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OBJETO E METIDO DA ANALISE INSTITUCIONAL 67 A análise Análise Institucional: trata-se, em princípio, de definir cada um dos termos e de estabelecer em que se modificou seu con- teúdo. Antes de mais nada, que significa o termo aná/íse? Começare- mos pela definição de Yves Barel. onJETO E METODO DA ANALISE INSTITUCIONAL* Em que consiste o método analítico? Baseia-se, essencial- mente, na hipótese de que é possível explicar e compreender uma realidade complexa decompondo-a em elementos sim- ples, analisando cada elemento e somando, ou pondo uma depois da outra, essas análises. O método analítico não rechaça as relações nem a interação entre os elementos. Mas se baseia na idéia de que tais relações são mais bem explicadas pela ação dos elementos, pois aquelas não explicam esta ação. Sejamos um pouco mais precisos: para estudar o papel de um elemen- to no conjunto, o passo clássico do método analítico consiste em fazer variar, experimental ou idealmente, este elemento, permanecendo constantes os demais; ou então em manter constante este elemento enquanto os demais variam. Dessa forma, procedendo elemento por elemento ou relação por re- lação, podemos chegar a uma compreensão do conjunto.: Um novo espírito científico FÉLlx GuATTARI ESCREVIA RECENTEMENTE, apresentan(io unl número de Rec/zero/zes (revista do movimento institucionalista): A análise institucional implica um descentramento radical da enunciação científica. Mas, para consegui-lo, não basta dar a palavra aos sujeitos envolvidos às vezes uma questão formal, inclusive jesuítica. Além disso, é necessário criar as condições de um exercício total, paroxístico mesmo, desta enunciação. A ciência nada tem a ver com medidas justas e compromissos de bom-tom. Romper, de fato, as barreiras do saber vigente, do poder dominante, não é fácil. . . E todo «um novo espírito científico» que precisa ser refeito.' Eis a definição "clássica" de análise. Ao falar de aná/íse nas ciências humanas (psicanálise, análise institucional, socioanálise) também se tem por alvo a decomposição de um todo em seus Este texto, sob a forma de um manifesto, indica o que está por construir e o que se precisa realizar: "um descentramento radical". Trataremos de apontar neste artigo como se efetuará tal descentramento e quais são os "centros" deslocados pelo mo- vimento. aves Band. 4 análise dos slsfelnzas; proble7nzas e possfbllf(lides, mimeo, 1973. Do mesmo autor "A reprodução social: sistemas viventes, invariância e mudan- ça", Paris: Anüuopos, 1973. Y Batel acrescenta: "Nenhuma investigação cien- tífica, incluindo a abordagem sistêmica, pode prescindir do método analítico. Tudo o que dizem os grandes teóricos do sistema é que o método analítico, perfeitamente adaptado ao estudo dos sistemas simples(na prática, alguns sistemas físicos), toma-se inadequado para o estudo dos sistemas mais com- plicados' 'Objeto y método del análises institucional", in: E/ Ánlí/ísfs Itzsfífzzcfotz(z/. Madre: Campo Abierto, 1977 versão a partir da qual foi efetuada a presente tradu- ção. Publicado anteriormente em francês(Poür, n' 32, 1973). Tradução: Patrí- cia Jacques Femandes e Heliana de Barcos Conde Rodrigues. Líminaíre de Rec/zero;zes, março, 1973. 68 RENÉ LOURAU OBJETO E MÉTOO0 0A ANÁLISE INSTITUCIONAL 69 Marx, pondo em evidência a luta de classes como significado do movimento da história e a instituição da mais-valia capita- lista (mascarada pela instituição do salário); Freud, descobrin- do o inconsciente, oculto sob uma ordem institucional criadora de racionalizações. Tanto um como outro nos convidam a uma investigação acerca do ocu/fo mediante um questionamento das instituições ocultantes, sejam elas da ordem da racionalização, sejam da ideologia. Esta investigação é uma hermenêutica que implica o desvelamento da repressão do sentido por meio da aná- lise dos fatores de desconhecimento. Este ocultamento se com- pleta através de mediações institucionais que permeiam toda a sociedade. Assim, as leis, as regras, os preconceitos que limitam a sexua- lidade a sua "função" de procriação ocultaram a verdade sobre o desejo sexual. A luta instituinte contra essas regras instituídas manifestou-se em comportamentos ou obras artísticas conde- nados: destruiu-se Urbano Grandier, como se fez posteriormen- te com as obras de Diderot ou Sade. Estas manifestações de não-conformidade com o instituído são, elas mesmas, reveladoras da natureza do instituído. São o ..4N,4 Z./S,ODOR. Do mesmo modo, a Comuna de Paras foi o revelador do Estado de classe e de sua verdade; assim, Marx descobre atra- vés da Comuna o que é realmente o Estado. Marx e Freud elaboraram suas teorias graças ao que revela- vam os dispositivos analisadores: a práfíca revolucionária, o ce- rimonial da czzra psicanalítica. elementos. A isto se acrescenta a idéia de interpretação: interpre- tar um sonho ou uma fala de grupo é passar do desconhecido ao conhecido; é uma operação de deciframento. Freud compara o descobrimento do inconsciente ao deciframento de hieróglifos. Aqui, a análise transforma-se em hermenêutica.s Procede-se tra- zendo à luz o que está escondido e só se revela pela operação que consiste em estabelecer relações entre elementos aparente- mente disjuntos. Trata-se de reconstruir uma totalidade que se havia rompido. Marx utiliza muitas vezes o mesmo termo - a análise - em O Capita/. Especifica ser ela necessária somente quando as relações sociais não são