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ARTIGO - A MULTIPARENTALIDADE

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A MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL BRASILEIRO
Renata Da Silva Freitas
Wanessa Gomes Da Silva
Orientadora: Profa. Ma. Cristina Dias de Souza Figueira
RESUMO
A Constituição de 1988 alargou o conceito de família, considerando, não só as relações advindas do matrimônio, como também, as uniões estáveis e a família monoparental, que é aquela formada por um só genitor e sua prole. Diante as inúmeras mudanças ocorridas no decorrer dos anos, houve uma completa reformulação do conceito de “família”. A família adquiriu função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes. Dentre as mudanças ocorridas, tem-se o chamado pluralismo familiar. É necessário ter uma visão pluralista da família, que abrigue os mais diversos arranjos familiares. Entende-se, tão logo, que a multiparentalidade trata-se da possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e/ou do genitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais. Dito isso, o objetivo dessa pesquisa é analisar a multiparentalidade e todos os procedimentos que devem ser tomados em relação a afetividade. Para tanto, o uso da pesquisa biográfica se mantem por meio da compilação de obras, artigos de juristas variados que abordam o tema estudo. Foi possível observar que a filiação socioafetiva e a multiparentalidade são dois temas muito importantes, que desde 2011 começaram serem julgados de forma justa pelos tribunais e a partir de então passando a ser reconhecido, também amparada pelo artigo 1.593 do Código Civil.
Palavras chave: Multiparentalidade; Direito de Família, Socioafetividade.
NTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como o tema a multiparentalidade no registro civil. O tema será delimitado por doutrina e jurisprudência a respeito dos fatores da multiparentalidade sócio afetiva. Depois, será estudado a evolução do direito de família no Brasil, fazendo uma abordagem doutrinária e pragmática. Por fim, serão analisadas as decisões e as interpretações jurisprudenciais.
A multiparentalidade é o reconhecimento da existência comum da filiação biológica com a filiação socioafetiva. O Direito de Família atual procura se espelhar ao Ordenamento Jurídico tudo que se condiz ao interesse do grupo social, o formador da sociedade, ou seja, a família. 
A escolha do presente tema de indaga-se com a evolução do Direito de Família Contemporâneo. O ano de 2016 foi o ano da afetividade na Jurisprudência Superior Brasileira. Sendo cada vez mais recente um vínculo parental afetivo e biológico.
A ausência de um dos genitores, seja por separação, morte, ou pelo fato de nunca terem coabitado proporciona que os filhos possuem em uma pessoa diferente de seu genitor ou genitora, a relação de pai ou mãe.  O vínculo afetivo tornou-se essencial e cheio de importância. A entidade familiar passou a ser considerada de várias formas e padrões. 
O Direito deve dar relevância a tudo aquilo que constitui uma existência, isto é, a organização das famílias, não podendo ignorar aquilo que não existe juridicamente, tendo em vista as constantes mudanças no meio social. Neste sentido é considerado de relevância impar o estudo desse assunto jurídico, o qual vem sendo cada dia mais comum e presente em nosso grupo social. 
Dito isso, o trabalho visa analisar a multiparentalidade e todos os procedimentos que devem ser tomados em relação a afetividade. São os objetivos específicos: conceituar a multilateralidade e apontar sua evolução histórica; identificar sua importância na presente sociedade; e relacionar as médias cabíeis aos casos de multiparentalidade.
Para atingir os objetivos, o método utilizado para o desenvolvimento do trabalho foi o dedutivo. Utilizar-se-á a complicação de obras, artigos de juristas variados que abordam o tema estudo, por isso possibilitará um estudo minucioso e uma melhor elaboração de ideias e compreensões. 
1 MULTIPARENTALIDADE NO REGISTRO CIVIL BRASILEIRO
A multiparentalidade foi deferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2016 no Tema 622, sob repercussão geral do Recurso Extraordinário n. 898.060/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, que criou precedente com força obrigatória para casos futuros. 
A partir desta decisão, gerou-se novo sentido de entendimento ao consentir a possibilidade da coexistência de paternidade socioafetiva com a paternidade biológica, valorizar a importância do afeto nas relações familiares – elevado como valor jurídico – e reconhecer que não há prevalência do vínculo biológico em detrimento do afetivo. 
