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161 15 SEÇÃO II Artrite reumatóide e espondiloartropatias soronegativas Artrite reumatóide: a doença — diagnóstico e manifestações clínicas James R. O’Dell, MD • Os sintomas geralmente começam nas articulações interfalan- gianas proximais (IFP), metacarpofalangianas (MCF) e metatar- sofalangianas (MTF). • Os sintomas articulares devem persistir por pelo menos 6 semanas. • Os critérios diagnósticos incluem rigidez matinal prolongada (> 1h), podiartrite simétrica cumulativa, envolvendo pequenas e grandes articulações (especialmente das mãos), nódulos reuma- tóides, fator reumatóide sérico positivo e alterações radiológicas (erosões). Considerações gerais A artrite reumatóide (AR) é a segunda forma de ar- tropatia crônica mais comum e afeta aproximadamente 1% da população adulta em todo o mundo. É uma do- ença potencialmente incapacitante, que pode diminuir a expectativa de vida e, o mais importante, afeta signi- fi cativamente a qualidade de vida dos pacientes mais comprometidos. A AR é uma doença infl amatória pre- dominantemente articular, de etiologia desconhecida na qual alguns pacientes podem desenvolver manifestações sistêmicas como fadiga, febre baixa (até 38°C), anemia e elevação dos reagentes de fase aguda (velocidade de hemossedimentação e níveis de proteína C reativa). Apesar de poder ocorrer envolvimento sistêmico, o alvo primário da doença é a sinóvia. Alguns clínicos já com- pararam a AR a uma “neoplasia da sinóvia”, porque esse tecido prolifera de modo descontrolado. Há aumento da produção de líquido sinovial, erosão subcondral e lesão dos tendões e ligamentos. As boas notícias são que as estratégias terapêuticas atuais resultarão em benefício substancial para a maior parte dos pacientes, em particular quando a doença for diagnosticada e tratada precocemente (ver Cap. 16). Du- rante a última década houve uma alteração espetacular no modo com que os médicos entendem e tratam a AR. Manifestações clínicas A. SINAIS E SINTOMAS A AR pode apresentar-se em qualquer idade e em qualquer paciente, sendo porém mais comum em mu- lheres em idade fértil (3:1) (Quadro 15.1), ao passo que os homens costumam ser acometidos entre a sexta e a oitava décadas. Embora a AR tenha um importante componente genético, a maioria dos pacientes não tem qualquer história familiar signifi cativa. O início pode ser abrupto, quase que da noite para o dia, porém o mais comum é ser insidioso, com a doença instalando-se ao longo de várias semanas ou meses. A distribuição das articulações acometidas é um sinal importante para se chegar ao diagnóstico (Fig. 15.1). 162 / CAPÍTULO 15 A maior parte dos pacientes relata o acometimento ini- cial das pequenas articulações, classicamente das IFP, MCF (punhos) e MTF, com o acometimento das gran- des articulações geralmente ocorrendo mais tardiamente. Os sintomas incluem dor, aumento de volume articular, calor e rigidez prolongada. com predomínio pela ma- nhã. A realização das atividades de rotina, como escovar os dentes e pentear o cabelo, pode tornar-se muito difícil de manhã cedo, e os pacientes em geral relatam que é ne- cessário deixar correr água morna sobre as mãos, “para aquecê-las” (no sentido de preparar para o movimento). Os pacientes com doença inicial queixam-se freqüente- mente de que os anéis já não cabem nos dedos e de me- tatarsalgia ao andar para o banheiro, pela manhã. 1. Manifestações articulares — a AR pode afetar qualquer articulação sinovial (ver Fig. 15.1). Mais comumente, a do- ença começa nas articulações MCF, IFP (punhos) e MTF depois; joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e ombros, aproximadamente nessa ordem. O tratamento precoce ajuda a limitar o número de articulações envolvidas. De Quadro 15.1 Manifestações clássicas • Sexo: feminino (razão 3:1) • Idade: nas mulheres, o fi nal da idade fértil (sexta a oitava décadas nos homens) • Início: insidioso (instala-se ao longo de várias semanas a meses) • Distribuição: pequenas articulações simétricas — articulações MCF, IFP e MTF (poupa as IFD) • Sistêmicas: fadiga, possível perda de peso, febre baixa oca- sional • Sintomas: rigidez articular prolongada (pior pela manhã), dor, aumento do volume articular • Laboratório: anemia, elevação da VHS ou da PCR ou de am- bas, trombocitose, fator reumatóide positivo em 60 a 80% MCF, metacarpofalangiana; IFP, interfalangiana proximal; MTF, metatar- sofalangiana; IFD, interfalangiana distal; VHS, velocidade de hemossedi- mentação; PCR, proteína C reativa. A B Fig. 15.1 Comparação entre as distribuições articulares nos dois tipos mais comuns de artrite: artrite reumatóide (A) e osteoartrite (B). A artrite reumatóide envolve quase todas as articula- ções sinoviais do corpo. A osteoartrite tem uma distribuição muito mais limitada. O importante é que a artrite reumatóide raramente, ou nunca, acomete as articulações interfalangianas dis- tais, mas a osteoartrite costuma fazê-lo. ARTRITE REUMATÓIDE: A DOENÇA DIAGNÓSTICO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS / 163 particular importância, a AR quase sempre poupa as articu- lações interfalangianas distais (IFD) (em contrapartida, es- tas articulações costumam estar envolvidas na osteoartrite e na artrite psoriática). Menos comumente e em geral apenas nos casos mais avançados, a AR pode acometer as articula- ções temporomandibulares, e mais raramente as cricoarite- nóideas e esternoclaviculares, bem como o segmento supe- rior da coluna cervical, em particular a articulação C1-C2 mas, ao contrário das espondiloartropatias soronegativas, raramente ou nunca acomete o resto da coluna. No entan- to, os pacientes com AR correm maior risco de osteoporo- se, o que deve ser considerado e abordado precocemente. As mãos são o principal local de acometimento em quase todos os pacientes com AR. O acometimento da mão é responsável por uma fração signifi cativa das in- capacidades causadas pela AR. A doença precoce típica é mostrada na Fig. 15.2A, sendo o aumento do volume das articulações IFP facilmente observável. As articulações IFD quase sempre são poupadas, a menos que o paciente também tenha osteoartrite; ambas as doenças são comuns e podem coexistir, particularmente nos pacientes idosos. As radiografi as podem detectar evidências de lesão arti- cular bem cedo na evolução da doença, muito antes do aparecimento das deformidades articulares (Fig. 15.3). As doenças já estabelecidas há longo tempo muito fre- qüentemente causam desvio ulnar dos quirodáctilos (por subluxação das MCF) e deformidades em “pescoço de cisne” (hiperextensão das articulações IFP e hiperfl exão das interfalangianas distais, Fig. 15.2B). As deformidades “em botoneira” (ou em “casa de botão”) dos quirodáctilos resultam da hiperfl exão das IFP e hiperextensão das IFD (causadas por