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SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL 
Curso de Especialização Latu Sensu em Artes Visuais: 
Cultura e Criação 
 
 
 
RÉGIS COSTA DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profana Sacrum Corpus 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2013 
RÉGIS COSTA DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profana Sacrum Corpus 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Serviço 
Nacional de Aprendizagem Comercial/MA 
como requisito final para a obtenção do 
título de Especialista em Artes Visuais: 
Cultura e Criação. 
 
 
Orientadora: Profª Msc. Marineide 
Câmara Silva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2013 
 
 
RÉGIS COSTA DE OLIVEIRA 
 
 
Profana Sacrum Corpus 
 
 
 
 
 
 
Monografia apresentada ao Serviço 
Nacional de Aprendizagem Comercial/MA 
como requisito final para a obtenção do 
título de Especialista em Artes Visuais: 
Cultura e Criação. 
 
 
 
 
 
 
 
______________________________________________ 
Francilene Souza do Rosário 
Gerente da Divisão Técnica-Pedagógica 
 
 
 
 
______________________________________________ 
Flory Gomes Guimarães 
Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância 
 
 
 
 
______________________________________________ 
Profª Msc. Marineide Câmara Silva (Orientadora) – Senac São Luís 
 
 
 
 
______________________________________________ 
Profª Msc. Luciana Silva Aguiar Mendes Barros – IFMA 
 
 
 
 
São Luís 
2013 
 
RESUMO 
 
 O presente projeto consiste na leitura dos símbolos da tradição imagética 
cristã, especialmente da Idade Média, além dos trabalhos de Arthur bispo do Rosário 
e Farnese de Andrade para a posterior construção de um objeto artístico vinculado 
às poéticas contemporâneas, intitulado PROFANA SACRUM CORPUS. O processo 
criativo principiou com o universo imagético do autor, sendo este ampliado e 
fundamentado com o estudo dos artistas citados acima, garantindo assim um 
aspecto autobiográfico e subjetivo ao trabalho. 
 
Palavras-chave: imaginário cristão medieval. Retábulo. Poéticas contemporâneas. 
Cultura. Processo de criação. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This project consists of the reading of the symbols of traditional Christian 
imagery, especially the Middle Ages, and the works of Arthur Bispo do Rosário and 
Farnese de Andrade for the subsequent construction of an artefact linked to 
contemporary poetry, titled PROFANA SACRUM CORPUS. The creative process 
began with the imagery universe of the author, this being extended and reasoned 
study of the artists mentioned above, ensuring thus an autobiographical and 
subjective work. 
 
Keywords: medieval Christian imagery. Altarpiece. Contemporary poetics. Culture. 
Creation process. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
 
Figura 1: Arquivo pessoal ....................................................................................... 9 
Figura 2: Karin Lambrecht – Sem título ............................................................... 13 
Figura 3: Márcia X – Desenhando com X ........................ .....................................13 
Figura 4: Arthur Bispo do Rosário – Eu preciso destas palavras – escrita 
.................................................................................................................................. 16 
Figura 5: Arthur Bispo do Rosário – Manto da apresentação............................ 17 
Figura 6: Farnese de Andrade – Tudo continua sempre..................................... 18 
Figura 7: Matthias Grünewald – Retábulo de Issenheim..................................... 20 
Figura 8: Hieronymus Bosch – Jardim das delícias terrenas............................. 20 
Figura 9: Hieronymus Bosch – Jardim das delícias terrenas............................. 21 
Figura 10: Arquivo pessoal.................................................................................... 24 
Figura 11: Arquivo pessoal.................................................................................... 25 
Figura 12: Arquivo pessoal.................................................................................... 27 
Figura 13: Arquivo pessoal.................................................................................... 28 
Figura 14: Arquivo pessoal.................................................................................... 29 
Figura 15: Arquivo pessoal.................................................................................... 29 
Figura 16: Arquivo pessoal.................................................................................... 30 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 ET PUER SACRUM ................................................................................................ 8 
2 PROFANA SACRUM CORPUS..............................................................................10 
3 CONCEPIMUS CORPORIS................................................................................... 23 
4 LEGERE CORPUS................................................................................................ 31 
5 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
1 ET PUER SACRUM 
 
A relação que mantenho com os símbolos cristãos foi principiada durante a 
infância. Pelo fato de pertencer a uma família católica, desde a tenra idade fui 
conduzido para uma formação cristã permeada por valores retirados dos textos 
sagrados e de um vasto acervo visual. A matriarca da família, minha avó paterna, 
mantinha em seu quarto um verdadeiro santuário marcado pela profusão de 
imagens. A maneira como ela dispunha as imagens que adquiriu ao longo de sua 
vida era semelhante à profusão de uma sala de ex-votos. Todavia, cada imagem 
tinha um significado e um valor. As representações de Cristo, as cenas da 
crucificação e as inúmeras imagens de Maria povoavam o apertado espaço que 
desempenhava uma dupla função, quarto e oratório. Recordo como esse espaço 
sempre me fascinou. Era um local totalmente deslocado da estrutura do restante da 
casa. Um santuário que merecia um comportamento específico, condizente com os 
valores cristãos. Mesmo nesse pequeno santuário doméstico, a imagem sacra 
continuava desempenhando com eficácia o seu caráter didático. 
Outro aspecto relevante quanto à estrutura desse ambiente era a forma como 
as imagens eram dispostas. Como o quarto não foi projetado para atuar como uma 
capela ou oratório, as imagens eram acomodadas nos pequenos espaços que 
surgiam, geralmente no canto de um armário tocador, na extremidade de uma 
prateleira, disputando o espaço próximo ao espelho, garantindo uma profusão 
gerada pela organização casual das imagens. Essa mesma distribuição pode ser 
encontrada, curiosamente, em muitas obras de artistas contemporâneos, 
especialmente nos trabalhos de Arthur Bispo do Rosário e Farnese de Andrade. 
O fato de ter crescido em meio a esse ambiente fez com que eu sempre 
nutrisse um interesse pelo imaginário cristão e esse interesse foi potencializado 
quando entrei pela primeira vez, ainda criança, em uma sala de ex-votos. A 
disposição caótica das peças de madeira e cera, ocupando todos os espaços 
disponíveis do salão, representando partes do corpo humano como mãos, pernas, 
braços, troncos, cabeças além de objetos, pequenos quadros, fotografias, cartas e 
uma infinidade de artigos em retribuição a alguma graça alcançada, provocaram em 
mim um sentimento de fascínio e medo. Esse contato foi fundamental para que o 
meu interesse pelo imaginário cristão e pelas tradições religiosas do povo brasileiro 
fosse intensificado. 
9 
 