A tese citada a seguir foi aprovada por maioria de votos no plenário do STF, quando o tema foi apreciado: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios" (STF, 2019). 
Em resumo, a existência de dois pais, ou duas mães, com todas as consequências jurídicas inerentes a uma paternidade, inclusive a incidência dos direitos sucessórios, passa a ser reconhecida. Tendo-se conseguido esclarecer a discussão doutrinária se eventual vínculo socioafetivo excluiria o genitor biológico de suas responsabilidades decorrentes do poder familiar.
Dita decisão não tardou muito para ser debatida por especialistas da área no direito, ressaltando as consequências e os reflexos que esta decisão do STF, ousada e necessária, teria nas relações familiares.
Intenta-se, neste breve estudo, abordar alguns dos argumentos jurídicos a fundamentar o necessário e, segundo entendimento de alguns juristas, tardio do reconhecimento da multiparentalidade.
1.1 Conceito
Conforme conceituou Almeida (2019), multiparentalidade faz referência à possibilidade jurídica que o genitor biológico e/ou afetivo tem para invocar os princípios da dignidade humana e da afetividade para ver garantida a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais.
A partir deste conceito, busca-se demonstrar que uma família pode ser estruturada e constituída de variadas formas e padrões, levando ao enfraquecimento da noção ultrapassada de que família é baseada apenas em vínculos genéticos, biológicos e decorrentes do casamento civil. Relações interpessoais existentes na sociedade e o direito dos indivíduos passam a prevalecer e ter maior reconhecimento, tirando foco da proteção ao patrimônio. 
Ao reconhecer um vínculo estabelecido a partir de relação afetiva, ao invés da puramente biológica, passa-se a entender a mudança da estrutura familiar e do conceito e critério de paternidade. A fim de preservar os direitos fundamentais de todos os envolvidos, faz-se necessário entender como obrigação a coexistência viável de vínculos biológicos e afetivos. 
Introduz-se o conceito de paternidade não somente considerando o fator genético – há de ser levado em consideração “a paternidade como aquela que, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico e que reside antes no serviço e amor que na procriação” (ATAÍDE JÚNIOR, 2017, p. 41).
É possível dizer que as relações de consanguinidade são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e convivência familiar, sendo importante reconhecer que o afeto é um princípio do direito de família e faz as vezes de direito fundamental, ganhando mais valor nas relações familiares. A afetividade é o elemento nuclear e definidor da união familiar.
2 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS QUE REGEM A MULTIPARENTALIDADE
2.1 Reconhecimento Social e Jurídicos da multiparentalidade
A estrutura familiar brasileira tem sofrido modificação com a evolução social, abandonando cada vez mais a figura clássica e estática do casamento entre homem e mulher, e se adequando a novos arranjos. 
O modelo de família matrimonializada e hierarquizada tem cedido espaço à instituição familiar formada pelo vínculo afetivo, não importando a sua estrutura, desde a criação da Constituição Federal de 1988.
Os avanços trazidos pela Constituição Federal, irradiando os seus efeitosna legislação infraconstitucional, não permitem ao legislador acompanhar as rápidas mudanças sociais, sobretudo com a despatrimonialização do Direito Civil.
É válido ressaltar que a Carta Magna traz hipóteses meramente exemplificativas de modelos familiares, além da clássica formação pelo casamento, como a união estável (art. 226, §3°) e a família monoparental (art. 226, §4°).
A falta de regulamentação que corrobore todas as possibilidades de arranjos familiares não impede que o Direito cumpra seu papel de defensor, indiferente de qual seja a formação familiar, mesmo sendo esta distinta do modelo tradicional.
Pelo contrário, conforme observa o Ministro Luiz Fux:
É o direito que deve se curvar às vontades e necessidades das pessoas, não o contrário, assim como um alfaiate, ao deparar-se com uma vestimenta em tamanho inadequado, faz ajustes na roupa, e não no cliente (Recurso Extraordinário n. 898.060/SC). 
Assim, o afeto passa a ter valor jurídico, fato há muito já defendido pela doutrina, e instaura-se a necessidade de pensar a família sob o viés de plenitude da felicidade. Nas palavras do Ministro Luiz Edson Fachin (2009, p. 22):
Sob as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação, proclama-se, com mais assento, a concepção eudemonista da família: não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade.
