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Lourau - Objeto de estudo da Análise Institucional

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OBJETO E METIDO DA ANALISE INSTITUCIONAL 67
A análise
Análise Institucional: trata-se, em princípio, de definir cada
um dos termos e de estabelecer em que se modificou seu con-
teúdo.
Antes de mais nada, que significa o termo aná/íse? Começare-
mos pela definição de Yves Barel.
onJETO E METODO DA
ANALISE INSTITUCIONAL*
Em que consiste o método analítico? Baseia-se, essencial-
mente, na hipótese de que é possível explicar e compreender
uma realidade complexa decompondo-a em elementos sim-
ples, analisando cada elemento e somando, ou pondo uma
depois da outra, essas análises. O método analítico não rechaça
as relações nem a interação entre os elementos. Mas se baseia
na idéia de que tais relações são mais bem explicadas pela ação
dos elementos, pois aquelas não explicam esta ação. Sejamos
um pouco mais precisos: para estudar o papel de um elemen-
to no conjunto, o passo clássico do método analítico consiste
em fazer variar, experimental ou idealmente, este elemento,
permanecendo constantes os demais; ou então em manter
constante este elemento enquanto os demais variam. Dessa
forma, procedendo elemento por elemento ou relação por re-
lação, podemos chegar a uma compreensão do conjunto.:
Um novo espírito científico
FÉLlx GuATTARI ESCREVIA RECENTEMENTE, apresentan(io unl
número de Rec/zero/zes (revista do movimento institucionalista):
A análise institucional implica um descentramento radical
da enunciação científica. Mas, para consegui-lo, não basta dar
a palavra aos sujeitos envolvidos às vezes uma questão
formal, inclusive jesuítica. Além disso, é necessário criar as
condições de um exercício total, paroxístico mesmo, desta
enunciação. A ciência nada tem a ver com medidas justas e
compromissos de bom-tom. Romper, de fato, as barreiras do
saber vigente, do poder dominante, não é fácil. . . E todo «um
novo espírito científico» que precisa ser refeito.'
Eis a definição "clássica" de análise. Ao falar de aná/íse nas
ciências humanas (psicanálise, análise institucional, socioanálise)
também se tem por alvo a decomposição de um todo em seus
Este texto, sob a forma de um manifesto, indica o que está
por construir e o que se precisa realizar: "um descentramento
radical". Trataremos de apontar neste artigo como se efetuará
tal descentramento e quais são os "centros" deslocados pelo mo-
vimento.
aves Band. 4 análise dos slsfelnzas; proble7nzas e possfbllf(lides, mimeo, 1973. Do
mesmo autor "A reprodução social: sistemas viventes, invariância e mudan-
ça", Paris: Anüuopos, 1973. Y Batel acrescenta: "Nenhuma investigação cien-
tífica, incluindo a abordagem sistêmica, pode prescindir do método analítico.
Tudo o que dizem os grandes teóricos do sistema é que o método analítico,
perfeitamente adaptado ao estudo dos sistemas simples(na prática, alguns
sistemas físicos), toma-se inadequado para o estudo dos sistemas mais com-
plicados'
'Objeto y método del análises institucional", in: E/ Ánlí/ísfs Itzsfífzzcfotz(z/. Madre:
Campo Abierto, 1977 versão a partir da qual foi efetuada a presente tradu-
ção. Publicado anteriormente em francês(Poür, n' 32, 1973). Tradução: Patrí-
cia Jacques Femandes e Heliana de Barcos Conde Rodrigues.
Líminaíre de Rec/zero;zes, março, 1973.
68 RENÉ LOURAU OBJETO E MÉTOO0 0A ANÁLISE INSTITUCIONAL 69
Marx, pondo em evidência a luta de classes como significado
do movimento da história e a instituição da mais-valia capita-
lista (mascarada pela instituição do salário); Freud, descobrin-
do o inconsciente, oculto sob uma ordem institucional criadora
de racionalizações. Tanto um como outro nos convidam a uma
investigação acerca do ocu/fo mediante um questionamento das
instituições ocultantes, sejam elas da ordem da racionalização,
sejam da ideologia. Esta investigação é uma hermenêutica que
implica o desvelamento da repressão do sentido por meio da aná-
lise dos fatores de desconhecimento. Este ocultamento se com-
pleta através de mediações institucionais que permeiam toda a
sociedade.
Assim, as leis, as regras, os preconceitos que limitam a sexua-
lidade a sua "função" de procriação ocultaram a verdade sobre
o desejo sexual. A luta instituinte contra essas regras instituídas
manifestou-se em comportamentos ou obras artísticas conde-
nados: destruiu-se Urbano Grandier, como se fez posteriormen-
te com as obras de Diderot ou Sade.
Estas manifestações de não-conformidade com o instituído são,
elas mesmas, reveladoras da natureza do instituído. São o ..4N,4
Z./S,ODOR. Do mesmo modo, a Comuna de Paras foi o revelador
do Estado de classe e de sua verdade; assim, Marx descobre atra-
vés da Comuna o que é realmente o Estado.
Marx e Freud elaboraram suas teorias graças ao que revela-
vam os dispositivos analisadores: a práfíca revolucionária, o ce-
rimonial da czzra psicanalítica.
elementos. A isto se acrescenta a idéia de interpretação: interpre-
tar um sonho ou uma fala de grupo é passar do desconhecido ao
conhecido; é uma operação de deciframento. Freud compara o
descobrimento do inconsciente ao deciframento de hieróglifos.
Aqui, a análise transforma-se em hermenêutica.s Procede-se tra-
zendo à luz o que está escondido e só se revela pela operação
que consiste em estabelecer relações entre elementos aparente-
mente disjuntos. Trata-se de reconstruir uma totalidade que se
havia rompido.