Apesar da relação que foi iniciada durante a infância com o imaginário cristão, 
relação essa marcada pelo antagonismo entre o fascínio e o medo, eu nunca estive 
presoaos dogmas da igreja católica. Por apresentar uma certa inquietação em 
relação aos valores defendidos pelo cristianismo, sempre tive a liberdade para 
utilizar os símbolos cristãos sem a perseguição da culpa por estar cometendo algum 
ato profano. Tal liberdade permitiu que eu buscasse em minha memória de infância 
esse universo, já adormecido, para a construção do presente projeto. Um dos 
fatores que contribuiu para esse resgate foi a retomada do contato com esses 
símbolos. Com o falecimento da minha avó paterna, o seu santuário foi desfeito e tal 
fato fez com que a lembrança que eu tinha desse espaço outrora tão especial 
ficasse adormecida. Passados alguns anos, ao me casar, reencontrei as minhas 
lembranças e as imagens que marcaram a minha infância através da minha sogra, 
pois a sua religiosidade também a imbuiu na tarefa de construir um santuário em sua 
casa (figura 1), além das tradições que ela preservava como a montagem do 
presépio e a posterior queimação de palhinha. 
 
 
Figura 1 
Oratório doméstico 
Arquivo pessoal. 
 
10 
 
Assim que decidi que as imagens de infância ligadas ao universo da arte cristã 
seriam o tema do presente projeto, parti para o segundo momento que consistiu na 
escolha dos artistas que referenciariam o meu processo. A escolha de Farnese de 
Andrade e Arthur Bispo do Rosário está diretamente relacionada à forma como 
esses artistas dialogaram com as poéticas contemporâneas e com a simbologia 
cristã. Nos dois casos um traço característico é o emprego de materiais descartados 
pela sociedade. Esses materiais tanto documentam a sociedade contemporânea 
como são submetidos a um processo de sagração, dispostos no interior de oratórios 
ou bordados em mantos ritualísticos. Para garantir que durante a execução do 
projeto a influência da obra dos dois artistas seja notória, o retábulo foi escolhido 
como suporte, possibilitando dessa forma um diálogo com a obra de Farnese de 
Andrade, uma vez que esse artista utilizava os oratórios para dispor os seus objetos 
que seriam, assim, sacralizados. A relação com a obra de Arthur Bispo do Rosário 
está presente nas formas que serão dispostas no interior do retábulo, 
representações fragmentadas do corpo distribuídas de maneira assimétrica. Tais 
imagens também estão relacionadas à tradição dos ex-votos e serão criadas a partir 
de fragmentos do corpo humano, incluindo do próprio autor do projeto através de 
fotografia digital e programas de edição de imagens, como o Photoshop. A obra 
PRONANA SACRUM CORPUS não representa apenas o diálogo entre as poéticas 
contemporâneas e o imaginário cristão medieval. A obra corporifica o conflito entre o 
sagrado e o profano, conflito que me acompanha desde a infância. Fruto dessa 
relação antagônica, meu corpo emerge fragmentado em um gesto de autoimolação 
para finalmente alcançar a redenção ao ser sacralizado. 
 
 
2 PROFANA SACRUM CORPUS 
 
A sociedade contemporânea é caracterizada, dentre outros aspectos, por 
possuir um vasto e complexo acervo visual. Esse acervo, edificado ao longo da 
trajetória humana, atua como uma ferramenta valor incomensurável, pois documenta 
a história da humanidade através de diferentes olhares. As imagens foram e são 
concebidas a partir de fatores que orientam o olhar tanto de quem as produz como 
de quem as lê. Dessa forma, uma determinada obra visual pode ser produzida 
11 
 