Sob esta perspectiva, convenciona-se a necessidade de reconhecer a equivalência e coexistência entre o vínculo biológico e o afetivo.
A expressão “paternidade responsável” poderia ser substituída por parentalidade responsável, tradução correta de parental responsibility, termo inglês que serviu de inspiração ao constituinte brasileiro (GAMA, 2014, p.29-32), pois não se limita às obrigações do homem, compreende também a maternidade responsável.
O direito constitucional deu fundamentação a paternidade responsável, com previsão expressa no art. 227 da Constituição Federal. Posteriormente, foi lembrada infraconstitucionalmente no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 3º e 4º) e no Código Civil, no inciso IV do art. 1.566.
Os genitores têm o dever de assistir moral, afetiva, intelectual e materialmente sua prole. Executar a paternidade responsável, reformulação da responsabilidade civil, consiste na obrigação dos pais de assistir, criar e educar os filhos, provendo suas necessidades materiais básicas, bem como as biopsíquicas.
Sobre o tema, interessante a observação de Maurício Kenji Yonemoto (2009, p. 263):
(...) a fim de observar o princípio constitucional da paternidade responsável, há de se considerar que não se deve limitá-la à idéia da procriação ou, simplesmente, à escolha do momento de ter filhos, mas no dever de consciência do futuro pai/homem, mulher ou mesmo o casal, da responsabilidade decorrente desta paternidade, ou seja, nos deveres que pesam sobre o pai em relação a seu filho, quanto à observação dos direitos deste, com o seu cumprimento da melhor forma possível.
No mesmo sentido, observa Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2014, p. 29-32):
(...) a parentalidade responsável representa a assunção de deveres parentais em decorrência dos resultados do exercício dos direitos reprodutivos- mediante conjunção carnal, ou com recurso a alguma técnica reprodutiva. Em outras palavras: há responsabilidade individual e social das pessoas do homem e da mulher que, no exercício das liberdades inerentes à sexualidade e à procriação, vêm a gerar uma nova vida humana cuja pessoa- a criança- deve ter priorizado o seu bem-estar físico, psíquico e espiritual, com todos os direitos fundamentais reconhecidos em seu favor.
Se for permitido que o pai biológico fique desobrigado de ser reconhecido como tal pelo simples fato do filho já ter um pai socioafetivo, pode-se entender como invectiva ao princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, da CF/88). 
Sobre o principio da afetividade e da igualdade é correto afirmar:
O princípio da afetividade está relacionado com a convivência familiar e com o princípio da igualdade entre os filhos, constitucionalmente assegurado. A filiação evolui do determinismo biológico para o afetivo, ao passo que, as inúmeras relações existentes, visam uniformemente o bem-estar pessoal. Embora implícito na Constituição, apresenta-se como dever jurídico, presumido nas relações entre pais e filhos. O afeto, em si, é um sentimento voluntário, desprovido de interesses pessoais e materiais, inerente ao convívio parental, constituindo o vínculo familiar (TATURCE; SIMÃO, 2013, p, 127).
Shikicima (2014, p. 73) afirma que:
 a multiparentalidade é um avanço do Direito de Família, tendo em vista que efetiva o princípio da dignidade da pessoa humana de todas as pessoas envolvidas, demonstrando que a afetividade é a principal razão do desenvolvimento psicológico, físico e emocional.
É destinado aos pais os encargos decorrentes do poder familiar e o filho deve poder desfrutar de direitos com relação a todos, não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória.
A preocupação com o tema surge pelo receio de se banalizar o reconhecimento da multiparentalidade e, assim, coibir ações de reconhecimento de paternidade com interesses meramente mercenário.
A coexistência de vínculos biológicos e afetivos prevalece sobre bens patrimoniais, tendo-se cuidado com a proteção do direito de personalidade da filiação, permitindo que o filho goze de ampla proteção jurídica.
Por se tratar do reconhecimento de um novo direito, é possível que ocorram eventuais abusos e surjam pessoas mal-intencionadas. Seria essa a indesejável, mas inevitável consequência do reconhecimento da multiparentalidade. 
