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Acesso à Justiça, Direitos Humanos e Mediação - Fabiana Marion Spengler e Gilmar Antonio Bedin

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FABIANA MARION SPENGLER
GILMAR ANTONIO BEDIN
(Organizadores)
ACESSO À JUSTIÇA,
DIREITOS HUMANOS 
& MEDIAÇÃO
Rembrandt. Meditar Filosofal. c. 1631. 
Óleo sobre madeira. Louvre, Paris, França.
ISBN 978-85-86265-54-9
Multideia Editora Ltda.
Alameda Princesa Izabel, 2.215
80730-080 Curitiba – PR
+55(41) 3339-1412
editorial@multideiaeditora.com.br
Conselho Editorial
Coordenação editorial e revisão: Fátima Beghetto
Projeto gráfico e capa: Sônia Maria Borba
Spengler, Fabiana Marion (org.)
S747 Acesso à justiça, direitos humanos & mediação [recurso eletrônico] / organização de 
Fabiana Marion Spengler, Gilmar Antonio Bedin – Curitiba: Multideia, 2013.
260p.; 23cm
ISBN 978-85-86265-54-9
(VERSÃO ELETRÔNICA)
 1. Acesso à justiça. 2. Direitos humanos. I. Bedin, Gilmar Antonio (org.). II. Título.
CDD 340.1(22.ed)
CDU 340
É de inteira responsabilidade do autor a emissão de conceitos.
Autorizamos a reprodução dos conceitos aqui emitidos, desde que citada a fonte.
Respeite os direitos autorais – Lei 9.610/98.
CPI-BRASIL. Catalogação na fonte
Marli Marlene M. da Costa (Unisc)
André Viana Custódio (Unisc/Avantis)
Salete Oro Boff (Unisc/IESA/IMED)
Carlos Lunelli (UCS)
Clovis Gorczevski (Unisc)
Fabiana Marion Spengler (Unisc)
Liton Lanes Pilau (Univalli)
Luiz Otávio Pimentel (UFSC)
Orides Mezzaroba (UFSC)
Sandra Negro (UBA/Argentina)
Nuria Bellosso Martín (Burgos/Espanha)
Denise Fincato (PUC/RS)
Wilson Engelmann (Unisinos)
Neuro José Zambam (IMED)
FABIANA MARION SPENGLER
GILMAR ANTONIO BEDIN
(Organizadores)
ACESSO À JUSTIÇA,
DIREITOS HUMANOS 
& MEDIAÇÃO
Curitiba
2013
Doglas Cesar Lucas
Fabiana Marion Spengler
Gabriel de Lima Bedin
Gilmar Antonio Bedin
Giuseppe Ricotta
Luciane Moessa de Souza 
Mauro Gaglietti
Nuria Belloso Martín
Sidney Guerra
Colaboradores
AGRADECIMENTOS
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento 
Científico e Tecnológico – CNPq (financia-
mento através do Edital AOE Chamada MCTI/
CNPq/FINEP nº 06/2012 – Apoio à Realização 
de Eventos – ARC – LINHA 1) e à Fundação 
de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul – 
Fapergs (financiamento mediante o Auxílio à 
Organização de Evento Científico, Tecnológico, 
Artístico e Cultural – AOE) que possibilitaram 
a realização do I Seminário Internacional de 
Acesso à Justiça, Direitos Humanos e Mediação, 
bem como a publicação dos textos lá debatidos, 
na forma do presente livro.
Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo 
dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o por-
teiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O ho-
mem do campo reflete e depois pergunta se então não pode 
entrar mais tarde. “É possível”, diz o porteiro, “mas agora não.” 
Uma vez que a porta da lei continua como sempre aberta, e o 
porteiro não se põe de lado, o homem se inclina para olhar o 
interior através da porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: 
“Se o atrai tanto, tente entrar apesar da minha proibição. Mas 
veja bem: eu sou poderoso. E sou apenas o último dos portei-
ros. De sala para sala, porém, existem porteiros, cada um mais 
poderoso que o outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão 
do terceiro”. O homem do campo não esperava tais dificulda-
des: a lei deve ser acessível a todos e a qualquer hora, pensa 
ele; agora, no entanto, ao examinar mais de perto o porteiro, 
com o seu casaco de pele, o grande nariz pontudo e a longa 
barba tártara, rala e preta, ele decide que é melhor aguardar 
até receber a permissão de entrada. O porteiro lhe dá um ban-
quinho e deixa-o sentar-se ao lado da porta. Ali fica sentado 
dias e anos. Ele faz muitas tentativas para ser admitido, e can-
sa o porteiro com os seus pedidos. Muitas vezes, o porteiro 
submete o homem a pequenos interrogatórios. Pergunta-lhe 
a respeito da sua terra e de muitas outras coisas, mas são per-
guntas indiferentes, como as que costumam fazer os grandes 
senhores, e no final repete-lhe sempre que ainda não pode 
deixá-lo entrar. O homem, que havia se equipado para a via-
gem com muitas coisas, lança mão de tudo, por mais valioso 
que seja, para subornar o porteiro. Este aceita tudo, mas sempre 
dizendo: “Eu só aceito para você não achar que deixou de fazer 
alguma coisa”. Durante todos esses anos, o homem observa o 
porteiro quase sem interrupção. Esquece os outros porteiros 
e este primeiro parece-lhe o único obstáculo para a entrada 
na lei. Nos primeiros anos, amaldiçoa em voz alta o acaso in-
feliz; mais tarde, quando envelhece, apenas resmunga consigo 
mesmo. Torna-se infantil, e uma vez que, por estudar o portei-
ro anos a fio, ficou conhecendo até as pulgas da sua gola de 
pele, pede a estas que o ajudem a fazê-lo mudar de opinião. 
Finalmente, sua vista enfraquece e ele não sabe se de fato 
está escurecendo em volta ou se apenas os olhos o enganam. 
Contudo, agora reconhece no escuro um brilho que irrompe 
inextinguível da porta da lei. Mas já não tem mais muito tem-
po de vida. Antes de morrer, todas as experiências daquele 
tempo convergem na sua cabeça para uma pergunta que até 
então não havia feito ao porteiro. Faz-lhe um aceno para que 
se aproxime, pois não pode mais endireitar o corpo enrijecido. 
O porteiro precisa curvar-se profundamente até ele, já que a 
diferença de altura mudou muito em detrimento do homem. 
“O que é que você ainda quer saber?”, pergunta o porteiro. 
“Você é insaciável.” “Todos aspiram à lei”, diz o homem. “Como 
se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu 
para entrar?” O porteiro percebe que o homem já está no fim, 
e para ainda alcançar sua audição em declínio, ele berra: “Aqui 
ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava 
destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a”. 
(“O Processo” – Franz Kafka)
PREFÁCIO
A crise das instituições, especialmente do Judiciário1, é a praga 
do Estado contemporâneo2. 
A obstrução das vias de acesso à justiça, problema cada vez 
mais crescente nos países da América Latina e na Europa, promove 
um distanciamento cada vez maior entre o Poder Judiciário e a popu-
lação. 
Em diferentes países, a crise do Estado-jurisdição se fortale-
ce com uma instituição burocrática e lenta, desacreditada pelo povo e 
que representa na verdade um convite à demanda, potencializando os 
conflitos.
O marcante crescimento do acesso à justiça, que evoluiu con-
juntamente com a passagem da concepção liberal para a concepção 
social do Estado moderno, permitiu que diferentes grupos sociais 
buscassem meios eficazes de tutela para a solução dos seus conflitos. 
Naquela época em que prevalecia como máxima dominante o laissez 
faire, todas as pessoas eram formalmente presumidas iguais e os me-
canismos de acesso à justiça eram criados sem preocupação com sua 
eficiência prática ou efetiva. 
Assim, partindo da ideia de egalité, um dos marcos da Revo- 
lução Francesa, o Estado não deveria intervir nas disputas, perma-
necendo passivo em relação à incapacidade que muitas pessoas têm 
de utilizar plenamente a Justiça. Esse procedimento adotado para a 
1 “[...] se, dentre outras virtudes aproximou-se o jurisdicionado e o cliente dos serviços 
jurisdicionais do Judiciário, nem por isso o princípio do acesso ao Judiciário deve 
ser sobrevalorizado de tal forma que inviabilize a própria prestação jurisdicional”. 
(TAVARES, André Ramos. Tratado da arguição de preceito fundamental. São Paulo: 
Saraiva, 2001. p. 300)
2 PINHO, Humberto Dalla Bernadina de; PAUMGARTTEN, Michele. A experiência íta-
lo-brasileira no uso da mediação em resposta à crise do monopólio estatal de re-
solução de conflitos e a garantia do acesso à justiça. Revista Eletrônica de Direito 
Processual Civil, v. VIII, p. 443-471, jul./dez. 2011.
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solução dos litígios repercutia a filosofia essencialmente individua-
lista dos direitos refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos 
séculos XVIII e XIX e que assumiram a partir do século XX, um cará-
ter mais coletivo. 
O modelo democrático moderno que se afirmou como decor-
rência da renovação do “pacto social”reclamada pela filosofia política 
desde o século XVII, partia do estado de natureza de Locke, para justi-
ficar um Estado de poderes limitados3. 
E, na visão liberal nascente, o conflito ocorreria sempre entre 
indivíduos e sempre para reivindicar direitos, de uns sobre os outros; 
a lei abstrata apresentar-se-ia como o parâmetro da solução deste 
conflito, aplicada por um juiz imparcial, e se após o julgamento hou-
vesse resistência num ameaçador desafio à sociedade, o ato poderia 
ser reprimido, com uso inclusive da força. 