revelando a influência exercida por um regime político, por uma escola filosófica, por 
um modelo cultural, por uma religião ou um paradigma estético. Os fatores externos 
à poética visual que se interpõem no processo criativo, de forma direta ou indireta, 
garantem que as imagens carreguem consigo uma gama de informações que 
excede o conteúdo puramente plástico. 
Identificar o impulso primevo que levou os hominídeos ao processo de 
registro visual, exigindo destes o desenvolvimento de tecnologias complexas, como 
a produção de tintas através da trituração de minerais, corresponde a uma tarefa 
que desafia vários campos do saber. Todavia, se o impulso que levou a criação da 
primeira imagem não pode ser hoje identificado, tal impossibilidade não cerceou o 
desejo latente que a humanidade manifesta quanto ao uso da imagem como 
importante meio expressivo. É possível traçar e analisar a história humana através 
das imagens. 
Criar imagens sempre correspondeu a um desafio, exigindo de artesãos e 
artistas o desenvolvimento de certas tecnologias. Por muitos séculos os meios para 
a produção de trabalhos bidimensionais e tridimensionais foram escassos e caros, 
limitando o acesso às imagens a grupos seletos. Durante a antiguidade, os 
monumentos honoríficos e as esculturas dispostas nos templos correspondiam ao 
acervo visual de caráter público, situadas em pontos estratégicos e carregadas de 
conteúdos ideológicos. Os bustos, afrescos, camafeus dentre outros integravam um 
acervo visual de caráter privado, produzido especificamente para a elite econômica 
e cultural dos principais centros urbanos do mundo antigo. 
Com a consolidação e expansão do cristianismo um novo acervo visual foi 
composto. Partindo dos símbolos primitivos gravados nas catacumbas aos ricos 
afrescos, relevos, mosaicos, vitrais e retábulos espalhados nas inúmeras igrejas 
medievais, pouco a pouco um novo universo visual foi construído. O uso da imagem 
enquanto importante ferramenta de doutrinação fez com que o seu emprego, 
associado à comunicação, alcançasse um patamar sem precedentes. Os símbolos 
cristãos foram espalhados por toda Europa ao longo da Idade Média, abrangendo 
tanto as regiões campesinas quanto os centros urbanos em formação. No cerne 
desse processo, os templos atuaram como um espaço multimídia, integrando todos 
os elementos litúrgicos em uma eficiente campanha doutrinária. O espaço 
arquitetônico religioso foi concebido de forma a utilizar as diferentes linguagens 
artísticas para corroborar a fé. A possibilidade de estabelecer uma comparação 
12 
 
entre uma igreja medieval, notadamente a catedral gótica, e um espaço multimídia 
deve-se principalmente pela concepção da estrutura arquitetônica a partir da 
integração de diferentes elementos, como as projeções luminosas obtidas através 
da refração da luz nos vitrais, o vasto conjunto escultórico e a verticalidade que 
sugere uma estrutura que desafia os céus. A eficácia do emprego do recurso visual 
como ferramenta didática pelo cristianismo contribuiu para a permanência dessas 
imagens no imaginário ocidental, garantindo a sua vitalidade em pleno século XXI. 
A permanência dos símbolos cristãos no imaginário ocidental, especialmente 
nas regiões que foram marcadas pela influência da igreja católica, como o caso 
brasileiro, é um dos fatores que contribui para o frequente diálogo entre a religião e a 
arte. Apesar desse elo ter ocorrido ao longo da história de forma oficial, alcançando 
seu paroxismo em dois momentos distintos, a Idade Média e o século XVII com a 
estética barroca, ainda hoje artistas contemporâneos dialogam com o universo 
simbólico cristão, revelando nesse diálogo olhares norteados pela história da arte, 
pela filosofia, pela sociologia ou simplesmente pela subjetividade do artista. 
Diferente do trabalho realizado por artesãos que reproduzem as imagens sacras 
barrocas, na condição de mestres santeiros, a relação citada acima consiste em um 
processo de apropriação, interferência e releitura dos símbolos cristãos, 
evidenciando em certos casos uma postura de crítica e em outros, um forte 
envolvimento religioso. Como exemplos da apropriação e releitura dos símbolos 
religiosos, dois recentes trabalhos despertaram polêmica e o interesse da mídia. A 
artista gaúcha Karin Lambrecht apresenta em sua trajetória um rico vocabulário 
edificado a partir do diálogo entre as poéticas contemporâneas e o imaginário 
cristão. Na imagem abaixo referente a uma instalação realizada em 2001 (figura 2), 
a artistautilizou o sangue e as vísceras de um carneiro para estampar vestidos e 
pedaços de tecidos, todos brancos. A construção da instalação foi precedida por um 
ato performático que reitera a tradição cristã da imolação. Um carneiro foi sacrificado 
e o seu sangue utilizado como pigmento. Vários convidados receberam as vísceras 
do animal, logo após o sacrifício, para que as imprimissem sobre os tecidos. A obra 
revela ao público um processo que excede os limites da estrutura puramente 
plástica. O processo compositivo é destituído dos aspectos formais e envolto por 
uma névoa aureolar. 
13 
 
 
 
 
 
 
A obra “Desenhando com terços”, da artista Márcia X foi responsável por uma 
grande polêmica durante a exposição “Erótica – o sentido da arte” realizada em 
2006 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro. A obra 
corresponde a dois pênis desenhados com terços, sobrepostos em formato de cruz 
(figura 3). O trabalho de Márcia X percorre um trajeto oposto ao traçado pela 
instalação de Karin Lambrech. Enquanto “Desenhando com terços” dessagra um 
símbolo cristão, os objetos triviais utilizados por Lambrech são sacralizados durante 
o rito que antecede a construção da instalação. 
 
 
Figura 2 
Karin Lambrecht. Sem Título, 2001(detalhe). Instalação com 
vestidos brancos, sangue de carneiro, impressões de 
vísceras de carneiro sobre papel e fotografia. 
Fotografia Fábio Del Re. Reprodução a partir do catálogo 
Iconografias Metropolitanas/ 25a Bienal de São Paulo. 
Fundação Bienal de São Paulo: de 23 de março a junho de 
2002. 
 
