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SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM COMERCIAL Curso de Especialização Latu Sensu em Artes Visuais: Cultura e Criação RÉGIS COSTA DE OLIVEIRA Profana Sacrum Corpus São Luís 2013 RÉGIS COSTA DE OLIVEIRA Profana Sacrum Corpus Monografia apresentada ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial/MA como requisito final para a obtenção do título de Especialista em Artes Visuais: Cultura e Criação. Orientadora: Profª Msc. Marineide Câmara Silva São Luís 2013 RÉGIS COSTA DE OLIVEIRA Profana Sacrum Corpus Monografia apresentada ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial/MA como requisito final para a obtenção do título de Especialista em Artes Visuais: Cultura e Criação. ______________________________________________ Francilene Souza do Rosário Gerente da Divisão Técnica-Pedagógica ______________________________________________ Flory Gomes Guimarães Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância ______________________________________________ Profª Msc. Marineide Câmara Silva (Orientadora) – Senac São Luís ______________________________________________ Profª Msc. Luciana Silva Aguiar Mendes Barros – IFMA São Luís 2013 RESUMO O presente projeto consiste na leitura dos símbolos da tradição imagética cristã, especialmente da Idade Média, além dos trabalhos de Arthur bispo do Rosário e Farnese de Andrade para a posterior construção de um objeto artístico vinculado às poéticas contemporâneas, intitulado PROFANA SACRUM CORPUS. O processo criativo principiou com o universo imagético do autor, sendo este ampliado e fundamentado com o estudo dos artistas citados acima, garantindo assim um aspecto autobiográfico e subjetivo ao trabalho. Palavras-chave: imaginário cristão medieval. Retábulo. Poéticas contemporâneas. Cultura. Processo de criação. ABSTRACT This project consists of the reading of the symbols of traditional Christian imagery, especially the Middle Ages, and the works of Arthur Bispo do Rosário and Farnese de Andrade for the subsequent construction of an artefact linked to contemporary poetry, titled PROFANA SACRUM CORPUS. The creative process began with the imagery universe of the author, this being extended and reasoned study of the artists mentioned above, ensuring thus an autobiographical and subjective work. Keywords: medieval Christian imagery. Altarpiece. Contemporary poetics. Culture. Creation process. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1: Arquivo pessoal ....................................................................................... 9 Figura 2: Karin Lambrecht – Sem título ............................................................... 13 Figura 3: Márcia X – Desenhando com X ........................ .....................................13 Figura 4: Arthur Bispo do Rosário – Eu preciso destas palavras – escrita .................................................................................................................................. 16 Figura 5: Arthur Bispo do Rosário – Manto da apresentação............................ 17 Figura 6: Farnese de Andrade – Tudo continua sempre..................................... 18 Figura 7: Matthias Grünewald – Retábulo de Issenheim..................................... 20 Figura 8: Hieronymus Bosch – Jardim das delícias terrenas............................. 20 Figura 9: Hieronymus Bosch – Jardim das delícias terrenas............................. 21 Figura 10: Arquivo pessoal.................................................................................... 24 Figura 11: Arquivo pessoal.................................................................................... 25 Figura 12: Arquivo pessoal.................................................................................... 27 Figura 13: Arquivo pessoal.................................................................................... 28 Figura 14: Arquivo pessoal.................................................................................... 29 Figura 15: Arquivo pessoal.................................................................................... 29 Figura 16: Arquivo pessoal.................................................................................... 30 SUMÁRIO 1 ET PUER SACRUM ................................................................................................ 8 2 PROFANA SACRUM CORPUS..............................................................................10 3 CONCEPIMUS CORPORIS................................................................................... 23 4 LEGERE CORPUS................................................................................................ 31 5 REFERÊNCIAS...................................................................................................... 