada se obtienen a través de una dinámica en donde este de-
recho toma prestadas de forma selectiva ciertas figuras jurídicas pertenecientes al
sistema jurídico oficial. Destacamos la diferenciación que establece entre el topos de
la equidad, la mediación y la mediación aparente (p. 181 ss.) (Cfr. De SOUSA SANTOS,
B., Sociología jurídica crítica. Para un nuevo sentido común en el derecho. Trad. C. Lema
Añón, Madrid, Trotta, 2009, pp. 131-215)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 165
BELLOSO MARTÍN, N., “Un paso más hacia la desjudicialización. La Directiva europea
52/2008/CE sobre mediación en asuntos civiles y mercantiles. En: Revista Electrónica
de Direito Processual, Revista Semestral da Pós-graduação Stricto Sensu em Direito
Processual da Universidade Estadual de Dio de Janeiro –UERJ, 2ª ed., Ano 2, Rio de
Janeiro, enero/dic. 2008, pp. 257-291 (www.revistaprocessual.com).
BERNARDINA PINHO, H. dalla y “PEDROSA PAUNGARTEN, L., “L’esperienza ita-
lo-brasiliana nell’uso della mediazione in risposta alla crisi del monopolio statale
di soluzione di conflitti e la garanzia di accesso alla giustizia”, en Mediazione civile
e commerciale, 2012 (http://www.diritto.it/docs/33346-l-esperienza-italo-brasilia
na-nell-uso-della-mediazione-in-risposta-alla-crisi-del-monopolio-statale-di-solu
zione-di-conflitti-e-la-garanzia-di-accesso-alla-giustizia).(Acceso el 31.07.2012).
CALDERÓN CUADRADO, Mª. P., IGLESIAS BUHIGUES, J. L., La mediación como ‘alter-
nativa’ a la jurisdicción” en De la Oliva Santos, A., Derecho Procesal Civil Europeo. Vol.
II. Acceso a la Justicia y auxilio judicial en la Unión Europea. Madrid, Aranzadi, 2001,
pp. 70-79.
CORTINA, A., “Razón comunicativa y responsabilidad solidaria”, Sígueme, Salamanca,
1985.
CORTINA, A., La moral del camaleón. Madrid, Espasa-Calpe, 1991.
DAHL, R., La costituzione económica. Bologna, 1989.
DELGADO PARRA, Mª. C., “El criterio amigo-enemigo en Carl Schmitt. El concepto de
lo político como una noción ubicua y desterritorializada” en Cuadernos de Materiales,
nº14, México, 2001.
De SOUSA SANTOS, B., Sociología jurídica crítica. Para un nuevo sentido común en el
derecho. Trad. C. Lema Añón, Madrid, Trotta, 2009, espec. pp. 131-215.
DOMINGO GARCÍA-MARZÁ, V., “Ética de la justicia”, Tecnos, Madrid, 1992.
GONZÁLEZ MARTÍN, L. A., “La mediación civil y mercantil; una necesidad y una obli-
gación en el espacio de la Unión Europea. La importancia del profesional de la me-
diación”, en Revista de Mediación. Año 5. Nº 9. 1er semestre 2012.
HABERMAS, J., “Conciencia moral y acción comunicativa”, Península, Barcelona,
1985.
HUALDE MANSO, T., “Del Proyecto de Ley española de mediación (2011) al RD-Ley
de mediación (2012)” (http://www.mediacionarbitraje.eu/wp-content/uploads/
2012/04/Reflexiones-sobre-la-nueva-normativa-de-mediaci%C3%B3n.pdf (acceso
el 28.07.2012)
MARABOTTO LUGARO, J. A., “Un derecho humano esencial: el acceso a la justicia”,
en Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Uruguay, Konrad Adenauer,
2003.
PÉREZ LUÑO, A. E., El desbordamiento de las fuentes del Derecho. Madrid, La Ley-
Grupo Wolters Kluwer, 2001.
PUIG ROVIRA, J. Mª., con la colaboración de H. Salinas, “Toma de conciencia de las
habilidades para el diálogo”, en “Didácticas CL & E”, 1993.