Figura 3 
 Márcia Pinheiro de Oliveira (Márcia X). 
Desenhando com terços,2000 detalhe). Desenhos 
realizados com terços. Retirado do site: 
http://indocileindizivel.blogspot.com.br/2010/11/des
enhando-em-tercos.html 
 
 
 
http://indocileindizivel.blogspot.com.br/2010/11/desenhando-em-tercos.html
http://indocileindizivel.blogspot.com.br/2010/11/desenhando-em-tercos.html
14 
 
Os exemplos citados acima evidenciam quão delicada é a relação traçada 
hoje entre arte e religião. Com a liberdade legada aos artistas contemporâneos 
através das experiências vanguardistas, permitindo a incorporação de qualquer 
objeto retirado do universo da não arte ao processo criativo, o emprego de símbolos 
religiosos tornou-se usual. Todavia, esses símbolos são submetidos a um novo 
contexto e permeados com novos significados, ora garantindo a sua dessagração ou 
sacralizando formas e símbolos retirados de um universo profano. Essa abordagem 
conceitualista afasta os trabalhos contemporâneos de artistas como Karin Lambrecht 
e Márcia X dos objetivos ordinariamente atribuídos ao imaginário cristão medieval. O 
caráter didático e doutrinário exercido pelas iluminuras, afrescos, vitrais, relevos e 
retábulos, todos situados no conjunto multimidiático das catedrais góticas, foi 
subvertido pelas transformações impostas pela sociedade contemporânea. Os 
mecanismos de reprodutibilidade da imagem garantiram a apropriação de grande 
parte desse acervo, tornando os retábulos e afrescos medievais acessíveis e 
passíveis de qualquer intervenção. O processo de desmaterialização da imagem e a 
valorização do aspecto conceitual do objeto artístico atingiu o acervo da arte sacra, 
retirando desse universo os recursos para a estruturação das diferentes poéticas 
contemporâneas, deslocando a imagem medieval do seu santuário contemplativo 
para o campo do estranhamento e da reflexão. 
A relação entre o público e os trabalhos contemporâneos que recorrem aos 
símbolos do imaginário cristão é geralmente marcada pelo signo do estranhamento. 
Um dos aspectos que contribui para essa relação antagônica é a forma como as 
imagens sacras são percebidas pelos indivíduos a elas ligados. As imagens 
dispostas nos altares e retábulos das igrejas brasileiras são vistas pelos fiéis como 
estruturas divinizadas, em alguns casos as representações são identificadas como a 
própria personificação do personagem bíblico. O deslocamento dessa imagem do 
campo do sagrado para o universo profano gera a desconfiança e o estranhamento. 
Nos casos em que tais imagens são associadas a temas polêmicos, como o 
erotismo, as reações podem levar a uma postura censora por parte das autoridades. 
Todavia, esse comportamento é manifestado especialmente nas obras em que as 
relações entre o sagrado e o profano ocorrem de forma mais explícita. Nas obras em 
que tal relação ocorre de forma mais poética e menos literal, o estranhamento é 
abrandado. 
15 
 
Arthur Bispo do Rosário e Farnese de Andrade integram o universo de artistas 
que dialogam, em seus trabalhos, com a tradição da arte sacra. Todavia, nos dois 
casos, os artistas construíram um vocabulário visual sem a mesma apropriação 
direta da iconografia cristã, situando os símbolos retirados da sagaz observação do 
seu cotidiano em espaços que remetem aos oratórios ou pequenos objetos 
litúrgicos. 
A trajetória artística de Arthur Bispo do Rosário ocorreu principalmente 
durante a sua permanência na colônia psiquiátrica Juliano Moreira, no Rio de 
Janeiro. Alegando possuir uma missão divina, atribuída por um anjo em uma 
revelação mística, Arthur Bispo do Rosário partiu do seu universo visual e dos 
precários materiais disponíveis para compor, ao longo de aproximadamente 30 anos 
de trabalho, um conjunto com mais de 1000 peças. Segundo COSTA FILHO: 
 
A matéria-prima para a produção destas construções e montagens 
são as mais diversas. Na sua maioria, são sucatas de objetos 
industriais descartados, tais como canecas, cabos de vassouras, 
botões, pentes, lençóis, roupas, carrinhos de plástico, estatuetas de 
santos etc, encontrados no ambiente da colônia, selecionados e 
colecionados para a sua utilização a posteriori. Também são 
aproveitadas as caixas de madeira vazias de frutas ou outros 
pedaços de madeira. Outros materiais são gradativamente obtidos, 
ora comprados diretamente em lojas, como alguns tipos de linha, ora 
ofertados por alguém e incorporados aos seus trabalhos. Além 
destes, temos uma base material que serve de suporte para a 
realização das atividades, compostas basicamente de madeira, 
tecido e papelão e associados a eles, as linhas e cordas, o plástico e 
metais (COSTA FILHO, 2007, p. 65). 
 
 
O acervo formado pelas obras de Arthur Bispo do Rosário é constituído 
principalmente por peças tridimensionais. Dentre estas merecem destaque os ricos e 
delicados bordados presentes nos estandartes e principalmente no Manto da 
Apresentação. No estandarte “Eu preciso destas palavras. escrita” (figura 4), Bispo 
realizou um registro visual a partir das imagens que lhe eram familiares. Imbuído 
pelo desejo de inventariar tudo a sua volta, o artista bordou figuras e principalmente 
palavras. A frente do estandarte é povoada por palavras organizadas em textos ou 
simplesmente descrevendo as partes constitutivas do corpo humano. O verso da 
peça apresenta referências geográficas e configurações geométricas. Apesar dos 
trabalhos de Bispo não revelarem de forma clara o caráter sacro em sua estrutura 
16 
 
compositiva ou em muitas das imagens bordadas, já que estas reproduzem o 
universo visual que lhe era comum, a história que envolve a vida e a obra do artista 
revela um ato profético e de fervor religioso. A obra de Bispo se confunde com a 
missão mística de inventariar o mundo para o dia do Juízo Final. Essa missão lhe foi 
atribuída por um anjo durante uma aparição mística. O empenho empreendido por 
Bispo não encontra justificativa no universo artístico. O seu impulso foi mágico-
ritualístico. Coube à crítica de arte destituir os trabalhos do caráter sacro e 
contextualizá-los no âmbito da Arte Contemporânea. Isto justifica o fato de Arthur 
Bispo do Rosário não ter sido sepultado com o Manto da Apresentação, justamente 
a peça mais importante do artista, confeccionada para o dia do Juízo Final, quando 
finalmente Bispo concluiria sua missão registrando apassagem de Deus pela terra. 
O manto é a peça que em sua plenitude revela o caráter sacro, seja quanto à forma 
ou quanto a sua função. 
 