imediatamente visíveis e, sobretudo, na relação de exploração. Com efeito, a exploração é visível no sistema feu- dal. O discurso analítico não é necessário, no caso. Porém a ex- ploração se acha dissimulada no sistema capitalista e, para que venha à luz, para que se revele, uma análise toma-se então ne- cessária. O escondido, o inconsciente, o inibido As instituições formam a trama social que une e atravessa os indivíduos, os quais, por meio de sua praxis, mantêm ditas ins- tituições e criam outras novas (instituintes). As instituições não são somente os objetos ou as regras visí- veis na superfície das relações sociais. Têm uma face escondida. Esta face, que a análise institucional se propõe a descobrir, reve- la-se no nãó dífo. O ocultamento é produto de uma repressão. Po- deríamos falar, aqui, de uma repressão social que produz o in- consciente social. Aquilo que se censura é a palavra social, a ex- pressão da alienação e a vontade de mudança. Do mesmo modo que há um retorno do reprimido durante os sonhos ou nos aros falhos, há um "retomo do reprimido social" nas crises sociais. Descobrir o não dito, o censurado, foi a obra de Marx e Freud, os dois grandes desmascaradores. Os analisadores O "novo espírito científico" encontrou sua origem na mudan- ça profunda a partir da qual é o ízna/ísador qzze rea/íza a aná/fse. Encontraremos um exemplo desta mudança no número de Re- c/zero/zes anteriormente citado. A análise institucional já não signi- fica, hoje em dia, o que era em sua primeira fase psicoterapêutica (Saint-Alban, Cour-Cheverny), ou seja, a técnica que consiste em manipular as "instituições" de cura para tratar os enfermos. Já3 Hlermenêutica: ciência da interpretação do que está oculto. Getulio Getulio Getulio Getulio Getulio Getulio 70 RENÉ LOURAU OBJETO E MÉTODO 0A ANAL.iSE iNSTiTUCiONAl- 71 Mais adiante veremos como a contra-sociologia utiliza o mes- mo termo. Mas antes é necessário dizer algumas palavras acerca das instituições. não significa um uso das instituições para produzir o material da análise. A análise institucional é, anualmente, a irrupção na cena política dos antigos "clientes" dos analistas. E a transfor- mação de uma palavra terapêutica, até agora escravizada pelos analistas, em uma palavra política, liberada e liberadora, dos analisadores. E o ataque conduzido sobre o próprio terreno onde até então se mantinha a dominação analítica. Passa-se, portanto, da noção de análise à de analisador. Também nesta noção voltamos a encontrar a idéia essencial da decomposição de uma totalidade nos elementos que a com-põem. O analisador químico é aquele que decompõe um corpo em seus elementos, produzindo, em certa medida, uma análise. Neste caso, encontramo-nos nas ciências físicas. Não se trata de í/zferprefar neste primeiro nível, mas de decompor um corpo Não se trata de construir um discurso explicativo, mas de trazer à luz os elementos que compõem o conjunto. Quando Pavlov chama de "analisadores" o córtex, os órgãos dos sentidos, quer sublinhar o fato de o aparelho neurológico produzir uma primeira "análise" do mundo exterior. A partir desta primeira análise, construíram-se as teorias. Mas o sistema nervoso realiza, antes, uma ordenação: efetua-se, assim, uma pri- meira interpretação da realidade. Ao retomar o conceito de ana lísador nos trabalhos de psicoterapia institucional, Torrubia e Guattari se inspiram, sem fazer referência explícita a isso, nesta definição de analisador. Com efeito, chama-se ana/ísador, em uma instituição de cura, aos lugares onde se exerce a palavra, bem como a certos dispositivos que provocam a revelação do que es- tava escondido. A introdução do termo neste contexto marca, por conseguin- te, uma evolução da prática institucionalista. -- em um primeiro momento, as "instituições" eram concebi- das como instrumentos terapêuticos. - em um segundo período, sem eliminar totalmente a primei- ra orientação, estas instituições (a "grade" ou emprego do tem- po, as reuniões, etc. . .) aparecem como reveladoras, catalisadoras do sentido: realizam, elas mesmas, a análise. As instituições A existência de obras4 dedicadas a examinar as diferentes acepções do termo í?zsfífuíção, a destruir e reconstruir o conceito, nos permitirá recordar aqui apenas o essencial. Primeiro, as instituições são normas. Mas elas incluem tam- bém a maneira como os indivíduos concordam, ou não, em par- ticipar dessas mesmas normas. As relações sociais reais, bem como as normas sociais, fazem parte do conceito de instituição. Seu conteúdo é formado pela articulação entre a ação histórica de indivíduos, grupos, coletividades, por um lado, e as normas sociais já existentes, por outro. Segundo, a instituição não é um nível da organização social (regras, leis) que atua a partir do exterior para regular a vida dos grupos ou as condutas dos indivíduos; atravessa todos os níveis dos conjuntos humanos e faz parte da estrutura simbólica do grupo, do indivíduo. Logo, pertence a todos os níveis da análise: no nível indivi- dual, no da organização (hospital, escola, sindicato), no grupo informal bem como no formal, encontramos a dimensão da ins- tituição. IJm sistema de regras As instituições aparecem em primeiro lugar e têm sido defini- das como sistemas de regras que determinam a vida dos indiví- duos, dos grupos sociais e das formas sociais organizadas. Com frequência, estas últimas fábrica, hospital, escola, sindicato. R. Lourau. l.'arzalyse ílzstítutlontzeZle, 1969(A aná/ise