Marx utiliza muitas vezes o mesmo termo - a análise - em O
Capita/. Especifica ser ela necessária somente quando as relações
sociais não são imediatamente visíveis e, sobretudo, na relação
de exploração. Com efeito, a exploração é visível no sistema feu-
dal. O discurso analítico não é necessário, no caso. Porém a ex-
ploração se acha dissimulada no sistema capitalista e, para que
venha à luz, para que se revele, uma análise toma-se então ne-
cessária.
O escondido, o inconsciente, o inibido
As instituições formam a trama social que une e atravessa os
indivíduos, os quais, por meio de sua praxis, mantêm ditas ins-
tituições e criam outras novas (instituintes).
As instituições não são somente os objetos ou as regras visí-
veis na superfície das relações sociais. Têm uma face escondida.
Esta face, que a análise institucional se propõe a descobrir, reve-
la-se no nãó dífo. O ocultamento é produto de uma repressão. Po-
deríamos falar, aqui, de uma repressão social que produz o in-
consciente social. Aquilo que se censura é a palavra social, a ex-
pressão da alienação e a vontade de mudança. Do mesmo modo
que há um retorno do reprimido durante os sonhos ou nos aros
falhos, há um "retomo do reprimido social" nas crises sociais.
Descobrir o não dito, o censurado, foi a obra de Marx e Freud,
os dois grandes desmascaradores.
Os analisadores
O "novo espírito científico" encontrou sua origem na mudan-
ça profunda a partir da qual é o ízna/ísador qzze rea/íza a aná/fse.
Encontraremos um exemplo desta mudança no número de Re-
c/zero/zes anteriormente citado. A análise institucional já não signi-
fica, hoje em dia, o que era em sua primeira fase psicoterapêutica
(Saint-Alban, Cour-Cheverny), ou seja, a técnica que consiste em
manipular as "instituições" de cura para tratar os enfermos. Já3 Hlermenêutica: ciência da interpretação do que está oculto.
Getulio
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70 RENÉ LOURAU
OBJETO E MÉTODO 0A ANAL.iSE iNSTiTUCiONAl- 71
Mais adiante veremos como a contra-sociologia utiliza o mes-
mo termo. Mas antes é necessário dizer algumas palavras acerca
das instituições.
não significa um uso das instituições para produzir o material
da análise. A análise institucional é, anualmente, a irrupção na
cena política dos antigos "clientes" dos analistas. E a transfor-
mação de uma palavra terapêutica, até agora escravizada pelos
analistas, em uma palavra política, liberada e liberadora, dos
analisadores. E o ataque conduzido sobre o próprio terreno onde
até então se mantinha a dominação analítica. Passa-se, portanto,
da noção de análise à de analisador.
Também nesta noção voltamos a encontrar a idéia essencial
da decomposição de uma totalidade nos elementos que a com-põem. O analisador químico é aquele que decompõe um corpo
em seus elementos, produzindo, em certa medida, uma análise.
Neste caso, encontramo-nos nas ciências físicas. Não se trata de
í/zferprefar neste primeiro nível, mas de decompor um corpo Não
se trata de construir um discurso explicativo, mas de trazer à
luz os elementos que compõem o conjunto.
Quando Pavlov chama de "analisadores" o córtex, os órgãos
dos sentidos, quer sublinhar o fato de o aparelho neurológico
produzir uma primeira "análise" do mundo exterior. A partir
desta primeira análise, construíram-se as teorias. Mas o sistema
nervoso realiza, antes, uma ordenação: efetua-se, assim, uma pri-
meira interpretação da realidade. Ao retomar o conceito de ana
lísador nos trabalhos de psicoterapia institucional, Torrubia e
Guattari se inspiram, sem fazer referência explícita a isso, nesta
definição de analisador. Com efeito, chama-se ana/ísador, em uma
instituição de cura, aos lugares onde se exerce a palavra, bem
como a certos dispositivos que provocam a revelação do que es-
tava escondido.
A introdução do termo neste contexto marca, por conseguin-
te, uma evolução da prática institucionalista.
-- em um primeiro momento, as "instituições" eram concebi-
das como instrumentos terapêuticos.
- em um segundo período, sem eliminar totalmente a primei-
ra orientação, estas instituições (a "grade" ou emprego do tem-
po, as reuniões, etc. . .) aparecem como reveladoras, catalisadoras
do sentido: realizam, elas mesmas, a análise.
As instituições
A existência de obras4 dedicadas a examinar as diferentes
acepções do termo í?zsfífuíção, a destruir e reconstruir o conceito,
nos permitirá recordar aqui apenas o essencial.
Primeiro, as instituições são normas. Mas elas incluem tam-
bém a maneira como os indivíduos concordam, ou não, em par-
ticipar dessas mesmas normas. As relações sociais reais, bem
como as normas sociais, fazem parte do conceito de instituição.
Seu conteúdo é formado pela articulação entre a ação histórica
de indivíduos, grupos, coletividades, por um lado, e as normas
sociais já existentes, por outro.
Segundo, a instituição não é um nível da organização social
(regras, leis) que atua a partir do exterior para regular a vida
dos grupos ou as condutas dos indivíduos; atravessa todos os
níveis dos conjuntos humanos e faz parte da estrutura simbólica
do grupo, do indivíduo.
Logo, pertence a todos os níveis da análise: no nível indivi-
dual, no da organização (hospital, escola, sindicato), no grupo
informal bem como no formal, encontramos a dimensão da ins-
tituição.
IJm sistema de regras
As instituições aparecem em primeiro lugar e têm sido defini-
das como sistemas de regras que determinam a vida dos indiví-
duos, dos grupos sociais e das formas sociais organizadas. Com
frequência, estas últimas fábrica, hospital, escola, sindicato.