Os benefícios trazidos pela pluriparentalidade são muito maiores quando comparados aos efeitos deletérios, motivo pelo qual deve prevalecer o seu reconhecimento e proteção jurídica.
3 EFEITOS JURÍDICOS
3.1 Decisões que reconhecem a multiparentalidade
A 3ª Vara da Infância e Juventude de Fortaleza acatou, em decisão inédita no Estado, o pedido incidental da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará (DPGE) em processo de adoção e reconheceu o direito de uma criança ser registrada em nome de um pai e duas mães. O casal adotante passou a cuidar da criança após o falecimento da mãe biológica, tendo há quatro anos criado a mesma como filha e manifestaram desejo de regularizar a situação. Conforme requerimento da DPGE, os nomes dos pais adotivos passaram a constar da certidão de nascimento sem a exclusão do nome da mãe biológica, conforme solicitado pela adotanda. Para a promotora de Justiça Priscila Matzenbacher Tibes Machado, membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), a decisão vai ratificar a posição jurídica quanto ao reconhecimento da multiparentalidade (IBDFAM, 2019).
A decisão da Justiça Cearense é ‘maravilhosa’, primeiro em razão da sensibilidade da Magistrada ao olhar os fatos reais daquela causa judicial e, principalmente, por atender ao fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, no caso, daquela menina que, inobstante já ter desenvolvido laços afetivo-filiais com o casal que a adotara, manteve sua identidade com a mãe falecida sendo, por consequência, fundamental para sua personalidade ainda em formação a manutenção desta filiação materna em seu registro e, realmente, não se pode pensar ocorrer o contrário, a menos que sua genitora, quando em vida, tenha sido ausente da vida da filha. Esta decisão também vem ratificar a posição jurídica quanto ao reconhecimento da multiparentalidade, sendo ela mais uma de várias decisões provenientes de praticamente todos os Estados da Federação Brasileira que reconhecem a multiparentalidade como um fato social que deve ser, após devidamente identificado por meio de critérios psicossociais, declarado espécie de filiação, derivada da filiação socioafetiva (MACHADO, IBDFAM, 2019, online).
Segundo a promotora, a multiparentalidade ainda não é consenso no Judiciário brasileiro. O SuperiorTribunal de Justiça (STJ) vem reconhecendo a importância e conferindo grande peso jurídico à filiação socioafetiva, pois em um passado não muito distante, alguns casos que foram negados em primeiro grau foram concedidos em nível recursal, mostrando que a afetividade como espécie de filiação é a base jurídico-argumentativa da multiparentalidade (MACHADO, IBDFAM, 2019, online).
Apenas gostaria de esboçar uma preocupação, até para que, quiçá, possa toda a classe jurídica refletir a respeito: é quanto ao reconhecimento da filiação socioafetiva apenas na perspectiva dos pais, ou seja, de se buscar provas da filiação socioafetiva apenas na perspectiva do pai ou da mãe olvidando-se, às vezes, do sentir do filho. Explico: é consenso que uma pessoa que registra como seu filho alguém sabedor de que não é o pai, por exemplo, não pode, após anos de convivência, querer negar tal paternidade, já que não há ocorrência de erro, dolo, coação ou fraude ou mesmo qualquer outro vício de consentimento no estabelecimento desta relação filial. Contudo, havendo alguma das hipóteses de erro ou vício de vontade, de acordo com a Lei e da Jurisprudência, ela pode ser desfeita. Ocorre que, no nosso sentir, e principalmente em respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do próprio fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana, do qual os direitos de personalidade são corolários, mesmo em tais casos é necessário investigar a perspectiva do filho nessa relação, pois é muito possível que o filho tenha desenvolvido relação socioafetiva com o genitor que nega a paternidade fundado em permissivos legais. Em tais casos, geralmente, além de se valorar o erro ou vício de consentimento, como autorizador para a extinção do vínculo de paternidade, geralmente se sustenta que o genitor não quer a paternidade, que se afastou completamente do filho ao saber que não era pai ou até mesmo passou a repudiá-lo. No entanto, entendo que os interesses do filho, no caso sendo criança ou adolescente, devem se sobrepor e ser analisada sua identificação com o pai, isto é, a filiação deve ser analisada sempre na perspectiva do filho e de seu melhor interesse, mesmo nos casos sujeitos à nulidade/anulação (MACHADO, IBDFAM, 2019, online).