instítzlcfanal, Vozes, 1975). Georges Lapassade. Grozlps, organisafío?zs, ínstitzztfons. Gauü\er Villars, 1967 (Grupos, organizações e ílzsfifuições, Francisco Alves, 1977). Getulio Getulio Getulio Getulio Getulio 72 RENÉ LOURAU - são chamadas de ízzsfífufções. Não se trata de confusão entre duas acepções diferentes do termo, visto que podemos conside- rar certas formas sociais singulares como sistemas de regras uni- dos a outros sistemas de regras, formando, em conjunto, o teci- do institucional da sociedade. Falar da escola como instituição é simplesmente falar de um sistema de regras organizado segun- do uma estrutura espacial imediatamente expressiva, mais clara que a instituição do matrimonio ou do salário, que definem, to- davia, o verdadeiro "nível" da instituição. Assim, um "estabelecimento" seria uma instituição, da mes- ma forma que uma lei estabelecida. O termo ínsfífuíção pode referir-se também às constituições políticas, às leis, aos aparelhos encarregados da execução e do controle dessas leis, bem como aos preconceitos, às modas, às superstições etc. Todas essas regras, normas, costumes, tradições etc., que o in- divíduo encontra na sociedade, são o que está í?zsfífzzz'do e que o sociólogo pode estudar de maneira objetiva. Esta ordem do ins- tituído foi privilegiada tanto por aqueles que têm uma concep- ção objetiva do direito quanto pela sociologia positivista. Nesse sentido, para Durkheim, a instituição é assimilada ao instituído. Acompanhando Saint-Simon, Augusto Comte e Spen- cer Durkheim considera as instituições como pura coação exte- rior, imposta pela sociedade como uma necessidade de regulação social. Admite que as instituições podem deixar de desempenhar seu papel e que é necessário modifica-las, mas a iniciativa de uma mudança é devolvida ao próprio instituído, aos organiza- dores a serviço do Estado. Esta é uma concepção ao mesmo tem- po positivista (a instituição é uma "coisa", um "fato social" que coage o homem a partir do exterior) e funcionalista (seguindo um modelo biológico: as instituições se encarregam da regulação da sociedade para prevenir a anomia, ou seja, o aniquilamento da coesão social). Esta concepção funcionalista corresponde à dos antropólogos como Mãlinowski, aos culturalistas americanos, a Parsons (es- trutura-funcionalismo). OBJETO E mÉrooo OA ANÁLISE INSTITUCIONAL- 73 Todas estas concepções consideram as instituições essencial- mente sob o aspecto do instífuído, incluindo as exigências da so- ciedade para seu funcionamento. Em todas estas teorias, de Durkheim a Parsons, escotomiza- se uma dimensão importante da instituição, que é o ínsfítuilzfe, ou seja, o fato de que a instituição, embora se apresente como um fato exterior ao homem, necessitou de seu poder instituinte. Além disso, se o homem sofre as instituições, também as cria e as man- tém por meio de um consenso que não é somente passividade diante do instituído, mas igualmente atividade instituinte, a qual, além disso, pode servir para pâr em questão as instituições. O fato de que uma instituição seja contestada também faz parte dela. Em uma postura contrária a esses sistemas objetivos, exterio- res ao homem, que não estudam a instituição senão como regras de funcionamento social, alguns autores elaboraram uma con- cepção a partir da psicologia. Para Monnerot, por exemplo, as instituições são objetos imaginários. São sistemas de defesa con- tra a angústia que se projetam no exterior. A compreensão das instituições passa pela compreensão do plano individual. E por empatia com uma pessoa que se poderá compreender o papel das instituições. Aqui, voltamo-nos para a questão da implica- ção. A ela retomaremos posteriormente. O instituinte contra o instituído Desde suas origens, a corrente institucionalista p6s ênfase na relação antagonista entre o ilzsfífzzílzfe e o insfífuüo e nos proces' sos ativos da ílzsfftucíorzaZízação. A alienação social significa a autonomização institucional, a dominação do instituído funda- da no esquecimento de suas origens, na naturalização das insti- tuições. Produzidas pela história, elas acabam por aparecer como fixas e eternas, como algo dado, condição necessária e trans-his- tórica da vida das sociedades. Este esquecimento ("efeito beber": a ignorância institucional e instituída), este não dito que fundamenta os discursos analíti- cos sobre o si]êncio em lugar de fazê-lo sobre o que os institui, Getulio Getulio Getulio Getulio 74 RENÉ LOURAU OBJETO E mÉTOO0 0A ANÁUSE INSTITUCIONAL 75 De fato, e isto tem uma importância metodológica essencial, a ínsfftuição atravessa todos os níveis de uma formação social de- terminada. A tradição marxista situa as instituições na "superestrutura da sociedade. Estas instituições políticas, objeto de uma "ciência" específica - a "ciência política" no sentido clássico do termo --, são as insti- tuições do governo -- o aparelho de Estado --, bem como as ins- tituições supranacionais e internacionais. Definem um campo es' pecífico, por oposição outrossetores da sociedade. Implicam, portanto, uma sepízração das instâncias da formação social, ao mesmo tempo que uma certa autonomia do po/ítíco. Marx, a par' tir de Hegel, em sua crítica da filosofia hegeliana do Estado e do Direito, localiza as írzsfifzzíções (em geral) na superestrutu- ra, junto com as ídeo/ogías. Não utiliza explicitamente o conceito de instituição a não ser quando analisa a base económica da sociedade. Ora, a base económica da sociedade se define por meio das relações