lesão tendiosa). Se a doença clínica permane- cer ativa, a função da mão irá lentamente deteriorando. Os punhos estão envolvidos na maior parte dos pa- cientes com AR. Cedo na evolução da doença, a proli- feração sinovial nos punhos e em suas adjacências pode comprimir o nervo mediano, causando a síndrome do túnel do carpo. A sinovite crônica pode levar ao desvio radial do punho e, em casos graves, à subluxação ulnar. A proliferação sinovial do punho pode comprometer os tendões extensores, (tenossinovite) levando à ruptura e à súbita perda da função de um dos quirodáctilos. Os pés, em particularmente as articulações MTF, são precocemente acometidos em quase todos os casos de AR e, no que diz respeito a incapacidade funcional, seu aco- metimento é ultrapassado apenas pelo das mãos. Erosões radiográfi cas ocorrem nos pés pelo menos tão precoce- mente quanto nas mãos (especialmente na quinta MTF). A subluxação das articulações MTF dos artelhos pode ocorrer e leva ao duplo problema de ulcerações cutâneas das pontas dos pododáctilos e de deambulação dolorosa, pela perda dos coxins gordurosos amortecedores que pro- tegem os metatarsos. Os sintomas de subluxação das MTF podem responderàs órteses ou necessitar de cirurgia. O acometimento das grandes articulações (joelhos, tornozelos, cotovelos, quadris e ombros) é comum mas geralmente ocorre algo mais tarde que o das pequenas ar- ticulações. É característico o acometimento simétrico de toda a superfície da articulação. Portanto, a AR não é ape- nas simétrica em relação a ambos os lados do corpo, mas também em relação a cada articulação acometida. No caso do joelho, por exemplo (Fig. 15.4A), os compartimentos medial e lateral estão ambos gravemente comprometidos na AR, ao passo que a osteoartrite acomete habitualmente apenas um compartimento (Fig. 15.4B). A artropastia to- tal da articulação dos quadris e dos joelhos pode melhorar muito a função e a qualidade de vida e deve ser considerada nos pacientes com lesão mecânica grave. Fig. 15.2 A. Paciente com artrite reumatóide inicial. Não há deformidades articulares, mas observa-se facilmente espessamento sinovial em torno da terceira e da quinta articulações interfalangianas proximais (IFP). B. Paciente com artrite reumatóide avançada e deformidades articu- lares graves, incluindo subluxação das articulações me- tacarpofalangianas e deformidades em pescoço de cisne (hiperextensão nas articulações IFP). A B 164 / CAPÍTULO 15 Os cistos sinoviais apresentam-se como massas fl u- tuantes adjacentes às articulações acometidas (grandes ou pequenas). Os cistos sinoviais do joelho são talvez o melhor exemplo desse fenômeno. O joelho infl amado produz um excesso de líquido sinovial que pode acumular-se posterior- mente, por um efeito de valva unidirecional estabelecido entre a articulação do joelho e o espaço poplíteo (cisto de Baker ou poplíteo). Os cistos de Baker causam problemas ao comprimir o nervo, a artéria ou as veias poplíteas; ao dissecar para o interior dos tecidos da panturrilha (em geral posteriormente); e ao romper para o interior da panturri- lha. A dissecção habitualmente causa dor, cuja intensidade é variável. A ruptura do cisto de Baker, entretanto, resulta no extravasamento do conteúdo infl amatório para o inte- rior da panturrilha, ocasionando dor intensa e aumento do volume signifi cativos que podem ser confundidos com uma trombofl ebite (a chamada síndrome da pseudotrom- bofl ebite) ou até mesmo com trombose venosa profunda. A ultra-sonografi a da fossa poplítea e da panturrilha é útil para confi rmar o diagnóstico e excluir a trombose venosa profunda ou trombofl ebite que, aliás, pode ser precipitada pelos cistos poplíteos. O tratamento a curto prazo dos cistos poplíteos em geral abrange a infi ltração com glicocorticói- des no joelho para interromper o processo infl amatório. Embora a maior parte da coluna vertebral seja poupa- da na AR, a coluna cervical (especialmente a articulação C1-C2) não é. Como a AR que ocorre alhures, podem surgir nessa área erosões ósseas e lesões dos ligamentos que podem levar à subluxação. Mais freqüentemente, a subluxação é de intensidade leve, e os pacientes e seus cui- dadores necessitam apenas de cautela para evitar forçar a coluna cervical em posições de fl exão. Ocasionalmente, a subluxação de C1-C2 é grave e requer intervenção cirúr- gica complexa, na tentativa de prevenir o comprometi- mento da medula cervical e, em alguns casos, a morte. Onde quer que exista sinóvia, a AR pode causar pro- blemas; as articulações temporomandibulares, cricoarite- nóideas e esternoclaviculares são exemplos. A articulação cricoaritenóidea é a responsável pela abdução e pela adução das cordas vocais. O acometimento dessa articulação pode levar a uma sensação de “bolo na garganta”, rouquidão ou, raramente, uma síndrome de sofrimento respiratório agudo com ou sem estridor, em que as cordas vocais estão como que congeladas em uma posição fechada, situação em que uma traqueotomia de emergência pode salvar a vida. 2. Manifestações extra-articulares — a AR é uma doença predominantemente articular, podendo ser sistêmica em al- guns pacientes. Aspectos como fadiga, perda de peso e febre baixa (≤ 38°C) podem ocorrer raramente e, como todos os outros aspectos extra-articulares, tendem a ser mais comuns nos pacientes com fator reumatóide positivo. Os nódulos reumatóides são observados em aproxi- madamente 25% dos pacientes com AR, quase que exclu- sivamente nos soropositivos para o fator reumatóide. De fato, os pacientes com nódulos mas sem fator reumatóide positivo devem ser cuidadosamente avaliados quanto à pos- sibilidade de um diagnóstico alternativo, como gota tofácea crônica. Os nódulos reumatóides em geral são subcutâ- neos e ocorrem tipicamente sobre as superfícies extensoras e outros pontos de pressão — em particular nos antebra- ços (Fig. 15.5) e sobre as articulações. Raramente podem surgir nas vísceras (pulmões e coração, por exemplo) ou na Fig. 15.3 Destruição progressiva da articulação metacarpofalangiana pela artrite reumatóide. As fi guras mostram radio- grafi as seqüenciais de uma mesma segunda articulação metacarpofalangiana. A. A articulação é normal 1 ano antes do aparecimento da artrite reumatóide. B. Seis meses após o início da artrite reumatóide, há uma erosão óssea adjacente à articulação (subcondral) e redução do espaço articular. C. Após 3 anos de doença, a destruição simétrica da cartilagem articular já levou a uma notável redução do espaço articular. A B C ARTRITE REUMATÓIDE: A DOENÇA DIAGNÓSTICO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS / 165 Fig. 15.5 Um nódulo reumatóide em localização típica na superfície extensora do antebraço é evi- dente nesse paciente com artrite reumatóide soro- positiva e erosiva. Fig. 15.4 Os aspectos radiográfi