33 8 1 ET PUER SACRUM A relação que mantenho com os símbolos cristãos foi principiada durante a infância. Pelo fato de pertencer a uma família católica, desde a tenra idade fui conduzido para uma formação cristã permeada por valores retirados dos textos sagrados e de um vasto acervo visual. A matriarca da família, minha avó paterna, mantinha em seu quarto um verdadeiro santuário marcado pela profusão de imagens. A maneira como ela dispunha as imagens que adquiriu ao longo de sua vida era semelhante à profusão de uma sala de ex-votos. Todavia, cada imagem tinha um significado e um valor. As representações de Cristo, as cenas da crucificação e as inúmeras imagens de Maria povoavam o apertado espaço que desempenhava uma dupla função, quarto e oratório. Recordo como esse espaço sempre me fascinou. Era um local totalmente deslocado da estrutura do restante da casa. Um santuário que merecia um comportamento específico, condizente com os valores cristãos. Mesmo nesse pequeno santuário doméstico, a imagem sacra continuava desempenhando com eficácia o seu caráter didático. Outro aspecto relevante quanto à estrutura desse ambiente era a forma como as imagens eram dispostas. Como o quarto não foi projetado para atuar como uma capela ou oratório, as imagens eram acomodadas nos pequenos espaços que surgiam, geralmente no canto de um armário tocador, na extremidade de uma prateleira, disputando o espaço próximo ao espelho, garantindo uma profusão gerada pela organização casual das imagens. Essa mesma distribuição pode ser encontrada, curiosamente, em muitas obras de artistas contemporâneos, especialmente nos trabalhos de Arthur Bispo do Rosário e Farnese de Andrade. O fato de ter crescido em meio a esse ambiente fez com que eu sempre nutrisse um interesse pelo imaginário cristão e esse interesse foi potencializado quando entrei pela primeira vez, ainda criança, em uma sala de ex-votos. A disposição caótica das peças de madeira e cera, ocupando todos os espaços disponíveis do salão, representando partes do corpo humano como mãos, pernas, braços, troncos, cabeças além de objetos, pequenos quadros, fotografias, cartas e uma infinidade de artigos em retribuição a alguma graça alcançada, provocaram em mim um sentimento de fascínio e medo. Esse contato foi fundamental para que o meu interesse pelo imaginário cristão e pelas tradições religiosas do povo brasileiro fosse intensificado. 9 Apesar da relação que foi iniciada durante a infância com o imaginário cristão, relação essa marcada pelo antagonismo entre o fascínio e o medo, eu nunca estive presoaos dogmas da igreja católica. Por apresentar uma certa inquietação em relação aos valores defendidos pelo cristianismo, sempre tive a liberdade para utilizar os símbolos cristãos sem a perseguição da culpa por estar cometendo algum ato profano. Tal liberdade permitiu que eu buscasse em minha memória de infância esse universo, já adormecido, para a construção do presente projeto. Um dos fatores que contribuiu para esse resgate foi a retomada do contato com esses símbolos. Com o falecimento da minha avó paterna, o seu santuário foi desfeito e tal fato fez com que a lembrança que eu tinha desse espaço outrora tão especial ficasse adormecida. Passados alguns anos, ao me casar, reencontrei as minhas lembranças e as imagens que marcaram a minha infância através da minha sogra, pois a sua religiosidade também a imbuiu na tarefa de construir um santuário em sua casa (figura 1), além das tradições que ela preservava como a montagem do presépio e a posterior queimação de palhinha. Figura 1 Oratório doméstico Arquivo pessoal. 10 Assim que decidi que as imagens de infância ligadas ao universo da arte cristã seriam o tema do presente projeto, parti para o segundo momento que consistiu na escolha dos artistas que referenciariam o meu processo. A escolha de Farnese de Andrade e Arthur Bispo do Rosário está diretamente relacionada à forma como esses artistas dialogaram com as poéticas contemporâneas e com a simbologia cristã. Nos dois casos um traço característico é o emprego de materiais descartados pela sociedade. Esses materiais tanto documentam a sociedade contemporânea como são submetidos a um processo de sagração, dispostos no interior de oratórios ou bordados em mantos ritualísticos. Para garantir que durante a execução do projeto a influência da obra dos dois artistas seja notória, o retábulo foi escolhido como suporte, possibilitando dessa forma um diálogo com a obra de Farnese de Andrade, uma vez que esse artista utilizava os oratórios para dispor os seus objetos que seriam, assim, sacralizados. A relação com a obra de Arthur Bispo do Rosário está presente nas formas que serão dispostas no interior do retábulo, representações fragmentadas do corpo distribuídas de maneira assimétrica. Tais imagens também estão relacionadas à tradição dos ex-votos e serão criadas a partir de fragmentos do corpo humano, incluindo do próprio autor do projeto através de fotografia digital e programas de edição de imagens, como o Photoshop. A obra PRONANA SACRUM CORPUS não representa apenas o diálogo entre as poéticas contemporâneas e o imaginário cristão medieval. A obra corporifica o conflito entre o sagrado e o profano, conflito que me acompanha desde a infância. Fruto dessa relação antagônica, meu corpo emerge fragmentado em um gesto de autoimolação para finalmente alcançar a redenção ao ser sacralizado. 