RESTA, E., Il diritto fraterno. Roma-Bari, Laterza, 2005.
Nuria Belloso Martín166
SCHMIITT, Carl. El concepto de lo político, Alianza Editorial, Madrid, 1999.
SOLETO MUÑOZ, H., “La mediación en la Unión Europea”, en Mediación y solución
de conflictos. Habilidades para una necesidad emergente, Soleto Muñoz, H. y Otero
Parga, M., (Coord.), Madrid, Tecnos, 2007, pp. 185-203.
SPENGLER, F. M., “Mediação e Alteridade: a necessidade de ‘inovações comunica-
tivas’ para lidar com a atual (dês)ordem conflitiva”en Spengler, F. M., y Lucas, D. C.,
(Orgs.), Justiça Restaurativa e Mediação. Políticas públicas no tratamento dos confli-
tos sociais. Ijuí, Editora Unijuí, 2011, pp. 201- 241.
WARAT, L. A., “Ecologia, psicoanálise e mediação”. Trad. J. Rodrigues. Em nome do
acordo. A mediação no Direito. Buenos Aires, Almed, 1998.
WARAT, L. A., O Oficio do Mediador, Vol. I, Florianópolis: Habitus, 2001.
WARAT, L. A., “Pensemos algo diferente em matéria de mediação”, en Spengler, F. M., y
Lucas, D. C. (Orgs.), Justiça Restaurativa e Mediação. Políticas públicas no tratamento
dos conflitos sociais. Ijuí, Editora Unijuí, 2011, pp.297-316.
PÁGINAS ELECTRÓNICAS
ammediadores.es/Asociación Madrileña de Mediadores (además de legislación, juris-
prudencia y publicaciones sobre mediación, se pueden encontrar enlaces de inte-
rés).
http://ue.eu.int/df
http://www.plataformamediacion.org/noticias-ficha.php?id=16
https://e-justice.europa.eu/content_mediation_in_member_states-64-es.do
info@mediaronline.com- www.mediaronline.com
BELLOSO MARTÍN, N., Una propuesta de código ético para mediadores www.uv.es/
CEFD/15/belloso.pdf
Código Europeo de Conducta para mediadores http://ec.europa.eu/civiljustice/
adr/adr_ec_code_conduct_es.pdf
http://www.uoc.edu
http://www.cuemyc.es Conferencia de Universidades para el Estudio de la Mediación
y los Conflictos (CUEMYC).
http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef=-//EP//TEXT+TA+P7-
TA-2011-0361+0+DOC+XML+V0//ES
fra.europa.eu/fraWebsite/research/projects/proj_accessingjustice_en.htmproj_
acfra.europa.eu/fraWebsite/research/publications/publications_en.htm
http://eur-lex.europa.eu/es/editorial/abc_toc_r1.htm
http://www.usc.es/es/servizos/cede/dereitosfundamentais/informes.html
A MEDIAÇÃO DE
CONFLITOS COMO CULTURA DA
ECOLOGIA POLÍTICA1
Mauro Gaglietti
Professor do Mestrado em Direito e do Curso de Graduação em Direito da
URI (Santo Ângelo/RS). Doutor em História/PUCRS, Mestre em Ciência Políti-
ca/UFRGS. Professor e Pesquisador da IMED (Passo Fundo/RS); Coordenador
do Grupo de Pesquisa Justiça Comunitária na IMED e Professor Colaborador
dos Cursos de Direito da FAI/UCEFF (SC) e da FEMA (Santa Rosa/RS). Junto à
PUCRS, é, também, pesquisador associado ao Grupo de Estudos e Pesquisa Éti-
ca e Direitos Humanos, registrado no diretório do CNPq, sendo coordenado
pela Profa. Dra. Beatriz Gershenson Aguinsky. Coordena o Curso de Especiali-
zação (Pós-graduação) em Mediaçãode Conflitos e Justiça Restaurativa na IMED
(Passo Fundo, Porto Alegre, Santo Ângelo). Contato: maurogaglietti@bol.com.br.