cos da artrite reumatóide e da osteoartrite são comparados no que diz respeito ao aco- metimento de uma grande articulação. A. Perda simétrica do espaço cartilaginoso típica de uma artrite infl amatória como a artrite reumatóide. Notar que ambos os compartimentos, medial e lateral, estão gravemente reduzidos. Apesar dessa grave redução, há pouca tendência à esclerose subcondral ou à formação de osteófi tos, já que esses mecanismos de reparo estão em grande parte inoperantes na artrite reumatóide ativa. B. Perda completa da cartilagem no compar- timento articular medial, com esclerose subcondral signifi cativa e formação de osteófi tos. O compartimento lateral não está envolvido nesse paciente. Tais aspectos são típicos de osteoartrite. A B 166 / CAPÍTULO 15 esclerótica. Os nódulos reumatóides são fi rmes e indolores (a menos que traumatizados) e têm um quadro histológico característico. Supõe-se que sejam desencadeados por vas- culites de pequenos vasos. O tratamento com metotrexato pode desencadear a exacerbação de uma síndrome nodular, apesar do bom controle das manifestações articulares da doença. As lesões isquêmicas digitais e a vasculite leucocito- clástica são outros achados da AR associados à vascu- lite de pequenos vasos e constituem indicação de tra- tamento mais agressivo com fármacos anti-reumáticos modifi cadores da evolução da doença. Pode-se observar vasculite de pequenas e médias artérias (vasculite reuma- tóide), indistinguível da poliarterite nodosa e que requer tratamento sistêmico agressivo. Finalmente, o pioderma gangrenoso pode ocorrer em pacientes com AR. Os pacientes com AR têm morbidade e mortalidade sig- nifi cativamente maior por coronariopatia. As razões para isso não foram completamente elucidadas, mas a infl ama- ção crônica com elevação da proteína C reativa, alguns dos medicamentos usados, em especial a corticoterapia e o estilo de vida sedentário, podem ser importantes fatores de risco. São incomuns as manifestações clínicas de acome- timento cardíaco diretamente relacionado com a AR. Raramente, os nódulos reumatóides podem surgir no sistema de condução, causando bloqueio cardíaco. Der- rames pericárdicos podem ocorrer (detectados por eco- cardiografi a em até 50% dos pacientes), mas em geral assintomáticos. Incomumente, a doença pericárdica de longa duraçãopode resultar em pericardite fi brinosa e pericardite constritiva. As manifestações pulmonares da AR incluem derra- mes pleurais, nódulos reumatóides e doença parenqui- matosa pulmonar. Os derrames pleurais ocorrem mais comumente em homens e costumam ser pequenos e as- sintomáticos. De interesse, o líquido pleural na AR carac- teriza-se por glicose e pH baixos e pode, portanto, eventu- almente ser confundido com um empiema. Os nódulos reumatóides podem ocorrer no pulmão, especialmente em homens, e em geral são sólidos, mas podem sofrer calcifi cação, cavitação e infecção. Pode ser difícil estabe- lecer a diferença radiológica entre nódulos reumatóides e câncer de pulmão, em particular quando os nódulos são solitários; pode ser necessária uma biopsia excisional. A fi brose intersticial difusa causa dispnéia e pode adquirir um aspecto em “favo de mel” nas radiografi as. A bronquiolite obliterante, com ou sem pneumonia em orga- nização, pode ocorrer raramente e tem mau prognóstico. A ceratoconjuntivite seca (xeroftalmia), decorrente de uma síndrome de Sjögren secundária, é a manifestação oftalmológica mais comum da AR. Os pacientes freqüen- temente também têm xerostomia (boca seca), aumento das glândulas parótidas e ocasionalmente linfadenopatia. A esclerite também ocorre na AR e em geral é doloro- sa. O acometimento grave pode levar ao adelgaçamento da esclera (observado como descolorações azuladas, à me- dida que o pigmento profundo transparece) e até mesmo à perfuração da órbita (escleromalacia perfurante). As manifestações neurológicas incluem as síndro- mes de encarceramento dos nervos periféricos, como a síndrome do túnel do carpo (encarceramento do nervo mediano no punho) e a síndrome do túnel do tarso (en- carceramento do nervo tibial anterior no tornozelo). A vasculite pode levar à mononeurite múltipla e a uma legião de problemas neurológicos. As subluxações de C1-C2 podem provocar mielopatia. Já foram descritos nódulos reumatóides no sistema nervoso central, mas são raros e geralmente assintomáticos. A síndrome de Felty é a tríade formada por: AR, es- plenomegalia e neutropenia. É observada em pacientes com doença soropositiva sistêmica e pode acompanhar- se por hepatomegalia, trombocitopenia, linfadenopatia e febre. A maioria dos pacientes com síndrome de Felty não requer tratamento específi co; em vez disso, o trata- mento deve ser direcionado para a AR. A esplenectomia raramente é indicada. Em poucos pacientes com AR a contagem de leucócitos caracteriza-se por uma dominância de grandes linfócitos granulosos e neutropenia grave. Tal condição, conhecida como “síndrome hemofagocítica”, pode ser considerada como uma forma de leucemia de células T. Tem um bom prognóstico quando observada no contexto de uma AR, respondendo bem ao tratamento com metotrexato. B. ACHADOS LABORATORIAIS E DE IMAGEM Alguns pacientes com AR podem apresentar anemia de doença crônica cuja intensidade é proporcional à atividade da doença. O tratamento que controla a doença resulta na normalização da anemia. Muito raramente pode estar in- dicada a administração de eritropoetina. A trombocitose é comum e as contagens de plaquetas retornam ao normal à medida que a infl amação é controlada. Os reagentes de fase aguda, a velocidade de hemossedimentação e os níveis de proteína C reativa também exibem correlação com a ati- vidade da doença e sua elevação persistente pode anunciar um prognóstico ruim, em termos de destruição articular. A leucometria pode estar elevada, normal ou, no caso da síndrome de Felty, profundamente diminuída. Historicamente, a anormalidade laboratorial mais ca- racterística da AR era a presença de fator reumatóide, um auto-anticorpo dirigido contra a região constante (Fc) da IgG. O fator reumatóide é positivo à apresentação em cerca de 50% dos casos; outros 20 a 35% tornam-se positivos nos primeiros 6 meses após o diagnóstico. A denominação fator reumatóide é imprópria, uma vez que o fator não é exclusivo da AR e ocorre em muitas outras doenças, particularmente nas que se caracterizam por es- timulação crônica do sistema imune (Quadro 15.2). Na AR, a presença de fator reumatóide associa-se à doen- ça articular mais grave e geralmente todos os pacientes ARTRITE REUMATÓIDE: A DOENÇA DIAGNÓSTICO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS / 167 com achados extra-articulares são soropositivos para o fator reumatóide. Reconheceu-se recentemente que os auto-anticorpos mais específi cos para a AR são os que se