R. Lourau. l.'arzalyse ílzstítutlontzeZle, 1969(A aná/ise instítzlcfanal, Vozes, 1975).
Georges Lapassade. Grozlps, organisafío?zs, ínstitzztfons. Gauü\er Villars, 1967
(Grupos, organizações e ílzsfifuições, Francisco Alves, 1977).
Getulio
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Getulio
Getulio
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72 RENÉ LOURAU
- são chamadas de ízzsfífufções. Não se trata de confusão entre
duas acepções diferentes do termo, visto que podemos conside-
rar certas formas sociais singulares como sistemas de regras uni-
dos a outros sistemas de regras, formando, em conjunto, o teci-
do institucional da sociedade. Falar da escola como instituição é
simplesmente falar de um sistema de regras organizado segun-
do uma estrutura espacial imediatamente expressiva, mais clara
que a instituição do matrimonio ou do salário, que definem, to-
davia, o verdadeiro "nível" da instituição.
Assim, um "estabelecimento" seria uma instituição, da mes-
ma forma que uma lei estabelecida.
O termo ínsfífuíção pode referir-se também às constituições
políticas, às leis, aos aparelhos encarregados da execução e do
controle dessas leis, bem como aos preconceitos, às modas, às
superstições etc.
Todas essas regras, normas, costumes, tradições etc., que o in-
divíduo encontra na sociedade, são o que está í?zsfífzzz'do e que o
sociólogo pode estudar de maneira objetiva. Esta ordem do ins-
tituído foi privilegiada tanto por aqueles que têm uma concep-
ção objetiva do direito quanto pela sociologia positivista.
Nesse sentido, para Durkheim, a instituição é assimilada ao
instituído. Acompanhando Saint-Simon, Augusto Comte e Spen-
cer Durkheim considera as instituições como pura coação exte-
rior, imposta pela sociedade como uma necessidade de regulação
social. Admite que as instituições podem deixar de desempenhar
seu papel e que é necessário modifica-las, mas a iniciativa de
uma mudança é devolvida ao próprio instituído, aos organiza-
dores a serviço do Estado. Esta é uma concepção ao mesmo tem-
po positivista (a instituição é uma "coisa", um "fato social" que
coage o homem a partir do exterior) e funcionalista (seguindo
um modelo biológico: as instituições se encarregam da regulação
da sociedade para prevenir a anomia, ou seja, o aniquilamento
da coesão social).
Esta concepção funcionalista corresponde à dos antropólogos
como Mãlinowski, aos culturalistas americanos, a Parsons (es-
trutura-funcionalismo).
OBJETO E mÉrooo OA ANÁLISE INSTITUCIONAL- 73
Todas estas concepções consideram as instituições essencial-
mente sob o aspecto do instífuído, incluindo as exigências da so-
ciedade para seu funcionamento.
Em todas estas teorias, de Durkheim a Parsons, escotomiza-
se uma dimensão importante da instituição, que é o ínsfítuilzfe, ou
seja, o fato de que a instituição, embora se apresente como um
fato exterior ao homem, necessitou de seu poder instituinte. Além
disso, se o homem sofre as instituições, também as cria e as man-
tém por meio de um consenso que não é somente passividade
diante do instituído, mas igualmente atividade instituinte, a qual,
além disso, pode servir para pâr em questão as instituições. O fato
de que uma instituição seja contestada também faz parte dela.
Em uma postura contrária a esses sistemas objetivos, exterio-
res ao homem, que não estudam a instituição senão como regras
de funcionamento social, alguns autores elaboraram uma con-
cepção a partir da psicologia. Para Monnerot, por exemplo, as
instituições são objetos imaginários. São sistemas de defesa con-
tra a angústia que se projetam no exterior. A compreensão das
instituições passa pela compreensão do plano individual. E por
empatia com uma pessoa que se poderá compreender o papel
das instituições. Aqui, voltamo-nos para a questão da implica-
ção. A ela retomaremos posteriormente.
O instituinte contra o instituído
Desde suas origens, a corrente institucionalista p6s ênfase na
relação antagonista entre o ilzsfífzzílzfe e o insfífuüo e nos proces'
sos ativos da ílzsfftucíorzaZízação. A alienação social significa a
autonomização institucional, a dominação do instituído funda-
da no esquecimento de suas origens, na naturalização das insti-
tuições. Produzidas pela história, elas acabam por aparecer como
fixas e eternas, como algo dado, condição necessária e trans-his-
tórica da vida das sociedades.
Este esquecimento ("efeito beber": a ignorância institucional
e instituída), este não dito que fundamenta os discursos analíti-
cos sobre o si]êncio em lugar de fazê-lo sobre o que os institui,
Getulio
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74 RENÉ LOURAU OBJETO E mÉTOO0 0A ANÁUSE INSTITUCIONAL 75
De fato, e isto tem uma importância metodológica essencial, a
ínsfftuição atravessa todos os níveis de uma formação social de-
terminada.
A tradição marxista situa as instituições na "superestrutura
da sociedade.
Estas instituições políticas, objeto de uma "ciência" específica
- a "ciência política" no sentido clássico do termo --, são as insti-
tuições do governo -- o aparelho de Estado --, bem como as ins-
tituições supranacionais e internacionais. Definem um campo es'
pecífico, por oposição outrossetores da sociedade. Implicam,
portanto, uma sepízração das instâncias da formação social, ao
mesmo tempo que uma certa autonomia do po/ítíco. Marx, a par'
tir de Hegel, em sua crítica da filosofia hegeliana do Estado e
do Direito, localiza as írzsfifzzíções (em geral) na superestrutu-
ra, junto com as ídeo/ogías. Não utiliza explicitamente o conceito
de instituição a não ser quando analisa a base económica da
sociedade.
