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GEOGRAFIA URBANA Djalma de Sá E d u ca çã o G E O G R A F IA U R B A N A D ja lm a d e S á Esta obra tem por objetivo organizar o estudo da Geografia Urbana como instrumento de compreensão do cenário urbano atual e das relações sociais e econômicas do homem com a cidade. Busca-se compreender as cidades, ten- do por fundamento conceitos como espaço urbano, território e lugar, fazendo uma conexão da disciplina com outras áreas de estudo. Desse modo, espera- mos que você, leitor, tenha uma visão multidisciplinar da Geografia e um melhor entendimento da relação do homem com o espaço. Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6305-5 9 788538 763055 CAPA_Geografia Urbana.indd 1 26/05/2017 11:03:11 Djalma de Sá IESDE BRASIL S/A Curitiba 2017 Geografia Urbana CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S111g Sá, Djalma de Geografia urbana / Djalma de Sá. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017. 160 p. : il. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-387-6305-5 1. Geografia urbana - Brasil. I. Título. 17-41731 CDD: 327 CDU: 327 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. © 2017 – IESDE Brasil S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Produção FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão IESDE Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem Capa brainpencil/Shutterstock.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Sumário Carta ao Aluno | 5 1. Conceitos iniciais de Geografia Urbana | 7 2. Desenvolvimento da Geografia Urbana | 25 3. Estudo do crescimento das cidades | 43 4. As relações econômicas no processo urbano | 59 5. Processo de formação e urbanização das cidades | 77 6. Planejamento e políticas urbanas | 93 7. A produção do espação urbano e das redes urbanas | 109 8. Urbanização e sustentabilidade | 125 Gabarito | 143 Referências | 151 Carta ao aluno O Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou que 84% da população brasileira vive em áreas urbanas, demonstrando uma forte aglomeração populacional nas cidades. O Brasil apresenta maior grau de urbanização quando comparado a outros países emergentes – a Rússia apresenta uma taxa de 73%, a China, 47% e a Índia, ape- nas 30%. Inclusive nos Estados Unidos percebe-se que há um grau de urbanização um pouco menor que o do Brasil: 82%. Esses números demonstram um forte processo de concen- tração populacional que, consequentemente, gera impactos na for- mação e expansão das cidades, na estruturação das redes urbanas e nas configurações regionais. Por outro lado, apresentam-se desafios para o atendimento de novas demandas, como a organização e dis- tribuição do espaço urbano, o processo de expansão das cidades e a estruturação de novas redes urbanas. – 6 – Geografia Urbana Com base nesse contexto, esta obra tem por objetivo organizar o estudo da Geografia Urbana como instrumento de compreensão desse novo cenário urbano e das relações sociais e econômicas do homem com a cidade. Busca-se compreender as cidades tendo por fundamento conceitos como espaço urbano, território e lugar, fazendo uma conexão da disciplina com outras áreas de estudo e possibilitando, desse modo, uma visão multidisciplinar da Geografia e um melhor entendimento da relação do homem com o espaço. Este livro está assim estruturado: o Capítulo 1 trata de conceitos ini- ciais de Geografia Urbana, destacando seus fundamentos e as relações com o processo histórico de formação da disciplina. O Capítulo 2 aborda o desen- volvimento da Geografia Urbana, observando o papel e a importância do estudo do meio urbano; já o Capítulo 3 estuda o crescimento das cidades, destacando as teorias do crescimento urbano. No Capítulo 4, são estudadas as relações econômicas no processo urbano, enfocando-se as interações da economia com o espaço, ao passo que o Capítulo 5 destaca o processo de formação e urbanização das cidades. O Capítulo 6 discute o planejamento e as políticas urbanas e seus impactos nas cidades, enquanto o Capítulo 7 trata do estabelecimento das redes urbanas. Por fim, no Capítulo 8 é proposta uma discussão sobre as relações da cidade com a sustentabilidade e os impactos da urbanização no meio ambiente. Esperamos que você utilize esta obra para seu crescimento acadêmico e profissional, a fim de fazer a diferença no mercado de trabalho e em seu dia a dia. Desejamos uma boa leitura! Conceitos iniciais de Geografia Urbana Introdução A GeoGrafia Urbana é a área da ciência geográfica que tem como objetivo o estudo da formação das cidades, da estruturação do meio urbano, descrevendo e analisando temas como a urbani- zação, a metropolização e as redes urbanas, o processo de formação das cidades e o ordenamento espacial do território e suas diversas classificações e tipificações. Para simplificar o entendimento, pode- -se dizer que a Geografia Urbana tem como objetivo o estudo do espaço urbano. Para melhor compreensão dessa área da geografia, a dis- ciplina apresenta uma interdisciplinaridade com outras ciências, como a política, a economia, a demografia, a arquitetura e urba- nismo e outras que contribuem para sua construção. 1 Geografia Urbana – 8 – 1.1 A questão urbana na geografia 1.1.1 O espaço urbano na geografia Em termos gerais, pode-se dizer que o espaço urbano pode ser entendido como o uso do solo nas cidades, onde se desenvolve um conjunto de atividades que ocorrem em uma mesma conformação territorial. Entende-se que essas atividades são estabelecidas pelas relações sociais e de produção, isto é, nesse espaço as pessoas vivem, trabalham e estabelecem suas relações econômicas. Nesse espaço ocorrem também as relações políticas, pois a organização e a conformação do território se dão por práticas de políticas públicas, cabendo ao Estado e aos demais formadores do espaço o ordenamento territorial do espaço urbano. É preciso, no entanto, estabelecer a diferença conceitual entre o urbano e a cidade, isto é, nem toda cidade é urbana, mas o urbano ocorre nas cida- des. O IBGE define que cidades com população inferior a 20 mil habitantes são caracterizadas como espaço rural. Geralmente se conceitua como espaço rural, o município com uma pequena quantidade de habitantes e com baixa dinâmica econômica. Dessa forma, pode-se entender que o espaço urbano é produzido com base nas relações econômicas, isto é, o processo econômico tem seus reflexos nas cidades e na transformação do espaço, constituindo, assim, a cidade capitalista. No entanto, se a formação do espaço urbano tem início nas relações econômi- cas, ele é apropriado pelas relações sociais vivenciadas pela coletividade. Assim, o espaço urbano é o palco de diversas interações sociais e econô- micas e a expressão da base territorial para o desenvolvimento do capitalismo. Ao produzirem o espaço urbano, os sujeitos sociais determinam a base de suas relações, constituindo a ação política e a materialidade, experiências de vida e atitude cidadã (SANTOS, 2007). Devido à diferenciação das relações sociais, o espaço urbano passa a ser fragmentado, condicionando tais relações e sendo ao mesmo tempo um reflexo delas. Assim, esse espaço pode ser compreendido como uma arena de lutas entre as diversas classes sociaisque formam esse espaço. Ou seja, a – 9 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana organização do espaço representa o resultado das lutas das classes sociais esta- belecidas na cidade (CORRÊA, 2006). As relações sociais historicamente construídas definem essa organiza- ção do espaço das cidades em um determinado período histórico. Assim, no decorrer do tempo, o espaço precisa ser novamente ordenado, para atender às novas características do desenvolvimento da localidade. Uma das características marcantes do espaço urbano, se comparado ao espaço rural, é a significativa presença de diferentes formas espaciais, mate- rializadas no uso do solo urbano. Se no espaço rural o solo é destinado basi- camente para a atividade econômica agrícola, no espaço urbano o uso do solo é diverso tanto para as relações econômicas, quanto para as relações sociais, definindo desse modo, um caráter heterogêneo à utilização do espaço (CORRÊA, 2006). Assim, como conceituação final, pode-se citar as palavras do geógrafo Milton Santos: “O espaço deve ser considerado como um conjunto indisso- ciável de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento” (SANTOS, 1997, p. 26). 