Verdade que a composição justa dos conflitos vem se tornando 
cada vez mais complexa, pois além do crescente demandismo repre-
sentado pelas lides individuais, cuja solução se resume a resolver a 
pendência na dicotomia vencedor-vencido, a crise na prestação juris-
dicional se mostra mais evidente na solução dos megaconflitos que 
hoje se expandem pela sociedade massificada e competitiva, mostran-
do-se a solução adjudicada não raro, deficiente. 
Em ambos os casos, a pretensa solução se resume a resolver 
apenas a crise jurídica, deixando em aberto as pressupostas crises de 
outra natureza, as quais, por não terem sido conjuntamente dirimidas, 
a tendência é que retornem num momento futuro, porventura até re-
crudescidas. 
O crescente acesso à justiça para a solução de conflitos de inte-
resse em áreas socialmente impactantes evidencia que o termo juris-
dição não pode mais se restringir ao clássico dizer o Direito, ou seja, 
não basta a garantia do acesso à justiça, mas à essa liberdade pública 
deve-se agregar o direito a um provimento jurisdicional idôneo a pro-
duzir os efeitos práticos a que ele se preordena. 
Nesse contexto, a obsessiva produção de normas, muitas vezes 
de escassa eficiência, que é símbolo de vários ordenamentos, acaba 
3 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Os conflitos como processo de mudança social, 
2000. p. 220.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 11
abrindo uma fenda abissal entre o mundo do dever ser e o mundo efe-
tivo e real do ser. 
E cada vez mais se inova a legislação processual e mais con-
trovérsias entre os operadores jurídicos surgem, retardando o trâmi-
te dos processos acumulados nos Tribunais, que, associado à falta de 
recursos humanos e materiais, à cultura judiciarista que resiste aos 
meios alternativos de resolução de conflitos, e à ineficiência das ins-
tâncias administrativas em equacionar os conflitos que surgem em 
nossa sociedade, fazendo com que eles acabem judicializados, criam o 
ambiente propício para a crise que se avista, motivando um incremen-
to na litigiosidade sem que o Estado tenha condições para atendê-la, 
ou tentando fazê-lo, responde a destempo ou de forma inconsistente.
Como bem observado por Boaventura de Sousa Santos, Maria 
Manuel Leitão Marques e João Pedroso4, o problema do excesso legis-
lativo reflete a tendência de cada povo ao posicionar suas escolhas 
para resolver os conflitos por meios autocompositivos ou através da 
adjudicação.
No Brasil, embora o acesso à justiça figure entre os direitos e 
garantias fundamentais, é mister um reexame da expressão para que 
o instituto não seja minimizado à mera oferta generalizada e incondi-
cionada do serviço judiciário estatal5.
A cultura demandista que se instalou na sociedade brasileira, 
por conta de uma leitura irreal da garantia constitucional do aces-
so à justiça que tanto se buscou nos últimos trinta anos, permitiu 
com essa oferta o desaguadouro geral e indiscriminado no Judiciário 
4 “Se em certas sociedades os indivíduos e as organizações mostram uma clara prefe-
rência por soluções consensuais dos litígios ou de todo modo obtidas fora do campo 
judicial, noutras a opção por litigar é tomada facilmente. [...] Os Estados Unidos fo-
ram considerados como tendo a mais elevada propensão a litigar, configurando uma 
‘sociedade litigiosa’, como lhe chamou Lieberman (1981). [...] Avançaram-se então 
várias razões que alimentariam tal cultura litigiosa, desde a existência de um número 
excessivo de advogados até o enfraquecimento dos laços comunitários e dos com-
promissos de honra na gestão da vida coletiva. Segundo alguns, a propensão a litigar 
estaria a resultar numa enorme drenagem de recursos econômicos que de outra ma-
neira poderiam ser afetos a tarefas do desenvolvimento.” (SANTOS, Boaventura de 
Sousa; MARQUES, Maria Manuel Leitão; PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades 
contemporâneas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 30, fev. 1996, p. 48)
5 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função judicial no 
Contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 58.
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de toda e qualquer pretensão resistida ou insatisfeita, obrigando-o 
a albergar desavenças que beiram o capricho dos litigantes, como 
as controvérsias de mínima expressão pecuniária ou nenhuma com-
plexidade jurídica, que não justificam a judicialização, podendo ser 
resolvidas por outros meios, perante outras instâncias, fora e além 
do aparato estatal.
Nesse passo, para nós, o melhor modelo é aquele que admoesta 
as partes a procurar a solução consensual, com todas as suas forças, 
antes de ingressar com a demanda judicial. Não parece ser ideal a so-
lução que preconiza apenas um sistema de mediação incidental muito 
bem aparelhado, eis que já terá havido a movimentação da máquina 
judiciária, quando em muitos dos casos, isto poderia ter sido evitado.
Por outro lado, não concordamos com a ideia de uma mediação 
ou conciliação obrigatória. É da essência desses procedimentos a vo-
luntariedade. Essa característica não pode ser jamais comprometida, 
mesmo que sob o argumento de que se trata de uma forma de educar 
o povo e implementar uma nova forma de política pública.
Somos de opinião que as partes deveriam ter a obrigação de 
demonstrar ao Juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma so-
lução consensual para o conflito. 
Estamos pregando aqui uma ampliação no conceito processual 
de interesse em agir, acolhendo a ideia da adequação, dentro do bi-
nômio necessidade-utilidade, como forma de racionalizar a prestação 
jurisdicional e evitar a procura desnecessária pelo Poder Judiciário.
Poderíamos até dizer que se trata de uma interpretação neo-
constitucional do interesse em agir, que adequa essa condição ao 
regular exercício do direito de ação às novas concepções do Estado 
Democrático de Direito.
Entretanto, esta é apenas uma das facetas desta visão. A ou-
tra, e talvez a mais importante, seja a consciência do próprio Poder 
Judiciário de que o cumprimento de seu papel constitucional não con-
duz, obrigatoriamente, à intervenção em todo e qualquer conflito.
Tal visão pode levar a uma dificuldade de sintonia com o princí-
pio da indelegabilidade da jurisdição, na esteira de que o juiz não pode 
se eximir de sua função de julgar, ou seja, se um cidadão bate às portas 
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ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 13
do Poder Judiciário, seu acesso não pode ser negado ou dificultado, 
conforme preceitua o artigo 5º, inciso XXXV, da Carta de 1988.
O que deve ser esclarecido é que o fato de um jurisdicionado 
solicitar a prestação estatal não significa que o Poder Judiciário deva 
sempre e necessariamente ofertar uma resposta de índole impositi-
va, limitando-se a aplicar a lei ao caso concreto. Pode ser que o juiz 
entenda que aquelas partes precisem ser submetidas a uma instância 
conciliatória, pacificadora, antes de uma decisão técnica6. 
E isto fica muito claro no Projeto do novo Código de Processo 
Civil brasileiro, na medida em que o artigo 118 confere uma série de 
poderes ao juiz, sobretudo no que se refere à direção do processo, 
mencionando expressamente a adequação e a flexibilização mitigada 
enquanto instrumentos para se alcançar a efetividade.
Nesse passo, é evidente que a maior preocupação do juiz será 
com a efetiva pacificaçãodaquele litígio, e não apenas, com a prolação 
de uma sentença, como forma de resposta técnico-jurídica à provoca-
ção do jurisdicionado.
Não custa lembrar, como nos indica Eligio Resta7, que a con-
ciliação tem o poder de “desmanchar” a lide, resultado este que na 
maioria dos casos não é alcançado com a intervenção forçada do Poder 
Judiciário.
É importante deixar clara essa nova dimensão do Poder Judi- 
ciário, aparentemente minimalista numa interpretação superficial, 
mas que na verdade revela toda a grandeza desta nobre função do 
Estado. Nessa perspectiva, efetividade não significa ocupar espaços e 
agir sempre, mas intervir se e quando necessário, como ultima ratio e 
com o intuito de reequilibrar as relações sociais, envolvendo os cida-
dãos no processo de tomada de decisão e resolução do conflito. 
6 Já há alguns anos temos insistido na necessidade de ampliação dos horizontes da so-
lução de conflitos. A propósito: PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mecanismos 
de Solução Alternativa de Conflitos: algumas considerações introdutórias. Revista 
Dialética de Direito Processual, São Paulo, Oliveira Rocha, v. 17, p. 9-14, 2004; PINHO, 
Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: a redescoberta de um velho aliado na solu-
ção de conflitos. In: PRADO, Geraldo (Org.). Acesso à Justiça: efetividade do processo. 
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 105-124.
7 RESTA, Eligio. O Direito Fraterno. Trad. Sandra Vial. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. 
p. 119.
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É relevante também registrar a opinião de Luis Alberto Warat8, 
para quem o objetivo da mediação não seria o acordo, mas a mudança 
das pessoas e seus sentimentos. Somente desta forma seria possível 
transformar e redimensionar o conflito. 
Essa ideia parte da premissa de que os conflitos nunca desapa-
recem por completo; apenas se transformam e necessitam de geren-
ciamento e monitoramento a fim de que sejam mantidos sob controle9.
Muitas vezes, esse controle significa, na prática, garantir que o 
canal de comunicação fique sempre aberto, e conscientizar as partes 
sobre a importância da preservação do vínculo que as une10.
8 WARAT, Luis Alberto. O ofício do mediador. Florianópolis: Habitus, 2001. v. 1, p. 31.
9 “No entanto, por que não cabe ao Poder Judiciário ‘eliminar’ e sim ‘decidir’ conflitos 
sociais? O fato de que o Judiciário tem como “função fundamental” a decisão de con-
flitos não quer dizer que a sua função seja a eliminação de conflitos. Assim, o con-
flito social representa um antagonismo estrutural entre elementos de uma relação 
social que, embora antagônicos, são estruturalmente vinculados – aliás, o “vínculo” é 
condição sine qua non do conflito. Portanto, se os elementos não são estruturalmen-
te ligados, também não podem ser conflituosos ou divergentes. Nesse contexto, as 
funções (competências) do Poder Judiciário fixam-se nos limites de sua capacidade 
para absorver e decidir conflitos, ultrapassando os próprios limites estruturais das 
relações sociais. Não compete ao Poder Judiciário eliminar vínculos existentes entre 
os elementos – ou unidades – da relação social. A ele caberá, mediante suas deci-
sões, interpretar diversificadamente esse vínculos, podendo, inclusive, dar-lhes uma 
nova dimensão jurídica (no sentido jurisprudencial). Não lhe ‘compete’ dissolvê-los 
(no sentido de eliminá-los), porque estaria suprimindo a sua própria fonte ou im-
pedindo o seu meio ambiente de fornecer-lhes determinados inputs (demandas).” 
(SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquanto po-
lítica pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul, Edunisc, 2010. 
p. 24. Disponível em: <http://www.unisc.br/por tal/pt/editora/e-books/95/media-
cao-enquanto-politica-publica-a-teoria-a-pratica-e-o-projeto-de-lei-.html>. Acesso 
em: 12. nov. 2012)
10 “Outras três palavras provenientes do prefixo med possuem sua importância apon-
tada por Eligio Resta. O autor explica que entre dois valores extremos, mas opostos 
e conflitantes, a relação escalonada oferece resultados diversos: a média, a moda e a 
mediana. Nesse contexto, a média pressupõe a separação e a divisibilidade, porém, 
exclui a conjunção, como recorda a notória decisão do juízo salomônico. A média re-
solve o conflito, porém, o faz cortando, interrompendo cada comunicação e excluindo 
passado e futuro: é o que faz o juízo quando decide com base numa escolha fria e con-
tábil”. (SPENGLER, Fabiana Marion; SPENGLER NETO, Theobaldo. Mediação enquan-
to política pública: a teoria, a prática e o projeto de lei. Santa Cruz do Sul, Edunisc, 
2010. p. 40. Disponível em: <http://www.unisc.br/portal/pt/editora/e-books/95/ 
mediacao-enquanto-politica-publica-a-teoria-a-pratica-e-o-projeto-de-lei-.html>. 
Acesso em: 12. nov. 2012)
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ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 15
Ademais, como referido, a mediação não deve ser utilizada na 
generalidade dos casos. Tal conduta equivocada levaria a uma falsa 
esperança, em mais uma forma de solução de conflitos que não tem o 
condão de se desincumbir satisfatoriamente de certos tipos de litígios.
Daí a importância, frise-se, de ser instituído um mecanismo 
prévio para a tentativa da solução negociada dos conflitos, ainda que 
não necessariamente a mediação. 
É preciso, pois, a adoção de uma política de racionalização na 
prestação jurisdicional. Se desde o início fica claro que o cerne da con-
trovérsia não é jurídico, ou seja, não está relacionado à aplicação de 
uma regra jurídica, de nada adianta iniciar a relação processual, para 
então sobrestá-la em busca de uma solução consensual. Isto leva ao 
desnecessário movimento da máquina judicial, custa dinheiro aos co-
fres públicos, sobrecarrega juízes, promotores e defensores e não traz 
qualquer consequência benéfica. 
É mister amadurecer, diante da realidade brasileira, formas 
eficazes de fazer essa filtragem de modo a obter uma solução que se 
mostre equilibrada entre os princípios do acesso à justiça e da duração 
razoável do processo.
Já nos encaminhando para o fim deste breve texto, e ciente de 
que as matérias aqui suscitadas abrem caminho para tantos outros 
questionamentos, gostaríamos de ressaltar que a mediação é um ex-
traordinário instrumento que possibilita a compreensão do conflito a 
partir da participação efetiva dos envolvidos, destacando, no entanto, 
que o movimento europeu, em especial o italiano, deve servir de mode-
lo para as mudanças processuais que estão prestes a se operar no Brasil. 
Parece-nos que ao longo da (recente) tradição democrática 
brasileira, talvez até mesmo como uma expressão da mea culpa do 
Estado, sabedor de seu fracasso ao atender às necessidades mais bási-
cas da população, forjou-se a ideia de que o Poder Judiciário deve ter 
uma posição paternalista em relação ao jurisdicionado. 
O cidadão procura o juiz, despeja seu problema e fica aguardan-
do impacientemente, reclamando e praguejando caso a solução demo-
re ou se não vem do jeito que ele deseja. Defendemos que as partes 
devem ser envolvidas de forma mais direta na solução dos conflitos, e 
a mediação contribuirá, em muito, para isso. 
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A implementação dessas ideias permitirá um enorme avanço 
no processo de desenvolvimento social do povo brasileiro e, ao mesmo 
tempo, levará à intensificação de uma preocupação que hoje já ocupa 
a mente dos juristas. 
Refiro-me à necessidade de se pensar um sistema que, ao mes-
mo tempo em que permite e incentiva o uso da mediação, preserva e 
viabiliza todas as garantias constitucionais deste procedimento, tor-
nando-se verdadeiramente equivalente ao processo judicial, enquan-
to forma legítima de solução de conflitos no Estado Democrático de 
Direito.
Enfim, o desafio de agora em diante não é mais o de inserir a 
mediação no ordenamento brasileiro ou no italiano, mas sim justificar 
constitucionalmente esse meio alternativo, e principalmente preser-
var e resgatarsua natureza com as premissas especialmente lançadas 
pelo direito fraterno na importante contribuição do jurista italiano 
Eligio Resta ao direito contemporâneo, permitindo que o anseio de 
trinta anos por um efetivo acesso à justiça não se reverta definitiva-
mente numa grave crise do Estado-jurisdição, enfrentada por países 
de diferentes continentes, que periga não se reverter se a questão do 
monopólio judicial para a solução dos conflitos não for enfrentada 
com a seriedade e imparcialidade que o tema requer.
Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2012.
Humberto Dalla
Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro
Doutor. Prof. Adjunto de Direito Processual Civil na UERJ
Professor Assistente da Universidade Estácio de Sá
SUMÁRIO
Capítulo I
OS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA INTERNACIONAL ......................... 0019
Sidney Guerra
Capítulo II
DESAFIOS DA JURISDIÇÃO NA SOCIEDADE GLOBAL: 
Apontamentos sobre um novo cenário para o Direito e o papel dos 
Direitos Humanos ....................................................................................................... 0045
Doglas Cesar Lucas
Gilmar Antonio Bedin
Capítulo III
POLITICHE DI SICUREZZA, TOLLERANZA ZERO E DIRITTI UMANI. 
UNA LETTURA SOCIOLOGICA ............................................................................... 0065
Giuseppe Ricotta
Capítulo IV
O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA COMO CONCRETIZAÇÃO 
DOS DIREITOS HUMANOS: garantias no âmbito nacional e 
internacional ................................................................................................................. 0091
Gabriel de Lima Bedin
Fabiana Marion Spengler
Capítulo V
EL ACCESO A LA JUSTICIA COMO DERECHO 
FUNDAMENTAL: la mediación en la Unión Europea como 
instrumento de acceso a la justicia ..................................................................... 0111
Nuria Belloso Martín
Capítulo VI
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO CULTURA DA 
ECOLOGIA POLÍTICA ................................................................................................. 0167
Mauro Gaglietti
Capítulo VII
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E O NOVO CÓDIGO DE 
PROCESSO CIVIL .......................................................................................................... 0203
Luciane Moessa de Souza
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OS DIREITOS HUMANOS NO 
SISTEMA INTERNACIONAL
Sidney Guerra
Pós-Doutor pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra; Pós- 
-Doutor pelo Programa Avançado em Cultura Contemporânea da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Doutor e Mestre em Direito. Professor 
da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Programa de Mestrado 
da Universidade Católica de Petrópolis. Advogado no Rio de Janeiro. 
Contato: sidneyguerra@terra.com.br.
1 Considerações gerais
Após a hecatombe da Segunda Guerra Mundial1, durante a 
qual o mundo teve a oportunidade de assistir a uma série de barbáries 
envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a necessidade da criação de 
mecanismos que pudessem garantir proteção aos seres humanos2. A 
1 Browlie lembra que “os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e a preocupação 
em prevenir a repetição de catástrofes associadas às políticas internas das Potências 
do Eixo levaram a uma preocupação crescente pela proteção jurídica e social dos 
Direitos Humanos e das liberdades fundamentais. Um pioneiro notável neste campo 
foi Hersch Lauterpacht, que salientou a necessidade de uma Declaração Internacional 
dos Direitos do Homem. As disposições da Carta das Nações Unidas fornecem tam-
bém uma base dinâmica para o desenvolvimento do direito. [...] Inevitavelmente, esta 
transportou para o foro internacional as ideologias e conceitos de liberdade dos vá-
rios Estados dominantes, tendo as diferenças ideológicas entre socialismo e capita-
lismo, influenciando os debates.” (BROWLIE, Ian. Princípios de direito internacional 
público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 587)
2 Vide, a propósito, o magistério de TALAVERA, Fabián Novak; MOYANO, Luis Garcia. 
Derecho internacional público. Perú: Fondo Editorial de la PUC, 2002. Tomo II, v. II, p. 
262: “Sin embargo, los derechos humanos seguirían siendo una preocupación exclusiva 
del Derecho Interno de los Estados hasta bien entrado el siglo XX, momento a partir del 
cual empezarían a surgir las primeras convenciones internacionales destinadas a pro-
hibir determinadas prácticas odiosas contra el ser humanos. Luego de ello – con la crea-
ción de la Organización de las Naciones Unidas en los años cuarenta y de determinadas 
Organizaciones regionales –, la preocupación internacional por los derechos humanos 
se iría incrementando, hasta llegar a establecer un conjunto de reglas y principios de 
Ca
pít
ulo
I
Sidney Guerra20
partir daí floresce uma terminologia no Direito Internacional, relacio-
nando-o aos Direitos Humanos3: o Direito Internacional dos Direitos 
Humanos4.
O moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos é um 
fenômeno do pós-guerra e seu desenvolvimento pode ser atribuído às 
monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de 
que parte dessas violações poderia ser prevenida se um efetivo siste-
ma de proteção internacional dos direitos humanos já existisse, o que 
motivou o surgimento da Organização das Nações Unidas, em 19455.
Assim, os direitos da pessoa humana ganharam extrema re-
levância, consagrando-se internacionalmente, e surgindo como res-
posta às atrocidades cometidas durante a 2ª Guerra Mundial, espe-
cialmente aos crimes praticados nos campos de concentração da 
Alemanha nazista6.
protección del ser humano de alcance universal, que conforman lo que hoy se conoce 
como el Derecho Internacional de los Derechos Humanos.”
3 “A proteção internacional dos direitos humanos constitui um dos traços mais mar-
cantes não só do Direito Internacional convencional moderno como também, num 
plano mais vasto, da evolução do Direito Internacional contemporâneo. E se é certo 
que muitas convenções se dirigem diretamente aos Estados, outras há que confe-
rem direitos diretamente aos indivíduos. A primeira via – a via da mera proteção 
diplomática – vai sendo cada vez mais abandonada na medida em que se pretende de 
fato tornar mais eficaz o Direito Internacional dos Direitos Humanos, acima de tudo 
porque ela se revela inoperante na defesa do indivíduo contra o próprio Estado a que 
ele pertence e que constitui o seu principal adversário potencial.” (PEREIRA, André 
Gonçalves; QUADROS, Fausto. Manual de direito internacional público. 3. ed. Lisboa: 
Almedina, 2002. p. 392)
4 Este estudo foi contemplado no livro intitulado Direito internacional dos direitos hu-
manos, de Sidney Guerra (São Paulo: Saraiva, 2011), cuja leitura é recomendada para 
melhor compreensão do tema. 
5 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. 
São Paulo: Saraiva, 2006. p. 140.
6 “O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição 
de sujeito de direitos, a pertinência à determinada raça – a raça pura ariana. O século 
XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto do genocídio con-
cebido como projeto político e industrial. No momento em que os seres humanos se 
tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, 
em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a recons-
trução dos direitos humanos, como paradigma ético capaz de restaurar a lógica do ra-
zoável. [...] Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-
Guerra deveria significar a sua reconstrução.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e 
o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 131-132)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 21
Indubitavelmente, a Segunda Guerra havia deixado um rastro 
incomensurável de destruição e afronta aos valores mais essenciais do 
ser humano. Por conseguinte, no pós-guerra, o foco passa para os es-
tudos dos direitos humanos,nos quais a análise da dignidade humana 
ganha relevo no âmbito internacional, consolidando a ideia de limi-
tação da soberania nacional7 e reconhecendo que os indivíduos pos-
suem direitos inerentes à sua existência que devem ser protegidos8. 
Antes das mudanças perpetradas na sociedade internacional 
por conta da Segunda Grande Guerra Mundial, a pessoa humana era 
relegada a um plano inferior, e por isso mesmo apenas os Estados eram 
considerados sujeitos de direito internacional. Todavia, no pós-guerra 
relevantes mudanças ocorreram em razão de os Direitos Humanos te-
rem sido internacionalizados, a começar pela criação da ONU9. 
A Organização das Nações Unidas tem atuação voltada para a 
manutenção da paz e para a segurança internacional, bem como para 
a valorização e a proteção da pessoa humana. Evidencia-se que para 
alcançar esses propósitos fundamentais, a ONU deva adotar os seguin-
tes princípios: a) a Organização é baseada no princípio da igualdade 
soberana de todos os seus membros; b) todos os membros deverão 
7 Na mesma direção MACHADO, Jónatas E. M. Direito internacional: do para-
digma clássico ao pós 11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 2006. p. 363: 
“Tradicionalmente entendia-se que a sua tutela (direitos humanos) era uma ques-
tão de natureza doméstica, integrando a reserva de soberania estatal. Atualmente, 
a ordem internacional reclama valor transnacional fundamental a universalidade 
dos direitos do ser humano, afirmando a existência de deveres correspectivos de 
proteção por parte dos Estados e da comunidade internacional globalmente consi-
derada. A promoção e o respeito dos direitos humanos são reconhecidos por uma 
opinio juris global como uma obrigação erga omnes, sendo algumas normas neste 
domínio reconhecidas como jus cogens.”
8 GUERRA, Sidney. Temas emergentes de direitos humanos. Rio de Janeiro: FDC, 2006.
9 Em interessante abordagem, Jónatas Machado afirma que “os direitos humanos têm 
relevo estruturante e conformador na arquitetura institucional das Nações Unidas. A 
Carta das Nações Unidas refere-se a eles, na linha do juscontratualismo liberal, como 
constituindo uma dimensão da cooperação entre os Estados e uma questão de inte-
resse geral da comunidade internacional. Do mesmo modo, afirma-se que os mesmos 
se reconduzem ao objeto da competência da ONU. Igualmente digno de nota é o fato 
de a sua proteção internacional ser considerada uma condição para a manutenção da 
paz. No entanto, esta visão não resultou na sua imediata elevação à qualidade de nor-
mas fundamentais da ordem jurídica internacional.” (MACHADO, Jónatas E. M. Direito 
internacional: do paradigma clássico ao pós 11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 
2006. p. 366)
Sidney Guerra22
cumprir de boa-fé as obrigações assumidas de acordo com a Carta; 
c) todos os membros deverão resolver suas controvérsias por meios 
pacíficos, de modo a não ameaçar a paz, a segurança e a justiça inter-
nacionais; d) todos os membros deverão evitar o uso da força contra a 
integridade territorial ou independência política do Estado; e) todos 
os Membros devem dar assistência em qualquer ação patrocinada pela 
ONU; f) para assegurar a paz e a segurança internacional a ONU fará 
com que todos os Estados, mesmo os não membros, ajam de acordo 
com os princípios contidos na Carta; g) nenhum dispositivo da Carta 
autoriza a ONU a intervir em assuntos que dependam essencialmente 
de jurisdição interna de qualquer Estado.
De fato, os direitos humanos ganham força sob a égide da 
Organização das Nações Unidas10, onde foram produzidos vários tra-
tados internacionais para a proteção dos referidos direitos11. A come-
çar pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pela produção 
normativa do Pacto de Direitos Civis e Políticos e do Pacto de Direitos 
Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção sobre discriminação ra-
cial; a Convenção sobre os direitos da mulher; a Convenção sobre a 
tortura; a Convenção sob os direitos da criança etc.12.
Essa “codificação” internacional em matéria de direitos huma-
nos ocorre principalmente pelo fato do próprio Estado ser o maior 
violador desses direitos. Assim é que se inicia a denominada fase le-
gislativa dos direitos humanos, sob a batuta das Nações Unidas, com 
a elaboração de um quadro normativo extenso que procura efetiva-
mente vincular a Organização Internacional aos seus propósitos, bem 
como a certas disposições contidas em seu ato de criação.
10 “Construído aos poucos, desde a assinatura da Carta de São Francisco, em 1945, o sis-
tema de proteção aos direitos humanos das Nações Unidas difere substancialmente 
dos sistemas regionais na composição, na forma de operação, no embasamento jurí-
dico, e no tipo de resultados perseguidos.” (ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos 
humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 73)
11 Tive a oportunidade de apresentar estudos relativos ao tema, como, por exemplo, 
em Curso de direito internacional público. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012; 
Direitos Humanos na ordem jurídica internacional e reflexos para a ordem constitucio-
nal brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; Direitos humanos: uma abordagem 
interdisciplinar. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002 etc. 
12 Nesse propósito, vide GUERRA, Sidney. Tratados e convenções internacionais. Rio e 
Janeiro: Freitas Bastos, 2006.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 23
A proteção internacional dos direitos humanos defere, no 
sistema onusiano, um status e um standard diferenciados para o in-
divíduo. Isto é, apresenta um sistema de proteção à pessoa humana, 
seja nacional ou estrangeira, diplomata ou não, um núcleo de direitos 
insuscetíveis de serem derrogados em qualquer tempo, condição ou 
lugar. Inaugura-se, portanto, uma doutrina em que os instrumentos 
de proteção dos direitos do indivíduo levam em consideração o reco-
nhecimento, de âmbito universal, da dignidade da pessoa humana. É 
a partir desse reconhecimento que se estabelecem medidas de con-
tenção e de abusos que são praticados especialmente pelos próprios 
Estados. 
Frise-se, por oportuno, que a proteção internacional da pessoa 
humana não faz distinção à nacionalidade ou país de origem de uma 
pessoa, isto é, o sistema internacional não procura proteger apenas os 
que possuem proteção diplomática ou determinada categoria de pes-
soas ou nacionais e sim todos indiscriminadamente.
Sendo assim, este artigo pretende pretende expor aspectos 
gerais sobre a proteção dos direitos humanos no sistema onusiano, 
abordando a fase legislativa e a fase de proteção, para que, por fim, 
possam ser traçados alguns entraves e desafios sistema internacional. 
2 a fase legislativa da proteção internaCional dos direitos 
humanos no sistema onusiano
O sistema de proteção internacional dos direitos humanos no 
âmbito da Organização das Nações Unidas caracteriza-se como um 
sistema de cooperação intergovernamental que tem por objetivo a 
proteção dos direitos inerentes à pessoa humana13. Esse sistema foi 
13 Sobre o tema relativo à proteção dos direitos humanos, a Organização das Nações 
Unidas proclama: “Uno de los grandes logros de las Naciones Unidas ha sido la creación 
de un conjunto global de instrumentos de derechos humanos – un código universal de 
derechos humanos protegidos internacionalmente – al cual se pueden suscribir todas 
las naciones y al cual pueden aspirar todos los pueblos. La Organización no solo ha de-
finido una amplia gama de derechos reconocidos internacionalmente, como derechos 
económicos, sociales, culturales, políticos y civiles, sino también ha establecido meca-
nismos para promoverlos y protegerlos y para ayudar a los gobiernos a que cumplan 
sus obligaciones.” (ONU. ABC de las Naciones Unidas. New York: Publicación de las 
Naciones Unidas, 2004. p. 295) 
Sidney Guerra24
inaugurado no ano de 1945, com a criação da referida Organização 
Internacional, quando fica evidente que o sistema acaba por conver-
gir para a proteção dos direitos humanos.Além de ter consagrado a 
proteção internacional dos direitos humanos como princípios funda-
mentais de seu texto normativo, a Carta da ONU também deixou explí-
cito que a proteção dos direitos humanos é um meio importante para 
assegurar a paz.