2 PROFANA SACRUM CORPUS A sociedade contemporânea é caracterizada, dentre outros aspectos, por possuir um vasto e complexo acervo visual. Esse acervo, edificado ao longo da trajetória humana, atua como uma ferramenta valor incomensurável, pois documenta a história da humanidade através de diferentes olhares. As imagens foram e são concebidas a partir de fatores que orientam o olhar tanto de quem as produz como de quem as lê. Dessa forma, uma determinada obra visual pode ser produzida 11 revelando a influência exercida por um regime político, por uma escola filosófica, por um modelo cultural, por uma religião ou um paradigma estético. Os fatores externos à poética visual que se interpõem no processo criativo, de forma direta ou indireta, garantem que as imagens carreguem consigo uma gama de informações que excede o conteúdo puramente plástico. Identificar o impulso primevo que levou os hominídeos ao processo de registro visual, exigindo destes o desenvolvimento de tecnologias complexas, como a produção de tintas através da trituração de minerais, corresponde a uma tarefa que desafia vários campos do saber. Todavia, se o impulso que levou a criação da primeira imagem não pode ser hoje identificado, tal impossibilidade não cerceou o desejo latente que a humanidade manifesta quanto ao uso da imagem como importante meio expressivo. É possível traçar e analisar a história humana através das imagens. Criar imagens sempre correspondeu a um desafio, exigindo de artesãos e artistas o desenvolvimento de certas tecnologias. Por muitos séculos os meios para a produção de trabalhos bidimensionais e tridimensionais foram escassos e caros, limitando o acesso às imagens a grupos seletos. Durante a antiguidade, os monumentos honoríficos e as esculturas dispostas nos templos correspondiam ao acervo visual de caráter público, situadas em pontos estratégicos e carregadas de conteúdos ideológicos. Os bustos, afrescos, camafeus dentre outros integravam um acervo visual de caráter privado, produzido especificamente para a elite econômica e cultural dos principais centros urbanos do mundo antigo. Com a consolidação e expansão do cristianismo um novo acervo visual foi composto. Partindo dos símbolos primitivos gravados nas catacumbas aos ricos afrescos, relevos, mosaicos, vitrais e retábulos espalhados nas inúmeras igrejas medievais, pouco a pouco um novo universo visual foi construído. O uso da imagem enquanto importante ferramenta de doutrinação fez com que o seu emprego, associado à comunicação, alcançasse um patamar sem precedentes. Os símbolos cristãos foram espalhados por toda Europa ao longo da Idade Média, abrangendo tanto as regiões campesinas quanto os centros urbanos em formação. No cerne desse processo, os templos atuaram como um espaço multimídia, integrando todos os elementos litúrgicos em uma eficiente campanha doutrinária. O espaço arquitetônico religioso foi concebido de forma a utilizar as diferentes linguagens artísticas para corroborar a fé. A possibilidade de estabelecer uma comparação 12 entre uma igreja medieval, notadamente a catedral gótica, e um espaço multimídia deve-se principalmente pela concepção da estrutura arquitetônica a partir da integração de diferentes elementos, como as projeções luminosas obtidas através da refração da luz nos vitrais, o vasto conjunto escultórico e a verticalidade que sugere uma estrutura que desafia os céus. A eficácia do emprego do recurso visual como ferramenta didática pelo cristianismo contribuiu para a permanência dessas imagens no imaginário ocidental, garantindo a sua vitalidade em pleno século XXI. A permanência dos símbolos cristãos no imaginário ocidental, especialmente nas regiões que foram marcadas pela influência da igreja católica, como o caso brasileiro, é um dos fatores que contribui para o frequente diálogo entre a religião e a arte. Apesar desse elo ter ocorrido ao longo da história de forma oficial, alcançando seu paroxismo em dois momentos distintos, a Idade Média e o século XVII com a estética barroca, ainda hoje artistas contemporâneos dialogam com o universo simbólico cristão, revelando nesse diálogo olhares norteados pela história da arte, pela filosofia, pela sociologia ou simplesmente pela subjetividade do artista. Diferente do trabalho realizado por artesãos que reproduzem as imagens sacras barrocas, na condição de mestres santeiros, a relação citada acima consiste em um processo de apropriação, interferência e releitura dos símbolos cristãos, evidenciando em certos casos uma postura de crítica e em outros, um forte envolvimento religioso. Como exemplos da apropriação e releitura dos símbolos religiosos, dois recentes trabalhos despertaram polêmica e o interesse da mídia. A artista gaúcha Karin Lambrecht apresenta em sua trajetória um rico vocabulário edificado a partir do diálogo entre as poéticas contemporâneas e o imaginário cristão. Na imagem abaixo referente a uma instalação realizada em 2001 (figura 2), a artistautilizou o sangue e as vísceras de um carneiro para estampar vestidos e pedaços de tecidos, todos brancos. A construção da instalação foi precedida por um ato performático que reitera a tradição cristã da imolação. Um carneiro foi sacrificado e o seu sangue utilizado como pigmento. Vários convidados receberam as vísceras do animal, logo após o sacrifício, para que as imprimissem sobre os tecidos. A obra revela ao público um processo que excede os limites da estrutura puramente plástica. O processo compositivo é destituído dos aspectos formais e envolto por uma névoa aureolar. 