1.1.2 O conceito de território na geografia O território é um conceito muito utilizado e bastante difundido no estudo da Geografia Urbana, pois está estreitamente relacionado aos pro- cessos de construção e transformação do espaço geográfico. A terminologia adota várias definições, conforme a corrente de pensamento defendida, mas existe um ponto comum entre todos os pensadores: território trata do espaço apropriado com base nas relações de poder. Um dos pioneiros no estudo do conceito de território foi Friedrich Ratzel (1844-1904), que defendia a ideia de que tal conceito está vinculado ao poder e ao domínio exercido pelo Estado, definindo uma identidade da sociedade vinculada à expressão do território. No conceito jurídico, define-se território como um dos pilares para a existência do Estado: território, população e sobe- rania. O Estado somente existe ao exercer sua soberania sobre sua população dentro do seu território (CARVALHO, 1997). Geografia Urbana – 10 – O geógrafo suíço Claude Raffestin (1936-1971) também discutiu o conceito de território ressaltando a primazia anterior do conceito de espaço na geografia. Assim, Raffestin via o território como o espaço apropriado e construído pelas relações de poder. A expressão dessas relações se dá em todas as relações de poder, definindo diversos territórios dentro do mesmo espaço urbano (SANTOS, 1994). Atualmente, a geografia entende território como um espaço delimitado por fronteiras, que nem sempre são visíveis, expresso e imposto pelas relações de poder. O geógrafo Marcelo Lopes de Souza (2003) cita que nem sempre o processo de formação territorial ocorre por meio de expressões concretas sobre o espaço. Souza evidencia a existência de múltiplas territorialidades dentro das cidades, como o território do narcotráfico, do comércio ambu- lante, entre outros. Para Haesbaert (1997, p. 18), o território é analisado a partir de três enfoques: 1) jurídico-político, segundo o qual “o território é visto como um espaço delimitado e controlado sobre o qual se exerce um determinado poder, especialmente o de caráter estatal”; 2) cultural(ista), que “prioriza dimensões simbólicas e mais subjetivas, o território visto fundamentalmente como pro- duto da apropriação feita através do imaginário e/ou identidade social sobre o espaço”; 3) econômico, “que destaca a desterritorialização em sua perspectiva material, como produto espacial do embate entre classes sociais e da relação capital-trabalho”. Robert Sack (1986) afirma a territorialidade como estratégia de con- trole, chamando atenção para suas multiescalas (das relações espaciais de uma casa às de países) e para a variação temporal (territórios diferenciados em partes diferentes de um dia, por exemplo) definindo o conceito de geografia do poder. Bonnemaison busca uma aproximação dos conceitos de território e de lugar, pois, para ele, um território, antes de ser uma fronteira, é um conjunto de lugares hierárquicos, conectados por uma rede de itinerários [...]. No interior deste espaço-território os grupos e as etnias vivem uma certa ligação entre o enraizamento [...]. A territorialidade se situa na junção destas duas atitudes: ela engloba ao mesmo tempo o que é fixação e o que é mobilidade ou, falando de outra forma, os itinerários e os lugares. (BONNEMAISON, 1981 apud HOLZER, 1997, p. 83) – 11 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana Por sua vez, Milton Santos (1994) explorou o conceito de território usado, segundo o qual o território não é organizado somente pelo Estado ou pelas relações sociais, não estando, assim, delimitado apenas pelas relações de poder. Para Santos (1997), o território é um sistema de ações que os agentes utilizam para se apropriar do espaço. O território usado é constituído pelo território forma – espaço geográfico do Estado – e seu uso, apropriação, pro- dução, ordenamento e organização pelos diversos agentes que o compõem: as firmas, as instituições e as pessoas. 1.1.3 O conceito de urbano na Geografia Apesar de as diferenças entre urbano e rural serem facilmente identifi- cáveis, torna-se difícil defini-los conceitualmente. Para Bernardes, Santos e Nalcacer (1983, p. 6), “o conceito mais comum de urbano refere-se à concen- tração, num ponto de espaço, de construções e de pessoas que não exerçam atividades rurais (ou que o façam em uma proporção reduzida em relação às atividades urbanas) desempenhadas no interior desse espaço concentrado” . Da mesma forma, a urbanização é a passagem do rural para o urbano, seja no aspecto estrutural do espaço, na questão demográfica, no ordena- mento do território ou no próprio estabelecimento das relações sociais e de produção (SANTOS, 1996). No aspecto comportamental, a geografia da percepção ou comportamental entende que os sentimentos de solidariedade e de grupo dão lugar à segregação do espaço urbano e das relações sociais, juntamente com os estudos da geografia humana. No aspecto estrutural, sabe-se que a cidade se organiza com base nas condições sociais e econômicas, ampliando a complexidade das relações. Já em relação ao aspecto demográfico, o urbano apresenta a condição de concentração populacional, devido ao processo de atração das cidades em função da comple- xidade das relações de produção, por meio do estudo da geografia da população. Para Léfèbvre (2004), o conceito de urbano está vinculado ao processo de construção capitalista do espaço, sem ser, no entanto, um produto da industrialização. De acordo com o autor, o urbano é o espaço construído para o estabelecimento das relações sociais e de produção, e, portanto, produto do humano. Para Castells (1983), o urbano é produto da evolução das formas espaciais, gerando uma independência das relações geográficas e uma maior Geografia Urbana – 12 – interação entre as forças produtivas, sociais e culturais. Assim, é no urbano que as pessoas se relacionam, trabalham e consomem. Nesses modelos apresentados, entende-se que a urbanização vai além das cidades, pois mesmo quem mora em áreas rurais desloca-se às áreas urba- nas para as relações de produção, como comprar, consumir ou investir. Esse entendimento pode ser melhor definido ao se observar pequenos municí- pios com predominância de áreas rurais, os quais estabelecem relações com o urbano, seja vendendo a produção, seja consumindo bens e produtos forne- cidos em grande escala pelas cidades. Resumindo: Espaço urbano é a organização espacial da cidade, que corresponde ao uso do solo, onde se desenvolve um conjuntode atividades. Esse espaço fragmentado pelas relações sociais apre- senta, também, uma articulação, pois cada uma das partes mantém relações com as demais. Território é a ocupação do espaço urbano, com base nas relações de poder impostas; assim, quem manda em determinada região também domina determinado território. 1.2 Elementos das geografias clássica e contemporânea e suas relações com a Geografia Urbana 1.2.1 O objeto de estudo da geografia clássica A ciência da geografia tem como foco de estudo as relações existentes entre os aspectos físicos, biológicos e humanos, bem como as características inter-relacionadas entre esses aspectos. Estuda, também, a organização do – 13 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana espaço, constituída pelos diversos elementos da paisagem geográfica, como natureza, cultura e demais aspectos espaciais (BEZZI, 2004). O espaço geográfico compreende dois conceitos de natureza bastante distintas: 2 Espaço natural: É o espaço sem interferência antrópica (do homem), o qual mantém suas características naturais, conforme demonstrado pela imagem abaixo. Como exemplo, tem-se as flo- restas fechadas, o fundo dos mares, entre outros. Figura 1 – Espaço natural: vista aérea da Floresta Amazônica. Fonte: Ildo Frazão/iStockphoto. 2 Espaço construído: É o espaço modificado pelas atividades huma- nas, em que o aspecto natural foi alterado por interferências antró- picas. Como exemplo, tem-se as cidades, as praças, os portos e aeroportos, entre outros, configurando espaços de grande concen- tração e densidade, conforme demonstrado na imagem a seguir. Resulta das interações socioeconômicas, da produção da sociedade, e é fruto das relações sociais e de produção. O espaço construído tem como atores principais os proprietários dos meios de produção e o Estado, que almejam a acumulação do capital e a reprodução da força de trabalho (CORRÊA, 1982). Geografia Urbana – 14 – Figura 2 – Cidade de Nova Iorque, EUA: espaço construído e densamente ocupado. Fonte: TomasSereda/iStockphoto. Outro conceito bastante difundido na geografia é o conceito de espaço geográfico (Figura 3). Assim como o espaço construído, ele é resultado do processo de transformação do espaço natural. É composto pelas cidades (meio urbano) e pelas fazendas e propriedades do campo (meio rural). Figura 3 – Espaço geográfico. Fonte: filipefrazao/iStockphoto. – 15 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana 1.2.2 Abordagens da geografia clássica e da contemporânea A Escola Determinista defendia a ideia de que o meio natural influen- cia totalmente o homem, ou seja, são as condições naturais que determinam a vida em sociedade. A partir dessa visão desenvolveu-se o conceito de espaço vital, que definiria as condições espaciais e naturais para que o Estado con- solide o poder sobre seu território. Sendo assim, as populações que apresen- tavam melhor espaço vital estariam mais aptas a se desenvolver e conquistar novos territórios (CARVALHO, 1997). A Escola Possibilista Francesa se contrapunha à Escola Determinista e entendia que a natureza oferece possibilidades para modificar a realidade e adequá-la a suas necessidades. Assim, a transformação do espaço fica à cri- tério da capacidade humana de adaptar-se para atender suas necessidades. Dessa forma, algumas condições, como a pobreza de determinada região, não seriam consequências da ação da natureza sobre o homem, mas sim da inca- pacidade social de se criar possibilidades para suprir o que lhe é necessário (FERREIRA; SIMÕES, 1986). O Método Regional é uma contraposição aos dois modelos anteriores e tem como base filosófica o estudo das diferenciações das áreas. Compara, assim, as similaridades dessas áreas, que definiriam suas classes (regiões), e as diferenças, que trariam suas delimitações (MORAES, 2005). A Nova Geografia nasce após a Segunda Guerra Mundial, quando os países passavam por uma fase de expansão capitalista e, assim, a Geografia e suas dimensões já não conseguiam explicar o novo desenho geográfico do pla- neta e suas relações econômicas, sociais e espaciais. Diante desse contexto, a Nova Geografia abrange os efeitos das associações do crescimento capitalista e os denominados deserdados da terra. Busca-se, nesse momento, compreender a conexão entre planejamento