Ora, a base económica da sociedade se define por meio das
relações de produção que estão institucionalizadas: a venda da
força de trabalho, por exemplo, se articula em um sistema institu-
cional.s Não se trata de descrever as instituições económicas (o
crédito, o banco, o mercado) como faz anualmente a ciência eco-
nómica clássica.' Tampouco de analisar a "institucionalização da
vida económica".7
Finalmente, as ideologias não existem em um céu de idéias,
independentemente de suportes materiais (materialidade dos
meios) e de determinações económicas (as instituições da indús-
tria cultural, da edição e, de modo geral, da produção de mensa-
gens são cada vez mais as instituições ecotzõmícas da indústria
cultural: atualmente existem supermercados da cultura, trustes
eis o que a análise institucional faz aparecer, interrogando o ato
de ínsfífuír que definiu a instituição.
Os processos históricos de crise, de mudança e de revolução
são o laboratório da sociedade instituinte. Mas a aproximação
ao instituinte também pode passar pelo estudo de momentos de
"efervescência" (Durkheim) passíveis de serem observados, em
certas sociedades, nas festas e nos transes coletivos. As cerimó-
nias ditas de possessão ritualizam a evocação do instituinte ori-
ginal. Mas nestes ritos, em razão de serem rifas, só encontramos
o instituinte arrefecido, re-produzido, ainda mantido no esque-
cimento das condutas sociais de origem.
A cultura dos oprimidos (especialmente dos ritos dionisíacos)
reproduz e repete a recordação deformada e atrofiada de um pro-
jeto originário de liberação e de institucionalização coletiva: na
parte mais secreta, mais codificada e simbolizada, os ritos de pos-
sessão e de transe "contam" um passado de luta contra a opres-
são, falam da "magia negra" da revolta e do entusiasmo coleti-
vos; em suma, mediante um discurso indimto, indicam tudo aquilo
que forma o núcleo de qualquer experiência revolucionária.
Assim, na revolução, as novas instituições (contra-instituições)
aparecem e se desenvolvem, para depois regredir e desaparecer
com a subida do novo poder, para passar a um inconsciente co-
letivo que é o f?zconscíenfe po/ífíco das sociedades.
Níveis e instâncias
Em certas obras de orientação insütucionalista, como Cbaz?es
díz Socio/agia, por exemplo, a instituição é apresentada como um
nível de análise, posterior aos níveis do grupo e da organização.
Tal descrição deve ser modificada. Com efeito, se admitimos
que a instituição é, fundamentalmente, aquilo que mantém a exis-
tência dos indivíduos, grupos e organizações ("a instituição faz
o homem", escrevia Rousseau) e que os atravessa (por exemplo,
é a divisão ínsfífuüa do trabalho que determina a organização
da empresa), é necessário apresentar a ínsfífuíção e a análise.
institucional em outros termos.
Cf. Paul Cardan. "Marxismo y teoria revolucionária". Sacia/ísme oz/ Barbárie,
n' 39, marzo-abril, 1965, n' 40, judo-agosto, 1965(retomado em "A institui-
ção imaginária da sociedade", Paz e Terra, 1986).
CÍ. La economia {nstituciotiat.
Talcott Parsons. "La institucíonalización de los valores y las motivaciones de
la actividad económica", in: Psyc/zoZogíe soclale. Paria: Lévy-Dunod, 1965
Getulio
Getulio
76 RENÉ LOURAU
de editores). Os aparelhos ideológicos são atravessados pelo "eco-
nómico" e pelo "político'
Hoje em dia já não é possível conceber as instituições como
um estrato, uma instância ou um nível de uma formação social
determinada. Pelo contrário, é necessário definir a instituição
como um "cruzamento de instâncias" (económica, política e ideo-
lógica) e afirmar, além do mais, empregando a linguagem da
análise institucional: se é certo que toda instituição é afraoessada
por todos os "níveis" de uma formação social, a instituição deve
ser definida necessariamente pela fra?zsoersalfdade.8
Sendo assim, não podemos considerar a instituição como um
nível, porque se encontra presente também em todos os outros.
Trata-se de uma dimensão fundamental que atravessa e funde
todos os níveis da estrutura social.
Podemos apontar o lugar específico do conceito de institui-
ção nos níveis de análise por meio de um gráfico. Ele indica es-
sencialmente que a instituição não é um "nível" ou uma "ins-
tância" da realidade e da análise. É uma instância que atravessa
as outras instâncias: a da organização, a do grupo, a da relação.
OBJETO E MÉTODO DA ANÁLISE INSTITUCIONAL 77
NÍVEIS MÉTODOS OE APROXIMAÇÃO
Organismo Biologia
Psicologia
Psicanálise
Psicosociologia
Sociologia das Organizações
INSTITUIÇÃO
Organização
ANÁLISE I NSTITUCIONAL
A instituição é o inconsciente político
Insistimos muitas vezes no não dito, no oculto, na ignorância
institucional (Max Weber). A partir daí, sugerimos que a análise
poderia ser concebida como uma hermenêutica.
Mas ainda é necessário explicar a origem do desconhecimen-
to, do esquecimento institucional. Devemos indicar o motivo de
sermos ignorantes e, também, cegos ante nossas instituições, bem
como a que razão se deve que tal ignorância geralmente não seja
levada em conta nas ciências sociais.
A hipótese fundamental é que o Estado de classe é o lugar
originário da repressão. A ilusão institucional e o desconhecimen-
to são necessários para que o sistema social se mantenha, para a
estabilidade das relações sociais dominantes, produzida e re-pro-
duzida pelas instituições.