E ressalta, também, que é necessário garantir a vida em sociedade de maneira que todos, indistinta e independentemente de suas diferenças, possam conviver e ter acesso aos bens da vida.
Reconhecer o direito a diversos vínculos familiares é garantir os direitos fundamentais a todos os homens, entre os quais se amoldam à hipótese: à liberdade, à igualdade, à não discriminação, e o mais importante: o respeito ao fundamento da dignidade da pessoa humana, base valorativa dos Direitos Humanos, que garante o reconhecimento do ser humano como digno de ser diferente e que suas diferenças não sejam impedimentos para viver de maneira plena e respeitosa em sociedade (MACHADO, IBDFAM, 2019, online).
Um dos novos temas do direito de família, que vem sendo objeto de debate em diversos países, é o acolhimento expresso da possibilidade jurídica de pluriparentalidade, considerado um dos maiores avanços após aprovação da tese pelo STF.
Durante a sessão plenária que cuidou do tema, houve intenso debate quando o ministro Marco Aurélio apresentou divergência sobre a possibilidade de concomitância de dois pais, contudo, ao final foi aprovada por ampla maioria. Com isso, inequívoco que a tese aprovada acolhe a possibilidade jurídica da multiparentalidade.
O voto do ministro Luiz Fux é firme no sentido do reconhecimento da pluriparentalidade, com um amplo estudo a partir do direito comparado. Em um dado momento, afirma: “Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos.(...) Por isso, é de rigor o reconhecimento da dupla parentalidade (RE 898060/SC, p. 17-19.)”.
Algumas decisões judiciais já apontavam para a manutenção de dois pais ou duas mães e o tema vinha figurando com intensidade na doutrina. Há inclusive um enunciado do IBDFAM aprovado sobre o assunto: enunciado nº 09 – “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos”, do X Congresso Brasileiro de Direito de Família.
Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal está na vanguarda do direito de família ao deferir o acolhimento da possibilidade dessa multiplicidade de vínculos familiares, exclusivamente pela via de uma decisão da nossa Corte Constitucional.
ALIMENTOS. DESERÇÃO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. ADEQUAÇÃO DO QUANTUM.1. Cuidando-se de ação de alimentos, onde se discute a capacidade econômica do alimentante, o qual alegou insuficiência de recursos e pediu a gratuidade, a ausência de preparo não induz à deserção, sendo razoável conceder a dispensa do preparo.2. Estando provado o vínculo jurídico de filiação, a alegação de inexistência do liame biológico é irrelevante e vazia, pois não paira dúvida alguma sobre o vínculo socioafetivo, decorrente da posse do estado de filho, nem que o alimentante era o provedor do núcleo familiar.3. Os alimentos se destinam ao atendimento das necessidades dos filhos, que são presumidas, dentro da capacidade econômica do alimentante. Recurso desprovido (STF, 2019, online).
A ausência de vínculo biológico não é suficiente para afastar a obrigação alimentícia, conforme demonstra ementa acima, pois há o entendimento que os alimentos são destinados ao atendimento das necessidades básicas dos filhos. 
3.2 Direito Alimentício 
Na linha do tempo do instituto do direito tem sido relevante a obrigação de alimentar. Entende-se que a obrigação alimentar preconiza o direito de ser alimentado e o dever de quem deve alimentar (REZENDE, 2017). 
Para que se efetive a sensação de justiça, sabe-se que há de haver uma relação de harmonia entre os indivíduos, enaltecendo vínculos sociais de obediência a regras através de costumes ou da lei, onde espera-se que se cumpra da melhor forma possível. 
O ser humano, por natureza, é carente desde a sua concepção; como tal, segue o seu fadário até o momento que lhe foi reservado como derradeiro; nessa dilação temporal, mais ou menos prolongada, a sua dependência dos alimentos é uma constante, posta como condição de vida (CAHALI, 2012, p. 15)
Os alimentos devidos e necessitados devem ser prestados espontaneamente, ou por obrigação, para que se considere uma sociedade justa e de convívio harmonioso. O direito ao alimento foi se aperfeiçoando desde os mais remotos períodos históricos até a atualidade. (REZENDE, 2017).