governamental, estatística, economia e teoria dos sistemas, conhecida também como Geografia Pragmática (MORAES, 2005). Em meados dos anos de 1970, surgiu a Geografia Crítica, também cha- mada de radical ou marxista, como resposta aos fenômenos sociais dos Estados Unidos. Naquele momento da história, os EUA viviam um período de inten- sas manifestações em defesa dos direitos civis, nas quais contestavam-se as Geografia Urbana – 16 – contradições do avanço do capitalismo. Dessa forma, os geógrafos dessa cor- rente defendem a ideia de que cabe à geografia o estudo dos impactos das rela- ções sociais sobre o meio e sobre a construção do espaço (MORAES, 2005). E, por último, tem-se o advento da Geografia Ambiental, que estuda os efeitos do homem sobre o espaço natural e seus impactos, como desma- tamento, poluição dos rios, lagos e mananciais, processos de desertificação, mudanças climáticas globais, entre outros (MORAES, 2005). Percebe-se, claramente, que a geografia migrou de um objeto de estudo estático e amplamente conhecido, como os espaços naturais e as fronteiras territoriais, para um aspecto mais dinâmico, compreendendo as alterações do ambiente devido aos cenários históricos ou sociais. Por exemplo, se na geografia clássica estudava-se o rio, seu desenho e seus afluentes, na geografia contemporânea estudam-se os efeitos antrópicos sobre esse rio e a relação deste com a cidade, tanto em termos de abastecimento de água quanto na forma de modal de transporte. Assim, a Geografia Urbana pode ser entendida como um fruto da Nova Geografia, buscando-se compreender a formação dos novos espaços basean- do-se no contexto social, histórico e econômico das cidades e suas diversas conformações e segmentações. Expoente da Geografia Urbana, o já citado geógrafo Milton Santos, a partir dos estudos de Nice Lecocq Müller e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, deu visibilidade à geografia bra- sileira e aos estudos da urbanização nos países subdesenvolvidos. A obra de Santos e a associação da geografia com as relações sociais e econômicas na formação do espaço urbano deu um salto no sentido de se ampliar o objetivo dos estudos da Geografia Urbana. 1.2.3 A interdisciplinaridade do estudo da Geografia Urbana A geografia tem uma aproximação com as mais diversas ciências sociais, pois analisa a relação do ambiente urbano com o ambiente natural, além das relações sociais e econômicas, para compreender as alterações no espaço decorrentes dessas associações. – 17 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana Para compreensão das relações decorrentes da sociedade, o geógrafo precisa recorrer aos conhecimentos da sociologia, analisando as estruturas e relações sociais. A antropologia auxilia o geógrafo a compreender as resistên- cias que os agentes da sociedade apresentam às novas organizações do espaço. A economia política ajuda no entendimento do processo de produção do espaço por meio das atividades econômicas e de como o espaço urbano se adequa a essas conformações. Já no que diz respeito à relação do homem com o ambiente, o geógrafo lança mão da psicologia para explicar a representação mental do espaço urbano para a sociedade (MORAES, 1989). 1.3 Relação da Geografia Urbana com a geografia econômica 1.3.1 A geografia econômica e sua relação com as cidades Geografia econômica é o ramo do conhecimento responsável por com- preender a lógica da produção e distribuição das atividades econômicas no espaço geográfico, a influênciadas estruturas econômicas e produtivas sobre o ordena- mento espacial e vice-versa. Cabe lembrar que o espaço urbano é construído a partir das relações estabelecidas, sejam elas sociais ou econômicas, e, assim, a estrutura produtiva pode contribuir com sua formação (MORAES, 2005). Um exemplo prático de aplicação da geografia econômica foi a Revolução Industrial, que se estabeleceu como uma nova estrutura produtiva para aquele momento histórico (séc. XVIII). A cidade de Manchester, na Inglaterra, teve seu espaço urbano totalmente alterado com a implantação da indústria, o que impactou o ambiente natural e atraiu um fluxo migratório para a cidade, modificando a paisagem e as condições sociais da população. Portanto, as atividades econômicas (indústria, comércio, serviços ou turismo) alteram as conformações espaciais, caracterizando as cidades e dando-lhes diferentes identidades. Beaujeu-Garnier (1997) destaca as seguintes caracterizações: Geografia Urbana – 18 – 2 Cidades político-administrativas: nelas se localizam as sedes administrativas e parlamentares dos governos. Costumam ter uma oferta elevada de emprego na área pública, para o exercício da função política. Exemplos: Brasília (Brasil), Washington (EUA), Pretória (África do Sul), Ottawa (Canadá) etc. 2 Cidades religiosas: são as cidades que estruturam suas dinâmi- cas econômicas em algum tipo de atividade religiosa, atraindo um grande número de fiéis, em certo período do ano ou de forma regu- lar. Exemplos: Jerusalém (Israel), Meca (Arábia Saudita), Aparecida do Norte (Brasil), Santiago de Compostela (Espanha), entre outras. 2 Cidades turísticas: têm como principal dinâmica econômica seus aspectos turísticos ou de lazer, seja pelos recursos naturais preservados ou pelas possibilidades oferecidas no espaço geográfico urbano. Exemplos: Las Vegas (EUA), Porto Seguro (Brasil), Cancun (México), entre outras. 2 Cidades portuárias: são estruturadas para atender o comércio internacional por meio da carga e descarga de mercadorias nos por- tos nelas instalados. Exemplos: Santos (Brasil), Roterdã (Holanda) e Hamburgo (Alemanha). 2 Cidades industriais: destacam-se por centrarem sua estrutura econômica na dinâmica industrial, apresentando centros ou par- ques industriais em determinadas áreas. Exemplos: Camaçari (Brasil), Córdoba (Argentina), Manchester (Inglaterra), Dusseldorf (Alemanha), entre outras. 2 Cidades tecnopolos: concentram um grande número de empresas e profissionais ligados a diversas áreas da tecnologia, localizando- -se em sua região universidades e centros tecnológicos de pesquisa. Exemplos: Campinas (Brasil); Palo Alto, San Francisco e Santa Clara (Vale do Silício, EUA); Cambridge e Londres (Inglaterra); Munique (Alemanha); entre outras. Apesar dessas classificações, existem cidades que podem conter mais de uma dessas funções, devido ao fato de apresentarem grande dinamismo, ele- vada importância econômica regional e internacional, além de um forte con- tingente populacional. – 19 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana 1.3.2 A teoria centro-periferia na geografia econômica Com base nas relações da estrutura econômica-social com a formação e organização espacial, os estudiosos da geografia econômica começaram a desenvolver estudos que culminaram na teoria centro-periferia, como forma de compreender o espaço a partir dos impactos da atividade econômica. Para entender essa teoria, é preciso compreender a existência de dois setores da economia: a agricultura e a indústria. A agricultura produz bens únicos e sem diferenciação, com preços determinados pelo mercado e um grande número de produtores. Os consumidores não buscam variedade produtiva e, por isso, fazem suas escolhas baseadas quase exclusivamente no preço, gerando rendimentos constantes para os agricultores. A indústria, por sua vez, produz bens altamente diferenciados, com preços determinados pelas empresas produtoras. Os consumidores dos produtos industrializados buscam variedade e pagam valores maiores conforme o grau de diferencia- ção apresentado, gerando retornos crescentes para as indústrias (FUJITA; KRUGMAN; VENABLES, 2002). A atividade industrial, considerada uma atividade de centro, consome o serviço de profissionais de elevada escolaridade para a geração de alta tecno- logia, além de ter mais apoio do sistema financeiro. Já a atividade agrícola, considerada uma atividade de periferia, utiliza menos recursos tecnológicos e profissionais com menor qualificação. Desse modo, a atividade industrial está concentrada espacialmente no centro, devido à centralização de profissionais melhores qualificados, de maiores rendi- mentos e do mercado consumidor. A periferia, por sua vez, passa a ter uma função de fornecimento de insumos para a produção e demanda na região central, estabe- lecendo uma relação entre o centro industrial e a periferia agrícola. Portanto, a industrialização passa a influenciar o processo de urbanização das cidades porque atrai toda uma rede de serviços, lazer, estudos e pesquisas. Como a cidade industrial expande sua atuação no território, ela demanda mais serviços públicos de mobilidade urbana, infraestrutura, saúde, educação e equipamentos públicos. Devido à demanda por esses serviços, que aumenta com a migração de outras regiões, as grandes cidades geram maiores receitas e necessitam de mais investimentos do Estado para melhor atendê-las. Geografia Urbana – 20 – O aumento das oportunidades de emprego, educação e acesso a servi- ços públicos gera uma atratividade aos municípios centrais, causando um fluxo migratório do campo para a cidade. Como as cidades geralmente não comportam toda essa demanda migratória, ocorre uma fragmentação maior do território, com espaços urbanizados desenvolvidos para aqueles que têm maior rendimento econômico e, muitas vezes, espaços não plenamente urbanizados para os que não têm as mesmas condições. Isso gera problemas urbanos como a formação de áreas irregulares, ocupação de áreas de manan- ciais e de preservação, entre outros. Ampliando seus conhecimentos Verticalização, densificação e qualidade do espaço residencial (SCUSSEL; SATTLER, 