O Estado centralizado tanto funciona tanto como fonte de re-
pressões quanto, além disso, mediante todos os seus mecanis-
mos e aparelhos ideológicos, como produtor permanente do des-
conhecimento institucional.
Daremos um exemplo. Nas anuais lutas das minorias nacio-
nais, o programa consiste em destruir a hegemonia instituída das
linguagens dominantes, sua tirania. Estas lutas são os anali-
sadores da dominação do Estado centralizado, as fontes dire-
tas de sua destruição. As minorias etnolingüísticas põem em
8
Esta revisão do conceito de instituição tem conseqiiências práticas, especial-
mente na prática social, na mudança social. Um só exemplo é suficiente para
demonstra-lo: trata-se do problema clássico, no movimento operário, das re-
lações entre os partidos e os sindicatos, e das relações destes dois tipos de
instituições com a mudança social. Se admitimos, de fato, que as instituições
são "atravessadas tanto pelo económico como pelo político e o ideológico
põr em práhca este princípio tem consequências imediatas na teoria da or-
ganização revolucionária e do processo revolucionário (em ouh'a linguagem,
que será especificada em seguida, em uma teoria da mudança social). Esta
posição teórica conduziria a duas conseqüências: a) Renunciamos a separar
a luta económica (que seria função das instituições sindicais) e a luta políti-
ca (reservada aos partidos). Mas os partidos e os sindicatos inspirados no
marxismo não param de oscilar entre o economicismo(que define as insti-
tuições como puros reflexos) e a orientação anarco-sindicalista que privile-
gia, ao contrário, a contestação das instituições e uma certa problemática
institucional. b) Com base nas considerações anteriores e em função do que
acabamos de enunciar, seria necessário acabar com a separação atual entre a
luta institucional (definida por outros, como veremos, como uma "luta de
civilização" e até mesmo como "revolução cultural") e a luta definida como
diretamente política(abolição da propriedade privada dos meios de produ-
ção e, sobretudo, tomada do poder de Estado).
1'
)
Getulio
Getulio
78 RENÉ LOURAU
onJETO E mÉTooo OA ANÁLISE INSrlTUCIONAL 79
Lamente a impressão de ter uma finalidade experimentalista.
Conquanto não se trate de ratose macacos, decerto o aspecto ex-
periencial ou experimental está sempre presente na intervenção
socioanalítica. Quando os alunos submetidos à pedagogia insti-
tucional se recusam a ser cobaias de seu professor; quando os
enfermos de um hospital psiquiátrico afirmam que se os médi-
cos aparecem como os "capitalistas", eles, os enfermos, são os
'proletários"; quando, após haverem lido os resumos das inter-
venções socioanalíticas," os católicos dizem que nada têm que
ver com as amostras de população de Lévi-Strauss, fica claro que
a relação de dominação geralmente existente na experimenta-
ção é trazida à luz, independentemente do que pensem dela o
pedagogo, o psiquiatra, o socioanalista.
Nos seminários autogestionados, a autogestão aparece como
um dispositivo artificial e sem eficácia direta sobre a mudança
social. A autogestão de um seminário de curta duração ou de
uma intervenção socioanalíüca, que dura alguns dias somente,
não é a autogestão de uma turma ou de um estabelecimento es-
colar. No caso de um estabelecimento, pomos em marcha um
verdadeiro prometo social de transformação.
Todas as situações de análise e de intervenção estão baseadas
no manejo de analisadores construídos e artificiais (a cura psica-
nalítica, o T Grotzp, etc. . .), atualizados com o objetivo de fazer
emergir, como disse Freud, um material analisável. O "cerimo-
nial da cura analítica" é, de fato, um dispositivo quase experi-
mental de conhecimento. Os analisadores construídos definem
o "laboratório social": para as ciências sociais, constituem o equi-
valente do laboratório.
O cientificismo, em sentido estrito, é a reprodução do labora-
tório no campo das ciências sociais e psicológicas. Não é o que
propomos com a teoria dos afia/ísadores naturais e artificiais. Tra-
ta-se, aqui, de equivalência, e não de reprodução ou de imita-
ção. O conceito de analisador é, pelo contrário, o único meio de
ultrapassar a oposição e o antagonismo que de fato existem,
suspenso o estatismo. Lançam-se contra o centralismo cultural,
contra a colonização e a repressão das línguas e das culturas do-
minadas.
Eis como funcionam esta dominação e esta repressão: em nome
das línguas dominantes, os idiomas invalidados são taxadas de
bárbaros, da mesma maneira que as religiões decaídas são re-
baixadas à categoria de bruxaria e de magia.
As instituições desqualificadas transformam-se sempre em ins-
tituições malditas, diabólicas, reprimidas e, finalmente, destruí-
das. Em razão da mesma dinâmica histórica, a religião vencida
transforma-se em magia negra e a linguagem inferiorizada toma-
te dialeto (patoá) e depois dialeto regional, até que desaparece.
Os berberes da Africa do Norte tiveram um alfabeto, mas hoje
os signos dispersos dele só são encontrados nos motivos decora-
tivos dos tapetes berberes.
Estes signos foram dispersados, esquecidos e reprimidos, a
base material da língua foi destruída; o cultural reprimido só
aparece em fragmentos disjuntos -- signos materiais agora sepa-
rados de seu sentido.
As culturas reprimidas sobrevivem, contudo, no inconsciente
das sociedades. Mas seus farrapos se dissimulam, se deformam
e se reduzem ao estado de signos disjuntor, como podemos ob-
servar em alguns ritos de possessão.9 Em tais ritos, o retomo do
reprimido se traduz pelo uso de "tacos", de perjúrios, de inver-
sões de sentido, de jogos de palavras em que se expressa, de for-
ma dissimulada e indireta, a contestação da linguagem dos gru-
pos dominantes, ao mesmo tempo que a recordação das lutas
dos oprimidos.