13 A obra “Desenhando com terços”, da artista Márcia X foi responsável por uma grande polêmica durante a exposição “Erótica – o sentido da arte” realizada em 2006 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro. A obra corresponde a dois pênis desenhados com terços, sobrepostos em formato de cruz (figura 3). O trabalho de Márcia X percorre um trajeto oposto ao traçado pela instalação de Karin Lambrech. Enquanto “Desenhando com terços” dessagra um símbolo cristão, os objetos triviais utilizados por Lambrech são sacralizados durante o rito que antecede a construção da instalação. Figura 2 Karin Lambrecht. Sem Título, 2001(detalhe). Instalação com vestidos brancos, sangue de carneiro, impressões de vísceras de carneiro sobre papel e fotografia. Fotografia Fábio Del Re. Reprodução a partir do catálogo Iconografias Metropolitanas/ 25a Bienal de São Paulo. Fundação Bienal de São Paulo: de 23 de março a junho de 2002. Figura 3 Márcia Pinheiro de Oliveira (Márcia X). Desenhando com terços,2000 detalhe). Desenhos realizados com terços. Retirado do site: http://indocileindizivel.blogspot.com.br/2010/11/des enhando-em-tercos.html http://indocileindizivel.blogspot.com.br/2010/11/desenhando-em-tercos.html http://indocileindizivel.blogspot.com.br/2010/11/desenhando-em-tercos.html 14 Os exemplos citados acima evidenciam quão delicada é a relação traçada hoje entre arte e religião. Com a liberdade legada aos artistas contemporâneos através das experiências vanguardistas, permitindo a incorporação de qualquer objeto retirado do universo da não arte ao processo criativo, o emprego de símbolos religiosos tornou-se usual. Todavia, esses símbolos são submetidos a um novo contexto e permeados com novos significados, ora garantindo a sua dessagração ou sacralizando formas e símbolos retirados de um universo profano. Essa abordagem conceitualista afasta os trabalhos contemporâneos de artistas como Karin Lambrecht e Márcia X dos objetivos ordinariamente atribuídos ao imaginário cristão medieval. O caráter didático e doutrinário exercido pelas iluminuras, afrescos, vitrais, relevos e retábulos, todos situados no conjunto multimidiático das catedrais góticas, foi subvertido pelas transformações impostas pela sociedade contemporânea. Os mecanismos de reprodutibilidade da imagem garantiram a apropriação de grande parte desse acervo, tornando os retábulos e afrescos medievais acessíveis e passíveis de qualquer intervenção. O processo de desmaterialização da imagem e a valorização do aspecto conceitual do objeto artístico atingiu o acervo da arte sacra, retirando desse universo os recursos para a estruturação das diferentes poéticas contemporâneas, deslocando a imagem medieval do seu santuário contemplativo para o campo do estranhamento e da reflexão. A relação entre o público e os trabalhos contemporâneos que recorrem aos símbolos do imaginário cristão é geralmente marcada pelo signo do estranhamento. Um dos aspectos que contribui para essa relação antagônica é a forma como as imagens sacras são percebidas pelos indivíduos a elas ligados. As imagens dispostas nos altares e retábulos das igrejas brasileiras são vistas pelos fiéis como estruturas divinizadas, em alguns casos as representações são identificadas como a própria personificação do personagem bíblico. O deslocamento dessa imagem do campo do sagrado para o universo profano gera a desconfiança e o estranhamento. Nos casos em que tais imagens são associadas a temas polêmicos, como o erotismo, as reações podem levar a uma postura censora por parte das autoridades. Todavia, esse comportamento é manifestado especialmente nas obras em que as relações entre o sagrado e o profano ocorrem de forma mais explícita. Nas obras em que tal relação ocorre de forma mais poética e menos literal, o estranhamento é abrandado. 15 Arthur Bispo do Rosário e Farnese de Andrade integram o universo de artistas que dialogam, em seus trabalhos, com a tradição da arte sacra. Todavia, nos dois casos, os artistas construíram um vocabulário visual sem a mesma apropriação direta da iconografia cristã, situando os símbolos retirados da sagaz observação do seu cotidiano em espaços que remetem aos oratórios ou pequenos objetos litúrgicos. A trajetória artística de Arthur Bispo do Rosário ocorreu principalmente durante a sua permanência na colônia psiquiátrica Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Alegando possuir uma missão divina, atribuída por um anjo em uma revelação mística, Arthur Bispo do Rosário partiu do seu universo visual e dos precários materiais disponíveis para compor, ao longo de aproximadamente 30 anos de trabalho, um conjunto com mais de 1000 peças. Segundo COSTA FILHO: A matéria-prima para a produção destas construções e montagens são as mais diversas. Na sua maioria, são sucatas de objetos industriais descartados, tais como canecas, cabos de vassouras, botões, pentes, lençóis, roupas, carrinhos de plástico, estatuetas de santos etc, encontrados no ambiente da colônia, selecionados e colecionados para a sua utilização a posteriori. Também são aproveitadas as caixas de madeira vazias de frutas ou outros pedaços de madeira. Outros materiais são gradativamente obtidos, ora comprados diretamente em lojas, como alguns tipos de linha, ora ofertados por alguém e incorporados aos seus trabalhos. Além destes, temos uma base material que serve de suporte para a realização das atividades, compostas basicamente de madeira, tecido e papelão e associados a eles, as linhas e cordas, o plástico e metais (COSTA FILHO, 2007, p. 65). O acervo formado pelas obras de Arthur Bispo do Rosário é constituído principalmente por peças tridimensionais. Dentre estas merecem destaque os ricos e delicados bordados presentes nos estandartes e principalmente no Manto da Apresentação. No estandarte “Eu preciso destas palavras. escrita” (figura 4), Bispo realizou um registro visual a partir das imagens que lhe eram familiares. Imbuído pelo desejo de inventariar tudo a sua volta, o