de produção que estão institucionalizadas: a venda da força de trabalho, por exemplo, se articula em um sistema institu- cional.s Não se trata de descrever as instituições económicas (o crédito, o banco, o mercado) como faz anualmente a ciência eco- nómica clássica.' Tampouco de analisar a "institucionalização da vida económica".7 Finalmente, as ideologias não existem em um céu de idéias, independentemente de suportes materiais (materialidade dos meios) e de determinações económicas (as instituições da indús- tria cultural, da edição e, de modo geral, da produção de mensa- gens são cada vez mais as instituições ecotzõmícas da indústria cultural: atualmente existem supermercados da cultura, trustes eis o que a análise institucional faz aparecer, interrogando o ato de ínsfífuír que definiu a instituição. Os processos históricos de crise, de mudança e de revolução são o laboratório da sociedade instituinte. Mas a aproximação ao instituinte também pode passar pelo estudo de momentos de "efervescência" (Durkheim) passíveis de serem observados, em certas sociedades, nas festas e nos transes coletivos. As cerimó- nias ditas de possessão ritualizam a evocação do instituinte ori- ginal. Mas nestes ritos, em razão de serem rifas, só encontramos o instituinte arrefecido, re-produzido, ainda mantido no esque- cimento das condutas sociais de origem. A cultura dos oprimidos (especialmente dos ritos dionisíacos) reproduz e repete a recordação deformada e atrofiada de um pro- jeto originário de liberação e de institucionalização coletiva: na parte mais secreta, mais codificada e simbolizada, os ritos de pos- sessão e de transe "contam" um passado de luta contra a opres- são, falam da "magia negra" da revolta e do entusiasmo coleti- vos; em suma, mediante um discurso indimto, indicam tudo aquilo que forma o núcleo de qualquer experiência revolucionária. Assim, na revolução, as novas instituições (contra-instituições) aparecem e se desenvolvem, para depois regredir e desaparecer com a subida do novo poder, para passar a um inconsciente co- letivo que é o f?zconscíenfe po/ífíco das sociedades. Níveis e instâncias Em certas obras de orientação insütucionalista, como Cbaz?es díz Socio/agia, por exemplo, a instituição é apresentada como um nível de análise, posterior aos níveis do grupo e da organização. Tal descrição deve ser modificada. Com efeito, se admitimos que a instituição é, fundamentalmente, aquilo que mantém a exis- tência dos indivíduos, grupos e organizações ("a instituição faz o homem", escrevia Rousseau) e que os atravessa (por exemplo, é a divisão ínsfífuüa do trabalho que determina a organização da empresa), é necessário apresentar a ínsfífuíção e a análise. institucional em outros termos. Cf. Paul Cardan. "Marxismo y teoria revolucionária". Sacia/ísme oz/ Barbárie, n' 39, marzo-abril, 1965, n' 40, judo-agosto, 1965(retomado em "A institui- ção imaginária da sociedade", Paz e Terra, 1986). CÍ. La economia {nstituciotiat. Talcott Parsons. "La institucíonalización de los valores y las motivaciones de la actividad económica", in: Psyc/zoZogíe soclale. Paria: Lévy-Dunod, 1965 Getulio Getulio 76 RENÉ LOURAU de editores). Os aparelhos ideológicos são atravessados pelo "eco- nómico" e pelo "político' Hoje em dia já não é possível conceber as instituições como um estrato, uma instância ou um nível de uma formação social determinada. Pelo contrário, é necessário definir a instituição como um "cruzamento de instâncias" (económica, política e ideo- lógica) e afirmar, além do mais, empregando a linguagem da análise institucional: se é certo que toda instituição é afraoessada por todos os "níveis" de uma formação social, a instituição deve ser definida necessariamente pela fra?zsoersalfdade.8 Sendo assim, não podemos considerar a instituição como um nível, porque se encontra presente também em todos os outros. Trata-se de uma dimensão fundamental que atravessa e funde todos os níveis da estrutura social. Podemos apontar o lugar específico do conceito de institui- ção nos níveis de análise por meio de um gráfico. Ele indica es- sencialmente que a instituição não é um "nível" ou uma "ins- tância" da realidade e da análise. É uma instância que atravessa as outras instâncias: a da organização, a do grupo, a da relação. OBJETO E MÉTODO DA ANÁLISE INSTITUCIONAL 77 NÍVEIS MÉTODOS OE APROXIMAÇÃO Organismo Biologia Psicologia Psicanálise Psicosociologia Sociologia das Organizações INSTITUIÇÃO Organização ANÁLISE I NSTITUCIONAL A instituição é o inconsciente político Insistimos muitas vezes no não dito, no oculto, na ignorância institucional (Max Weber). A partir daí, sugerimos que a análise poderia ser concebida como uma hermenêutica. Mas ainda é necessário explicar a origem do desconhecimen- to, do esquecimento institucional. Devemos indicar o motivo de sermos ignorantes e, também, cegos ante nossas instituições, bem como a que razão se deve que tal ignorância geralmente não seja levada em conta nas ciências sociais. A hipótese fundamental é que o Estado de classe é o lugar originário da repressão. A ilusão institucional e o desconhecimen- to são necessários para que o sistema social se mantenha, para a estabilidade das relações sociais dominantes, produzida e re-pro- duzida pelas instituições. O Estado centralizado tanto funciona tanto como fonte de re- pressões quanto, além disso, mediante todos os seus mecanis- mos e aparelhos ideológicos, como produtor permanente do des- conhecimento institucional. Daremos