Para Silvio Rodrigues (2018, p. 11) em se tratando de criança, o termo alimentos tem conotação muito mais ampla, trata-se não só do sustento. É a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida, incluindo-se vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença e o que for preciso para sua instrução.
Ao defender que alimentos não se prestam apenas ao sustento da pessoa, como também às outras necessidades, o Direito informa que os tais podem ser apresentados como prestações mensais que atendam às necessidades essenciais para uma vida digna e entendidos como dividas de uma pessoa para outra (DINIZ, 2014).
Para que o indivíduo alcance o ideal de dignidade humana é importante que tenha condições mínimas para se manter, ou seja, alimentos que sustentem a necessidade primária para o melhor desenvolvimento e manutenção da vida, isto é, a nutrição, a formação, a habitação.
3.3 Reflexos da multiparentalidade na obrigação de prestar alimentos
Em relação aos alimentos na multiparentalidade, é interessante trazer a baila o art. 229 da Constituição: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”. Similar, o art. 1.696 do Código Civil assegura que a prestação de alimentos é recíproca entre pais e filhos, de modo que todos os pais poderão prestar alimentos aos filhos, bem como, estes poderão prestar alimentosa todos os pais, caso venham a necessitar. 
Nessa senda, para Oliveira (2017, p. 01):
[...] por óbvio, com fundamento nessas duas normas, na multiparentalidade não deve ser diferente, considerando sempre o binômio possibilidade e necessidade em respeito ao parágrafo 1º do artigo 1.694 do Código Civil, pois se através da multiparentalidade os filhos conquistam o direito de terem inserido em seus registros os nomes dos dois pais ou das duas mães, logo, por não haver distinção entre filhos, conforme previsto expressamente no artigo 227, § 6º da CF, não há outra forma de aplicação do direito dos alimentos a não ser a legal, vigente em nosso país.
Em termos que o artigo 1.696 do Código Civil garante a seguridade de que a prestação de alimentos é recíproca entre pai e filho, tanto todos os pais poderão prestar alimentos ao filho, como este poderá prestar alimentos a todos os pais. Interessante frisar que essas prerrogativas levarão em consideração o binômio possibilidade e necessidade, respeitando ao parágrafo 1º do artigo 1.694 do Código Civil.
Para Schimitt e Augusto (2013, p.213), na tripla filiação multiparental:
[...] o menor necessitado poderá requerer alimentos de qualquer um dos pais, atendendo o princípio do melhor interesse da criança, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente. Resta claro que a possibilidade de uma tripla filiação teria muito mais condições de contribuir para o adequado desenvolvimento do menor. Nos casos onde os magistrados decidissem por reconhecer a tripla filiação, sempre haverá a prévia relação familiar de fato, restando apenas reconhecer uma regulamentação de direito.
Tratando de um instituto novo no ordenamento jurídico nacional, o instituto da multiparentalidade precisa ainda de maior aprofundamento nos estudos e práticas adequando-se as demandas do dia a dia. 
CONCLUSÃO
Foi possível observar que a filiação socioafetiva e a multiparentalidade são dois temas muito importantes, que desde 2011 começaram serem julgados de forma justa pelos tribunais e a partir de então passando a ser reconhecido, também amparada pelo artigo 1.593 do Código Civil. 
Os direitos sucessórios, no caso da multiparentalidade, são reconhecidos entre pais e filhos (e seus parentes), observada a ordem de preferência e vocação hereditária disposta no artigo 1.829 a 1.847, do Código Civil. 
Não é possível que os pais biológicos sejam retirados do registro, a proposta é a inclusão no registro de nascimento do pai ou mão socioafetivo permanecendo o nome de ambos ao pais. 
REFERÊNCIAS
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� Acadêmico do curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO 2019/2.
� Acadêmico do curso de Direito da Universidade Salgado de Oliveira – UNIVERSO 2019/2.
� Mestre em Linguística Aplicada (UnB). Especialista em Docência Universitária pela Universidade Salgado de Oliveira. Docente do curso de Direito. Assessora de Pesquisa e Extensão da UNIVERSO – Campus Goiânia.

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