 
Figura 4 
Arthur Bispo do Rosário, EU PRECISO 
DESTAS PALAVRAS - ESCRITA . 
Tecido e madeira. 
Catálogo da Exposição 
 
17 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Farnese de Andrade trabalhou principalmente com a assemblage. A sua obra, 
de caráter autobiográfico, recorre frequentemente a imagens de pessoas que 
mantiveram com o artista algum laço, especialmente o vínculo familiar. O processo 
compositivo foi constituído pela seleção dos materiais descartados pela sociedade. 
A assemblage desses materiais ocorria a partir de uma relação simbólica, 
permeando cada estrutura com novos significados. Segundo BOPPRÉ: 
 
A matéria-prima de seus trabalhos não tinha origem no que era novo 
(uma superfície em branco, um tubo de tinta), mas sim nas visitas 
sistemáticas que ele fazia àquilo que pode ser considerado o despojo 
da modernidade brasileira: os ferros-velhos, as praias com seu lixo 
marinho, os antiquários entre outros lugares de abandono. A partir 
desses depósitos de objetos semivivos, destes arquivos mortos, que 
o artista extraiu sua poética (BOPPRÉ, 2009, p. 18). 
 
A presença de temas recorrentes, como a morte e as figuras paterna e 
materna na obra de Farnese de Andrade acentua a subjetividade e o discurso 
poético. As estruturas confeccionadas para abrigar esse inventário visual, em grande 
Figura 5 
Arthur Bispo do Rosário, Manto da Apresentação. Tecido, linha de lã, dólmãs de cortina. 
Retirado do site: http://www.zeronaldo.com/wp-content/uploads/2012/08/arthur_bispo_rosario_03.jpg 
 
 
18 
 
parte um relato autobiográfico, são semelhantes aos oratórios domésticos 
encontrados nas residências de famílias marcadas pela religiosidade. O fato de o 
artista ter nascido em uma pequena cidade mineira certamente contribuiu para a 
escolha dos oratórios e ex-votos como elementos recorrentes em sua obra. A obra 
Tudo Continua Sempre, de 1974 (figura 6) utiliza um oratório com uma taça 
colocada em seu interior. Apoiadas sobre a taça cabeças de bonecas, em 
proporções distintas, são organizadas verticalmente, simulando uma coluna ou 
obelisco. A cabeça colocada sobre a base é a maior enquanto que a cabeça 
disposta no topo da estrutura é a menor. A força simbólica do oratório não foi 
totalmente destituída com o processo de apropriação e interferência realizado por 
Farnese. Ao dispor no interior do oratório objetos contemporâneos e sem um 
conteúdo nitidamente sacro, Farnese contribuiu para a sagração dessa nova 
composição. O conjunto revela um constante jogo de antagonismos. A couraça, 
nesse caso o oratório, cria uma delimitação religiosa, permeando as imagens por ela 
abrigadas de um significado sacro. A estrutura interna, formada por figuras e objetos 
descartados pela sociedade, cria uma força interna em expansão que desafia os 
limites sacros da couraça. No cerne dessa relação temos o olhar pessimista e 
autobiográfico do artista. 
 As obras de Karin Lambrecht, Márcia X, Arthur Bispo do Rosário e 
Farnese de Andrade revelam o quanto o imaginário cristão ainda exerce alguma 
influência na produção artística. O uso de símbolos e/ou objetos específicos, como 
Figura 6 
Farnese de Andrade – Tudo continua sempre 
Retirado do site: 
http://www.germinaliteratura.com.br/especial_cincomineir
os_farnese.htm 
19 
 
retábulos, cruzes, estandartes, oratórios, relicários, cetros, resplendores, incensórios 
dentre outros objetos litúrgicos nas obras de artistas contemporâneos, evidencia a 
vitalidade de uma cultura visual milenar. 
O emprego da imagem enquanto ferramenta didática em um momento 
específico da história ocidental, durante a Idade Média, contribuiu para a construção 
de uma cultura visual duradoura. Como a sociedade medieval era 
predominantemente iletrada, as imagens sacras desempenharam diferentes 
funções. A população era inicialmente atraída pela monumentalidade e riqueza das 
edificações, tanto das igrejas românicas quanto das catedrais góticas. As imagens 
distribuídas através dos afrescos, dos retábulos, dos relevos e dos vitrais 
apresentavam aos olhos extasiados dessa sociedade narrativas bíblicas, 
moralidades e descreviam com impressionante riqueza o paraíso e o inferno. O 
poder de penetração desse acervo visual no imaginário medieval atuou como o 
germe formador de uma memória ancestral. Dentre as estruturas utilizadas como 
suporte para a disposição de imagens, garantindo o caráter narrativo, o retábulo 
apresentou uma posição de destaque no conjunto visual das igrejas medievais. 
Colocado ao fundo do altar, a estrutura vertical e frontal do retábulo destaca as 
imagens dispostas sobre a sua superfície. O material empregado para a sua 
confecção é a madeira e a peça apresenta um desenho simétrico, com partes 
fracionadas podendo ser articuladas ou não. Geralmente ao centro é disposta a 
cena ou o personagem mais importante, ladeado por cenas ou personagens 
secundários, todavia relacionados à narrativa principal. As imagens podem ser 
pictóricas ou em relevo escultórico e as cornijas que adornam as bordas podem 
apresentar douramento. Os tipos mais frequentes de retábulo são o díptico, o tríptico 
e o políptico, sendo estes confeccionados para dois públicos distintos, o clero e o 
povo, dessa forma as duas faces da estrutura eram ilustradas, uma permanecendo 
voltada para a nave da igreja e a outra para o altar-mor (local onde o clero 
permanecia durante a missa). A partir da Baixa Idade Média e ao longo do Gótico 
Internacional (em meados do século XIV), houve uma grande produção de retábulos 
nas principais cidades europeias. Em meio a esse rico acervo merecem destaque 
dois trabalhos, o Retábulo de Issenheim de Mathis Gothart Niethart, conhecido como 
Matthias Grünewald (figura 7) e o tríptico O Jardim das Delícias Terrenas de 
Hieronymus Bosch (figura 8). Nos dois casos, a imagem foi utilizada preservando o 
caráter didático instaurado pela tradição cristã medieval. 
20 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 7 
Matthias Grünewald, Retábulo de Issenheim, 1506 - 
1515. Retábulo pintado para a igreja de St. Antony, em 
Issenheim, Alsácia. 
Site: http://pt.wahooart.com/A55A04/w.nsf/Opra/BRUE-
7YUDJN 
Figura 8 
Hieronymus Bosch, Jardim das Delícias Terrenas. 
Tríptico aberto. 
Site: http://www.squidoo.com/my-50-favorite-art-
masterpieces-of-all-time 
21 
 