um exemplo. Nas anuais lutas das minorias nacio- nais, o programa consiste em destruir a hegemonia instituída das linguagens dominantes, sua tirania. Estas lutas são os anali- sadores da dominação do Estado centralizado, as fontes dire- tas de sua destruição. As minorias etnolingüísticas põem em 8 Esta revisão do conceito de instituição tem conseqiiências práticas, especial- mente na prática social, na mudança social. Um só exemplo é suficiente para demonstra-lo: trata-se do problema clássico, no movimento operário, das re- lações entre os partidos e os sindicatos, e das relações destes dois tipos de instituições com a mudança social. Se admitimos, de fato, que as instituições são "atravessadas tanto pelo económico como pelo político e o ideológico põr em práhca este princípio tem consequências imediatas na teoria da or- ganização revolucionária e do processo revolucionário (em ouh'a linguagem, que será especificada em seguida, em uma teoria da mudança social). Esta posição teórica conduziria a duas conseqüências: a) Renunciamos a separar a luta económica (que seria função das instituições sindicais) e a luta políti- ca (reservada aos partidos). Mas os partidos e os sindicatos inspirados no marxismo não param de oscilar entre o economicismo(que define as insti- tuições como puros reflexos) e a orientação anarco-sindicalista que privile- gia, ao contrário, a contestação das instituições e uma certa problemática institucional. b) Com base nas considerações anteriores e em função do que acabamos de enunciar, seria necessário acabar com a separação atual entre a luta institucional (definida por outros, como veremos, como uma "luta de civilização" e até mesmo como "revolução cultural") e a luta definida como diretamente política(abolição da propriedade privada dos meios de produ- ção e, sobretudo, tomada do poder de Estado). 1' ) Getulio Getulio 78 RENÉ LOURAU onJETO E mÉTooo OA ANÁLISE INSrlTUCIONAL 79 Lamente a impressão de ter uma finalidade experimentalista. Conquanto não se trate de ratose macacos, decerto o aspecto ex- periencial ou experimental está sempre presente na intervenção socioanalítica. Quando os alunos submetidos à pedagogia insti- tucional se recusam a ser cobaias de seu professor; quando os enfermos de um hospital psiquiátrico afirmam que se os médi- cos aparecem como os "capitalistas", eles, os enfermos, são os 'proletários"; quando, após haverem lido os resumos das inter- venções socioanalíticas," os católicos dizem que nada têm que ver com as amostras de população de Lévi-Strauss, fica claro que a relação de dominação geralmente existente na experimenta- ção é trazida à luz, independentemente do que pensem dela o pedagogo, o psiquiatra, o socioanalista. Nos seminários autogestionados, a autogestão aparece como um dispositivo artificial e sem eficácia direta sobre a mudança social. A autogestão de um seminário de curta duração ou de uma intervenção socioanalíüca, que dura alguns dias somente, não é a autogestão de uma turma ou de um estabelecimento es- colar. No caso de um estabelecimento, pomos em marcha um verdadeiro prometo social de transformação. Todas as situações de análise e de intervenção estão baseadas no manejo de analisadores construídos e artificiais (a cura psica- nalítica, o T Grotzp, etc. . .), atualizados com o objetivo de fazer emergir, como disse Freud, um material analisável. O "cerimo- nial da cura analítica" é, de fato, um dispositivo quase experi- mental de conhecimento. Os analisadores construídos definem o "laboratório social": para as ciências sociais, constituem o equi- valente do laboratório. O cientificismo, em sentido estrito, é a reprodução do labora- tório no campo das ciências sociais e psicológicas. Não é o que propomos com a teoria dos afia/ísadores naturais e artificiais. Tra- ta-se, aqui, de equivalência, e não de reprodução ou de imita- ção. O conceito de analisador é, pelo contrário, o único meio de ultrapassar a oposição e o antagonismo que de fato existem, suspenso o estatismo. Lançam-se contra o centralismo cultural, contra a colonização e a repressão das línguas e das culturas do- minadas. Eis como funcionam esta dominação e esta repressão: em nome das línguas dominantes, os idiomas invalidados são taxadas de bárbaros, da mesma maneira que as religiões decaídas são re- baixadas à categoria de bruxaria e de magia. As instituições desqualificadas transformam-se sempre em ins- tituições malditas, diabólicas, reprimidas e, finalmente, destruí- das. Em razão da mesma dinâmica histórica, a religião vencida transforma-se em magia negra e a linguagem inferiorizada toma- te dialeto (patoá) e depois dialeto regional, até que desaparece. Os berberes da Africa do Norte tiveram um alfabeto, mas hoje os signos dispersos dele só são encontrados nos motivos decora- tivos dos tapetes berberes. Estes signos foram dispersados, esquecidos e reprimidos, a base material da língua foi destruída; o cultural reprimido só aparece em fragmentos disjuntos -- signos materiais agora sepa- rados de seu sentido. As culturas reprimidas sobrevivem, contudo, no inconsciente das sociedades. Mas seus farrapos se dissimulam, se deformam e se reduzem ao estado de signos disjuntor, como podemos ob- servar em alguns ritos de possessão.9 Em tais ritos, o retomo do reprimido se traduz pelo uso de "tacos", de perjúrios, de inver- sões de sentido, de jogos de palavras em que se expressa, de for- ma dissimulada e indireta, a contestação da linguagem dos gru- pos dominantes, ao mesmo tempo que a recordação das lutas dos oprimidos. A experimentação C) objetivo da análise institucional em situação de interven- ção é z;lz/ídar o conceito de analisador. Esta proposição dá imedia- l / 9 Vale assinalar que os processos de possessão da Idade Média eram também os processos da Occitânia. 