dirigem contra as proteínas citrulinadas, os chamados anticorpos contra os peptídios citrulinados cíclicos (anti-CCP). Os anticorpos anti-CCP estão presentes em 60 a 70% dos pacientes com AR no momento do diagnóstico. Têm 90 a 98% de especifi cidade para a AR, já estão freqüentemente presentes no soro anos antes do diagnóstico de AR (de modo similar ao fator reumatóide) e correlacionam-se fortemente com doença erosiva. A AR associa-se a múltiplos outros auto-anticorpos, incluindo os anticorpos antinucleares (observados em cerca de 30% dos pacientes) e os anticorpos antineutrofílicos citoplasmáticos (ANCA), em particular do tipo perinu- clear (observados em cerca de 30% dos pacientes). O líquido sinovial na AR é infl amatório; as contagens leu- cocitárias variam tipicamente de 5.000 a 50.000 células/μl, das quais aproximadamente 66% são neutrófi los. Nenhum achado no líquido sinovial é patognomônico de AR. Estabelecimento do diagnóstico Infelizmente, não há ao exame físico ou nos testes de laboratório um achado particular que seja diagnóstico de AR. Em vez disso, o diagnóstico de AR é clínico e requer a reu- nião de aspectos da anamnese, do exame físico e dos métodos complementares, bem como de um médico experiente. O Colégio Americano de Reumatologia fornece critérios de classifi cação que, embora não concebidos especialmente para esse fi m, são amplamente usados no auxílio ao diag- nóstico de AR (Quadro 15.3). Os primeiros cinco critérios são clínicos; apenas os dois últimos critérios requerem testes de laboratório ou radiografi as. Notar que é necessário que os primeiros quatro critérios estejam presentes por pelo me- nos 6 semanas antes que se possa fazer um diagnóstico de AR. Essa necessidade de esperar impõe-se porque um certo número de condições, mais notavelmente as síndromes vi- rais, podem causar poliartrites autolimitadas indistinguíveis da AR, incluindo às vezes a presença de fator reumatóide positivo (Quadro 15.4). Essas síndromes costumam durar 2 a 3 semanas e infelizmente fazem com que os médicos sejam excessivamente cautelosos, retardando o diagnóstico de AR por meses ou mais. O reconhecimento recente de que os anticorpos anti-CCP são altamente específi cos para AR deve ajudar a acelerar o diagnóstico. Quando se verifi ca que um paciente com poliartrite simétrica — mesmo que de apenas algumas semanas de duração — é positivo para anticorpos anti-CCP, deve ser encaminhado imediatamen- te para um reumatologista, com o diagnóstico presuntivo de AR. O objetivo para a maioria dos pacientes com AR deve ser fi rmar o diagnóstico e iniciar o tratamento com fármacos modifi cadores da evolução da doença nos primei- ros 3 meses da doença. Embora a maioria dos pacientes com AR apresente dor, rigidez e aumento do volume articular, que têm iní- cio em múltiplas articulações ao longo de semanas ou meses, alguns podem ter uma apresentação abrupta e outros ainda um início tão insidioso que o paciente di- fi cilmente nota. Alternativamente, os pacientes podem apresentar monoartrites ou oligoartrites que persistem por longos períodos, antes de manifestar o padrão mais típico de acometimento poliarticular. Raramente, os pa- cientes podem procurar auxílio médico em decorrência dos aspectos extra-articulares da AR, antes que tenham ocorrido problemas articulares. A distribuição das articulações acometidas é um sinal importante para o diagnóstico (ver Fig. 15.1). As articula- ções acometidas em pacientescom AR à apresentação va- riam também; a apresentação típica já foi descrita. Embora a história de dores articulares (artralgias) seja importante, Quadro 15.2 Diagnóstico diferencial de fator reumatóide positivo • Doenças reumáticas • AR, síndrome de Sjögren, LES, outras • Infecções • Virais: hepatite C, EBV, parvovírus, infl uenza, outras • Bacterianas: endocardite, osteomielite, outras • Condições infl amatórias crônicas • Doença hepática, doença intestinal infl amatória, outras • Envelhecimento AR, artrite reumatóide; LES, lúpus eritematoso sistêmico; EBV, vírus de Epstein-Barr. Quadro 15.3 Critérios do Colégio Americano de Reumatologia para a artrite reumatóide • Rigidez matinal prolongada (> 1h)a • Artrite em três ou mais articulaçõesa • Artrites nas mãosa • Artrite simétricaa • Nódulos reumatóides • Fator reumatóide sérico positivo • Alterações radiográfi cas (erosões) a Esses critérios devem estar presentes por mais de 6 semanas. Quadro 15.4 Diagnóstico diferencial • Síndromes virais, especialmente hepatites B e C, vírus Epstein-Barr, parvovírus, rubéola • Artrite psoriática, artrite reativa • Gota tofácea • Lúpus eritematoso sistêmico • Doenças por depósito de pirofosfato de cálcio • Polimialgia reumática • Síndromes paraneoplásicas • Osteoartrite, especialmente osteoartrite erosiva da mão • Sarcoidose, doença de Lyme, febre reumática etc. 168 / CAPÍTULO 15 o diagnóstico de AR requer a presença de artrite (aumento de volume, calor ou ambos) ao exame das articulações. A rigidez matinal prolongada (> 1h) é a chancela da artrite infl amatória e um proeminente achado da AR. Caracteristicamente, os pacientes com AR estão em seu pior momento ao levantar-se pela manhã ou após um período prolongado de repouso. Essa rigidez articular ou periarticular freqüentemente dura horas e quantifi cá-la é um modo de medir a melhora. A rigidez é aliviada pela atividade e pelo calor, e melhorá-la ou eliminá-la é um objetivo claro do tratamento. Diagnóstico diferencial O diagnóstico precoce e acurado de AR, embora às vezes represente um desafi o, é crítico para que os pacientes usufruam ao máximo o benefício da inter- venção terapêutica. Uma vez que a doença já tenha es- tado presente e ativa por certo número de anos e que as deformidades características ao exame físico (ver Fig. 15.2B) e nas radiografi as (ver Figs. 15.3 e 15.4A) já tenham ocorrido, na maioria dos casos o diagnóstico torna-se por demais óbvio. Infelizmente, uma vez te- nham-se instalado as deformidades, seu componente mecânico não responderá mais ao tratamento clínico. Muitas doenças podem simular a AR no início da sua evolução (ver Quadro 15.4). As síndromes virais agudas, especialmente as hepatites B e C, parvovírus, rubéola (infecção ou vacinação) e o vírus Epstein-Barr podem produzir uma poliartrite que simula a AR inicial- mente, mas que é autolimitada, em geral resolvendo-se após 2 a 4 semanas. O lúpus eritematoso sistêmico, a artrite psoriática e a artrite reativa podem apresen- tar desafi os para o diagnóstico diferencial. Em relação a essas três doenças que também podem cursar com poliartrite, é importante a obtenção de uma história e exame físico dirigidos de forma a elucidar os achados clínicos (como exantemas, úlceras orais, alterações das unhas, dactilites e uretrites), bem como os problemas renais, pulmonares, gastrintestinais ou