2010, p. 138-139) Ao discorrer sobre como as cidades podem contribuir para o desenvolvimento sustentável, Satterthwaite (2004) identifica, entre as categorias gerais em que se inserem os elementos de avaliação do desempenho ambiental das cidades, a “universa- lização de um ambiente urbano de boa qualidade para todos os habitantes” – por exemplo, em termos do índice de área verde e da qualidade de espaço aberto por pessoa (parques, praças públicas, instalações para esporte, brinquedos infantis) e da proteção do patrimônio natural e cultural. Nessa perspectiva, torna-se primordial o reconhecimento do espaço residencial, em que se desenvolve grande parte do cotidiano dos moradores de uma cidade, como tema central na questão da qualidade do espaço construído. Na conformação do espaço residencial identificam-se três grandes componentes, ou campos de análise: a moradia – 21 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana propriamente dita; a infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos; e o entorno ou paisagem. As principais variáveis de análise de cada componente podem ser descritas como segue: (a) moradia: tamanho/densidade de ocupação; funcionali- dade; material e técnica construtiva; tipo arquitetônico; estado de conservação; conforto térmico; (b) infraestrutura, serviços e equipamentos urbanos: água: tipo de abastecimento/tratamento; esgoto: coleta/destino/tra- tamento; lixo: coleta/destino; luz e telefone; transportes; escola; posto de saúde; áreas verdes, praças e parques; espaços culturais: museus/bibliotecas/teatro; comércio; e (c) entorno: ambiente construído – patrimônio arquitetônico; arborização; trânsito;ruído; ventilação; insolação – expo- sição solar; segurança; vizinhança. Entre esses componentes, estabelecem-se relações que cons- tituem parte fundamental do metabolismo diário da cidade e que são afetadas pelos padrões urbanísticos vigentes. Os padrões urbanísticos sempre foram discutidos como gran- des diretrizes conformadoras do espaço das cidades, sejam as consagradas máximas da Carta de Atenas, que imprimiu às cidades modernas o ideário das funções urbanas comparti- mentadas, dos zoneamentos exclusivos de usos, sejam aque- les padrões prescritos por urbanistas como Howard e Camilo Sitte, que, no século XIX, buscaram alternativas à situação de caos instalada nas cidades pós-Revolução Industrial (KOHLSDORF, 1985; RYKWERT, 2004). Para o arquiteto Cristopher Alexander, que ofereceu impor- tante contribuição ao desenho urbano, os padrões tornam-se elementos constituintes de uma linguagem atemporal de cons- trução do espaço (ALEXANDER, 1977). Numa concepção integral e integradora do ambiente, este é definido pelo enca- deamento de um conjunto de padrões que determinam a Geografia Urbana – 22 – estrutura do espaço socialmente construído. Ao propugnar pela diversidade de usos convivendo no mesmo espaço, pela proximidade do trabalho e da casa, pela integração dos cami- nhos e percursos à paisagem natural, Alexander sinalizava para um conjunto de princípios adotados pela matriz da sustenta- bilidade, embora, à época, sequer se esboçasse formulação teórica nesse sentido. Pesquisadores a ele associados, como Salingaros (2003), trabalham, hoje, com sua consagrada premissa de que “a cidade não é uma árvore”, ao defender padrões urbanísticos que tornam a cidade mais orgânica, capaz de oferecer respostas a uma realidade em que tudo está conectado – não apenas em um caminho de ramificações que se vão desdobrando, em capilaridades menores, mas em redes que se lançam em múltiplos sentidos e dimensões. A descrição e os preceitos preconizados por essa linha de autores convergem com a defesa do padrão da cidade mediter- rânea de Rueda (2002), a cidade compacta e diversa. Aqui se reúnem princípios como o da multiplicidade de usos e ativida- des, que encurta distâncias e busca a redução da locomoção, mediante o estímulo ao desenvolvimento de relações locais, em que habitação, trabalho e lazer estejam próximos. Ainda segundo Rueda (2002), o modelo compacto e diverso se aproxima muito mais de uma “cidade sustentável” do que o padrão anglo-saxão de conurbação difusa, que constituiu cida- des com zoneamento de funções, segmentadas, que propi- ciam menor interação e maiores deslocamentos e segregação. Diferentes autores parecem acordar em eleger a cidade con- centrada e densificada como mais viável (SOMEKH; LEITE, 2008; LEITE, 2010), em contraponto à cidade dispersa, do subúrbio americano, tributária das facilidades de locomoção permitidas pelo uso massivo de energia proveniente do petró- leo. A partir da visão de que todas as formações urbanas, ao longo da história, foram resultado da articulação tecnoló- gica da rede de recursos e fontes energéticas disponíveis no – 23 – Conceitos iniciais de Geografia Urbana território, Droege (2008) aponta a necessidade de se fazer uma “revolução urbana” para que se tenha uma cidade renová- vel, assentada em novos paradigmas, que rompam o modelo de dependência dos combustíveis fósseis. No entanto, embora geralmente associadas, a densificação propugnada não implica, necessariamente, a verticalização acentuada como solução edilícia – veja-se o caso de Paris. Evidentemente, para além dos padrões urbanísticos, o enten- dimento dos processos de verticalização e densificação das cidades passa por questões vinculadas às múltiplas dimensões da produção do espaço – econômica, social, política, cultural. Somekh (1997) aponta para a natureza das relações estabele- cidas entre o arranha-céu e a cidade: não apenas volumétrica, mas essencialmente simbólica, na medida em que o edifício alto supõe desenvolvimento tecnológico, constitui mani- festação das forças de mercado e implica novas formas de consumo. Os usos simbólicos da verticalidade, do domínio sobre a paisagem ao poder que multiplica o solo e os ganhos imobiliários também são abordados por Corrêa (2007). Já Roaf, Crichton e Nicol (2009) discorrem exaustivamente acerca das características dos edifícios altos, envolvendo aspectos relativos à construção, uso, manutenção e impacto no entorno, entre os quais: (a) custos de construção, operação e manutenção elevados, quanto mais alto for o edifício, por exigir sistemas cons- trutivos e de proteção (contra incêndio, intempéries) mais complexos; (b) no caso de inserção em áreas consolidadas, sobrecarga aos sistemas de infraestrutura urbana previamente existentes – abastecimento de água, esgotamento sanitário, energia elé- trica, sistema viário –, além de multiplicação da demanda aos serviços e equipamentos de uso coletivo; e Geografia Urbana – 24 – (c) modificação do clima local, com aumento da velocidade dos ventos ao nível da rua, sombreamento; prejuízo ao conforto térmico, lumínico e acústico, não só do entorno mas também do próprio edifício, conforme a altura e o posicionamento de determinada unidade – quanto mais alto o edifício, maior o problema de estratificação térmica e maior o consumo de energia para climatização (ROAF; CRICHTON; NICOL, 2009). Em estudo comparativo realizado por Souza (1994), que ana- lisou cerca de 70 metrópoles mundiais quanto a seu processo de crescimento, São Paulo e México apresentaram caracte- rísticas similares entre si e distintas em relação a metrópoles como Nova York, Tóquio, Londres e Paris: o ritmo de cresci- mento das latinoamericanas mostrou-se muito mais acelerado. Nesse processo, ao analisar o papel dos agentes produtores (incorporadores, construtores e vendedores), a autora des- taca a peculiar importância da figura do incorporador na área habitacional brasileira (SOUZA, 1994). Atividades 1. Desenvolva um fluxograma que explique o impacto das migrações dos trabalhadores das áreas rurais para as cidades e suas consequências para a organização do espaço geográfico. 2. Apresente uma estrutura que demonstre os diversos territórios que podem existir dentro do espaço urbano das cidades. 3. Explique por que o desenvolvimento econômico das grandes cidades confirma a teoria centro-periferia. Desenvolvimento da Geografia Urbana Introdução A Geografia Urbana tem como foco de estudo a formação das cidades, o processo de urbanização, os territórios e lugares em seus aspectos quantitativos, qualitativos e espaciais. No tocante ao espaço urbano, as cidades passam por um processo de evolução da cidade política para a cidade comercial, chegando, por fim, à cidade industrial. O aspecto de identificação com a cidade também é contem- plado no estudo sobre o lugar, isto é, o espaço que apresenta pontos de identificação com aqueles que ali se estabelecem. A ausência de identificação com o ambiente também é estudada com a definição dos não lugares. 2 Geografia Urbana – 26 – 2.1 Tipos de estudos geográficos urbanos Os estudos geográficos urbanos clássicos tratavam apenas da organização da superfície terrestre, buscando a compreensão do processo de construção do espaço urbano, por meio das interações e influências entre o homem e o espaço. Albert Demangeon escreveu, em 1942, que estudos urbanos “são os estudos dos grupos humanos nas suas relações com o meio geográfico” (DEMANGEON apud CHRISTOFOLETTI, 1982, p. 52). Assim, os estudos clássicos buscavam compreender as relações do homem com o meio físico. A partir do século XX, os estudos geográficos urbanos passam a ter diversas tipificações, dentre as quais se destacam: 2 Estudo sobre as cidades: abordam a formaçãoe o crescimento das cidades, o estabelecimento das redes urbanas e das regiões metro- politanas. Estudam, também, a relação entre as cidades, definidas pela hierarquia urbana e o futuro dessas localidades, promovendo novas formas de organização do espaço urbano e configurando a dicotomia entre o campo e a urbe. 2 Estudos sobre a urbanização: estudam a estruturação e a expansão territorial para organizar as aglomerações urbanas nas localidades. Estão diretamente ligados à centralidade nas atividades comerciais e industriais, criando uma força de atração populacional em relação ao campo. Tratam, também, das modificações e das obras impostas pelos gestores e pelos atores da cidade na conformação do território. 