10 CÍ. Les anatyseurs de I'égtise Getulio 80 RENÉ LOURAU OBJETO E mÉTOO0 0A ANÁLISE iNSTiTUCiONAl. 81 clubes ou massas jacobinas. Existe um movimento jacobino, analisador das contradições da revolução burguesa, que acaba por negar seus dirigentes teóricos e derruba-los. Entre Lênin (e outros dirigentes teóricos bolcheviques) de um lado e o movimento revolucionário russo de outro, entre a gênese teórica e a gênese social de 1917-1921, as relações são tão estreitas que, sem este "encontro", o anónimo jogador de xadrez acostumado às tabernas de exilados não teria escrito O Estado e a Rez;oZzzcãb nem .4 Elláerlnídade lílláantí/ nem a plêiade de textos e de discursos que, de 1917 até sua morte, constituem o diário de bordo sociológico de um dos fatos mais importantes da história humana, que poderíamos denominar "o fracasso da profecia racional A primazia do analisador sobre o analista, ainda que este últi- mo seja simultaneamente um analisador extraordinário como é o caso dos grandes dirigentes acima mencionados --, não vale apenas para as relações entre massas e dirigentes. Aplica-se igual- mente às relações entre dirigentes opostos, mesmo se, na maior parte dos casos, a história não canoniza os verdadeiros rivais dos heróis: o analisados de Lutero também é Münster, dirigente da guerra dos camponeses, da "primeira revolução social alemã" (Engels). Calvino tem seu Miguel Servet, Robespierre tem seus contrários, Lênin tem Makhno e Stálin tem Trotski. E negando e sendo negados por esses opositores ou desviantes radicais que os dirigentes triunfantes se constituem positivamente, criam seu campo teórico e o campo de ação de seu poder. Neste sentido, o que existe para nós na qualidade de proposições do protestan- tismo, do jacobismo e do bolchevismo é a produção de gêneses sociais dramáticas e trágicas, e não uma série de etapas mais ou menos capitais ou medíocres de uma gênese teórica integrável em uma história das idéias religiosas e políticas. Melhor ainda que nos casos de Lutero, de Robespierre ou de Lênin, através de Calvino se percebe como oínfe árias de /umas compuseram, aumen- taram desmesuradamente, transformaram e orientaram defini- tivamente uma obra teórica. .4 1nsfif irão Crísfã obra muito mais analisadora das contradições calvinistas que o livro teórico do anualmente, entre as ciências humanas experimentais e as ciên- cias humanas clínicas. A função do intelectual analista O projeto da análise institucional, acompanhando o ponto de vista da tendência - insistir mais na luta antiinstitucional do que na construção de um novo sistema filosófico --, é menos acres- centar algo à sociologia crítica (anta-sociologia) do que propor uma altemativa aos modelos de análise e de intervenção social. Aqui, "propor" deve ser entendido da seguinte maneira: em tempo "normal" (ou seja, durante um período "frio"), a teoria da análise social, produto de práticas sociais de intervenção, é somente uma atividade de intelectual. Este último tem a tarefa, portanto, de enunciar proposições (e não ditar dogmas científi- cos) extraídos das relações que estabelece entre as práticas so- ciais e sua própria prática social, sempre menos rica que a das categorias ou dos grupos confrontados diretamente (originaria- mente) à exploração. Fica claro, assim, que tais proposições não são produtos de seu espírito mais, ou menos, brilhante, tampou- co puros "reflexos" de lutas levadas a cabo pelos outros. Mais precisamente, trata-se do resultante teórico, ou debilmente prá- tico-teórico, dos efeitos da prática social dos outros sobre a do intelectual, a qual compreende principalmente, e às vezes uni- camente, a prática da escritura e da fala. O intelectual não é o analisador e sim o analista, com possibilidade de tomar consciên- cia dos efeitos dos analisadores que desencadeiam sua interven- ção (analista tanto no sentido mais amplo do termo quanto no sentido técnico da palavra em certas ciências sociais). Não tem apenas de reconhecer e legitimar ou mesmo exaltar a existên- cia dos analisadores; deve compreender que somente os ana- lisadores o constituem como analista. Lutero ou Calvino não exis-tem como dirigente teóricos de um movimento protestante, mas sim como produtos intelectuais do movimento, que acaba por nega-los como efeitos. Não há de um lado Robespierre como di- rigente teórico do movimento jacobino e, de outro, as seções, Getulio 82 RENÉ LOURAU analista Calvino -- é atravessada, de um extremo a outro, pelas correntes e alvoroços sociais: cada página está teoricamente de- terminada pela necessidade de manter ou de reafirmar as dé- beis relações de força estabelecidas entre o ditador de Genebra e seu clique. Trata-se de uma obra contrateológica e contra-socio- lógica, pulsando no mesmo ritmo que a contra-instituição ge- nebrina, e não de uma obra de crítica teológica, como poderia ser a de Erasmo, na mesma época. Erasmo, Adorno ou Marcuse, aquando sobre a elite intelectual mas não chegando a ser, eles mesmos, influenciados pelas massas, diferem de Lutero, de Calvino e de tantos outros dirigentes locais da reforma. OBJETO E MÉT000 0A ANÁLISE INSTITUCIONAL 83 geral, de um cientificismo