oftalmológicos a elas associados. Deve-se ter em mente a possibilidade de hipotireoidismo, que causa toda uma coleção de mani- festações reumáticas e também ocorre comumente em conjunto com a AR. No paciente idoso com AR de iní- cio abrupto, devem ser consideradas a sinovite simétri- ca soronegativa remitente com edema depressível ou as síndromes paraneoplásicas. A gota tofácea crônica pode mimetizar a AR nodular grave. Finalmente, a osteoar- trite com deformidades graves das mãos decorrentes da proliferação óssea das articulações IFD e IFP (nódulos de Heberden e Bouchard) podem confundir alguns clí- nicos inexperientes; as chaves aqui são o envolvimento das articulações IFD (interfalangianas distais) e a presen- ça apenas de anormalidades ósseas degenerativas, e não de senovite associada. Comorbidades Cada vez mais a doença cardiovascular está sendo re- conhecida como a principal causa do excesso de mor- talidade na AR. É provável que a infl amação crônica persistente, fortemente associada ao desenvolvimento de doença cardiovascular, seja o fator mais signifi cativo. Espera-se que os tratamentos que controlem a AR mais cedo e melhor possam diminuir a morbidade e a morta- lidade cardiovascular. Um estudo recente indica que o metotrexato reduz 70% a mortalidade cardiovascular nos pacientes com AR. Os clínicos devem considerar a AR como um fator de risco para doença cardiovascular e abordar persistentemente os outros fatores de risco car- diovascular presentes nesses pacientes. A osteoporose é onipresente em pacientes com AR e um tratamento inicial orientado para esse problema irá re- sultar em benefícios a longo prazo. Os pacientes com AR correm maior risco de infecções, ainda mais com alguns tratamentos (agentes biológicos ou imunossupressores), devendo ser aconselhados a procurar logo assistência mé- dica, mesmo para sintomas pouco importantes que sejam sugestivos de infecção, especialmente se recebem medica- mentos contra o fator de necrose tumoral. Todos os pa- cientes com AR devem receber vacina antipneumocócica e vacinação anual contra infl uenza. Finalmente, os pa- cientes com AR têm maior risco de desenvolver linfomas. Ocasionalmente, os linfomas de células B podem associar- se à imunossupressão e regredir quando ela é interrom- pida. É interessante o fato de que os pacientes com AR correm risco signifi cativamente menor (razão de chance de 0,2) de desenvolver câncer de cólon. Esse risco menor é tido como secundário à inibição crônica da ciclooxigenase pelos antiinfl amatórios não-esteróides comumente usados neste grupo de pacientes. Complicações A AR é uma doença progressiva que dura por toda a vida e pode ter morbidade e mortalidade signifi cativas e prematuras. Estudos a longo prazo verifi caram que 50% dos pacientes com AR têm de deixar o trabalho após 10 anos (aproximadamente 10 vezes a taxa média). Pacientes que têm anticorpos anti-CCP são positivos para o fator reumatóide ou têm alelos HLA-DR expressando o epíto- po compartilhado, têm um prognóstico pior, com mais erosões e mais doença extra-articular. Uma vez tenham sido encontradas deformidades ao exame ou erosões nas radiografi as, a lesão é em grande parte irreversível. Na maioria dos pacientes, as erosões se desenvolvem nos pri- meiros 1 a 2 anos de doença e já se demonstrou clara- mente que a taxa de lesões radiográfi cas pode ser afetada pelo tratamento precoce. Portanto, é crítico o tratamen- to precoce com fármacos modifi cadores da evolução da doença (FARMD). Embora dados a longo prazo não ARTRITE REUMATÓIDE: A DOENÇA DIAGNÓSTICO E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS / 169 estejam ainda disponíveis, os dados a curto prazo suge- rem fortemente que, se os novos princípios de tratamento forem praticados, os pacientes têm hoje a oportunidade de benefi ciar-se bastante (Quadro 15.5). Prognóstico Como a duração da doença, antes do tratamento utilizando-se fármacos modifi cadores da evolução da doença, pode ser um dos mais fortes fatores preditivos do desfecho, estabelecer rapidamente o diagnóstico correto é de importância crítica. Todos os paradigmas atuais para o tratamento da AR enfatizam o uso agressivo e precoce dos fármacos modifi cadores da evolução da doença. Quadro 15.5 Pontos-chave para otimizar o resultado • Diagnóstico precoce • Iniciar a terapia FARMD tão logo possível • Concentrar esforços para obter a regressão da doença em todos os pacientes • Reconhecer e tratar as condições de comorbidade • Estabelecer um canal de cooperação e comunicação entre o clínico e o reumatologista FARMD, fármaco anti-reumáticomodifi cador da doença. Tratamento Ver Cap. 16. BIBLIOGRAFIA Gabriel SE. Th e epidemiology of rheumatoid arthritis. Rheum Dis Clin North Am. 2001;27:269. [PMID: 11396092] Goldbach-Mansky R, Lee J, McCoy A, et al. Rheumatoid arthritis as- sociated autoantibodies in patients with synovitis of recent on-set. Arthritis Res. 2000;2:236. [PMID: 11056669] Crowson CS, Nicola PJ, Kremers HM, et al. How much of the increa- sed incidence of heart failure in rheumatoid arthritis is attributa- ble to traditional cardiovascular risk factors and ischemic heart disease? Arthritis Rheum. 2005;52:3039. [PMID: 16200583] Maradit-Kremers H, Crowson CS, Nicola PJ, et al. Increased unrecogni- zed coronary heart disease and sudden deaths in rheumatoid arthritis: a population-based cohort study. Arthritis Rheum. 2005;52:402. [PMID: 15693010] Mikuls TR, Saag KG. Comorbidity in rheumatoid arthritis. Rheum Dis Clin North Am. 2001;27:283. [PMID: 11396093] van Gaalen FA, et al. Autoantibodies to cyclic citrullinated peptides predict progression to rheumatoid arthritis in patients with undiff erentiated arthritis: a prospective cohort study. Arthritis Rheum. 2004;50:709.[PMID:16237041] Website relevante [American College of Rheumatology] http://www.rheumatology.org 170 16Tratamento da artrite reumatóide James R. O’Dell, MD Os AINE são importantes para o alívio sintomático mas não parecem alterar o processo mórbido subjacente. Por- tanto, os AINE devem ser usados raramente para tratar a AR sem o uso concomitante de um FARMD. Muitos médicos ainda perdem tempo valioso mudando de um AINE para outro antes de começar a terapia com FARMD, o que não é bom, pois a terapia inicial com FARMD está associada a resultados melhores a longo prazo. A toxicidade gastrintestinal dos AINE é um problema importante para os pacientes com AR, que freqüentemen- te apresentam múltiplos fatores de risco para toxicidade gastrintestinal. O uso de inibidores da bomba de pró- tons reduz a incidência de efeitos colaterais clinicamente signifi cativos. Os inibidores seletivos da ciclooxigenase 2 foram particularmente populares nesse grupo de pacien- tes até que o aumento da morbidade e da mortalidade cardiovasculares foi associado a alguns desses