Mas foi no dia 10 de dezembro de 1948 que a Assembleia Geral 
da Organização das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal 
dos Direitos do Homem com 48 votos a favor e nenhum contrário14. 
A Declaração de Direitos de 1948 apresenta uma dinâmica uni-
versalista em matéria de direitos humanos ao estabelecer que todos 
os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e que pos-
suem capacidade para gozar os direitos e as liberdades sem distinção 
de qualquer espécie, raça, sexo, cor, língua, opinião política ou qual-
quer outra natureza, origem nacional, social, riqueza, nascimento ou 
qualquer outra limitação de soberania15.
As disposições da Declaração dividem-se em três grandes gru-
pos: a) disposições relativas aos fundamentos filosóficos; b) princí-
pios gerais; c) direitos substantivos, sendo considerado um documen-
to extremamente importante por ter concebido de forma pioneira a 
14 “Ese conjunto de instrumentos jurídicos se basa en la Carta de las Naciones Unidas y en 
la Declaración Universal de Derechos Humanos, aprobadas por la Asamblea General 
en 1945 y 1948, respectivamente. Desde entonces, las Naciones Unidas han ampliado 
gradualmente la legislación de derechos humanos para abarcar normas concretas re-
lativas a mujer, los niños, las personas con discapacidad, las minorías, los trabajadores 
migrantes y otros grupos vulnerables, que ahora poseen derechos que los protegen de 
prácticas discriminatorias frecuentes desde hacía largo tiempo en muchas sociedades.” 
(ONU. ABC de las Naciones Unidas. New York: Publicación de las Naciones Unidas, 
2004. p. 295)
15 Dinh, Daillier e Pellet lembram que, “como todas as declarações de direitos contidas 
nas constituições nacionais após a Segunda Grande Guerra Mundial, a Declaração 
Universal dos Direitos do Homem consagra os direitos civis e políticos tradicionais e 
os direitos econômicos e sociais e constitui uma síntese entre a concepção liberal oci-
dental e a concepção socialista: apesar de não terem ficado inteiramente satisfeitos 
com as cedências feitas – sobretudo pelo mutismo da declaração sobre os direitos dos 
povos – os países do Leste abstiveram-se voluntariamente na votação final para não 
a mancharem com votos hostis.” (DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, 
Alain. Direito internacional público. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 
2003. p. 675) 
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 25
previsão de vários direitos da pessoa humana no plano internacional, 
embora tenha recebido severas críticas, especialmente em razão de 
não ser um documento internacional que vincule o Estado em seu 
cumprimento. Isso porque foi adotada por uma resolução das Nações 
Unidas, por meio de sua Assembleia Geral. 
Por outro lado, o documento demonstra claramente a inten-
ção da sociedade internacional em conceber normas universais que 
fossem contrárias às práticas de aviltamento da dignidade humana. 
Corroborando o entendimento, Salcedo16, valendo-se de manifestação 
da Corte Internacional de Justiça datada de 1980, assevera que, mes-
mo tendo sido concebida por uma resolução no âmbito da Assembleia 
Geral das Nações Unidas, não restam dúvidas de que a Declaração de 
1948 se apresenta como uma higher law não podendo ser desprezada 
tal condição. 
A Corte Internacional de Justiça reconheceu o seu estatuto 
superior na sentença proferida em 24 de maio de 1980 sobre o pes-
soal diplomático e consular dos Estados Unidos em Teerã: “o fato 
de privar seres humanos abusivamente da liberdade e submetê-los, 
em condições penosas, a coação física é manifestamente incompatí-
vel com os princípios da Carta das Nações Unidas e com os direitos 
fundamentais enunciados na Declaração Universal dos Direitos do 
Homem”17.
Sem embargo, a Declaração de Direitos de 1948 enuncia em 
seu artigo II que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos 
e liberdades estabelecidas na Declaração, sem distinção de qualquer 
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de 
qualquer outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nasci-
mento, ou qualquer outra condição.” Ela também estabelece a previ-
são de direitos de diferentes categorias e que traduzem a grande preo-
cupação com a dignidade da pessoa humana. 
Posteriormente surgem o Pacto de Direitos Civis e Políticos e 
também o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos 
no ano de 1966, que entram em vigência no ano de 1976, depois que 
16 SALCEDO, Juan Antonio Carillo. Curso de derecho internacional público. Madrid: 
Tecnos, 1991.
17 Idem, p. 131.
Sidney Guerra26
35 Estados ratificam os referidos Pactos18. Como se pode depreender 
da própria nomenclatura dos Pactos19, o primeiro versa sobre os di-
reitos denominados de primeira geração (civis e políticos), isto é, são 
direitos contemplados para os indivíduos, ao passo que o segundo 
corresponde aos direitos de segunda geração, impondo uma série de 
atribuições aos Estados. 
Essa percepção deriva da própria natureza dos direitos de 
primeira geração que pressupõe atuação correspondente a uma abs-
tenção (liberdade negativa), enquanto os direitos de segunda geração 
pressupõem a uma prestação (liberdade positiva). Frise-se, por opor-
tuno, que, embora um Pacto contemple os direitos denominados de 
primeira geração e o outro os direitos denominados de segunda gera-
ção, não há hierarquia entre os referidos direitos20. 
Assim, sobre o Pacto de Direitos Civis e Políticos, observa-se 
que há determinação para que os Estados-partes assumam o com-
promisso de respeitar e assegurar a todos os indivíduos os direitos 
previstos no documento internacional, dentro do seu território e que 
18 Jónatas Machado lembra que os Pactos de 1966 “têm como principal objetivo con-
ferir força jurídica vinculativa aos direitos humanos, coisa que não sucedia com a 
Declaração Universal de Direitos Humanos.” (MACHADO, Jónatas E. M. Direito inter-
nacional: do paradigma clássico ao pós 11 de setembro. 3. ed. Coimbra: Coimbra, 
2006. p. 369)
19 “[...] Após um trabalho exaustivo da Comissão de Direitos Humanos e do Terceiro 
Comitê da Assembleia Geral, este adotou, em 1966, dos Pactos e um Protocolo. [...] 
Os Pactos têm a força jurídica de tratados para os Estados que neles são partes 
e constituem uma codificação detalhada dos Diretos Humanos.” (BROWLIE, Ian. 
Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 
1997. p. 595)
20 Vale trazer à colação, desde logo, as palavras de Vipajur: “All rights and freedoms 
are indivisible and interdependent. The UN system of human rights does not rank 
them in any hierarchy or any order of priority. Though we may classify rights in differ-
ent categories, they are all complementary to each other. They are also inter-related. 
No set of rights has priority over the other. In fact, the ending of the Cold War and the 
ideological confrontations of East – West has meant that the thesis which has been 
around from the beginnings of the United Nations, that the rights are inter-related at 
the international level. Distinctions such as that between the immediate enforcement 
of civil and political rights and the progressive implementation of economic, social 
and cultural group is really “rights” while the other is not.” (VIPAJUR, Abdulrahim. 
The Universal Declaration of Human Rights – A Cornerstore of modern human rights 
regime. Perspectives on human rights. New Delhi: Manak Publications, 1999. 
p. 16)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 27
estejam sujeitos à sua jurisdição, sem que haja qualquer tipo de dis-
criminação21.
Do mesmo modo, os Estados se comprometem em criar legis-
lações que possam dar efetividade aos direitos concebidos no Pacto, 
a saber: direito à vida;direito ao julgamento justo; direito à naciona-
lidade; direito de não ser submetido à tortura ou tratamento cruel, 
desumano ou degradante; direito a não ser escravizado; direito à pri-
vacidade; direito à liberdade; direito à segurança pessoal; liberdade 
de circulação; liberdade de pensamento; liberdade de consciência; li-
berdade de religião; liberdade de expressão; liberdade de associação; 
direito de votar e de ser votado etc.
Com efeito, o Pacto acima identificado, além de agasalhar o rol 
de direitos já contemplados na Declaração de Direitos de 1948, acaba 
por ampliá-lo com a inserção de novos direitos outrora não contem-
plados. Nesse sentido, vale destacar os direitos insculpidos no artigo 
11 (proíbe a detenção por dívidas contratuais); artigo 24 (direito ao 
nome e à nacionalidade para a criança); artigo 20 (vedação da propa-
ganda de guerra e incitamento à intolerância étnica ou racial); artigo 
27 (proteção à identidade cultural, religiosa e linguística) etc.
Ainda em relação ao Pacto de Direitos Civis e Políticos de 1966, 
evidencia-se que não autoriza nenhuma suspensão do direito à vida; 
proíbe a tortura, penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degra-
dantes; proíbe a escravatura e a servidão e reconhece várias outras 
liberdades.