1 Este texto surgiu de reflexões a partir do Curso sobre Mediação, ministrado pelo
Prof. Dr. Luis Alberto Warat, em 1999, na Unicruz (Cruz Alta, RS), e com os Cafés
Filosóficos de Buenos Aires e nas três edições em Passo Fundo entre 2009 e 2012.
Mais recentemente, o texto recebeu uma grande contribuição do Psicólogo Juan
Carlos Vezzulla, no curso ministrado acerca da Mediação, em Passo Fundo, em ju-
lho de 2011, junto ao Projeto Justiça Comunitária (Ver http://justicacomunitariapf.
blogspot.com). Assinala-se que este texto foi iniciado ainda em 2007 (e concluído
em setembro de 2012), por ocasião da discussão sobre a necessidade de se am-
pliar a reflexão acerca dos métodos não adversariais de solução de conflito – justi-
ça comunitária, mediação e práticas restaurativas – na disciplina Ecologia Política,
ministrada pelo autor, no Mestrado em Direito na URI, em Santo Ângelo (RS). A
discussão contou com o aporte teórico buscado nos textos de Michel Foucault, Luis
Alberto Warat (jurista que atuou até 2010 no Mestrado em Direito da URI), Leonel
Severo Rocha e João Martins Bertaso. Em 2009, a pesquisa ganhou aderência do
doutorando da Unisinos Marcelino da Silva Meleu, que trabalhou conjuntamente
com o autor deste texto na redação do Projeto “Justiça Comunitária”, aprovado pelo
Ministério da Justiça, e que está sendo implementado, desde julho de 2011, nos
bairros Zachia e Valinhos, em Passo Fundo (disponível em: <http://justicacomuni-
tariapf.blogspot.com>).
Ca
pít
ulo
VI
Mauro Gaglietti168
Existiria alguma relação entre mediação e ecologia
política? A mediação holística tem em comum a procura de
um ser integralmente ético, comprometido profundamente
com o outro e com a existência, e que ame, acima de tudo,
a vida a ponto de se comprometer sem concessões com sua
qualidade. É, precisamente, o ser humano, com qualidade de
vida, que faz dessas qualidades condição de Justiça, de Ética
e de Direito. Vale dizer, que os atributos que são válidos para
a vida – a justiça, a ética e o direito –, mereceriam uma certa
valorização ampliada no momento do conflito na medida
em que as pessoas poderiam adotar a postura de buscar a
resolução das controvérsias, na procura de melhor qualida-
de de vida e de satisfação cada vez maior nos vínculos com
o outro.
1 Considerações iniCiais
A mediação não considera o “homem da moral” – certo ou er-
rado / culpado ou inocente – a mediação trabalha com a possibilidade
do entendimento. Trata-se de um processo de gestão humana de con-
flitos no qual intervém um terceiro para construir uma situação possí-
vel ao (re)estabelecer as condições para que o amor se faça efetivo na
vida das pessoas. De modo a ensejar a construção das bases sobre as
quais se sustentará a realização da cidadania e a vida social.
As práticas culturais atuais têm reproduzido demasiadamente
e de forma ampliada a competição, fazendo com que as pessoas perce-
bam a vida como uma grande disputa, a se envolverem em uma lógica
de ranking, pela qual se estabelecem, naturalizados, os “locais” sociais
de cada um e de todos. Criam lugares, assim, onde se pode encontrar a
felicidade, como se fosse possível encontrá-la fora do sujeito. “Vivemos
uma cultura pré-moldada [...] que personifica os objetos e coisifica as
pessoas”2.
Os instrumentos mediadores transformam os desejos e as ne-
cessidades dos conflitados, possibilitando a interação, o diálogo e o
2 WARAT, Luis Alberto. O oficio do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001.
professor2
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 169
entendimento, poupando as partes de um desgastante enfrentamen-
to. Diferentemente dos demais tipos de acordo, que tomam o conflito
como um problema que merece a correção e um ajuste comportamen-
tal, a mediação aqui tratada reconhece num primeiro plano a dimen-
são da alteridade e da diferença, e a possibilidade da (re)composição
dos vínculos socioafetivos rompidos. É nesse sentido que o processo
possui base psicoterapêutica e de emancipação das práticas de cida-
dania.