2 Estudos territoriais: tratam da estruturação do espaço urbano por meio das relações de poder estabelecidas pelos grupos organizados no local. Esses grupos se apropriam dos espaços definindo terri- tórios, que impactam a urbanização, bem como a formação e o crescimento das cidades. Além desses estudos, a geografia também pesquisa a territorializa- ção econômica da cidade, definindo o lugar das atividades econômicas, – 27 – Desenvolvimento da Geografia Urbana notadamente a indústria. No âmbito regional, a estrutura econômica tem o poder de direcionar o crescimento das atividades econômicas e a própria expansão da urbanização (BRITO; HORTA, 2002). Para melhor compreen- são dos processos de urbanização e de seus fenômenos e reflexos na cidade, a Geografia Urbana se utiliza de outras ciências auxiliares, como a economia e o urbanismo, distinguindo, assim, as relações sociais e econômicas que formam o espaço urbano. As pesquisas também contemplam o desenvolvimento regional e territo- rial, propondo a articulação e a interação entre o espaço urbano das cidades em uma mesma região. Esses estudos colaboram para a compreensão da formação do espaço regional, suas similaridades e diferenças, estabelecendo uma política de ordenamento da região. Por exemplo, nos anos de 1970, estudos regionais realizados em regiões metropolitanas demonstraram haver áreas que necessita- vam ser preservadas e áreas que deviam ser direcionadas à atividade industrial. Os dados coletados sobre a urbanização brasileira geram bases de dados que podem ser tratados e especializados em representações gráficas. Dessa forma, é possível realizar a análise da Geografia Urbana também por meio de mapas que retratem o fenômeno analisado, além de figuras, ícones ou infográficos explicativos para facilitar a compreensão da informação. Pode-se, ainda, contemplar aspectos da organização funcional urbana, como o uso da terra, a distribuição da vegetação e das águas, além do mapeamento das atividades da cidade e outros dados que designem funções específicas desse espaço. Essas informações sistematizadas e organizadas em mapas têm um papel fundamental para a elaboração e a consequente comunicação dos pla- nos diretores nas cidades. Ressalta-se que a organização do espaço, suas interações e configurações podem ser avaliadas de forma quantitativa ou qualitativa, ampliando o enten- dimento das formas espaciais urbanas: Geografia Urbana – 28 – 2 Aspectos quantitativos: a realidade do espaço urbano pode ser quan- tificável como área, densidade, superfície, fluxo etc. Permite a análise, a comparação, a espacialização por meio de modelos matemáticos. Assim, alguns aspectos, como população urbana, porcentagem de urbanização e crescimento urbano, são quantificáveis, permitindo que as informações sejam especializadas e, ainda, a geração de uma base de dados a serem compilados, organizados e tratados. 2 Aspectos qualitativos: refere-se ao tratamento dado aos espaços, proporcionando uma melhor qualidade ao espaço urbano. Podem tratar da qualidade da pavimentação, da acessibilidade, da adapta- ção do espaço ao clima, da melhor utilização dos recursos naturais etc. (SANTOS, 1985). Figura 1 – Área revitalizada para adequação ao uso urbano no município de Curitiba. Fonte: CURITIBA, 2012. A Figura 1 mostra o Parque das Pedreiras, em Curitiba, capital do Paraná. Esse parque, inaugurado no ano de 1992 no espaço em que havia uma antiga pedreira da cidade, contempla o teatro Ópera de Arame (estrutura tubular na parte inferior da imagem) e a Pedreira Paulo Leminski (área central da – 29 – Desenvolvimento da Geografia Urbana imagem), utilizados em grandes eventos na cidade. Assim, a área foi revitali- zada e destinada para outro fim, readequando-se o espaço e reduzindo-se os impactos ambientais e urbanos. Determinou, dessa forma, o aspecto quali- tativo do estudo geográfico urbano, garantindo a manutenção da paisagem urbana como um espaço de interação na cidade. Os aspectos quantitativos e qualitativos também são estudados pela ótica da arquitetura e utilizados como base de informações para melhorias e revitalização da paisagem urbana. Os aspectos quantitativos são quantificáveis na paisagem urbana, buscando controlar os aspectos físicos da cidade. Já os aspectos qualitativos referem-se ao tratamento dos espaços, a seu conforto, comodidade e qualidade ambiental, como a insonorização, o isolamento tér- mico e a insolação, entre outros, que dependem do tipo e estado de pavimen- tos e da adaptação ao clima local (LAMAS, 2004). 2.2 Desenvolvimento da Geografia Urbana A Geografia Urbana tem como objeto de estudo as áreas urbanas, bem como a produção do espaço urbano e suas alterações causadas pela ação antró- pica. Dessa forma, o desenvolvimento da Geografia Urbana está diretamente ligado ao desenvolvimento e à evolução das cidades. Em primeiro lugar, é importante compreender que as cidades sempre existiram e, no contexto da Geografia Urbana, apresentam construções dife- rentes, decorrentes de sua evolução histórica. Dessa forma, desconstrói-se a imagem clássica da cidade que nasce a partir da Revolução Industrial, caracte- rizando a dicotomia campo-cidade. Essa dicotomia clássica permitiu a cons- trução de uma visão da urbe como um espaço onde há um ritmo de urbaniza- ção constantemente acelerado, com alta densidade populacional e problemas urbanos comuns, como falta de moradia, de mobilidade urbana e de trabalho para a mão de obra excedente, que é atraída pela imagem popularizada da cidade. O espaço rural, por outro lado, é visto como um espaço bucólico, dis- tante das inovações dos espaços urbanos, carente de equipamentos públicos e sem os problemas encontrados na área urbana. Geografia Urbana – 30 – O estabelecimento de uma visão dicotômica que possibilita a constru- ção de uma imagem fantasiosa do campo e da cidade apresenta um grande problema para o entendimento da Geografia Urbana: o distanciamento entre espaço rural e espaço urbano não permite estabelecer uma relação entre ambos. Entretanto, a construção do espaço urbano contempla as relações existentes entre a cidade e o campo: assim como algumas atividades do campo interagem com a urbe, como as produtivas e econômicas (por exemplo, fornecimento de materiais e insumos para fábricas e estabelecimentos das cidades), o espaço urbano também se relaciona com o rural (no turismo, lazer, entre outros). Então, quando se pensa na dicotomia clássica entre o campo e a cidade dificulta-se a percepção da dinâmica que ocorre no espaço urbano. O desen- volvimento da Geografia Urbana, assim, passa pela desconstrução dessa pers- pectiva segmentada e pela proposta de uma nova visão do espaço urbano, que compreenda as características espaciais e temporais próprias das cidades. A cidade precisa ser entendida como um espaço percebido pela ótica da socie- dade, contrariamente à sua interpretação tradicional como um espaço predo- minantemente desenvolvido e, consequentemente, melhor. Nessa concepção, a Geografia Urbana estuda a cidade como resultado das aglomerações urbanase das relações econômicas e sociais estabelecidas. Sendo assim, a cidade não é uma invenção moderna, mas sim consequência de inte- rações advindas da concentração urbana. O desenvolvimento da Geografia Urbana, portanto, perpassa a evolução da urbe e de seu papel na construção social e na organização dos agrupamentos urbanos (CLARK, 1998). Para entender a dinâmica do processo de evolução urbana, é importante traçar uma linha histórica destacando o papel das cidades num contexto his- tórico, demonstrando a sua evolução como espaço de agregação urbana. Essa linha histórica tem início com a ausência da urbanização e evolui até a conso- lidação do processo, com a cidade industrial (SÁ et al., 2013). A cidade (num conceito de concretização do urbano) tem início com a cidade política. A função da cidade nesse período era o poder, pois nela se agre- gavam os nobres, os escribas e os administradores. Nessas cidades, a base eco- nômica era agrícola, cuja função era a manutenção do poder centralizado nos – 31 – Desenvolvimento da Geografia Urbana reis sobre a sociedade. Essas áreas dominadas e colonizadas serviam como bases administrativas e mercantis das aglomerações urbanas do Império, numa forma de extensão do poder imperial sobre o espaço urbano (LÉFÈBVRE, 1999). Outra função da cidade é a mercantil, que denota sua primeira função urbana (como fator agregador populacional e de reprodução de relações de produção). Embora o campo ainda tivesse a primazia econômica, inicia-se a dicotomia cidade-campo, tendo seus limites espacialmente estabelecidos. As atenções começam a se voltar para as cidades, a realidade urbana começa a ganhar forma e começam a surgir sua imagem e estrutura. A cidade mercantil é a cidade voltada para as trocas comerciais, que antes aconteciam em entron- camentos fora dos limites da cidade. Ela ganha força com a burguesia, uma classe intermediária surgida da nova vida comercial nos burgos (ou cidades) (LÉFÈBVRE, 1999). A partir disso, as cidades ganham autonomia administrativa e tem início um forte conflito