A experimentação
C) objetivo da análise institucional em situação de interven-
ção é z;lz/ídar o conceito de analisador. Esta proposição dá imedia-
l
/
9
Vale assinalar que os processos de possessão da Idade Média eram também
os processos da Occitânia. 10 CÍ. Les anatyseurs de I'égtise
Getulio
80 RENÉ LOURAU OBJETO E mÉTOO0 0A ANÁLISE iNSTiTUCiONAl. 81
clubes ou massas jacobinas. Existe um movimento jacobino,
analisador das contradições da revolução burguesa, que acaba
por negar seus dirigentes teóricos e derruba-los.
Entre Lênin (e outros dirigentes teóricos bolcheviques) de
um lado e o movimento revolucionário russo de outro, entre a
gênese teórica e a gênese social de 1917-1921, as relações são
tão estreitas que, sem este "encontro", o anónimo jogador de
xadrez acostumado às tabernas de exilados não teria escrito O
Estado e a Rez;oZzzcãb nem .4 Elláerlnídade lílláantí/ nem a plêiade de
textos e de discursos que, de 1917 até sua morte, constituem o
diário de bordo sociológico de um dos fatos mais importantes
da história humana, que poderíamos denominar "o fracasso da
profecia racional
A primazia do analisador sobre o analista, ainda que este últi-
mo seja simultaneamente um analisador extraordinário como
é o caso dos grandes dirigentes acima mencionados --, não vale
apenas para as relações entre massas e dirigentes. Aplica-se igual-
mente às relações entre dirigentes opostos, mesmo se, na maior
parte dos casos, a história não canoniza os verdadeiros rivais dos
heróis: o analisados de Lutero também é Münster, dirigente da
guerra dos camponeses, da "primeira revolução social alemã"
(Engels). Calvino tem seu Miguel Servet, Robespierre tem seus
contrários, Lênin tem Makhno e Stálin tem Trotski. E negando e
sendo negados por esses opositores ou desviantes radicais que
os dirigentes triunfantes se constituem positivamente, criam seu
campo teórico e o campo de ação de seu poder. Neste sentido, o
que existe para nós na qualidade de proposições do protestan-
tismo, do jacobismo e do bolchevismo é a produção de gêneses
sociais dramáticas e trágicas, e não uma série de etapas mais ou
menos capitais ou medíocres de uma gênese teórica integrável
em uma história das idéias religiosas e políticas. Melhor ainda
que nos casos de Lutero, de Robespierre ou de Lênin, através de
Calvino se percebe como oínfe árias de /umas compuseram, aumen-
taram desmesuradamente, transformaram e orientaram defini-
tivamente uma obra teórica. .4 1nsfif irão Crísfã obra muito mais
analisadora das contradições calvinistas que o livro teórico do
anualmente, entre as ciências humanas experimentais e as ciên-
cias humanas clínicas.
A função do intelectual analista
O projeto da análise institucional, acompanhando o ponto de
vista da tendência - insistir mais na luta antiinstitucional do que
na construção de um novo sistema filosófico --, é menos acres-
centar algo à sociologia crítica (anta-sociologia) do que propor
uma altemativa aos modelos de análise e de intervenção social.
Aqui, "propor" deve ser entendido da seguinte maneira: em
tempo "normal" (ou seja, durante um período "frio"), a teoria
da análise social, produto de práticas sociais de intervenção, é
somente uma atividade de intelectual. Este último tem a tarefa,
portanto, de enunciar proposições (e não ditar dogmas científi-
cos) extraídos das relações que estabelece entre as práticas so-
ciais e sua própria prática social, sempre menos rica que a das
categorias ou dos grupos confrontados diretamente (originaria-
mente) à exploração. Fica claro, assim, que tais proposições não
são produtos de seu espírito mais, ou menos, brilhante, tampou-
co puros "reflexos" de lutas levadas a cabo pelos outros. Mais
precisamente, trata-se do resultante teórico, ou debilmente prá-
tico-teórico, dos efeitos da prática social dos outros sobre a do
intelectual, a qual compreende principalmente, e às vezes uni-
camente, a prática da escritura e da fala. O intelectual não é o
analisador e sim o analista, com possibilidade de tomar consciên-
cia dos efeitos dos analisadores que desencadeiam sua interven-
ção (analista tanto no sentido mais amplo do termo quanto no
sentido técnico da palavra em certas ciências sociais). Não tem
apenas de reconhecer e legitimar ou mesmo exaltar a existên-
cia dos analisadores; deve compreender que somente os ana-
lisadores o constituem como analista. Lutero ou Calvino não exis-tem como dirigente teóricos de um movimento protestante, mas
sim como produtos intelectuais do movimento, que acaba por
nega-los como efeitos. Não há de um lado Robespierre como di-
rigente teórico do movimento jacobino e, de outro, as seções,
Getulio
82 RENÉ LOURAU
analista Calvino -- é atravessada, de um extremo a outro, pelas
correntes e alvoroços sociais: cada página está teoricamente de-
terminada pela necessidade de manter ou de reafirmar as dé-
beis relações de força estabelecidas entre o ditador de Genebra e
seu clique. Trata-se de uma obra contrateológica e contra-socio-
lógica, pulsando no mesmo ritmo que a contra-instituição ge-
nebrina, e não de uma obra de crítica teológica, como poderia
ser a de Erasmo, na mesma época. Erasmo, Adorno ou Marcuse,
aquando sobre a elite intelectual mas não chegando a ser, eles
mesmos, influenciados pelas massas, diferem de Lutero, de
Calvino e de tantos outros dirigentes locais da reforma.