agentes, especialmente quando usados em doses mais altas. Tal achado é particularmente preocupante para os pacientes com AR, que já correm um risco signifi cativamente ele- vado de problemas cardiovasculares como conseqüência de sua doença subjacente. Os glicocorticóides podem ser drástica e rapidamente efetivos em pacientes com AR. Eles não são úteis apenas para melhora sintomática, mas parecem reduzir signifi ca- tivamente a progressão radiográfi ca da AR. Infelizmente, as toxicidades a longo prazo da terapia com glicocorti- cóides são bem conhecidas. Portanto, o uso ideal desses fármacos requer uma compreensão dos princípios do uso de glicocorticóides na AR (Quadro 16.1). Os glicocorticóides estão entre os tratamentos com antiinfl amatórios mais potentes disponíveis; devido a isso e a seu rápido início de ação, eles são muito úteis para ajudar a controlar a infl amação sinovial enquanto se in- troduzem os FARMD convencionais de ação bem mais lenta. Assim, o paradigma (“terapia de ponte”) é controlar a infl amação rapidamente com glicocorticóides e poste- riormente reduzi-los gradualmente assim que os FARMD de ação mais lenta comecem a fazer efeito. A prednisona, o glicocorticóide mais comumente usado, raramente deve ser prescrito em doses > 10 mg/dia para tratar o quadro articular. Manifestações extra-articulares da AR, como vasculite e esclerite, podem requerer doses mais altas. Essa dose deve ser reduzida gradual e lentamente para a dose A artrite reumatóide (AR) é uma doença que não tem cura e requer tratamento durante toda a vida. As terapias disponíveis atualmente são efetivas, mas os es- quemas terapêuticos muitas vezes são complexos. Além disso, embora existam múltiplas opções de tratamento, os estudos clínicos são relativamente poucos, tornando a experiência clínica muito importante. Por essas razões, e devido ao rápido surgimento de novas medicações, o reumatologista deve monitorar a assistência a todos os pacientes com AR. Na maioria dos casos, os pacientes também devem consultar fi sioterapeutas e terapeutas ocupacionais para aprender exercícios de amplitude de movimento, sobre proteção articular e sobre o uso de dis- positivos de auxílio. O objetivo da terapia para AR é induzir remissão e mantê-la com a continuação da terapia. Se a AR for tratada no início usando terapias disponíveis atuais a re- missão é possível em 20 a 40% dos pacientes. Infeliz- mente, as remissões requerem o uso contínuo de medi- cações, embora nem sempre duráveis. Quatro categorias amplas de terapias clínicas são usadas para o tratamento da AR: antiinfl amatórios não-esteróides (AINE), glico- corticóides, os convencionais fármacos anti-reumáticos modifi cadores de doença (FARMD) e FARMD biológi- cos. Quase todos os pacientes requerem o uso de mais de um tipo de medicação e, com raras exceções, todos os pa- cientes devem receber terapia com FARMD (Fig. 16.1). Na verdade, o controle ideal da atividade da doença fre- qüentemente requer combinações de diferentes FARMD convencionais ou combinações de FARMD convencio- nais e biológicos (Fig. 16.1). A terapia deve progredir ra- pidamente para assegurar a máxima supressão da doença na tentativa simultânea de minimizar a toxicidade e o custo. A efetividade da terapia em geral é avaliada moni- torando-se os sinais e sintomas da sinovite (p. ex., dor e duração da rigidez matinal), assim como os reagentes da fase aguda (velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa). Dados recentes sugerem que estabelecer obje- tivos terapêuticos específi cos usando escores de atividade da doença* pode atingir objetivos melhores do que ape- nas a avaliação clínica, mas tal abordagem não é de uso disseminado na prática clínica. *N.R.T.: das 28 Disease Activity Score. TRATAMENTO DA ARTRITE REUMATÓIDE / 171 Fig. 16.1 Linhas de conduta para o tratamento da artrite reumatóide. MTX, metotrexato; FARMD, fármacos anti-reu- máticos modifi cadores da doença; AINE, antiinfl amatório não-esteróide. (Do American College of Rheumatology 2002 Guidelines for the Management of Rheumatoid Arthritis. Com autorização.) Cirurgia R eu m at ol og is ta C lín ic o ge ra l • Estabelecer precocemente o diagnóstico de artrite reumatóide • Documentar escore de atividade e das lesões da AR • Estimar prognóstico Iniciar terapia • Orientação ao paciente • Iniciar FARMD dentro de 3 meses • Considerar AINE • Considerar esteróides sistêmicos em baixa dose ou infiltrações locais • Fisioterapia e terapia ocupacional Avaliar periodicamente a atividade da doença Resposta adequada com redução da atividade da doença Resposta inadequada (i. e., doença ativa persistente após 3 meses de terapia otimizada) Alterar/adicionar FARMD MTX apenas MTX Outra monoterapia (troca para outro FARMD) Terapia combinada de FARMD Resposta subótima ao MTX Terapia combinada Outra monoterapia (troca para outro FARMD) Biológicos Monoterapia Terapia combinada Falha de múltiplos FARMD Lesão articular sintomática e/ou estrutural mais baixa efi caz enquanto a terapia concomitante com FARMD é ajustada para que isso seja possível. Os gli- cocorticóides muito raramente devem ser usados para tratar AR sem terapia concomitante com FARMD. Em todos os pacientes que recebem glicocorticóides, deve- se considerar fortemente a prevenção da osteoporose, e neste caso os bifosfonatos mostraram-se particularmente efetivos. 172 / CAPÍTULO 16 Os FARMD, tanto os convencionais como os bio- lógicos, são um grupo de medicamentos que têm a ca- pacidade de modifi car ou alterar a evolução da AR. Os fármacos incluídos nessa classe têm, na maioria dos ca- sos, atingido o padrão ideal de parada ou lentifi caçãoda progressão radiográfi ca da AR. FARMD convencionais (sintéticos): incluídos no grupo convencional dos FARMD estão o metotrexato, a sulfassalazina, o ouro, os antimaláricos, a lefl unomida, a azatioprina, a penicilamina e a minociclina. É de im- portância fundamental que os médicos e pacientes com- preendam igualmente que essas medicações levam de 2 a 6 meses para atingir seu efeito máximo. Portanto, outras medidas, como a terapia com glicocorticóides, podem ser necessárias para controlar a doença enquanto essas medi- cações estiverem começando a fazer efeito. Todos os FARMD mencionados anteriormente mos- traram-se efetivos no tratamento tanto da AR inicial como da mais avançada. A escolha de qual usar primeiro depende da atividade da doença, das condições de comorbidade e socioeconômicas das preocupações com relação à toxi- cidade e de questões de monitoração. Até que pesquisas adicionais elucidem fatores que permitam que os médicos selecionem a melhor terapia inicial para cada paciente, há muitas escolhas razoáveis. O fator crítico não é qual FARMD escolher primeiro, mas o fato de que a terapia com FARMD deve ser iniciada o mais precocemente. O metotrexato é o