artista bordou figuras e principalmente palavras. A frente do estandarte é povoada por palavras organizadas em textos ou simplesmente descrevendo as partes constitutivas do corpo humano. O verso da peça apresenta referências geográficas e configurações geométricas. Apesar dos trabalhos de Bispo não revelarem de forma clara o caráter sacro em sua estrutura 16 compositiva ou em muitas das imagens bordadas, já que estas reproduzem o universo visual que lhe era comum, a história que envolve a vida e a obra do artista revela um ato profético e de fervor religioso. A obra de Bispo se confunde com a missão mística de inventariar o mundo para o dia do Juízo Final. Essa missão lhe foi atribuída por um anjo durante uma aparição mística. O empenho empreendido por Bispo não encontra justificativa no universo artístico. O seu impulso foi mágico- ritualístico. Coube à crítica de arte destituir os trabalhos do caráter sacro e contextualizá-los no âmbito da Arte Contemporânea. Isto justifica o fato de Arthur Bispo do Rosário não ter sido sepultado com o Manto da Apresentação, justamente a peça mais importante do artista, confeccionada para o dia do Juízo Final, quando finalmente Bispo concluiria sua missão registrando apassagem de Deus pela terra. O manto é a peça que em sua plenitude revela o caráter sacro, seja quanto à forma ou quanto a sua função. Figura 4 Arthur Bispo do Rosário, EU PRECISO DESTAS PALAVRAS - ESCRITA . Tecido e madeira. Catálogo da Exposição 17 Farnese de Andrade trabalhou principalmente com a assemblage. A sua obra, de caráter autobiográfico, recorre frequentemente a imagens de pessoas que mantiveram com o artista algum laço, especialmente o vínculo familiar. O processo compositivo foi constituído pela seleção dos materiais descartados pela sociedade. A assemblage desses materiais ocorria a partir de uma relação simbólica, permeando cada estrutura com novos significados. Segundo BOPPRÉ: A matéria-prima de seus trabalhos não tinha origem no que era novo (uma superfície em branco, um tubo de tinta), mas sim nas visitas sistemáticas que ele fazia àquilo que pode ser considerado o despojo da modernidade brasileira: os ferros-velhos, as praias com seu lixo marinho, os antiquários entre outros lugares de abandono. A partir desses depósitos de objetos semivivos, destes arquivos mortos, que o artista extraiu sua poética (BOPPRÉ, 2009, p. 18). A presença de temas recorrentes, como a morte e as figuras paterna e materna na obra de Farnese de Andrade acentua a subjetividade e o discurso poético. As estruturas confeccionadas para abrigar esse inventário visual, em grande Figura 5 Arthur Bispo do Rosário, Manto da Apresentação. Tecido, linha de lã, dólmãs de cortina. Retirado do site: http://www.zeronaldo.com/wp-content/uploads/2012/08/arthur_bispo_rosario_03.jpg 18 parte um relato autobiográfico, são semelhantes aos oratórios domésticos encontrados nas residências de famílias marcadas pela religiosidade. O fato de o artista ter nascido em uma pequena cidade mineira certamente contribuiu para a escolha dos oratórios e ex-votos como elementos recorrentes em sua obra. A obra Tudo Continua Sempre, de 1974 (figura 6) utiliza um oratório com uma taça colocada em seu interior. Apoiadas sobre a taça cabeças de bonecas, em proporções distintas, são organizadas verticalmente, simulando uma coluna ou obelisco. A cabeça colocada sobre a base é a maior enquanto que a cabeça disposta no topo da estrutura é a menor. A força simbólica do oratório não foi totalmente destituída com o processo de apropriação e interferência realizado por Farnese. Ao dispor no interior do oratório objetos contemporâneos e sem um conteúdo nitidamente sacro, Farnese contribuiu para a sagração dessa nova composição. O conjunto revela um constante jogo de antagonismos. A couraça, nesse caso o oratório, cria uma delimitação religiosa, permeando as imagens por ela abrigadas de um significado sacro. A estrutura interna, formada por figuras e objetos descartados pela sociedade, cria uma força interna em expansão que desafia os limites sacros da couraça. No cerne dessa relação temos o olhar pessimista e autobiográfico do artista. As obras de Karin Lambrecht, Márcia X, Arthur Bispo do Rosário e Farnese de Andrade revelam o quanto o imaginário cristão ainda exerce alguma influência na produção artística. O uso de símbolos e/ou objetos específicos, como Figura 6 Farnese de Andrade – Tudo continua sempre Retirado do site: http://www.germinaliteratura.com.br/especial_cincomineir os_farnese.htm 19 retábulos, cruzes, estandartes, oratórios, relicários, cetros, resplendores, incensórios dentre outros objetos litúrgicos nas obras de artistas contemporâneos, evidencia a vitalidade de uma cultura visual milenar. O emprego da imagem enquanto ferramenta didática em um momento específico da história ocidental, durante a Idade Média, contribuiu para a construção de uma cultura visual duradoura. Como a sociedade medieval era predominantemente iletrada, as imagens sacras desempenharam diferentes funções. A população era inicialmente atraída pela monumentalidade e riqueza das edificações, tanto das igrejas românicas quanto das catedrais góticas. As imagens distribuídas através dos afrescos, dos retábulos, dos relevos e dos vitrais apresentavam aos olhos extasiados dessa sociedade narrativas bíblicas, moralidades e descreviam com impressionante riqueza o paraíso e o inferno. O poder de penetração desse acervo visual no