OBJETO E MÉT000 0A ANÁLISE INSTITUCIONAL 83
geral, de um cientificismo ultrapassado, esquecido de que, para o
"novo espírito científico", o observador já está implicado no cam-
po da observação, de que sua intervenção modifica o objeto de
estudo, transforma-o. Mesmo quando o esquece, o ana l isca é sem-
pre, pelo simples fato de sua presença, um elemento do campo.
A questão da implicação fora há muito levantada por alguns
críticos do objetivismo.
Segundo a corrente fenomenológica, é fazendo-se psicólogo
que o sociólogo pode compreender esses "estados vividos" de
sociedade que são as formas sociais chamadas grupo, organiza-
ção, instituição, sociedade.
A introdução da instituição como //zferíorfdade é fundamental,
mas parcial:
Fundamenta/, já que introduz a dialética na observação, per-
mitindo evitar a confusão dos positivistas entre o objeto real e o
objeto de conhecimento. Segundo Merleau-PontJÇ o sociólogo
acede ao conhecimento não só pela observação de um objeto ex-
terior, mas igualmente canalizando sua própria implicação no
momento da observação. Assim, por exemplo, não se pode reco-
nhecer a especificidade do sistema de parentesco "enquanto não
tenhamos conseguido ínsfa/ar-/zos na instituição circunscrita des-
ta forma"
Fareja/, na medida em que se detém em uma simples com-
preensão, sem explicação possível dos fenómenos sociais.
Apesar disso, Merleau-Ponty vai mais longe do que os que se
detêm na "compreensão" das instituições por meio de uma aná-
lise do vivido. Para ele, estudar o social "é saber como este pode
ser simultaneamente uma coisa a conhecer e uma significação",
como pode ser em sí e para nós.
Mostra a necessidade de enlaçar a análise e a implicação, pro-
pondo um passo que consiste no "vai-e-vem do homem em si-
tuação ao objeto, e do objeto ao homem em situação".
Desse modo, superando a contradição entre a concepção da
instituição que dela faz uma coisa exterior ao homem (sociolo-
gia positivista) e a que faz dela um puro objeto interior imaginá-
rio (fenomenologia social), orientamo-nos em direção a uma con-
Implicação metódica
O conceito de implicação, que tende a tomar o lugar do de
contratransferência institucional", opõe-se radicalmente às pre-
tensões de objetividade fixadas pelos pesquisadores em ciências
sociais. Assim, por exemplo, no n' 28 da revista tour, dedicado à
'análise sociológica das organizações" e compilado por um mem-
bro do centro de sociologia das organizações (E. Friedberg), vá-
rias notas insistem na neutralidade do sociólogo. Vejamos: "0
sociólogo é exterior ao campo que investiga, não participa. . . O
sociólogo, como o etólogo, na medida do possível, deve fazer
faliu/a rasa de suas experiências anteriores, de seus valores, de
suas opiniões ou preconceitos. Sua pessoa deve apagar-se ante a
realidade empírica sob seus olhos. . . E obvio que o êxito dessas
reuniões depende de duas condições: é preciso que o sociólogo
apareça, aos olhos dos indivíduos a entrevistar, como interlocutor
neutro e independente em relação à estrutura de poder da organi-
zação estudada. Daí a importância de seu estatuto de «observa
dor exterior»" etc. . . Portanto, a análise organizacional define a
posição do sociólogo-especialista em termos que significam dis-
tanciamento em relação ao objeto. A análise institucional, ao con-
trário, contrapõe a implicação do analista a tal distanciamento.
A implicação deseja pâr fim às ilusões e imposturas da "neu-
tralidade" analítica, herdadas da psicanálise e, de modo mais
Getulio
Getulio
Getulio
Getulio
Getulio
84 RENÉ LOURAU OBJETO E MÉTODO DA ANAL.ISE INSTITUCIONAL. 85
quanto às teorias ideológicas, sistemas de moral em que tais
conceitos desempenham papel importante ou secundário. Ê exa-
tamente neste sentido que se pode falar acerca das relações que
o experimentador (e pesquisador) estabelece com seu objeto,
quaisquer que sejam as pretensões de neutralidade relativa que
ainda encontremos hoje na pena de certos pesquisadores em
ciências sociais. A distinção entre objeto real e objeto de conhe-
cimento, embora possa ser útil em certas fases do estudo, deve
ser criticada e negada como uma recaída no idealismo cientifi-
cista, avatar do idealismo religioso. Aquilo que habitualmente
se considera escória da ciência -- os inconvenientes e limites ao
ponto de vista neutralista deve ser. pelo contrário, colocado
no centro da investigação. O importante para o investigador
não é, essencialmente, o objeto que "ele mesmo se dá" (segun-
do a fórmula do idealismo matemático), mas sim tudo o que Ihe
é dado por sua posição nas relações sociais, na rede institucional.
A partir dessa perspectiva, fica evidente que a maior parte dos
artigos que aparecem nas revistas acadêmicas de sociologia
ou de psicologia, por exemplo -- são quase tão "sérios" como as
seções de horóscopo dos jomais.
cepção da instituição que sintetiza as instâncias objetiva e ima-
ginaria.
O exemplo mais claro de uma instituição simultaneamente ex-
terior e interior ao indivíduo é a linguagem, a qual consiste em
um sistema de regras que o indivíduo encontra já dado, exterior
a ele, e que os lingüistas podem estudar objetivamente; ao mes-
mo tempo, a língua é uma instância interior ao sujeito, que é
instituinte pela fala. Esta diabética entre o exterior e o interior
funda os sistemas simbólicos.