O desafio em refletir a mediação como cultura implica tomar a
cidadania e os direitos humanos como uma realização das pessoas e
evidencia o descompasso do paradigma oficial. Trata-se do reconhe-
cimento do outro da alteridade, para além das pretensões individuais
que reduziu a solução dos conflitos interindividuais e grupais, na for-
ma estatalizada de decidir qual parte ganha ou perde, sem recompor/
resolver os vínculos afetivos rompidos.
Evidencia-se que o modelo oficial consolida, na sua forma, a
prática da competição e dos modos naturalizados de dominação da
sociedade por meio da lei estatal. De fundo moral e de compreensão
simplista, o maniqueísmo do certo e do errado, do culpado e do ino-
cente, do ganhador e do perdedor, constitui os contornos e os limites
das decisões.
A mediação é mecanismo adequado para trabalhar situações
provocadas por olhares divergentes ou excludentes entre pessoas e/
ou grupos de pessoas. Os critérios haverão de serem reconhecidos em
domínios significativos próprios das verdades internas de cada um
dos conflitados. Um ambiente de mediação é sempre uma reflexão que
nos convida a visitarmos um mundo diferente ao nosso, um reconheci-
mento do mundo do outro. Por certo, a mediação será um caminho de
fuga do mundo da ficção normativista estatal, e vai elaborando e inau-
gurando novos espaços pedagógicos de autonomia e de realização da
cidadania. Consolida, assim, um patamar reflexivo, um processo dialo-
gal de entendimento e de sustentabilidade das relações humanas.
A partir de Kant e das suas condições de razão, Luis Alberto
Warat3 há muito já expressava que fora de qualquer atitude holística,
3 WARAT, Luis Alberto. Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis:
Boiteux, 2004.
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Danieli
Realce
Mauro Gaglietti170
de um direito encarregado de suprimir os conflitos na sociedade, tudo
é um absurdo. Talvez esse seja o modo de se tentar aproximar a cul-
tura do Direito a uma ética comprometida com a qualidade de vida à
medida que se avança rumo ao fomento de uma cultura jurídica não
adversarial.
Nesses termos, o holismo propõe uma inscrição do amor nas
oportunidades vitais, nos vínculos, nos conflitos, na ética ou no direi-
to. No fundo, é uma afirmação de que sem a construção afetiva com o
outro, sem a realização do amor, não existe possibilidade de melhorar
a qualidade de vida das comunidades. Desse modo, faz-se necessário
buscar-se construir uma ecologia do amor, um eco da alteridade que
faz do amor condição de ecologia política. O amor pode ser um com-
ponente ético da relação que envolve pessoas em conflitos. Isso quer
dizer que os conflitos mediados podem servir de auxílio humano para
a afirmação recíproca dos movimentos próprios daqueles que vivem
e provam o conflito em suas vidas, transformando suas conflitualida-
des vinculares em movimento próprios de empoderamento a partir da
crença de que são capazes de criar os problemas e tentar buscar um
tratamento ao conflito, sobretudo daqueles que têm vínculos afetivos
e há anos se conhecem e vivem juntos.
Diante do exposto, o objetivo do presente texto é examinar as
possíveis relações entre a mediação de conflitos e a ecologia política.
Desse modo, trata-se de estudar a proposta jurídica de resolução de
conflitos que vai além do normativismo. No caso, a mediação não é so-
mente uma nova profissão, uma técnica jurídica de resolução não ad-
versarial de disputas, mas, também, fundamentalmente, uma estraté-
gia política exitosa em termos educativos, como realização de cidada-
nia, dos direitos humanos e da democracia, com implicações políticas,
culturais e ecológicas. Assim, tecendo como parâmetro a mediação, e
tendo-a