Depreende-se, pois, que a vida e a dignidade da pessoa huma-
na passam a ocupar lugar de destaque e privilegiado, fazendo com 
que ocorra uma “grande codificação” em matéria de direitos huma-
nos. Não se pode olvidar do Protocolo Facultativo, que complementa 
o mecanismo de garantia e monitoramento da implementação dos 
21 “[...] o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos é mais rigoroso na de-
lineação dos direitos, mais forte na afirmação da obrigação e respeito pelos direitos 
consagrados e encontra-se mais bem apetrechado com meios de revisão e de fiscali-
zação. [...] Esses direitos são definidos com a maior precisão possível e relacionam- 
-se com as questões clássicas da liberdade e segurança do indivíduo, da igualdade 
perante a lei, do julgamento justo e de outras questões semelhantes.” (BROWLIE, Ian. 
Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 
1997. p. 596)
Sidney Guerra28
dispositivos do Pacto de Direitos Civis e Políticos, ao permitir a apre-
sentação de petições individuais ao Comitê pelas pessoas que são ví-
timas de violações dos dispositivos constantes do citado documento 
internacional. 
Vale lembrar que a petição ou comunicação individual só 
será admitida se o Estado responsável pela violação dos direitos ti-
ver ratificado o Pacto e o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional 
dos Direitos Civis e Políticos, reconhecendo assim a competência do 
Comitê para tal. 
No que concerne ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e 
Culturais, os Estados-partes devem adotar medidas, tanto por esforço 
próprio como pela assistência e cooperação internacional, nos planos 
econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que 
visem assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, 
o pleno exercício dos direitos reconhecidos no documento internacio-
nal, a saber: remuneração justa; trabalho; educação; nível de vida que 
seja adequado; participação na vida cultural etc.
Para alcançar os objetivos listados acima, o Pacto estabelece 
que os povos podem dispor livremente de suas riquezas e de seus re-
cursos naturais, sem prejuízo das obrigações decorrentes da coopera-
ção econômica internacional22.
Fato curioso é que o Pacto Internacional de Direitos Civis e 
Políticos prevê uma série de direitos para o indivíduo, ao passo que o 
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consa-
gra um rol de deveres aos Estados; ou seja, a ideia apresentada de liber-
dades negativas (direitos de primeira geração) e de liberdades positivas 
(direitos de segunda geração) são observadas a partir da leitura dos 
referidos documentos internacionais, fazendo com que os primeiros se-
jam considerados autoaplicáveis, e os segundos, programáticos.
22 Browlie lembra que “estas obrigações são do tipo programático e necessitam de ser 
promovidas pelo Estado, exceto no caso das disposições relativas aos sindicatos. Os 
direitos reconhecidos devem ser exercidos ao abrigo de uma garantia de não discri-
minação, embora exista uma restrição no caso dos direitos econômicos reconhecidos 
no sentido de os países em vias de desenvolvimento poderem determinar em que 
medida garantem tais direitos aos não nacionais.” (BROWLIE, Ian. Princípios de direi-
to internacional público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. p. 596)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 29
Com efeito, o vasto número de documentos internacionais que 
foram produzidos sob os auspícios da ONU em matéria de direitos 
humanos fez com que a dignidade da pessoa humana passasse a se 
inserir entre os principais interesses da sociedade internacional. Há, 
portanto, a visão de que esta última forme um todo e os seus interes-
ses predominem sobre os dos Estados individualmente. Outra conse-
quência relevante da internacionalização desses direitos está relacio-
nada à soberania dos Estados, cuja noção vai sendo alterada de forma 
sistemática23, ou seja, os direitos humanos deixam de pertencer à ju-
risdição doméstica ou ao domínio reservado dos Estados24.
Desta forma, os direitos humanos que pertenciam ao domínio 
constitucional estão em uma migração contínua e progressiva (inter-
nacionalização), que os estão elegendo e acomodando suas tensões 
em padrões primários supranacionais. 
Nota-se claramente que na busca incessante do reconheci-
mento, desenvolvimento e realização dos maiores objetivos por par-
te da pessoa humana e contra as violações que são perpetradas pe-
los Estados e pelos particulares, o Direito Internacional dos Direitos 
Humanos têm-se mostrado instrumento vital para a uniformização, 
fortalecimento e implementação da dignidade da pessoa humana. 
23 Em igual sentido, Flávia Piovesan: “Os Direitos Humanos se converteram em tema de 
legítimo interesse internacional, transcendente ao âmbito estritamente doméstico, o 
que implicou no reexame dos valores da soberania a autonomia absoluta do Estado. A 
universalização dos direitos humanos fez com que os Estados consentissem em sub-
meter ao controle da comunidade internacional o que até então era de domínio reser-
vado.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 
7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 175)
24 Quanto à ameaça da soberania dos Estados, afirmam Dinh, Daillier e Pellet: “A pro-
teção internacional do indivíduo acarreta uma grave ameaça à soberania do Estado. 
Em razão da sua competência pessoal e da sua competência territorial, é a ele que 
compete o poder exclusivo de agir no que respeita aos indivíduos nacionais ou es-
trangeiros que vivam sobre o seu território. Ora, é evidente que nenhum Estado re-
conhece senão a sua própria legislação – ordinária e constitucional – que ignora os 
direitos individuais e não basta para constituir, só por si, uma proteção eficaz destes 
direitos. Por outro lado, os Estados reconhecem dificilmente a ideia de uma prote-
ção internacional que jogaria em definitivo contra eles próprios. Nestas condições, 
é previsível que eles, na qualidade de legisladores internacionais, não aceitem sem 
reticências o estabelecimento de uma intervenção exterior neste domínio ainda 
que fosse a da comunidade internacional.” (DINH, Nguyen Quoc, DAILLIER, Patrick, 
PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 
2003. p. 673)
Sidney Guerra30
Destarte, tal dignidade vem constituindo um verdadeiro va-
lor na sociedade internacional, e deve, impreterivelmente, servir de 
orientação a qualquer interpretação do Direito Internacional Público, 
isto é, do direito que a regulamenta. 
O Direito Internacional dos Direitos Humanos afirma-se em 
nossos dias com inegável vigor; trata-se essencialmente de um direito 
de proteção, marcadopor uma lógica própria, e voltado à salvaguarda 
dos direitos dos seres humanos, e não dos Estados25.
Desses topoi, solidifica-se o reconhecimento de que os Direitos 
Humanos permeiam todas as áreas da atividade humana e correspon-
dem a um novo ethos de nossos tempos.
A dignidade da pessoa humana passa a ser considerada como 
núcleo fundamentador do Direito Internacional dos Direitos Humanos 
(e também do direito interno), entendido como o conjunto de normas 
que estabelecem os direitos que os seres humanos possuem para o de-
sempenho de sua personalidade, e determinam mecanismos de prote-
ção a tais direitos. 
Impende assinalar que inúmeros mecanismos de proteção na 
ordem jurídica internacional foram criados a partir de então, tais como: 
sistema de relatórios, sistema de queixas e reclamações interestatais, 
o Conselho (antiga Comissão) de Direitos Humanos etc. A partir dessa 
grande mudança que ocorre no plano internacional é que o Estado pode 
ser responsabilizado por violação aos direitos humanos. 
A doutrina26 tem despendido estudos sobre a temática voltada 
à responsabilidade internacional do Estado em relação às violações 
25 Na mesma direção é o posicionamento de Garcia-Meckled: “a form of public interna-
tional law creating rights for individuals and duties for states, as well as domestic and 
international remedies for violation of rights and failure of duties. [...] Human rights 
provisions are those which give entitlements to individual persons, individually or in 
some cases collectively, to make legal claims before public authorities and where the 
legal support for these claims is said to respect these individuals, entitlements as hu-
man persons.” (GARCIA-MECKLED, Saladin. The human rights ideal and international 
human rights law. The legalization of Human Rights. London: MPG, 2006. p. 14)
26 “Como decorrência do complexo sistema de obrigações internacionais assumidas 
pelos Estados (quer no âmbito regional, quer em dimensão global), não há como 
negar a importância do desenvolvimento de um mecanismo de responsabilidades 
internacional dos estados, que garanta coerção compatível com o dano gerado pelo 
descumprimento das obrigações assumidas. [...] Assim, ao se ampliar o mecanismo 
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 31
dos direitos humanos27. Por isso, como já tive a oportunidade de assen-
tar em outro estudo28, os Direitos Humanos passam a constituir objeto 
de ramo autônomo do Direito Internacional Público, com instrumen-
tos, órgãos e procedimentos de aplicação próprios, caracterizando- 
-se essencialmente como direito de proteção. O Direito Internacional 
dos Direitos Humanos tem por objeto o estudo do conjunto de regras 
jurídicas internacionais (convencionais ou consuetudinárias) que re-
conhecem aos indivíduos, sem discriminação, direitos e liberdades 
fundamentais que assegurem a dignidade da pessoa humana e que 
consagrem as respectivas garantias desses direitos. Visa, portanto, a 
proteção das pessoas através da atribuição direta e imediata de direi-
tos aos indivíduos pelo Direito Internacional29; direitos esses que se 
pretendem também ver assegurados perante o próprio Estado. 
3 a fase de proteção 
A Organização das Nações Unidas, ao ser criada no ano de 1945, 
inaugura um novo momento no campo das relações internacionais ao 
integrar o indivíduo como sujeito de direito internacional. Os direitos 
da pessoa humana passam a ser universalizados propiciando a criação 
de um verdadeiro “código internacional dos direitos humanos”.
Como visto, a Organização das Nações Unidas se estabeleceu 
com a finalidade de preservar as futuras gerações do “flagelo da guer-
de jurisdição internacional, criam-se condições efetivas para ver incidir a responsa-
bilidade internacional, consistente na obrigação internacional de reparar a violação 
prévia de norma internacional.” (CAZETTA, Ubiratan. Direitos humanos e federalismo: 
o incidente de deslocamento de competência. São Paulo: Atlas, 2009. p. 18)
27 Assim, André de Carvalho Ramos sustentou: “A responsabilização internacional por vio-
lação de direitos humanos estabelecida no âmbito da Organização das Nações Unidas 
é complexa e dividida em duas áreas: a área convencional, originada por acordos inter-
nacionais, elaborados sob a égide da ONU, dos quais são signatários os Estados, e a área 
extraconvencional, originada de resoluções da Organização das Nações Unidas e seus 
órgãos, editadas a partir da interpretação da Carta da ONU e seus dispositivos relativos 
à proteção dos direitos humanos.” (RAMOS, André de Carvalho. Processo internacional 
de direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 119)
28 GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011. 
p. 78-79.