 
 
 
 
 
Tanto no trabalho de Grünewald quanto no trabalho de Bosch é possível 
perceber a estrutura narrativa e a ênfase para o registro do corpo humano. Nos dois 
casos também prevalece o olhar construído a partir dos ideais renascentistas que já 
se manifestavam, especialmente o do Antropocentrismo. Tal fato justifica a imagem 
exageradamente humanizada do Cristo de Grünewald, com o corpo tomado por 
pústulas e chagas, os dedos das mãos e pés contorcidos e o corpo ressequido 
revelando o martírio que lhe foi imposto antes e durante a crucificação. A forma 
como o pintor enfatizou as chagas e o sofrimento do personagem, reforçando o 
aspecto expressivo da obra contribuiu para que artistas do Expressionismo o 
utilizassem como uma referência para as suas obras. O tríptico de Bosch também 
revela um olhar mais humanizado, especialmente na parte central dedicada aos 
prazeres mundanos. Em meio a uma profusão de formas, pequenos detalhes são 
revelados carregados de erotismo e simbolismo. 
Figura 9 
Hieronymus Bosch, Jardim das Delícias Terrenas. 
Tríptico fechado 
Site: http://www.abcgallery.com/B/bosch/bosch36.jpg 
22 
 
A tradição do retábulo na arte brasileira está fortemente ligada ao estilo 
Barroco. Como as igrejas brasileiras erguidas durante o período colonial foram 
influenciadas pelo Barroco e pelo Rococó, os retábulos seguem as características 
estilísticas desses dois movimentos artísticos. Geralmente a estrutura retabular 
ocupatoda a parede do altar-mor, apresentando um rico trabalho em talha que pode 
ser realizado em madeira ou pedra. O predomínio dos relevos faz com que o 
trabalho pictórico apresente uma importância secundária, reservado as poucas 
áreas planas disponíveis nos retábulos. Os espaços destinados às pinturas são o 
forro e as paredes das naves através dos afrescos ou dos painéis de azulejos. Seja 
no retábulo medieval ou no retábulo barroco, a estrutura é organizada de forma 
simétrica e os espaços ocupados de acordo com uma hierarquia, cabendo ao centro 
da peça o tema principal e aos espaços que circundam a área central os temas e/ou 
personagens secundários. Essa ordem garante a eficiência da estrutura narrativa do 
retábulo, facilitando a leitura pelo público. Os trabalhos de Farnese de Andrade e 
Arthur Bispo do Rosário desobedecem à estrutura narrativa em questão. Em suas 
obras, o uso do fragmento sobressai-se ao uso do corpo em sua plenitude. Como 
nos dois casos temos um vasto trabalho de assemblage, as peças coletadas 
correspondem a fragmentos que são organizados em uma nova estrutura. Apesar 
dos trabalhos de Farnese revelarem uma organização dos fragmentos dispostos no 
interior dos oratórios valorizando a simetria, a fragmentação e a repetição sacrificam 
a apresentação literal do conteúdo em função do aspecto poético desse mesmo 
conteúdo. A obra de Bispo também é marcada pelos signos da fragmentação e da 
repetição, especialmente nos bordados e nas assemblages feitas com objetos 
retirados do seu cotidiano. Nesses dois casos, é possível traçar um forte paralelo 
com a tradição do ex-voto, outra importante expressão da religiosidade do povo 
brasileiro. 
A fragmentação e a repetição são traços presentes nas artes visuais desde o 
período da pré-escrita, todavia o uso desses conceitos tornou-se mais comum com o 
advento do Modernismo Europeu. Com o crescente desejo de romper com os velhos 
cânones ditados desde o Renascimento, artistas como Pablo Picasso, Mondrian, 
Matisse, Kandinsky dentre outros pintores vanguardistas fragmentaram as imagens, 
encerrando séculos de tradição figurativa. A fragmentação alcançou o seu 
paroxismo com a fase analítica do Cubismo. Nesse período, as imagens eram 
submetidas a um processo de fragmentação conceitual, sendo os fragmentos 
23 
 