FARMD preferido da maioria dos reumatologistas, principalmente porque muitos pa- cientes apresentam uma resposta durável e a toxicidade grave é rara com uma monitoração cuidadosa. É mui- to efetivo na lentifi cação da progressão radiográfi ca da AR. O metotrexato também é o fármaco fundamental na maioria das combinações bem-sucedidas de FARMD na AR. Especifi camente, há uma década, o metotrexato em combinação com sulfassalazina e hidroxicloroquina mostrou-se mais efi caz que o metotrexato isoladamente e era o líder no paradigma atual de terapia combinada de FARMD para todos os pacientes com AR que não eram controlados com monoterapia com FARMD. Além disso, todos os biológicos mostraram-se mais efi cazes quando combinados com metotrexato. O metotrexato em geral é administrado em dose única que varia de 7,5 a 25 mg 1 vez/semana. Essa administra- ção 1 vez/semana merece ênfase. As experiências ante- riores com terapia diária na psoríase ensinaram-nos que a toxicidade, em particular a hepática, é substancialmente maior quando a mesma quantidade de fármaco é admi- nistrada em uma base diária, em vez da administração semanal. A absorção oral do metotrexato é variável; por- tanto, o metotrexato subcutâneo pode ser efetivo quando a terapia oral não o é e deve ser experimentado antes de se interromper sua administração devido à ausência de efi - cácia. Os efeitos colaterais incluem úlceras orais, náuseas, hepatotoxicidade, supressão da medula óssea e pneumo- nite. Com exceção da pneumonite (que é uma reação de hipersensibilidade), essas toxicidades respondem a ajustes da dose e são reduzidas pelo uso concomitante de ácido fólico (2 mg VO por dia ou 5 mg/semana, mas não no dia do metotrexato). A monitoração do hemograma e dos exames da função hepática (albumina e transaminases) deve ser feita a cada 4 a 8 semanas durante o tempo da terapia com metotrexato, com ajustes de dosagem quan- do necessário. A função renal é crítica para depuração do metotrexato e de seus metabólitos ativos; os pacientes pre- viamente estáveis podem experimentar toxicidade grave quando a função renal deteriora. Pneumonite, embora rara, é menos previsível e pode ser fatal, em particular se o metotrexato não for suspenso ou for reiniciado. A hidroxicloroquina freqüentemente é usada para o tratamento da AR, em geral combinada com outros FARMD, particularmente o metotrexato. A hidroxi- cloroquina, administrada por via oral na dose de 200 a 400 mg/dia, apresenta a menor toxicidade entre os FARMD mas também é a menos efi caz como monotera- pia. Recomenda-se a monitoração regular (a cada 6 meses a 1 ano) por um oftalmologista para detectar quaisquer sinais de toxicidade retiniana. A sulfassalazina é o FARMD mais comumente usado na Europa. É um tratamento efetivo quando administrado em doses de 1 a 3 g/dia. A monitoração do hemograma, em particular do leucograma, nos primeiros 6 meses é reco- mendada. Nos EUA, a sulfassalazina em geral é combinada com metotrexato, hidroxicloroquina ou ambos. A minociclina, 100 mg 2 vezes/dia, é um tratamento efetivo para AR, em particular quando usada em doença soropositiva precoce. O mecanismo de ação na AR é in- certo, mas provavelmente é independente de seus efeitos antibacterianos. A terapia a longo prazo (mais de 2 anos) pode ocasionar hiperpigmentação cutânea. A lefl unomida, um antagonista da pirimidina, é o FARMD convencional mais recente aprovado para uso na AR. Ela tem uma meia-vida muito longa e é administrada diariamente na dose de 10 a 20 mg. Quando a lefl uno- mida foi introduzida, uma dose de ataque de 100 mg/dia por 3 dias era rotineiramente usada devido à meia-vida longa, mas a maioria dos especialistas não usa mais a dose Quadro 16.1 Linhas de conduta para o uso de glicocorticóides no tratamento da artrite reumatóide • Prednisona, > 10 mg/dia raramente estão indicados para a doença articular • Evitar usar glicocorticóides sem FARMD • Usar glicocorticóides como “ponte” para terapia efetiva com FARMD • Minimizar a duração e dose com redução lenta e gradual para a dose mais baixa que controle a artrite • Sempre considerar a profi laxia para minimizar osteoporose FARMD, fármacos anti-reumáticos modifi cadores da doença. TRATAMENTO DA ARTRITE REUMATÓIDE / 173 de ataque devido ao aumento dos efeitos colaterais. A to- xicidade mais comum com lefl unomida é a diarréia, que pode responder a uma redução da dose. A lefl unomida é teratogênica. Devido à sua meia-vida excepcionalmente longa, as mulheres que receberam lefl unomida anterior- mente (mesmo se a terapia fora há alguns anos) devem fa- zer exames de sangue se desejarem fi car grávidas. Se ocor- rer toxicidade ou a gravidez estiver sendo considerada, a colestiramina pode eliminar rapidamente a lefl unomida. O ouro intramuscular, o FARMD mais antigo, con- tinua sendo uma terapia extremamente efetiva para uma pequena porcentagem de pacientes. É bem pouco usado atualmente devido a seu início lento de ação, à necessida- de de administração intramuscular de monitoração fre- qüente (hemograma completo e urinálise), bem como à sua toxicidade freqüente, que inclui exantemas cutâneos, supressão da medula óssea e proteinúria. Um estudo re- cente em pacientes com doença ativa apesar do metotre- xato mais uma vez confi rmou a efi cácia desse fármaco. FARMD biológicos: as terapias biológicas apresenta- ram um impacto signifi cativo no tratamento de pacientes com AR. Hoje, está claro que as citocinas pró-infl ama- tórias, mais notadamente o fator de necrose tumoral α (TNF-α) e a interleucina 1, desempenham um papel central na fi siopatologia da AR. Tal descoberta levou ao desenvolvimento e ao uso clínico de agentes biológicos direcionados contra o TNF-α (etanercepte, infl iximabe e adalimumabe) e interleucina 1 (anaquinra). Estudos mais recentes mostraram a efi cácia de terapias que blo- queiam a co-estimulação da célula T (abatacepte) ou que visam às células B (rituximabe). O etanercepte, uma proteína de fusão do receptor de TNF recombinante, é administrado por via subcu- tânea na dose de 25 mg 2 vezes/semana. O infl iximabe é um anticorpo monoclonal quimérico murino/huma- no contra TNF-α administrado por via intravenosa (3 a 10 mg/kg) a cada 8 semanas. O adalimumabe é um an- ticorpo monoclonal humano recombinante da subclasse IgG1 direcionado contra o TNF-α e administrado por via subcutânea na dose de 40 mg quinzenalmente. Todos os três agentes anti-TNF mostraram reduzir os sinais e sintomas de sinovite — mesmo em pacientes com do- ença ativa, apesar do tratamento com metotrexato — e diminuir substancialmente a progressão radiográfi ca da AR. Um início rápido de ação (dias a semanas) é evidente com todos esses agentes, o que é uma vantagem signifi ca- tiva desses tratamentos sobreos FARMD convencionais. As principais desvantagens são o custo e as