ultrapassado, esquecido de que, para o "novo espírito científico", o observador já está implicado no cam- po da observação, de que sua intervenção modifica o objeto de estudo, transforma-o. Mesmo quando o esquece, o ana l isca é sem- pre, pelo simples fato de sua presença, um elemento do campo. A questão da implicação fora há muito levantada por alguns críticos do objetivismo. Segundo a corrente fenomenológica, é fazendo-se psicólogo que o sociólogo pode compreender esses "estados vividos" de sociedade que são as formas sociais chamadas grupo, organiza- ção, instituição, sociedade. A introdução da instituição como //zferíorfdade é fundamental, mas parcial: Fundamenta/, já que introduz a dialética na observação, per- mitindo evitar a confusão dos positivistas entre o objeto real e o objeto de conhecimento. Segundo Merleau-PontJÇ o sociólogo acede ao conhecimento não só pela observação de um objeto ex- terior, mas igualmente canalizando sua própria implicação no momento da observação. Assim, por exemplo, não se pode reco- nhecer a especificidade do sistema de parentesco "enquanto não tenhamos conseguido ínsfa/ar-/zos na instituição circunscrita des- ta forma" Fareja/, na medida em que se detém em uma simples com- preensão, sem explicação possível dos fenómenos sociais. Apesar disso, Merleau-Ponty vai mais longe do que os que se detêm na "compreensão" das instituições por meio de uma aná- lise do vivido. Para ele, estudar o social "é saber como este pode ser simultaneamente uma coisa a conhecer e uma significação", como pode ser em sí e para nós. Mostra a necessidade de enlaçar a análise e a implicação, pro- pondo um passo que consiste no "vai-e-vem do homem em si- tuação ao objeto, e do objeto ao homem em situação". Desse modo, superando a contradição entre a concepção da instituição que dela faz uma coisa exterior ao homem (sociolo- gia positivista) e a que faz dela um puro objeto interior imaginá- rio (fenomenologia social), orientamo-nos em direção a uma con- Implicação metódica O conceito de implicação, que tende a tomar o lugar do de contratransferência institucional", opõe-se radicalmente às pre- tensões de objetividade fixadas pelos pesquisadores em ciências sociais. Assim, por exemplo, no n' 28 da revista tour, dedicado à 'análise sociológica das organizações" e compilado por um mem- bro do centro de sociologia das organizações (E. Friedberg), vá- rias notas insistem na neutralidade do sociólogo. Vejamos: "0 sociólogo é exterior ao campo que investiga, não participa. . . O sociólogo, como o etólogo, na medida do possível, deve fazer faliu/a rasa de suas experiências anteriores, de seus valores, de suas opiniões ou preconceitos. Sua pessoa deve apagar-se ante a realidade empírica sob seus olhos. . . E obvio que o êxito dessas reuniões depende de duas condições: é preciso que o sociólogo apareça, aos olhos dos indivíduos a entrevistar, como interlocutor neutro e independente em relação à estrutura de poder da organi- zação estudada. Daí a importância de seu estatuto de «observa dor exterior»" etc. . . Portanto, a análise organizacional define a posição do sociólogo-especialista em termos que significam dis- tanciamento em relação ao objeto. A análise institucional, ao con- trário, contrapõe a implicação do analista a tal distanciamento. A implicação deseja pâr fim às ilusões e imposturas da "neu- tralidade" analítica, herdadas da psicanálise e, de modo mais Getulio Getulio Getulio Getulio Getulio 84 RENÉ LOURAU OBJETO E MÉTODO DA ANAL.ISE INSTITUCIONAL. 85 quanto às teorias ideológicas, sistemas de moral em que tais conceitos desempenham papel importante ou secundário. Ê exa- tamente neste sentido que se pode falar acerca das relações que o experimentador (e pesquisador) estabelece com seu objeto, quaisquer que sejam as pretensões de neutralidade relativa que ainda encontremos hoje na pena de certos pesquisadores em ciências sociais. A distinção entre objeto real e objeto de conhe- cimento, embora possa ser útil em certas fases do estudo, deve ser criticada e negada como uma recaída no idealismo cientifi- cista, avatar do idealismo religioso. Aquilo que habitualmente se considera escória da ciência -- os inconvenientes e limites ao ponto de vista neutralista deve ser. pelo contrário, colocado no centro da investigação. O importante para o investigador não é, essencialmente, o objeto que "ele mesmo se dá" (segun- do a fórmula do idealismo matemático), mas sim tudo o que Ihe é dado por sua posição nas relações sociais, na rede institucional. A partir dessa perspectiva, fica evidente que a maior parte dos artigos que aparecem nas revistas acadêmicas de sociologia ou de psicologia, por exemplo -- são quase tão "sérios" como as seções de horóscopo dos jomais. cepção da instituição que sintetiza as instâncias objetiva e ima- ginaria. O exemplo mais claro de uma instituição simultaneamente ex- terior e interior ao indivíduo é a linguagem, a qual consiste em um sistema de regras que o indivíduo encontra já dado, exterior a ele, e que os lingüistas podem estudar objetivamente; ao mes- mo tempo, a língua é uma instância interior ao sujeito, que é instituinte pela fala. Esta diabética entre o exterior e o interior funda os sistemas simbólicos. Às vezes se diz que a desmistificação da "neutralidade" reali- zada, em ato, pela análise institucional, bem como o acento que pomos sobre nossas implicações se traduzem em "narcisismo' por meio da irrupção do desejo não controlado dos analistas