29 MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra: 
Almedina, 2006. p. 82.
Sidney Guerra32
ra” e tem sua atuação voltada para a manutenção da paz e para a se-
gurança internacional, bem como para a valorização e a proteção da 
pessoa humana. Assim, os direitos humanos ganharam uma Comissão 
que funcionava no âmbito do Conselho Econômico e Social: a Comissão 
de Direitos Humanos da ONU.
A Comissão de Direitos Humanos pautou sua atuação no sen-
tido de propor recomendações, elaboração de relatórios sobre a pro-
teção dos direitos humanos, rechaçando, inclusive, toda forma de dis-
criminação. 
Há quem afirme30 que a maior conquista da Comissão está no 
simples fato de ter passado a existir, sendo o primeiro organismo mun-
dial com Estados com qualidade de membros focado exclusivamente 
em direitos humanos, transformando-se em organização de referên-
cia para Estados e indivíduos, tanto para dar conselhos como para re-
ceber reclamações. Seu poder investigativo trouxe à tona alguns dos 
mais terríveis abusos de direitos humanos no mundo e proporcionou 
o ímpeto necessário para que houvesse mudança. Encorajou governos 
a agir de forma a melhorar seu histórico de direitos humanos, em evi-
dente esforço para evitar críticas por parte da Comissão.
Entretanto, a atuação da Comissão sempre foi alvo de críticas31 
no que concerne à seletividade e ao discurso excessivamente político 
adotado pelos seus membros no tratamento das questões pertinentes 
a direitos humanos, culminando em sua extinção e criação do Conselho 
de Direitos Humanos.
30 SHORT, Katherine. Da Comissão ao Conselho: a Organização das Nações Unidas conse-
guiu ou não criar um organismo de direitos humanos confiável. Revista Internacional 
de Direitos Humanos, São Paulo, Rede Sur, v. 9, 2008, p. 169.
31 Na mesma direção seguem Hitters e Fappiano: “La Comisión de Derechos Humanos 
necesitaba, para algunos Estados, una revisión. Su amplia discrecionalidad política le 
permitía conocer de todo tipo de situaciones, pero carecía de medios de coerción para 
establecer un estándar mínimo de protección. Por otro lado, no se puede ignorar que, 
al ser la Comisión un órgano intergubernamental compuesto por representantes de los 
gobiernos de los Estados miembros, su acción se teñía en buena parte de motivaciones 
políticas y no sólo humanitarias. Su politización se manifestaba en la elección de sus 
miembros, al decidir que Estados serán investigados, o al adoptar sus decisiones ple-
narias. Esta situación mermó su credibilidad y sustentó la crítica de su sobre discurso.” 
(HITTERS, Juan Carlos; FAPPIANO, Oscar L. Derecho internacional de los derechos hu-
manos. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2007. p. 203)
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 33
Nesse sentido, em 15 de maio de 2006, é adotada a Resolução 
60/251, que institui o Conselho de Direitos Humanos. O referido 
Conselho foi criado com a aprovação de 170 países, havendo 4 votos 
contra (Estados Unidos, Israel, Ilhas Marshall e Palau) e 3 abstenções 
(Venezuela, Iran e Belarus).
Em princípio, o Conselho de Direitos Humanos possui a ca-
racterística de órgão subsidiário da ONU. A Resolução 60/251 ainda 
elenca a universalidade, imparcialidade, objetividadee não seletivi-
dade como princípios que norteiam os trabalhos do Conselho. Atribui 
também especial importância ao diálogo e cooperação internacionais 
como forma de viabilizar a proteção e fomento dos direitos humanos, 
civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao 
desenvolvimento.
O Conselho de Direitos Humanos surge com proposta ambicio-
sa e inovadora, a começar pelo processo de eleição de seus membros e 
sua composição. Ao contrário da Comissão, a eleição é realizada dire-
tamente pela Assembleia Geral por meio de votação secreta e maioria 
absoluta e não pelo ECOSOC, o que permite que todos os membros 
onusianos possam participar do processo de escolha dos integrantes 
do Conselho, em clara consonância com o princípio da universalidade. 
De outra banda, no processo eleitoral, deve ser levada em con-
sideração a contribuição do candidato para a promoção e proteção 
dos direitos humanos. Além disso, é igualmente imprescindível que 
o Estado demonstre voluntária e publicamente seu compromisso por 
meio de documento que fundamente sua candidatura, deixando clara 
sua intenção. Ainda no mesmo dispositivo, a Resolução prevê a hipó-
tese de suspensão de membro do Conselho que cometa violações sis-
temáticas e significativas aos direitos humanos. 
No que concerne à composição, a Resolução estabelece que 
o Conselho é formado por 47 países, ao contrário da Comissão que 
previa 53 integrantes. A distribuição geográfica ocorre da seguinte 
forma: 13 países da África (eram 15 na Comissão); 13 países da Ásia 
(antigamente eram 12); 6 países do Leste Europeu (enquanto eram 
5 na Comissão); 8 países da América Latina e Caribe (eram 11 na 
Comissão), e, finalmente, 7 países da Europa Ocidental e outros (antes 
eram 10). 
Sidney Guerra34
A diminuição do número de integrantes em relação à Comissão 
propiciou uma maior competitividade entre os países. Evidência disso 
foi a quantidade de candidatos designados em número superior ao de 
assentos disponíveis por todas as regiões, exceto a África. Fato igualmen-
te curioso foi a candidatura de países com um histórico considerável de 
violações aos Direitos Humanos, como Sudão e Zimbábue. O mandato é 
de três anos, admitindo-se uma possível reeleição sucessiva, enquanto 
que na antiga Comissão não havia limites para reeleições consecutivas e 
não se vislumbrava a possibilidade de suspensão de mandato.
Como se pode notar, os países africanos e asiáticos perfazem, 
juntos, aproximadamente 55% do total de integrantes do Conselho. 
Na Comissão, tal percentual girava em torno de 50%. Essa confortável 
maioria, além de evidenciar, por si só, a grande influência que esses 
países terão na aprovação de resoluções, também lhes permite parti-
cipação mais ativa na elaboração da agenda e lhes confere maior peso 
no estabelecimento das prioridades traçadas pelo Conselho.
Outro aspecto inovador e extremamente positivo diz respeito 
à frequência com que o Conselho se reúne ao longo do ano. Na antiga 
Comissão, era realizada uma única sessão ao ano, que tinha duração 
de seis semanas. No Conselho, a Resolução prevê três sessões anuais, 
com período não inferior a dez semanas. Além dessas três sessões, 
qualquer membro pode solicitar que seja realizada uma sessão es-
pecial, mediante aprovação de um terço dos membros do Conselho. 
O aumento dessas sessões é extremamente profícuo para que sejam 
discutidas e adotadas medidas preventivas visando a evitar o recru-
descimento de eventuais tensões que possam eclodir no cenário in-
ternacional.
A Resolução 5/1, que dispõe sobre a construção institucio-
nal do Conselho de Direitos Humanos, fixa uma agenda muito mais 
concisa, mas não menos abrangente que a Comissão. Integram a 
agenda do Conselho: questões referentes à organização e procedi-
mento; relatório anual do Alto-Comissariado das Nações Unidas 
para Direitos Humanos e do Secretário Geral; promoção e proteção 
dos direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e cultu-
rais, incluindo o direito ao desenvolvimento; situações de Direitos 
Humanos que requerem atenção do Conselho; órgãos e mecanis-
mos de Direitos Humanos; Revisão Periódica Universal; situação dos 
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 35
Direitos Humanos na Palestina e outros territórios árabes ocupados; 
continuação e implementação da Declaração de Viena e do Programa 
de Ação; racismo, discriminação racial, xenofobia e formas relacio-
nadas de intolerância, continuação e implementação da Declaração 
de Durban e do Programa de Ação; assistência técnica e reforço da 
capacidade institucional.
O Conselho, por meio da Resolução 60/251, também chamou 
para si a responsabilidade de prosseguir com todos os mandatos, me-
canismos, funções e responsabilidades da Comissão, visando manter 
um sistema de procedimentos especiais, de denúncia e de grupo de 
trabalhos. Contudo, um ano após a primeira sessão, o Conselho se com-
prometeu a racionalizar e reforçar os procedimentos e mecanismos es-
peciais. Nesse sentido, a Resolução 5/1 leva a cabo tal disposição.
As revisões nos procedimentos especiais se iniciaram na sexta 
sessão e continuaram na sétima e oitava sessões do Conselho. Até ago-
ra, todos os mandatos temáticos foram estendidos. Além disso, novos 
mandatos temáticos foram criados, um sobre as formas tipicamente 
contemporâneas de escravidão e outro sobre o acesso seguro à água 
potável e saneamento básico. 
No tocante aos procedimentos de denúncia (complaint proce-
dures), a Resolução 5/1 permite que indivíduos e organizações possam 
trazer reclamações sobre violações para a apreciação do Conselho. 
Cria, também, dois Grupos de Trabalho distintos: o primeiro é o Grupo 
de Trabalho em Comunicações (Work Group on Communications), res-
ponsável por examinar as denúncias com base nos critérios de ad-
missibilidade previamente estabelecidos. Após análise, a denúncia é 
submetida ao Estado interessado para que este possa se manifestar 
a respeito das alegações sobre violações de direitos humanos levadas 
ao seu conhecimento. Não serão aceitas denúncias anônimas e com 
pouca fundamentação. O segundo é o Grupo de Trabalho em Situações 
(Work Group on Situations) que com base nas informações e recomen-
dações fornecidas pelo Grupo de Trabalho em Comunicações, elabora 
relatório a ser submetido ao Conselho. 