posteriormente dispostos aleatoriamente e repetidamente sobre a tela, 
impossibilitando o reconhecimento do corpo sugerido pelo título da obra. A repetição 
ganhou força com o surgimento da Pop Art nos Estados Unidos e na Inglaterra. Com 
o uso de processos de reprodutibilidade da imagem, como os mecanismos gráficos, 
dentre eles a serigrafia, as imagens eram produzidas em série, semelhantes ao 
processo fabril. As séries de Andy Warhol com as estampas da Coca-Cola exploram 
o conceito da repetição para apresentar um traço característico da sociedade 
contemporânea, a produção em massa e o consumo. 
Os trabalhos de Farnese de Andrade e Arthur Bispo do Rosário foram 
escolhidos como referências para a construção do presente projeto em função do 
caráter autobiográfico, do profundo diálogo com o imaginário cristão, pelo caráter 
poético e pela apresentação contemporânea ao utilizarem novos materiais e novos 
processos compositivos, explorando principalmente a fragmentação e a repetição. 
Um ponto relevante é a forma como tais trabalhos são apresentados, em simulacros 
que atuam como peças sacras, como oratórios, cetros, estandartes e mantos 
ritualísticos. 
 
 
3 CONCEPIMUS CORPORIS 
 
O trabalho possui o formato de um tríptico (figuras 10 e 11), construído 
com placas de madeira e articulado com dobradiças metálicas. As dimensões do 
trabalho são: 130 cm x 90 cm (área do retábulo aberto) e 65 cm x 90 cm (área do 
retábulo fechado). Em cada uma das laterais foram dispostos fragmentos do corpo 
humano, incluindo a imagem da minha cabeça, distribuídos de forma aleatória com o 
intuito de reproduzir o mesmo efeito caótico das salas de ex-votos. Ao centro temos 
a criação de um corpo sagrado a partir do corpo profano, com a reorganização dos 
fragmentos em uma cena que simula a crucificação. O corpo é estruturado a partir 
da repetição dos seus fragmentos, fazendo com que a montagem sugira a 
construção de um novo corpo. 
 
24 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 10 
Estrutura em madeira para a realização do tríptico (fechado). 
Arquivo pessoal 
 
25 
 
 
O processo criativo foi principiado com o registro fotográfico do corpo do 
artista e com pesquisas na internet para a obtenção de imagens de fragmentos do 
corpo humano. As partes da anatomia humana selecionadas foram: a cabeça, o 
tronco, as costas e palmas das mãos, as pernas e os pés (dorso e planta). As fotos 
foram trabalhadas através das ferramentas de edição do Photoshop, especialmente 
para recortar as imagens, separando cada fragmento corpóreo do fundo. Todas as 
imagens foram manipuladas para apresentarem o aspecto de uma pintura feita com 
espátula. Esse processo foi realizado em cada fragmento, sendo cada um salvo 
como um novo arquivo de imagem permitindo o posterior uso. Após essa edição, foi 
criado um novo arquivo com as dimensões do tríptico para a organização de cada 
uma das cenas. 
Para obter o efeito da repetição, as figuras foram coladas com alterações 
como o tamanho, a perspectiva e o espelhamento. O fundo é preto e a linha do 
horizonte não foi utilizada, dessa forma o leitor terá a sensação visual de um espaço 
infinito, sugerindo a levitação das peças. Alguns pontos de luz com o efeito de brilho 
na lente foram acrescentados conferindo à imagem um aspecto fotográfico. A 
Figura 11 
Estrutura em madeira para a construção do tríptico (aberta). 
Arquivo pessoal. 
 
26 
 
estrutura esquerda do tríptico tem como fragmentos as mãos e os pés. As partes do 
corpo foram trabalhadas em um padrão bicromático de preto e branco. Algumas das 
mãos estarão atadas por uma corda que penderá de um ponto mais alto da 
composição, simulando a disposição dos ex-votos. Fragmentos textuais retirados do 
título da obra foram dispostos nessa parte do tríptico, garantindo dessa forma um 
diálogo com a obra de Arthur Bispo do Rosário. A estrutura situada à direita do 
tríptico traz a cabeça e o tronco. Essas partes do corpo foram repetidas com a 
alteração do tamanho e da perspectiva, distribuídas de forma assimétrica e 
sugerindo o mesmo estado de tensão visual presente em uma sala de ex-votos. Da 
mesma forma que a imagem presente à esquerda do tríptico, a composição à direita 
traz um efeito de brilho na lente para sugerir uma imagem fotográfica (figura 12). As 
partes do corpo humano pendem de cordas reforçando o diálogo com os ex-votos. 
O centro do tríptico apresenta a figura do corpo a partir da organização 
dos fragmentos dispostos nas duas partes laterais (figura 13). Os fragmentos foram 
organizados de forma a compor um corpo disposto no centro da composição. A 
postura adotada pelo corpo é a mesma da crucificação, todavia nenhuma cruz foi 
retratada. Cada parte compositiva do corpo é formada pela repetição dos fragmentos 
dessa mesma parte, sendo que estes fragmentos apresentam diferentes escalas. 
Em alguns casos, os fragmentos são sobrepostos. O fundo da composição é 
igualmente preto, reforçando o padrão acromático da composição. Em pontos 
estratégicos foram colocadas manchas vermelhas, especialmente pelo caráter 
simbólico que essa cor apresenta nas representações da crucificação. Coroando a 
cabeça, foram dispostas imagens de pregos de bronze, organizados a partir de um 
desenho de arco. A base da área central apresenta fragmentos textuais dispostos a 
partir de uma linha ondulada, sugerindo uma caligrafia rudimentar. Com o intuito de 
criar um estranhamento no público e reforçar a relação antagônica entre o sacro e o 
profano, o corpo é ladeado por figuras de objetos que sugiram uma relação com as 
estruturas compositivas do corpo humano, comocabeças de bonecas, pinças, 
alicates, bolas de gude, compassos dentre outros objetos escolhidos pelo autor. 
27 
 
 
Figura 12 
Imagens das duas metades laterais do tríptico. 
Fotomontagem 
Arquivo do artista. 
 