na intervenção. Esta crítica desconhece profundamente a teoria dos analisadores construídos: quando dizemos que o analisador deve substituir o analista -- de qualquer modo, na realidade é sempre o analisador que dirige a análise --, queremos indicar, como re- gra fundamental, que o analista não deve procurar subtrair-se aos efeitos analisadores do dispositivo de intervenção. A importância que a corrente institucionalista outorga à im- plicação do analista implica uma comoção na noção de ciência social. Trata-se, principalmente, de acabar com o falso problema por excelência: a oposição entre corzscíêncfa imediata ou ingênua, de um lado, e consciência re@exíaa, a teoria, a ciência etc., por outro. . . Aqui volta a intervir a teoria dos analisadores como me- diação entre a experiência e qualquer conhecimento "verdadei- ro", tanto no nível de nosso corpo como no das construções inte- lectuais mais abstratas, passando pelo nível da consciência social e do saber social. A ideologia da análise, seu sistema conceitual, bem como seu corpo e seu sexo são elementos do dispositivo analisados. Quando o psicó]ogo social experimentalista procura validar uma hipótese baseada em conceitos como influência ou agres- sividade relativa, é evidente que uma grande parte (não quanti- ficável?) de seu "material experimental" está constituída pela adesão mais ou menos racional e consciente que ele manifesta Imaturidadeda teoria Quando a análise institucional em situação de intervenção (Socioanálise) for conhecida e reconhecida como prática social, ao menos em certos setores do sistema social; quando ela tiver definido com maior precisão seus objetos, suas estratégias e suas formas específicas de atuação, certamente se poderá ir mais lon- ge. Anualmente, a situação paradoxal consiste na necessidade de construir a teoria, a prática e a intervenção a partir de cortes de situações incompletas, de pequenos fragmentos de interven- ção realizados rapidamente, com poucos especialistas práticos bem formados e com poucas ocasiões para forma-los. Entretan- to, para poder intervir de forma mais profunda, mais ampla, ou seja, não somente durante quatro dias de sessões e sim durante meses e anos, seria necessário dispor dessa teoria geral, que só Getulio Getulio Getulio 86 RENÉ LOURAU progredirá efetivamente quando forem reunidas condições de trabalho demorado. Nesse momento, a pesquisa-açáo terá dado um passo decisivo. Porém não estamos nesse momento. A si- tuação anual da intervenção institucional nos parece ser a seguin- te: as intervenções curtas e limitadas, realizadas em um setor igualmente limitado de instituições culturais e religiosas, não permitem ir muito além de um nível descritivo dos funciona- mentos, sob a forma em que aparecem quase imediatamente, após poucas horas de consulta, e/ou desde o momento da análi- se da encomenda. Seriam necessárias intervenções muito mais extensas para começar a explorar e a reconstruir o conjunto de uma formação social na medida em que esta se simboliza ou se resume em uma forma social determinada (escola, fábrica, hos- pital etc.). A teoria psicanalítica e a prática terapêutica não te- riam avançado muito se o número de sessões jamais houvesse ultrapassado cinco ou dez. Hoje em dia, para alguém que tome a obra de Freud apenas no nível de seu discurso articulado, me- diante uma abordagem filosófica e contemplativa, o resultado aparece, em sua totalidade, acabado, sem mostrar a base de pes- quisa-ação e as condições de busca que permitiram a construção de tal discurso. Deve-se frisar que os problemas ditos técnicos estão muito menos explorados.:' ESTUDOS HISTÓRICOS SOBRE A CONTRAPEDAGOGIA* Prelúdio .A. SÉRIE DE PEQUENAS INFORMAÇÕES que aqui apresento so- bre a pedagogia libertária e a pedagogia socialista não tem in- tenção de ser uma verdadeira pesquisa histórica. É principalmen- te uma aproximação, um sobrevoo do problema do conflito entre duas correntes do movimento revolucionário no campo da edu- cação, até hoje pouco ou nada abordado. A vitória dos marxistas na Primeira e na Segunda Internacio- nais desencadeia duas reações entre os discípulos de Bakunin: a violência da propaganda por meio da ação e a via pacífica da propaganda pelo discurso e pela educação. Nascem assim as ex- periências pedagógicas na trança, na Espanha, na Suíça (país onde os anarquistas são poderosos) e em outros países. A falência da Segunda Internacional e as reviravoltas que se sucedem à Primeira Guerra Mundial provocam, na Rússia e na Alemanha, movimentos pedagógicos que se confrontam: socia- listas e libertários. A reincidência desse enfrentamento fará nas- cer, mais tarde, a "educação nova", em ligação com as inovações em ciências humanas -- sociologia, psicanálise, psicossociologia, psicologia infantil. Les analyselírs de Z'i&líse. A obra contém monografias de intervenções realiza- das em sessões de curta duração (quatro ou cinco dias em média). Inclui também uma teoria da intervenção socioanalítica, bem como uma análise da relação das intervenções com o sistema de instituições religiosas (o apa- relho ideológico da religião, a igreja e "instituições" com a missa, a reza, o batismo etc.). Etudes historiques sur la contre-pédagogie". Pratfques de Forrnatíon - Ána- !uses, "René Lourau: analyse hstitutionnelle et éducation", Université de Paris Vlll, Paras, 2000. (Texto datado de 1973, sem maiores referências.) Tradução: Paulo Schneider. 87
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