social, demonstrado pela segmentação das classes (nobreza, clero e plebe), gerando o isolamento urbano. Elas se tornam espaços caracte- risticamente segregados e isolados, havendo uma forte dicotomia cidade- -campo. O trabalho agrícola e as feiras mercantis são atividades isoladas na cidade, cuja função é administrativa, atendendo à monarquia e à administra- ção e fortalecendo o espaço urbano (ULTRAMARI, 2009). A cidade industrial surge inicialmente com uma proposta contrária à formação das cidades, pois havia uma tendência inicial de estabelecimento das indústrias próximas aos fatores de produção: terra, recursos naturais, mão de obra e energia, criando, assim, novas cidades tipicamente industriais. Nesse período, o forte movimento de urbanização da sociedade para atender a demanda industrial fez com que o tecido urbano se estendesse, atingindo as cidades que ainda preservavam características mercantis. Com essas mudan- ças, a sociedade passou por um rompimento total com o conceito de campo (como oposição à cidade), criando a sociedade urbana, advinda do processo de industrialização (CASTELLS, 1983). Assim, as cidades tiveram sua importância fortalecida pela instalação dessas indústrias, devido ao grande contingente de mão de obra que migrou do campo (em função da revolução agrícola). Outra grande importância no Geografia Urbana – 32 – contexto industrial foi a formação de um vasto mercado consumidor. Nessas novas cidades, a função política é descartada e a indústria domina a paisagem (MONTE MÓR, 2007). A Revolução Industrial e o surgimento da cidade industrial são a consoli- dação do processo de formação da sociedade urbana. Com o advento da cidade industrial, a sociedade urbana atinge seu ápice em relação à transformação da paisagem e ocupação dos espaços, dando lugar a uma prioridade aos problemas dessa “nova sociedade”. A partir da consolidação de um processo histórico e menos civilizatório de urbanização ocorrido no final do século XIX, com a assimilação da Revolução Industrial pela sociedade, seria obrigatória a busca de soluções para problemas criados por um novo uso do espaço antigo e dos espaços naturais, de um modo nunca visto anteriormente (CASTELLS, 1983). A cidade industrial passa a ter uma função integradora, fazendo com que o tecido urbano se estendesse até o campo. Desse modo, o campo é então integrado à cidade por intermédio dos meios de produção, seja para suprimento de matéria-prima para a indústria, seja no consumo de bens industriais. Essas cidades industriais foram, assim, marcadas pela entrada da produção no seio do espaço do poder, trazendo com ela a classe trabalhadora, o proletariado. A cidade passou a não mais apenas controlar e comercializar a produção do campo, mas também a transformá-la e a ela agregar valor em formas e quantidades jamais vistas (SÁ et al., 2013). A evolução das cidades demonstra a importância da articulação do espaço urbano na organização das aglomerações urbanas, sempre acompa- nhando o desenvolvimento espacial dessas localidades, bem como as circuns- tâncias históricas que acompanham sua estrutura social. 2.3 Os lugares urbanos 2.3.1 O conceito de lugar Para entender os lugares urbanos, é importante conhecer o conceito geo- gráfico de lugar. De acordo com Moreira (2007), o lugar pode ser compreen- dido como uma fragmentação do espaço onde se estabelecem as relações de – 33 – Desenvolvimento da Geografia Urbana afetividade e de interação bastante próximas. Essa proximidade permite a construção de uma ligação sentimental com o espaço, contribuindo para a formação do aspecto cultural, com a construção dos valores de uma sociedade (MOREIRA, 2007). Qualquer cidade, independentemente de seu tamanho ou sua configu- ração, possui lugares urbanos, onde as pessoas estabelecem relações sociais, vivendo em sociedade, trabalhando, realizando seus negócios, fazendo suas compras, morando e se divertindo. Assim, a organização do espaço nas cida- des é feita de acordo com um zoneamento urbano definido, respeitando as necessidades de uso desse território pelos habitantes. O zoneamento define a divisão e a expansão urbana a partir de determinações legais, constituindo lugares especializados, com predominância de atividades definidas, como os centros industriais, as áreas residenciais, entre outros. Um exemplo particu- lar são as indústrias de montagem, como a automobilística, as quais atraem para suas proximidades numerosas outras indústrias de peças e componen- tes, assim como outros serviços que complementem a atividade industrial. Além disso, o zoneamento urbano estabelece as restrições de uso do espaço, definindo assim o poder de polícia do Estado e o ordenamento das cidades (DORNELES, 2010). 2.3.2 A teoria dos lugares centrais Outro conceito importante é o da teoria dos lugares centrais, desenvol- vida pelo geógrafo alemão Walter Christaller. Segundo Christaller (1966), existiriam princípios gerais que regulam o número, o tamanho e a distribui- ção dos núcleos de povoamento em grandes, médias e pequenas cidades, e ainda em minúsculos núcleos semi-rurais, os quais também são considerados como localidades centrais. Todos esses núcleos são dotados de funções cen- trais e teriam uma importância singular como distribuidores de bens e servi- ços, conforme aponta Corrêa (1989): Todas são dotadas de funções centrais, isto é, atividades de distri- buição de bens e serviços para uma população externa, residente na região complementar (hinterlândia, área de mercado, região de influência), em relação à qual a localidade central tem uma posição central. A centralidade de um núcleo, por outro lado, refere-se ao seu grau de importância a partir de suas funções centrais: maior o Geografia Urbana – 34 – númerodeles, maior a sua região de influência, maior a população externa atendida pela localidade central, e maior a sua centralidade. (CORRÊA, 1989, p. 21) Além dos lugares destinados aos espaços das indústrias, existem espaços destinados a atividades de comércio e serviços. Esses espaços são denominados pelos estudiosos da questão urbana de localidades centrais intra-urbanas. Esse conceito trata de lugares na cidade que são mais centrais em relação às demais áreas. Dessa forma, assim como existem lugares destinados a atividades específicas como comércio e serviços, existem, no espaço intra-urbano, lugares de uso misto, destinados a moradias, trabalho, serviços e lazer. Podemos, assim, entender que a cidade não é um lugar específico, mas um conjunto integrado de lugares. Durante o século XIX e início do século XX, as grandes cidades euro- peias eram conhecidas como lugares de pobres e desempregados sem residên- cia, gerando áreas configuradas com moradias precárias, carentes de serviços como água encanada, saneamento básico, ruas pavimentadas, eletricidade e transporte coletivo. Mesmo com a evolução do processo urbano, no século XXI encontra- mos municípios brasileiros que apresentam as mesmas características das cidades europeias do passado. Nesses municípios, há, ainda, a ausência de equipamentos urbanos como escolas, postos de saúde, creches, hospitais, entre outros. Esse fato gera problemas como a poluição dos rios, a ocupação de espaços irregulares e a precária condição das moradias. Tal cenário somente tende a mudar com a organização social dos moradores dessas regiões, reivin- dicando seus direitos de habitação, lazer e mobilidade urbana como forma de garantir o pleno acesso à cidade. Assim, alguns processos como a expansão urbana descontrolada e a migração para os grandes centros dificultam a organização do espaço, gerando a periferização das cidades e o surgimento de lugares como os subúrbios, favelas ou ocupações irregulares, como demonstrado na figura a seguir, que retrata o município de Ponta Grossa, no Paraná. – 35 – Desenvolvimento da Geografia Urbana F ig ur a 3 – M ap ea m en to d e oc up aç õe s ir re gu la re s do m un ic íp io d e P on ta G ro ss a, P R . F on te : P O N TA G R O SS A , 2 0 0 9 . Geografia Urbana – 36 – 2.3.3 Os “não lugares” No estudo da Geografia Urbana há, ainda, a ideia de não lugares, con- ceito criado pelo antropólogo francês Marc Augé (1994) para tratar do espaço de passagem que não permite a formação de uma identidade. Segundo Augé, todo e qualquer espaço que sirva apenas como espaço de transição e com o qual não se cria qualquer tipo de relação é um não lugar. Os não lugares podem ser definidos como espaços de anonimato, des- caracterizados e impessoais, os quais não expressam nenhum traço de iden- tidade ou história. De acordo com Augé (1994), cada vez mais as pessoas deixam de dar significados aos lugares, transformando o ambiente urbano em lugar de passagem. Consequentemente, grande parte dos centros urba- nos se transformam em não lugares, gerando padrões de comportamento e relações sociais nos grupos. São exemplos de não lugares: aeroportos, portos, terminais de ônibus, áreas de concentração de refugiados, grandes superfícies urbanas, shopping centers, supermercados, entre outros. É importante também destacar, no estudo dos não lugares, os conceitos de topofobia e topofilia. A palavra topofilia é um neologismo criado por Yi-Fu Tuan (1980, p. 107) que sintetiza o amor pelo lugar, ou seja, “todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material [...]” que podem ser diferenciados em intensidade, sutileza e modo de expressão. Bachelard (2000, p. 19) usa o termo topofilia para determinar a investigação das imagens do espaço feliz que desperta o valor humano, as quais podem se referir a espaços de posse, espaços amados, espaços louvados, como, por exemplo, a