Outra criação da Resolução 60/251 é o Comitê Consultivo 
(Advisory Committee), que substitui a antiga Subcomissão de Promoção 
e Proteção dos Direitos Humanos. Sua atribuição consiste em fornecer 
opiniões consultivas de experts ao Conselho, baseadas em estudo e 
Sidney Guerra36
pesquisa prévios. Contudo, suas atividades estão subordinadas à re-
quisição do Conselho. 
Impende assinalar que as atividades desse grupo limitam-se 
à formulação de sugestões, não dispondo do poder de elaborar reso-
luções ou decisões. Quanto ao método de trabalho adotado, o Comitê 
Consultivo permite que os Estados, instituições nacionais de Direitos 
Humanos, Organizações Não Governamentais e outras entidades 
da sociedade civil possam interagir. Esta abertura propiciada pela 
Resolução 5/1 à sociedade civil permite que esta auxilie o Comitê na 
elaboração de opiniões consultivas mais fidedignas, na medida em 
que constituem canal importante que aproximará o Comitê da realida-
de dos países nos quais as ONGs atuam. 
O estabelecimento de um Fórum sobre questões envolvendo 
as minorias (Forum on minority issues) também constitui inovação do 
Conselho. O Fórum é uma plataforma para a promoção do diálogo e 
cooperação em temas que envolvam as minorias nacionais, étnicas, 
religiosas e linguísticas.
Uma das maiores inovações do Conselho de Direitos Humanos 
é a adoção do Sistema de Revisão Periódica Universal (RPU) pela 
Resolução 60/251. A incorporação desse mecanismo objetiva sepul-
tar a seletividade e os padrões duplos que maculavam o processo de 
revisão existente nos trabalhos da Comissão. 
Desta forma, todos os países eleitos deverão se submeter à 
RPU, como pré-requisitoindispensável à sua integração ao Conselho. 
Por meio desse mecanismo, é possível analisar o histórico de Direitos 
Humanos de todos os países, fato que não se verificava no órgão ante-
cessor. No entanto, apesar dos objetivos “nobres” que motivaram sua 
criação, o mecanismo de Revisão Periódica Universal ainda padece de 
limitações, correndo o risco de cair na superficialidade. Isto porque 
se trata de um processo intergovernamental, no qual não se verifica a 
participação de especialistas independentes. 
Indubitavelmente, a substituição da Comissão pelo Conselho re-
presenta a renovação de um compromisso que, ao longo dos anos, foi se 
desgastando em virtude de interesses políticos. Todavia, para que ocor-
ra proteção mais efetiva dos direitos humanos, é imprescindível que os 
países-membros adotem nova postura no tratamento dessa questão. 
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 37
4 entraves e desafios: Considerações finais
Muitas são as dificuldades para que ocorra a efetiva proteção 
aos direitos humanos no plano internacional. A doutrina32 tem apre-
sentado um rol dos principais entraves do sistema consagrado no 
âmbito onusiano, sendo apresentadas as maiores críticas para: a) a 
definição do conceito de direitos humanos; b) um catálogo de direitos 
humanos; c) a identificação do conceito de cada direito; d) a menção 
dos mecanismos de implementação; e) os mecanismos de garantia 
destinados a assegurar a observância dos direitos humanos33.
Em verdade, os problemas suscitados acima estão interligados. 
Como já tivemos a oportunidade de afirmar34, geralmente a expressão 
“direitos humanos” é empregada para denominar os direitos positiva-
dos nos documentos internacionais, como também as exigências bá-
sicas relacionadas com a dignidade, liberdade e igualdade de pessoa 
que não alcançaram estatuto jurídico positivo35.
32 MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra: 
Almedina, 2006. p. 124.
33 Segundo Browlie, há duas fontes de fragilidade no sistema das Nações Unidas de 
proteção dos direitos humanos: “em primeiro lugar, a obrigação jurídica é geral na 
origem, tendo-se avançado no sentido de completar a Carta através da adoção de 
pactos que atribuem um conteúdo mais específico aos direitos protegidos e que apre-
sentam processos coercivos mais sofisticados. Assim, embora seja duvidoso que os 
Estados possam ser chamados a responder por cada alegada violação das disposições 
bastante vagas da Carta, não pode haver grandes dúvidas sobre a existência de res-
ponsabilidade nos termos da Carta a respeito de qualquer violação substancial des-
tas disposições, especialmente quando está envolvido um grupo de pessoas ou um 
padrão de atividade. A segunda, é a ausência de uma definição precisa. Se a intenção 
dos redatores da Carta for respeitada, é evidente que o conceito de Direitos Humanos 
encerra no seu âmago uma certeza razoável. Além disso, em 1948, a Assembleia Geral 
adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos que é abrangente e que afetou, 
até certo ponto, o conteúdo do direito nacional, chegando a ser invocada pelos tri-
bunais.” (BROWLIE, Ian. Princípios de direito internacional público. Lisboa: Fundação 
Calouste Gulbenkian, 1997. p. 593-594)
34 GUERRA, Sidney. Direito internacional dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2011. 
p. 205.
35 Para Sudre, os direitos humanos são entendidos como “les droits et facultés assurant 
la liberté et la dignité de la personne humaine et bénéficiant de garanties institutionel-
les, n’ont été introduits que récemment dans le corpus international. Ce n’est qu’apres 
la Seconde Guerre mondiale et ses atrocités qu’émerge le Droit international des droits 
de l’homme avec la multiplication d’instruments internationaux énoncant les droits ga-
rantis.” (SUDRE, Frederic. Droit européen et international des droits de l’homme. 8. ed. 
Paris: PUF, 2006. p. 13)
Sidney Guerra38
Segundo Antonio-Enrique Pérez Luño, os direitos humanos 
formam um conjunto de faculdades e instituições que, em cada mo-
mento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade, 
da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamen-
te pelos ordenamentos jurídicos dos níveis nacional e internacional. 
Portanto, possuem não só caráter descritivo (direitos e liberdades re-
conhecidos nas declarações e convenções internacionais), como tam-
bém prescritivo (alcançam as exigências mais vinculadas ao sistema de 
necessidades humanas, e que, devendo ser objeto de positivação, ainda 
assim não foram consubstanciados)36.
Guerra Martins também procurou dar sua contribuição ao afir-
mar que as diferentes noções de direitos humanos surgiram inicial-
mente como ideais que refletiam crescente conscientização contra a 
opressão ou a inadequada atuação por parte da autoridade estadual. 
Prima facie, assistiu-se a positivação em instrumentos jurídicos inter-
nos e, posteriormente, essa positivação também ocorreu em nível in-
ternacional. Cada tipo de direito humano constitui um determinado 
standard normativo e implica uma relação de Direito Público entre se-
res humanos e autoridades públicas com vista a prosseguir os valores 
humanos fundamentais e a proteger as necessidades contra a interfe-
rência dessas autoridades37.
Os direitos humanos também se diferenciam, por sua vez, da 
ideia de direitos naturais, e não devem ser referidos como expressões 
correlatas. A pendência que geralmente acarreta a confusão concei-
tual gira em torno dos fundamentos dos direitos humanos. A busca 
de um fundamento absoluto de validade empreendida pelos adeptos 
do jusnaturalismo é uma tarefa laboriosa, nem sempre possível de ser 
direcionada a um final, e, ainda que admitida a sua viabilidade, ques-
tiona-se a validade deste empreendimento38.
Essa busca de fundamento absoluto e irresistível, na visão de 
Norberto Bobbio, não tem sentido, porque as tentativas de conceituar 
36 LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. Los derechos fundamentales. 7. ed. Madrid: Tecnos, 
1998. p. 46-47.
37 MARTINS, Ana Maria Guerra. Direito Internacional dos Direitos Humanos. Coimbra: 
Almedina, 2006. p. 83.
38 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 12. tir. Trad. Carlos Nélson Coutinho. Rio de 
Janeiro: Campus, 1992. p. 15 ss.
ACESSO À JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS & MEDIAÇÃO 39
“direitos do homem” revelaram-se tautológicas, na medida em que fa-
zem alusão apenas ao estatuto almejado, mas sem mencionar seu con-
teúdo, ou, mesmo quando tratam do conteúdo, o fazem com termos 
avaliativos, cuja interpretação é diversificada e está sujeita à ideologia 
do intérprete39.
Mais um ponto obscuro na busca de um fundamento absolu-
to é o apelo a valores últimos, nem sempre justificáveis e até mesmo 
antinômicos, exigindo uma concessão mútua para serem realizados40.
Um terceiro fator prejudicial à noção de fundamento absoluto 
é que os direitos dos homens compõem uma classe sujeita a modifica-
ções, isto é, são direitos historicamente relativos e formam uma classe 
heterogênea, incluindo pretensões diversas e até mesmo incompatí-
veis, tornando insustentável a ideia de terem por base o mesmo fun-
damento absoluto41.
Ainda segundo Bobbio, os direitos do homem não atingiram 
níveis mais elevados de eficácia enquanto a argumentação girou em 
torno de um fundamento absoluto irresistível. Para ele, a questão do 
fundamento absoluto dos direitos do homem perdeu parte de sua re-
levância porque, apesar da crise do fundamento, ainda assim foi pos-
sível construir a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como 
documento que conta com legitimidade praticamente mundial, apesar 
de não haver consenso quanto ao que poderia ser considerado funda-
mento absoluto de tais direitos. 
Desta forma, a questão central em relação aos direitos do ho-
mem, em sua opinião42, passou a ser a busca pela eficácia, pois apenas 
mostrar que são desejáveis não equacionou o problema da sua realiza-
ção. Mais do que encontrar o fundamento absoluto dos direitos huma-
nos, o papel principal passou

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