imaginário medieval atuou como o germe formador de uma memória ancestral. Dentre as estruturas utilizadas como suporte para a disposição de imagens, garantindo o caráter narrativo, o retábulo apresentou uma posição de destaque no conjunto visual das igrejas medievais. Colocado ao fundo do altar, a estrutura vertical e frontal do retábulo destaca as imagens dispostas sobre a sua superfície. O material empregado para a sua confecção é a madeira e a peça apresenta um desenho simétrico, com partes fracionadas podendo ser articuladas ou não. Geralmente ao centro é disposta a cena ou o personagem mais importante, ladeado por cenas ou personagens secundários, todavia relacionados à narrativa principal. As imagens podem ser pictóricas ou em relevo escultórico e as cornijas que adornam as bordas podem apresentar douramento. Os tipos mais frequentes de retábulo são o díptico, o tríptico e o políptico, sendo estes confeccionados para dois públicos distintos, o clero e o povo, dessa forma as duas faces da estrutura eram ilustradas, uma permanecendo voltada para a nave da igreja e a outra para o altar-mor (local onde o clero permanecia durante a missa). A partir da Baixa Idade Média e ao longo do Gótico Internacional (em meados do século XIV), houve uma grande produção de retábulos nas principais cidades europeias. Em meio a esse rico acervo merecem destaque dois trabalhos, o Retábulo de Issenheim de Mathis Gothart Niethart, conhecido como Matthias Grünewald (figura 7) e o tríptico O Jardim das Delícias Terrenas de Hieronymus Bosch (figura 8). Nos dois casos, a imagem foi utilizada preservando o caráter didático instaurado pela tradição cristã medieval. 20 Figura 7 Matthias Grünewald, Retábulo de Issenheim, 1506 - 1515. Retábulo pintado para a igreja de St. Antony, em Issenheim, Alsácia. Site: http://pt.wahooart.com/A55A04/w.nsf/Opra/BRUE- 7YUDJN Figura 8 Hieronymus Bosch, Jardim das Delícias Terrenas. Tríptico aberto. Site: http://www.squidoo.com/my-50-favorite-art- masterpieces-of-all-time 21 Tanto no trabalho de Grünewald quanto no trabalho de Bosch é possível perceber a estrutura narrativa e a ênfase para o registro do corpo humano. Nos dois casos também prevalece o olhar construído a partir dos ideais renascentistas que já se manifestavam, especialmente o do Antropocentrismo. Tal fato justifica a imagem exageradamente humanizada do Cristo de Grünewald, com o corpo tomado por pústulas e chagas, os dedos das mãos e pés contorcidos e o corpo ressequido revelando o martírio que lhe foi imposto antes e durante a crucificação. A forma como o pintor enfatizou as chagas e o sofrimento do personagem, reforçando o aspecto expressivo da obra contribuiu para que artistas do Expressionismo o utilizassem como uma referência para as suas obras. O tríptico de Bosch também revela um olhar mais humanizado, especialmente na parte central dedicada aos prazeres mundanos. Em meio a uma profusão de formas, pequenos detalhes são revelados carregados de erotismo e simbolismo. Figura 9 Hieronymus Bosch, Jardim das Delícias Terrenas. Tríptico fechado Site: http://www.abcgallery.com/B/bosch/bosch36.jpg 22 A tradição do retábulo na arte brasileira está fortemente ligada ao estilo Barroco. Como as igrejas brasileiras erguidas durante o período colonial foram influenciadas pelo Barroco e pelo Rococó, os retábulos seguem as características estilísticas desses dois movimentos artísticos. Geralmente a estrutura retabular ocupatoda a parede do altar-mor, apresentando um rico trabalho em talha que pode ser realizado em madeira ou pedra. O predomínio dos relevos faz com que o trabalho pictórico apresente uma importância secundária, reservado as poucas áreas planas disponíveis nos retábulos. Os espaços destinados às pinturas são o forro e as paredes das naves através dos afrescos ou dos painéis de azulejos. Seja no retábulo medieval ou no retábulo barroco, a estrutura é organizada de forma simétrica e os espaços ocupados de acordo com uma hierarquia, cabendo ao centro da peça o tema principal e aos espaços que circundam a área central os temas e/ou personagens secundários. Essa ordem garante a eficiência da estrutura narrativa do retábulo, facilitando a leitura pelo público. Os trabalhos de Farnese de Andrade e Arthur Bispo do Rosário desobedecem à estrutura narrativa em questão. Em suas obras, o uso do fragmento sobressai-se ao uso do corpo em sua plenitude. Como nos dois casos temos um vasto trabalho de assemblage, as peças coletadas correspondem a fragmentos que são organizados em uma nova estrutura. Apesar dos trabalhos de Farnese revelarem uma organização dos fragmentos dispostos no interior dos oratórios valorizando a simetria, a fragmentação e a repetição sacrificam a apresentação literal do conteúdo em função do aspecto poético desse mesmo conteúdo. A obra de Bispo também é marcada pelos signos da fragmentação e da repetição, especialmente nos bordados e nas assemblages feitas com objetos retirados do seu cotidiano. Nesses dois casos, é possível traçar um forte paralelo com a tradição do ex-voto, outra importante expressão da religiosidade do povo brasileiro. A fragmentação e a repetição são traços presentes nas artes visuais desde o período da pré-escrita, todavia o uso desses conceitos tornou-se mais comum com o advento do Modernismo Europeu. Com o crescente desejo de romper com os velhos cânones ditados desde o Renascimento, artistas como Pablo Picasso, Mondrian, Matisse, Kandinsky