casa. A topofobia, por sua vez, pode ser traduzida também nas “paisagens do medo”, que são objeto de repulsão, dificultando a identificação e caracterização desses sentimentos, com uma valorização negativa desses lugares. Os sentimen- tos topofóbicos também compreendem aspectos estéticos, quando os lugares são feios e desagradáveis para as pessoas. A falta de segurança nas cidades pode ser um elemento topofóbico importante nos dias atuais, o que tem levado mui- tas pessoas a deixar um lugar em busca de outro, na procura por cidades de pequeno e médio porte para moradia, por exemplo (TUAN, 1998). – 37 – Desenvolvimento da Geografia Urbana Ampliando seus conhecimentos Definir o lugar? (CARLOS, 2007, p. 17-20) Nas Ciências Humanas e na geografia, em particular, o pro- blema da redefinição do lugar emerge como uma necessidade diante do esmagador processo de globalização, que se rea- liza, hoje, de forma mais acelerada do que em outros momen- tos da história. Nesse contexto, é possível, ainda pensar o lugar enquanto singularidade? O lugar é uma noção que e se desfaz e se despersonaliza diante da massacrante tendência ao homogêneo, num mundo globalizado? Ou lugar ganha uma outra dimensão explicativa da realidade como, por exem- plo “enquanto densidade comunicacional, informacional e técnica”, como afirma Milton Santos? Há hoje um debate muito profícuo sobre o sentido da noção de lugar. Podemos iniciar a reflexão com Milton Santos que afirma que existe uma dupla questão no debate sobre o lugar. O lugar visto “de fora“ a partir de sua redefinição, resultado do acontecer histórico e o lugar visto de “dentro”, o que impli- caria a necessidade de redefinir seu sentido. Para o Autor o lugar poderia ser definido a partir da densidade técnica (que tipo de técnica está presente na configuração atual do territó- rio), a (densidade informacional (que chega ao lugar tecnica- mente estabelecido) a ideia da densidade comunicacional (as pessoas interagindo) e, também em função de uma densidade normativa (o papel das normas em cada lugar como definitó- rio). À esta definição seria preciso acrescentar a dimensão do tempo em cada lugar que poderia ser visto através do evento no presente e no passado. Geografia Urbana – 38 – Acredito, no entanto, que podemos acrescentar ao que foi dito pelo professor o fato de que há também a dimensão da história que entra e se realiza na prática cotidiana (esta- belecendo um vínculo entre o “de fora” e o “de dentro“), instala-se no plano do vivido e que produziria o conhecido- -reconhecido, isto é, é no lugar que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões. Também significa pensar a história particular de cada lugar se desenvolvendo, ou melhor, se rea- lizando em função de uma cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são próprios, construídos ao longo da história e o que vem de fora, isto é, o que se vai construindo e se impondo como consequência do processo de constituição do mundial. Mas o que ligaria o mundo e o lugar? O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser anali- sado pela tríade habitante – identidade – lugar. A cidade, por exemplo, produz-se e revela-se no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprimem todos os dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no acidental. É o espaço passível de ser sen- tido, pensado, apropriado e vivido através do corpo. Como o homem percebe o mundo? É através de seu corpo de seus sentidos que ele constrói e se apropria do espaço e do mundo. O lugar é a porção do espaço apropriável para a vida – apropriada através do corpo – dos sentidos – dos pas- sos de seus moradores, é o bairro é a praça, é a rua, e nesse sentido poderíamosafirmar que não seria jamais a metrópole ou mesmo a cidade latu sensu a menos que seja a pequena vila ou cidade – vivida/conhecida/reconhecida em todos os can- tos. Motoristas de ônibus, bilheteiros, são conhecidos e reco- nhecidos como parte da comunidade, cumprimentados como tal, não simples prestadores de serviço. As casas comerciais são mais do que pontos de troca de mercadorias, são também pontos de encontro. É evidente que é possível encontrar isso – 39 – Desenvolvimento da Geografia Urbana na metrópole, no nível do bairro, que é o plano do vivido, mas definitivamente, não é o que caracteriza a metrópole. A tríade cidadão-identidade-lugar aponta a necessidade de considerar o corpo, pois é através dele que o homem habita e se apropria do espaço (através dos modos de uso). A nossa existência tem uma corporeidade pois agimos através do corpo. Ele nos dá acesso ao mundo, para Perec é o nó vital, imediato visto, pela sociedade como fonte e suporte de toda cultura. Modos de aproximação da realidade, pro- duto modificado pela experiência do meio, da relação com o mundo, relação múltipla de sensação e de ação, mas também de desejo e, por consequência de identificação com a proje- ção sobre o outro. Abre-se aqui, a perspectiva da análise do vivido através do uso, pelo corpo. Por outro lado, a metrópole não é “lugar” ela só pode ser vivida parcialmente, o que nos remeteria a discussão do bairro como o espaço imediato da vida das relações cotidianas mais finas – as relações de vizinhança o ir as compras, o caminhar, o encontro dos conhecidos, o jogo de bola, as brincadeiras, o percurso reconhecido de uma prática vivida /reconhecida em pequenos atos corriqueiros, e aparentemente sem sentido que criam laços profundos de identidade, habitante-habitante, habitante-lugar. São os lugares que o homem habita dentro da cidade que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida onde se locomove, trabalha, passeia, flana, isto é, pelas formas atra- vés das quais o homem se apropria e que vão ganhando o significado dado pelo uso. Trata-se de um espaço palpável – a extensão exterior, o que é exterior a nós, no meio do qual nos deslocamos. Nada também de espaços infinitos. São a rua, a praça, o bairro, – espaços do vivido, apropriados através do corpo – espaço públicos, divididos entre zonas de veículos e a calçada de pedestres dizem respeito ao passo e a um ritmo que é humano e que pode fugir aquele do tempo da técnica (ou Geografia Urbana – 40 – que pode revelá-la em sua amplitude). É também o espaço da casa e dos circuitos de compras dos passeios, etc. Os percursos realizados pelos habitantes ligam o lugar de domicílio aos lugares de lazer, de comunicação, mas o impor- tante é que essas mediações espaciais são ordenadas segundo as propriedades do tempo vivido. Um mesmo trajeto convoca o privado e o público, o individual e o coletivo, o necessário e o gratuito. Enfim o ato de caminhar é intermediário e parece banal – é uma prática preciosa porque pouco ocultada pelas representações abstratas; ela deixa ver como a vida do habi- tante é petrificada de sensações muito imediatas e de ações interrompidas. São as relações que criam o sentido dos “luga- res” da metrópole. Isto porque o lugar só pode ser compre- endido em suas referências, que não são específicas de uma função ou de uma forma, mas produzidos por um conjunto de sentidos, impressos pelo uso. [...] A história do indivíduo é aquela que produziu o espaço e que a ele se imbrica por isso que ela pode ser apropriada. Mas é também uma história contraditória de poder e de lutas, de resis- tências compostas por pequenas formas de apropriação. [...] Atividades 1. No século XXI, muitas das relações sociais estabelecidas nas cidades acontecem de forma virtual, pois diversos serviços são disponibiliza- dos na internet, eliminando deslocamentos e otimizando o tempo. Essa nova relação virtual altera a interação com o ambiente urbano. Assim, responda: Qual relação pode existir entre o acesso ao mundo virtual e a ampliação dos não lugares nas cidades? – 41 – Desenvolvimento da Geografia Urbana 2. A ausência de organização do espaço urbano pode levar à ocupação da cidade de forma desorganizada, gerando impactos no ambiente. Cite alguns desses impactos nas cidades. 3. O desenvolvimento da Geografia Urbana acompanha o processo de evolução das cidades, suas funções e configurações. Qual a relação entre a evolução das cidades e a formação de seu espaço urbano? Estudo do crescimento das cidades Introdução O fenômeno do crescimento urbano que teve seu auge nos anos 1960 quando a população urbana ultrapassou a população rural pode ser comprovado pelos indicadores do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) que destacam que mais de 80% da população brasileira está estabelecida em espaços urbanos. Para compreender o impacto desses números, faz-se necessário entender o processo de crescimento das cidades, seja pela aglomeração populacional, seja pelos padrões de renda. O padrão populacional busca compreender os fenôme- nos de migração e atração de novos habitantes para as cidades. Os padrões de renda, por sua vez, explicam a geração de riquezas na cidade e o acúmulo de fatores de produção: capital, terra e renda. A junção desses fatores ajuda a explicar o crescimento urbano e a concentração populacional. 