28 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 13 
Imagem da parte central do tríptico. 
Fotomontagem 
Arquivo do artista. 
 
29 
 
 
Figura 14 
Imagem da partes laterais com os respectivos adesivos 
aplicados. 
Arquivo do artista. 
 
Figura 15 
Imagem da parte central do tríptico sendo adesivada. 
Fotomontagem 
Arquivo do artista. 
 
30 
 
 
 
 
 
 
A composição é percebida a partir da abertura do tríptico. O público terá a 
liberdade de deixá-lo aberto ou fechado. Quando o tríptico estiver fechado, 
apresentará o título da obra aplicada com letras de parafina. O mesmo título foi 
fracionado e distribuído em cada uma das três partes internas. A apresentação do 
trabalho pode ocorrer sobre uma base com altura entre 0,50 e 1,00m, garantindo 
que a obra não exceda 1,90m de altura total. Para reforçar o diálogo entre o objeto e 
a sua relação com o imaginário sacro, o ambiente da exposição deve apresentar 
uma iluminação rarefeita, com um spot incidindo sobre a peça a partir de um eixo 
vertical. Dessa forma, pretende-se criar uma atmosfera semelhante ao interior dos 
templos medievais. 
Figura 16 
Imagem da estrutura do tríptico totalmente adesivada. 
Arquivo do artista. 
 
31 
 
Apesar da obra ter sido concebida como um objeto e não como uma 
instalação, a mesma pode manter uma relação com o espaço de exposição que 
favoreça os conceitos trabalhados. Para tanto, a iluminação deve ser alterada, para 
que o ambiente se torne mais sombrio. Um feixe de luz deve incidir sobre o trabalho 
que será destacado por uma base. Essa luz deve ser rarefeita e disposta em um 
ângulo reto sobre a peça. Ao fundo, um sistema de som reproduziria uma melodia 
formada pelo cantochão com interferências das batidas cardíacas e gemidos de dor. 
A ausência da ambientação todavia não comprometerá a apreciação do trabalho. 
 
 
4 LEGERE CORPUS 
 
A construção da obra PROFANA SACRUM CORPUS, a partir do 
programa de especialização em Artes Visuais: cultura e criação possibilitou que eu 
retomasse os estudos relacionados ao processo criativo no campo visual, 
especialmente das poéticas contemporâneas. Dessa forma, foi possível pesquisar 
diferentes temas, abordando da análise dos elementos compositivos ao campo da 
moda e do cinema. A possibilidade de realizar o curso com profissionais das mais 
diferentes áreas também contribuiu para que um fórum permanente de discussão, 
com múltiplos olhares, fosse estabelecido. As discussões realizadas através da 
ferramenta do fórum alimentaram a primeira etapa do meu processo criativo, 
marcado pela elaboração conceitual da obra. 
O percurso entre a concepção da obra e a sua execução foi marcado pela 
experimentação. Apesar da estrutura do trabalho utilizar um conjunto limitado de 
materiais, no caso a madeira, a parafina o e vinil para impressão, sendo que estes 
materiais foram empregados de acordo com o projeto inicial, algumas mudanças 
ocorreram ao longo do processo criativo. A principal mudança refere-se aos 
elementos visuais que inicialmente iriam compor as imagens de cada parte do 
tríptico. Os conceitos escolhidos para nortear o trabalho foram principalmente a 
fragmentação e a repetição. Nas primeiras imagens, a profusão e o aspecto 
heterogêneo das figuras empregadas na composição distanciaram o resultado do 
conceito almejado, levando a um processo de depuração que resultou na imagem 
apresentada. Este processo de experimentação foi importante, pois garantiu, através 
de algumas simulações, que a obra fosse construída preservando o diálogo com os 
32 
 
objetivos conceituais e com os artistas que referenciaram todo o processo de 
pesquisa. 
A obra PROFANA SACRUM CORPUS não se encerra com a confecção e 
apresentação do tríptico. A grande contribuição deixada pela especialização em 
Artes Visuais: cultura e criação consiste no desejo de expandir a proposta do 
presente projeto, levando a produção de uma série de trabalhos inspirados nos 
objetos empregados na liturgia ou no imaginário católico. Tais objetos dialogarão 
com o tríptico, construindo um santuário que mesclará símbolos da sociedade 
contemporânea com imagens comuns ao universo do autor do projeto, reforçando a 
relação antagônica prevista nos primeiros momentos da concepção da pesquisa, a 
sagração de um corpo profano, a profanação de um espaço sagrado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
33 
 
REFERÊNCIAS 
 
BOPPRÉ, Fernando Chíquio. Mémoria, coleção e visualidade: Arthur Bispo do 
Rosário, Farnese de Andrade, Hassis e Rosângela Rennó. 2009. 150 f. 
Dissertação (Mestrado em História Cultura) – Universidade Federal de Santa 
Catarina. Florianópolis - SC, 2009. Disponível em: 
<http://www.fernandoboppre.net/wordpress/wp-
content/uploads/dissertacao_fernando_boppre.pdf> Acesso em: 23/02/2013 
 
 
COSTA FILHO, José Almir Valente. Arthur Bispo do Rosário: uma poética em 
processo. 2007. 156 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade de 
Brasília. Brasília – DF, 2007. Disponível em: 
<http://repositorio.unb.br/handle/10482/5514> Acesso em: 23/02/2013 
 
 
DONDIS, A. Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 
2003.

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