preocupações sobre toxicidades a longo prazo, notadamente infec- ções (em especial celulite, artrite séptica, tuberculose, histoplasmose, coccidioidomicose e Listeria) e síndromes desmielinizantes. Infelizmente, há uma escassez de da- dos comparando os agentes anti-TNF com a terapia com FARMD convencionais, especialmente para pacientes que apresentam doença ativa apesar do metotrexato. A anaquinra, um antagonista do receptor da interleu- cina 1 humano recombinante, é administrada por via sub- cutânea na dose de 100 mg/dia e mostrou-se efetiva para sinais e sintomas da AR, assim como para a progressão ra- diográfi ca. Seu início de ação é de certa forma mais lento e menos drástico que o dos inibidores do TNF, atualmente sendo usada muito menos que os agentes anti-TNF. As toxicidades incluem reações no local da injeção e pneu- monia (especialmente em pacientes com asma). O abatacepte é uma proteína de fusão recombinante do domínio extracelular do CTLA4 humano e um fragmen- to do domínio Fc da IgG1 humana. É o primeiro de uma classe nova de moduladores seletivos da célula T e blo- queia o sinal co-estimulador, necessário para a ativação completa das células T, que é iniciado pela interação da molécula CD28 da célula T com seus ligandos (CD80 e CD86) nas células apresentadoras do antígeno. O aba- tacepte reduz sinais e sintomas de AR em pacientes com doença ativa apesar do metotrexato e também no subgru- po de pacientes com AR que apresentam a doença ativa refratária aos inibidores do TNF. O efeito do abatacepte na progressão radiográfi ca ainda precisa ser determinado. É administrado por infusão intravenosa a cada 4 semanas na dose aproximada de 10 mg/kg; seu início de ação é mais lento que o dos agentes anti-TNF. O rituximabe é um anticorpo monoclonal murino/hu- mano produzido por engenharia genética e direcionado contra a molécula CD20 encontrada na superfície das célu- las B. Está aprovado para o tratamento de linfomas CD20+ de células B e da AR. Estudos iniciais indicam que ele tem efi cácia substancial quando combinado com metotrexato no tratamento de pacientes com AR refratária. É adminis- trado por via intravenosa em duas infusões com intervalo de 2 semanas entre elas, repetindo-se o tratamento se necessá- rio. Esse protocolo de tratamento leva a uma depleção pro- longada de células B do sangue periférico. Os níveis totais de imunoglobulina sérica não caem de forma signifi cativa, provavelmente porque são mantidos por células plasmáti- cas de vida longa que não expressam CD20. O mecanismo pelo qual a deleção de células B leva a melhora clínica na AR não está esclarecido, mas as especulações concentram- se na perda das células B, seja como células apresentadoras de antígeno, seja como precursores para produtores de vida curta dos auto-anticorpos críticos. Comorbidade A assistência ideal aos pacientes com AR requer o conhecimento das comorbidades associadas à AR, que incluem aumento do risco de morte cardiovascular, os- teoporose, infecções (especialmente pneumonia) e deter- minadas neoplasias. A doença cardiovascular é reconhecida hoje como causa importante de mortalidade na AR. Os médicos devem considerar a AR um fator de risco para doença 174 / CAPÍTULO 16 cardiovascular e procurar e tratar agressivamente os fatores de risco cardiovasculares conhecidos nesses pa- cientes. Inúmeros fatores provavelmente contribuem para o aumento da doença cardiovascular, mas a ava- liação recente da forte associação entre a infl amação crônica e a doença cardiovascular aponta para a natu- reza infl amatória da AR como o fator mais signifi cati- vo. Conseqüentemente é de se esperar que as terapias que controlam a AR mais precocemente e com maior efi cácia reduzam a morbidade e a mortalidade cardio- vasculares. Um estudo recente indica que o metotre- xato reduz a mortalidade cardiovascular em 70% nos pacientes com AR. A osteoporose é onipresente em pacientes com AR e a terapia inicial direcionada para esse problema resul- tará em benefícios a longo prazo. Os glicocorticóides, mesmo em doses baixas, como geralmente usados para o tratamento de AR, exacerbam de maneira acentuada esse problema. Os pacientes com AR apresentam risco elevado de infecções, que aumenta ainda mais com algumas tera- pias. Os pacientes devem ser aconselhados a procurar cuidados médicos logo ao início, mesmo com sintomas menores sugestivos de infecção, especialmente se estive- rem recebendo terapia anti-TNF. É recomendado que pacientes com AR recebam vacinações pneumocócicas e anualmente contra infl uenza. Finalmente, os pacientes com AR apresentam um ris- co aumentado de linfomas. Ocasionalmente, os linfomas de células B podem ser associados a imunossupressão e regredir após sua interrupção. É interessante notar que os pacientes com AR apresentam um risco signifi cativamen- te reduzido (razão de 0,2) de desenvolver câncer de cólon. Acredita-se que isso seja secundário à inibição crônica de ciclooxigenase por AINE nesse grupo de pacientes. Prognóstico A duração da doença antes da terapia com FARMD pode ser um dos previsores mais importantes do prog- nóstico; portanto, fazer o diagnóstico correto e instituir o tratamento efetivo o mais rapidamente são de crucial importância. Todos os paradigmas de tratamento atuais para AR enfatizam o uso inicial agressivo de FARMD. BIBLIOGRAFIA American College of Rheumatology Subcommittee on Rheumatoid Arthritis Guidelines. 2002 Update: guidelines for the manage- ment of rheumatoid arthritis. Arthritis Rheum. 2002;46:328. [PMID: 11840435] Bathon JM, Martin RW, Fleischmann RM, et al. A comparison of etanercept and methotrexate in patients with early rheumatoid arthritis. N Engl J Med. 2000;343:1586. [PMID: 11096165] Lipsky PE, van der Heijde DM, St Clair EW, et al. Infliximab and methotrexate in the treatment of rheumatoid arthritis. Anti- Tumor Necrosis Factor Trial in Rheumatoid Arthritis with Con- comitant Th erapy Study Group. N Engl J Med. 2000;343: 1594. [PMID: 11096166] Moreland LW, O’Dell JR. Glucocorticoids and rheumatoid arthritis: back to the future? Arthritis Rheum. 2002;46:2553. [PMID: 12384910] O’Dell JR. Drug therapy: Th erapeutic strategies for rheumatoid arthritis. N Engl J Med. 2004;350:2591. [PMID: 15201416] O’Dell JR, Haire CE, Erikson N, et al. Treatment of rheumatoid arthritis with methotrexate alone, sulfasalazine, and hydroxy- chloroquine, or a combination of all three medications. N Engl J Med. 1996;334:1287. [PMID: 8609945] O’Dell JR. Treating rheumatoid arthritis early: a window of opportu- nity. Arthritis Rheum. 2002;46:283. [PMID: 11840429] Olsen NJ, Stein CM. New drugs for rheumatoid arthritis. N Engl J Med 2004;350:2167. [PMID: 15152062] Websites relevantes [American College of Rheumatology] http://www.rheumatology.org
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