dentre outros pintores vanguardistas fragmentaram as imagens, encerrando séculos de tradição figurativa. A fragmentação alcançou o seu paroxismo com a fase analítica do Cubismo. Nesse período, as imagens eram submetidas a um processo de fragmentação conceitual, sendo os fragmentos 23 posteriormente dispostos aleatoriamente e repetidamente sobre a tela, impossibilitando o reconhecimento do corpo sugerido pelo título da obra. A repetição ganhou força com o surgimento da Pop Art nos Estados Unidos e na Inglaterra. Com o uso de processos de reprodutibilidade da imagem, como os mecanismos gráficos, dentre eles a serigrafia, as imagens eram produzidas em série, semelhantes ao processo fabril. As séries de Andy Warhol com as estampas da Coca-Cola exploram o conceito da repetição para apresentar um traço característico da sociedade contemporânea, a produção em massa e o consumo. Os trabalhos de Farnese de Andrade e Arthur Bispo do Rosário foram escolhidos como referências para a construção do presente projeto em função do caráter autobiográfico, do profundo diálogo com o imaginário cristão, pelo caráter poético e pela apresentação contemporânea ao utilizarem novos materiais e novos processos compositivos, explorando principalmente a fragmentação e a repetição. Um ponto relevante é a forma como tais trabalhos são apresentados, em simulacros que atuam como peças sacras, como oratórios, cetros, estandartes e mantos ritualísticos. 3 CONCEPIMUS CORPORIS O trabalho possui o formato de um tríptico (figuras 10 e 11), construído com placas de madeira e articulado com dobradiças metálicas. As dimensões do trabalho são: 130 cm x 90 cm (área do retábulo aberto) e 65 cm x 90 cm (área do retábulo fechado). Em cada uma das laterais foram dispostos fragmentos do corpo humano, incluindo a imagem da minha cabeça, distribuídos de forma aleatória com o intuito de reproduzir o mesmo efeito caótico das salas de ex-votos. Ao centro temos a criação de um corpo sagrado a partir do corpo profano, com a reorganização dos fragmentos em uma cena que simula a crucificação. O corpo é estruturado a partir da repetição dos seus fragmentos, fazendo com que a montagem sugira a construção de um novo corpo. 24 Figura 10 Estrutura em madeira para a realização do tríptico (fechado). Arquivo pessoal 25 O processo criativo foi principiado com o registro fotográfico do corpo do artista e com pesquisas na internet para a obtenção de imagens de fragmentos do corpo humano. As partes da anatomia humana selecionadas foram: a cabeça, o tronco, as costas e palmas das mãos, as pernas e os pés (dorso e planta). As fotos foram trabalhadas através das ferramentas de edição do Photoshop, especialmente para recortar as imagens, separando cada fragmento corpóreo do fundo. Todas as imagens foram manipuladas para apresentarem o aspecto de uma pintura feita com espátula. Esse processo foi realizado em cada fragmento, sendo cada um salvo como um novo arquivo de imagem permitindo o posterior uso. Após essa edição, foi criado um novo arquivo com as dimensões do tríptico para a organização de cada uma das cenas. Para obter o efeito da repetição, as figuras foram coladas com alterações como o tamanho, a perspectiva e o espelhamento. O fundo é preto e a linha do horizonte não foi utilizada, dessa forma o leitor terá a sensação visual de um espaço infinito, sugerindo a levitação das peças. Alguns pontos de luz com o efeito de brilho na lente foram acrescentados conferindo à imagem um aspecto fotográfico. A Figura 11 Estrutura em madeira para a construção do tríptico (aberta). Arquivo pessoal. 26 estrutura esquerda do tríptico tem como fragmentos as mãos e os pés. As partes do corpo foram trabalhadas em um padrão bicromático de preto e branco. Algumas das mãos estarão atadas por uma corda que penderá de um ponto mais alto da composição, simulando a disposição dos ex-votos. Fragmentos textuais retirados do título da obra foram dispostos nessa parte do tríptico, garantindo dessa forma um diálogo com a obra de Arthur Bispo do Rosário. A estrutura situada à direita do tríptico traz a cabeça e o tronco. Essas partes do corpo foram repetidas com a alteração do tamanho e da perspectiva, distribuídas de forma assimétrica e sugerindo o mesmo estado de tensão visual presente em uma sala de ex-votos. Da mesma forma que a imagem presente à esquerda do tríptico, a composição à direita traz um efeito de brilho na lente para sugerir uma imagem fotográfica (figura 12). As partes do corpo humano pendem de cordas reforçando o diálogo com os ex-votos. O centro do tríptico apresenta a figura do corpo a partir da organização dos fragmentos dispostos nas duas partes laterais (figura 13). Os fragmentos foram organizados de forma a compor um corpo disposto no centro da composição. A postura adotada pelo corpo é a mesma da crucificação, todavia nenhuma cruz foi retratada. Cada parte compositiva do corpo é formada pela repetição dos fragmentos dessa mesma parte, sendo que estes fragmentos apresentam diferentes escalas. Em alguns casos, os fragmentos são sobrepostos. O fundo da composição é igualmente preto, reforçando o padrão acromático da composição. Em pontos estratégicos foram colocadas manchas vermelhas, especialmente pelo caráter simbólico que essa cor apresenta nas representações da crucificação. Coroando a cabeça, foram dispostas imagens de pregos de bronze, organizados a partir de um desenho de arco. A base da área central apresenta fragmentos textuais dispostos a partir de uma linha ondulada, sugerindo uma caligrafia rudimentar. Com o intuito de criar um estranhamento no público e reforçar a relação antagônica entre o sacro e o profano, o corpo é ladeado por figuras de objetos que sugiram uma relação com as estruturas compositivas do corpo humano, comocabeças de bonecas, pinças, alicates, bolas de gude, compassos dentre outros objetos escolhidos pelo autor. 