3 Geografia Urbana – 44 – 3.1 O crescimento das cidades O estudo do crescimento das cidades passa pela investigação e análise dos padrões de crescimento urbano, contemplando a organização das aglo- merações urbanas, os padrões de crescimento populacional, as migrações e os movimentos pendulares e os padrões de crescimento da renda – refletindo no desempenho econômico dos espaços urbanos e nos custos relativos a imóveis e migrações. O sucesso de uma cidade pode ser compreendido como a inter- -relação de indicadores relacionados à alteração do tamanho da população e a produtividade da economia local. A aglomeração urbana pode ser compreendida como um conjunto de pessoas ou atividades que se concentram em espaços físicos relativamente pequenos, daí a sua forte aplicação na área urbana. O Estatuto da Metrópole a define como a unidade territorial urbana constituída pelo agrupamento de dois ou mais municípios limítrofes, caracterizada por complementari- dade funcional e integração das dinâmicas geográficas, ambientais, políticas e socioeconômicas (BRASIL, 2015). A existência de aglomerações urbanas também é importante para a com- preensão dos movimentos pendulares, que ocorrem, via de regra, na escala urbana ou regional e tem por contexto temporal o cotidiano dos indivíduos. São deslocamentos comuns em muitos centros urbanos, sobretudo os de grande e médio porte (MOURA; CASTELLO BRANCO; FIRKOWSKI, 2005). Esses movimentos “que caracterizam mobilidades de curta duração [...] dizem-se pendulares porque, realizados a horas mais ou menos fixas, refletem a estruturação do espaço e a existência ou não de hierarquias” (INE, 2003, p. 7). Para Milton Santos e Maria Laura Silveira (2001), esse crescimento dos centros urbanos está ligado à concentração dos fatores de produção: capi- tal (representado pelo dinheiro aplicado nos investimentos); terra (represen- tando os espaços urbanos e os imóveis); e trabalho (representando a alocação da mão de obra no mercado de trabalho). Numa economia de livre mercado, o capital e a mão de obra têm liberdade de mobilidade, podendo se movimen- tar entre as cidades. As cidades crescem porque, entre outros motivos, atraem um contingente de trabalhadores ou um volume maior de investimentos, levando à expansão do espaço urbano. Os trabalhadores migram para espaços – 45 – Estudo do crescimento das cidades urbanos maiores emais desenvolvidos, procurando aperfeiçoar a alocação do trabalho e maximizar suas rendas. As cidades que apresentam um crescimento bem-sucedido são aque- las que disponibilizam infraestrutura e suporte administrativo à atração de investimentos e negócios, aumentando a produtividade e pagando salários maiores. Da mesma forma, a qualidade dos serviços públicos (educação, saúde, transporte, entre outros) oferecidos atraem novos residentes e mão de obra mais qualificada para a cidade. Desse modo, a organização dos fatores de atração de novos residentes tende a fortalecer e expandir as aglomerações urbanas, gerando municípios com tamanhos diferentes e com volume de concentração diferente. Assim, temos, no país, cidades como São Paulo, com 11,89 milhões de habitantes, que contrasta com o município de Santos, por exemplo, com uma população de 419.086 habitantes (IBGE, 2010). Devido à concentração de um volume maior de empregos na região de São Paulo e uma maior oferta de serviços públicos, há um crescimento maior dessa cidade (LEMOS, 2003). 3.1.1 Padrões no crescimento populacional Nos anos de 1940 tem início a concentração populacional nos gran- des centros motivada pela migração interna, marcada por deslocamentos de trabalho em direção às novas fronteiras agrícolas do Paraná, Centro-Oeste e Maranhão, bem como das áreas industriais do Sudeste. Na década de 1970, a concentração das atividades industriais nos gran- des centros urbanos contribuiu para a aceleração do processo de migração, fazendo com que novas cidades surgissem no entorno das principais cidades e alterando a dinâmica demográfica brasileira. Esse fluxo migratório em dire- ção às cidades levou a um crescimento da população urbana, e a demografia brasileira passou a seguir uma tendência natural de superação da população urbana em relação à rural. Nesse cenário, houve uma elevação do total da população urbana, saltando de 56% nos anos 1970 a mais de 80% nos anos 2010. As Nações Unidas estimam que esse percentual será superior a 90% até os anos 2040, aumentando a população brasileira a um total de 200 milhões de habitantes (ONU-HABITAT, 2012). Geografia Urbana – 46 – Figura 1 – População rural e urbana do mundo (1950–2050). Urbana Rural Fonte: UN, 2015, p. 7. Para fins de compreensão, entende-se aglomeração urbana como a con- centração de pessoas, serviços, atividades etc. em espaços compactos, não ultrapassando necessariamente os limites político-administrativos de uma cidade (MIYAZAKI, 2008). Matos (2000), por sua vez, expande o con- ceito, compreendendo a aglomeração urbana numa perspectiva mais ampla, segundo a qual o urbano se processa em um conjunto mais complexo e extenso, que engloba mais de uma cidade. No caso brasileiro, os dados demográficos apontam que o crescimento populacional nos últimos anos tem sido mais intenso nas regiões Norte e Centro-Oeste e mais lento no Sudeste e no Sul (conforme demonstrado na Tabela 1), ao contrário do que ocorreu nos anos 1970, com o destino para os grandes centros produtivos industriais. – 47 – Estudo do crescimento das cidades Tabela 1 – População censitária total e taxa de crescimento demográfico (2000–2010). BRASIL Censo 2000 Censo 2010 Taxa de crescimento demográfico 169.799.170 190.755.799 12,34% Região Norte 12.900.704 15.864.454 22,97% Região Nordeste 47.741.711 53.081.950 11,19% Região Sudeste 72.412.411 80.364.410 10,98% Região Sul 25.107.616 27.386.891 9,08% Região Centro-Oeste 11.636.728 14.058.094 20,81% Fonte: IBGE, 2010. Adaptado. O crescimento populacional na região Centro-Oeste demonstra que exis- tem fatores que podem alterar a composição demográfica em uma década, como: 2 A alteração do perfil econômico da região que, atrelada à expansão da fronteira da atividade agrícola, atraiu novos estabelecimentos agroindustriais e novos habitantes para os municípios da região, levando ao crescimento das cidade. 2 A expansão territorial da área agrícola que levou à maior utilização do solo para atividades econômicas, acarretando uma redução das áreas disponíveis e dificultando a formação de novas cidades, o que resulta no fortalecimento do papel das cidades existente. 2 A expansão da atividade agrícola que, apesar da concentração popula- cional nas cidades, leva ao fortalecimento das áreas rurais, incentivando a fixação dos trabalhadores no campo e definindo um novo padrão de migração rural-urbano, o qual atrai mais habitantes de outras regiões do que do próprio estado (HADDAD; PASTRE, 2016). Geografia Urbana – 48 – No entanto, cabe destacar que a ausência de políticas de desenvolvi- mento regional, que organizem o espaço e a formação de novas cidades, faz com que as cidades cresçam e possuam um tamanho maior que o recomen- dado, comprometendo a gestão e a organização dessas cidades. Existe uma relação diretamente positiva entre o crescimento das cidades e das aglomerações urbanas e a disponibilidade de empregos em atividades não agrícolas. As cidades industriais vão atrair mais trabalhadores e concentrar mais habitantes, acumulando maior capital humano e mão de obra capacitada, estando mais preparadas para se adaptar às inovações tecnológicas. Por esse motivo, essas cidades acabam se tornando polos de desenvolvimento tecnoló- gico, por ter capital humano acumulado e mão de obra mais capacitada. Portanto, o crescimento das cidades está relacionado à capacidade de atração e concentração demográfica baseado em trabalho e educação. A capa- cidade institucional de articular as políticas públicas de educação, trabalho e emprego contribui para a migração de habitantes para as cidades, ampliando o processo de concentração populacional. Uma visão geral do sistema urbano brasileiro mostra que o crescimento das cidades é desigual, com um número reduzido de cidades grandes que dominam a concentração populacional e, consequentemente, a concentração de capital humano. 3.1.2 Padrões no crescimento da renda Uma segunda explicação para o crescimento das cidades passa pelo desempenho econômico, entendido aqui como a riqueza produzida pelas ati- vidades produtivas e a renda média domiciliar, correlacionado com os salários pagos nessa economia (CARVALHO, 2003). Uma variável importante para análise é o preço dos imóveis urbanos que, mesmo variando de forma signi- ficativa entre as cidades, demonstra a renda da família. O preço dos imóveis geralmente está relacionado a alguns fatores como a urbanização da região onde está localizado, o transporte que garanta a facilidade de acesso, proxi- midade de infraestrutura de serviços públicos e privados, entre outros. Com o aumento do preço da terra, há elevação dos custos de aluguel, elevando também a renda dos locadores. – 49 – Estudo do crescimento das cidades É importante entender o conceito de uso do solo como a forma pela qual o espaço está sendo ocupado pelo homem. Exemplos desses usos do solo são: área urbana, pastagens, florestas e locais de mineração. As decisões sobre o uso do solo também podem ocorrer pelo interesse particular dos agentes, como na especulação imobiliária, que é a compra ou aquisição de bens imóveis com a finalidade de vendê-los ou alugá-los posteriormente, na expectativa de que seu valor de mercado aumente durante o lapso de tempo decorrido. O desempenho econômico das cidades não depende apenas da orga- nização e do planejamento das cidades, mas também é consequência das políticas públicas federais e estaduais adotadas. A economia brasileira, numa análise dos últimos 50 anos, apresenta uma flutuação de resultados, partindo de um crescimento exponencial nos anos 1970 ao declínio nos anos de 1980 e à recuperação e estabilidade econômica nos anos 1990. Observando esses dados, percebe-se que o cenário positivo dos anos 1970 ocorreu no con- texto da desconcentração
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