Às vezes se diz que a desmistificação da "neutralidade" reali-
zada, em ato, pela análise institucional, bem como o acento que
pomos sobre nossas implicações se traduzem em "narcisismo'
por meio da irrupção do desejo não controlado dos analistas na
intervenção. Esta crítica desconhece profundamente a teoria dos
analisadores construídos: quando dizemos que o analisador deve
substituir o analista -- de qualquer modo, na realidade é sempre
o analisador que dirige a análise --, queremos indicar, como re-
gra fundamental, que o analista não deve procurar subtrair-se
aos efeitos analisadores do dispositivo de intervenção.
A importância que a corrente institucionalista outorga à im-
plicação do analista implica uma comoção na noção de ciência
social. Trata-se, principalmente, de acabar com o falso problema
por excelência: a oposição entre corzscíêncfa imediata ou ingênua,
de um lado, e consciência re@exíaa, a teoria, a ciência etc., por
outro. . . Aqui volta a intervir a teoria dos analisadores como me-
diação entre a experiência e qualquer conhecimento "verdadei-
ro", tanto no nível de nosso corpo como no das construções inte-
lectuais mais abstratas, passando pelo nível da consciência social
e do saber social. A ideologia da análise, seu sistema conceitual,
bem como seu corpo e seu sexo são elementos do dispositivo
analisados.
Quando o psicó]ogo social experimentalista procura validar
uma hipótese baseada em conceitos como influência ou agres-
sividade relativa, é evidente que uma grande parte (não quanti-
ficável?) de seu "material experimental" está constituída pela
adesão mais ou menos racional e consciente que ele manifesta
Imaturidadeda teoria
Quando a análise institucional em situação de intervenção
(Socioanálise) for conhecida e reconhecida como prática social,
ao menos em certos setores do sistema social; quando ela tiver
definido com maior precisão seus objetos, suas estratégias e suas
formas específicas de atuação, certamente se poderá ir mais lon-
ge. Anualmente, a situação paradoxal consiste na necessidade
de construir a teoria, a prática e a intervenção a partir de cortes
de situações incompletas, de pequenos fragmentos de interven-
ção realizados rapidamente, com poucos especialistas práticos
bem formados e com poucas ocasiões para forma-los. Entretan-
to, para poder intervir de forma mais profunda, mais ampla, ou
seja, não somente durante quatro dias de sessões e sim durante
meses e anos, seria necessário dispor dessa teoria geral, que só
Getulio
Getulio
Getulio
86 RENÉ LOURAU
progredirá efetivamente quando forem reunidas condições de
trabalho demorado. Nesse momento, a pesquisa-açáo terá dado
um passo decisivo. Porém não estamos nesse momento. A si-
tuação anual da intervenção institucional nos parece ser a seguin-
te: as intervenções curtas e limitadas, realizadas em um setor
igualmente limitado de instituições culturais e religiosas, não
permitem ir muito além de um nível descritivo dos funciona-
mentos, sob a forma em que aparecem quase imediatamente,
após poucas horas de consulta, e/ou desde o momento da análi-
se da encomenda. Seriam necessárias intervenções muito mais
extensas para começar a explorar e a reconstruir o conjunto de
uma formação social na medida em que esta se simboliza ou se
resume em uma forma social determinada (escola, fábrica, hos-
pital etc.). A teoria psicanalítica e a prática terapêutica não te-
riam avançado muito se o número de sessões jamais houvesse
ultrapassado cinco ou dez. Hoje em dia, para alguém que tome
a obra de Freud apenas no nível de seu discurso articulado, me-
diante uma abordagem filosófica e contemplativa, o resultado
aparece, em sua totalidade, acabado, sem mostrar a base de pes-
quisa-ação e as condições de busca que permitiram a construção
de tal discurso. Deve-se frisar que os problemas ditos técnicos
estão muito menos explorados.:'
ESTUDOS HISTÓRICOS
SOBRE A CONTRAPEDAGOGIA*
Prelúdio
.A. SÉRIE DE PEQUENAS INFORMAÇÕES que aqui apresento so-
bre a pedagogia libertária e a pedagogia socialista não tem in-
tenção de ser uma verdadeira pesquisa histórica. É principalmen-
te uma aproximação, um sobrevoo do problema do conflito entre
duas correntes do movimento revolucionário no campo da edu-
cação, até hoje pouco ou nada abordado.
A vitória dos marxistas na Primeira e na Segunda Internacio-
nais desencadeia duas reações entre os discípulos de Bakunin: a
violência da propaganda por meio da ação e a via pacífica da
propaganda pelo discurso e pela educação. Nascem assim as ex-
periências pedagógicas na trança, na Espanha, na Suíça (país
onde os anarquistas são poderosos) e em outros países.
A falência da Segunda Internacional e as reviravoltas que se
sucedem à Primeira Guerra Mundial provocam, na Rússia e na
Alemanha, movimentos pedagógicos que se confrontam: socia-
listas e libertários. A reincidência desse enfrentamento fará nas-
cer, mais tarde, a "educação nova", em ligação com as inovações
em ciências humanas -- sociologia, psicanálise, psicossociologia,
psicologia infantil.
Les analyselírs de Z'i&líse. A obra contém monografias de intervenções realiza-
das em sessões de curta duração (quatro ou cinco dias em média). Inclui
também uma teoria da intervenção socioanalítica, bem como uma análise
da relação das intervenções com o sistema de instituições religiosas (o apa-
relho ideológico da religião, a igreja e "instituições" com a missa, a reza, o
batismo etc.).
Etudes historiques sur la contre-pédagogie". Pratfques de Forrnatíon - Ána-
!uses, "René Lourau: analyse hstitutionnelle et éducation", Université de Paris
Vlll, Paras, 2000. (Texto datado de 1973, sem maiores referências.) Tradução:
Paulo Schneider.
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