27 Figura 12 Imagens das duas metades laterais do tríptico. Fotomontagem Arquivo do artista. 28 Figura 13 Imagem da parte central do tríptico. Fotomontagem Arquivo do artista. 29 Figura 14 Imagem da partes laterais com os respectivos adesivos aplicados. Arquivo do artista. Figura 15 Imagem da parte central do tríptico sendo adesivada. Fotomontagem Arquivo do artista. 30 A composição é percebida a partir da abertura do tríptico. O público terá a liberdade de deixá-lo aberto ou fechado. Quando o tríptico estiver fechado, apresentará o título da obra aplicada com letras de parafina. O mesmo título foi fracionado e distribuído em cada uma das três partes internas. A apresentação do trabalho pode ocorrer sobre uma base com altura entre 0,50 e 1,00m, garantindo que a obra não exceda 1,90m de altura total. Para reforçar o diálogo entre o objeto e a sua relação com o imaginário sacro, o ambiente da exposição deve apresentar uma iluminação rarefeita, com um spot incidindo sobre a peça a partir de um eixo vertical. Dessa forma, pretende-se criar uma atmosfera semelhante ao interior dos templos medievais. Figura 16 Imagem da estrutura do tríptico totalmente adesivada. Arquivo do artista. 31 Apesar da obra ter sido concebida como um objeto e não como uma instalação, a mesma pode manter uma relação com o espaço de exposição que favoreça os conceitos trabalhados. Para tanto, a iluminação deve ser alterada, para que o ambiente se torne mais sombrio. Um feixe de luz deve incidir sobre o trabalho que será destacado por uma base. Essa luz deve ser rarefeita e disposta em um ângulo reto sobre a peça. Ao fundo, um sistema de som reproduziria uma melodia formada pelo cantochão com interferências das batidas cardíacas e gemidos de dor. A ausência da ambientação todavia não comprometerá a apreciação do trabalho. 4 LEGERE CORPUS A construção da obra PROFANA SACRUM CORPUS, a partir do programa de especialização em Artes Visuais: cultura e criação possibilitou que eu retomasse os estudos relacionados ao processo criativo no campo visual, especialmente das poéticas contemporâneas. Dessa forma, foi possível pesquisar diferentes temas, abordando da análise dos elementos compositivos ao campo da moda e do cinema. A possibilidade de realizar o curso com profissionais das mais diferentes áreas também contribuiu para que um fórum permanente de discussão, com múltiplos olhares, fosse estabelecido. As discussões realizadas através da ferramenta do fórum alimentaram a primeira etapa do meu processo criativo, marcado pela elaboração conceitual da obra. O percurso entre a concepção da obra e a sua execução foi marcado pela experimentação. Apesar da estrutura do trabalho utilizar um conjunto limitado de materiais, no caso a madeira, a parafina o e vinil para impressão, sendo que estes materiais foram empregados de acordo com o projeto inicial, algumas mudanças ocorreram ao longo do processo criativo. A principal mudança refere-se aos elementos visuais que inicialmente iriam compor as imagens de cada parte do tríptico. Os conceitos escolhidos para nortear o trabalho foram principalmente a fragmentação e a repetição. Nas primeiras imagens, a profusão e o aspecto heterogêneo das figuras empregadas na composição distanciaram o resultado do conceito almejado, levando a um processo de depuração que resultou na imagem apresentada. Este processo de experimentação foi importante, pois garantiu, através de algumas simulações, que a obra fosse construída preservando o diálogo com os 32 objetivos conceituais e com os artistas que referenciaram todo o processo de pesquisa. A obra PROFANA SACRUM CORPUS não se encerra com a confecção e apresentação do tríptico. A grande contribuição deixada pela especialização em Artes Visuais: cultura e criação consiste no desejo de expandir a proposta do presente projeto, levando a produção de uma série de trabalhos inspirados nos objetos empregados na liturgia ou no imaginário católico. Tais objetos dialogarão com o tríptico, construindo um santuário que mesclará símbolos da sociedade contemporânea com imagens comuns ao universo do autor do projeto, reforçando a relação antagônica prevista nos primeiros momentos da concepção da pesquisa, a sagração de um corpo profano, a profanação de um espaço sagrado. 33 REFERÊNCIAS BOPPRÉ, Fernando Chíquio. Mémoria, coleção e visualidade: Arthur Bispo do Rosário, Farnese de Andrade, Hassis e Rosângela Rennó. 2009. 150 f. Dissertação (Mestrado em História Cultura) – Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis - SC, 2009. Disponível em: <http://www.fernandoboppre.net/wordpress/wp- content/uploads/dissertacao_fernando_boppre.pdf> Acesso em: 23/02/2013 COSTA FILHO, José Almir Valente. Arthur Bispo do Rosário: uma poética em processo. 2007. 156 f. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Universidade de Brasília. Brasília – DF, 2007. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/5514> Acesso em: 23/02/2013 DONDIS, A. Donis. Sintaxe da Linguagem Visual. São Paulo: Martins Fontes, 2003.