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SP 01 MÓD 02 5a FASE - PLANTADA NO VASO - DIARREIA

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MÓD 2 - SP1: “Plantada no vaso”
Revisão da fisiologia normal: 
O tubo digestivo possui contrações ativas de camadas de músculos lisos que determinam o trânsito dos alimentos e de produtos do próprio tubo através dele. Esse movimento está associado a processos como mistura, digestão, absorção e secreção. Há necessidade de boa coordenação entre eles para o desempenho normal.
Existem dois tipos básicos de movimentos: 1. Movimentos propulsivos, que empurram o conteúdo ao longo do trato gastrintestinal em velocidade que permita boa digestão e absorção; 2. Movimentos de mistura, para maior contato entre os componentes do conteúdo (alimentos e produtos do tubo digestivo).
Tais movimentos são regidos por reflexos dependentes de várias estruturas, estímulos nervosos e ação hormonal. As estruturas envolvidas são todas as camadas da parede do tubo digestivo (mucosa, submucosa, camada muscular circular, camada muscular longitudinal, serosa), o plexo nervoso mioentérico ou de Auerback e o plexo nervoso submucoso ou de Meissner (este atua mais em secreções e fluxo sanguíneo local). 
No jejum recebe o nome de complexo mioelétrico migratório (CMM). É composto de 3 fases: 1. De repouso, após atividade rítmica da fase III; 2. De contrações irregulares, precedendo a fase III; 3. De contrações rítmicas, que migram de modo relativamente lento, do antro até o íleo terminal. As contrações da fase III podem, também, começar em pontos distantes do duodeno ou não chegar ao final do intestino delgado. Talvez o CMM impeça a migração de bactérias do cólon para o intestino delgado, entre outras funções. 
No período pós-prandial, o alimento no estômago e nutrientes no duodeno interrompem o CMM e levam ao aparecimento de contrações persistentes, segmentares, para mistura. 
O plexo mioentérico controla os movimentos peristálticos do tubo digestivo com sua atividade excitatória, mas contém alguns neurônios com atividade inibitória, o que é útil para inibir músculos esfincterianos, controlando o movimento do conteúdo entre os vários segmentos gastrintestinais (estômago, intestino delgado, cólon). A acetil colina é um neurotransmissor importante na excitação dos movimentos miogênicos intestinais, mas existem outros, excitatórios e inibitórios. 
O sistema nervoso autônomo (simpático e parassimpático) e influências hormonais e emocionais modulam as atividades do tubo digestivo através de reflexos que controlam as secreções, o peristaltismo, as contrações de mistura, os efeitos inibitórios locais, o reflexo gastrocólico, o reflexo enterogástrico, o reflexo colonoileal, o reflexo da defecação e os reflexos de mecanismo central. 
As funções do sistema nervoso parassimpático são, em geral, antagônicas às do simpático. A ativação do parassimpático aumenta a atividade de todo o sistema nervoso entérico, intensificando a maioria das funções gastrintestinais (com alguns efeitos inibitórios). A estimulação do sistema nervoso simpático inibe a atividade no tubo digestivo. Forte estímulo do simpático pode bloquear o trânsito intestinal. Os sistemas simpático e parassimpático sofrem, como sabemos, influência emocional.
1 – Via das dores abdominais (somática e visceral) e suas características.
CLÍNICA médica, v.4 : doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais.
Neurorreceptores: A percepção da dor (nocicepção) geralmente se inicia nos neurorreceptores de dor (nociceptores), que podem responder a vários tipos de estímulos, como distensão, espasmo ou isquemia. 
Existem dois tipos de fibras nervosas envolvidas na transmissão de estímulos dolorosos: Fibras A-delta (somatossensoriais): fibras mielinizadas. Conduzem rapidamente o estímulo, produzindo uma dor súbita e bem localizada; são encontradas predominantemente na pele e nos músculos. 
Fibras C (viscerais): fibras não mielinizadas. Conduzem o estímulo de forma mais lenta e produzem uma dor vaga ou em queimação, mal localizada; estão presentes no músculo, mesentério, vísceras abdominais e peritônio. 
A maioria dos nociceptores presentes nas vísceras abdominais são fibras do tipo C, menos sensíveis e em menor quantidade que os presentes em órgãos sensitivos como a pele. Assim, é comum que pacientes com dor de origem abdominal se apresentem com uma dor vaga e mal localizada.
Os receptores sensoriais viscerais podem ser divididos em: 
Mecanorreceptores: localizados na parede das vísceras ocas (estômago, intestino), na superfície de órgãos sólidos (fígado, baço) e no mesentério. São sensíveis à distensão (p. ex., obstrução intestinal) e torção (p. ex., volvo de sigmoide), mas não são responsivos ao corte ou esmagamento (compressão). 
Quimiorreceptores: respondem a estímulos químicos e neurotransmissores. Inflamação, isquemia, lesão mecânica e necrose tecidual levam à liberação de substâncias (bradicinina, substância P, histamina, prostaglandinas, interleucinas, serotonina etc.) que ativam os nociceptores e têm efeitos diretos e indiretos na circulação e nos tecidos adjacentes à área envolvida. Adicionalmente, endorfinas são liberadas e têm papel importante, estimulando as vias inibitórias.
Vias de condução da dor: Três ordens de neurônios são responsáveis pela transmissão dos impulsos dolorosos. As terminações nervosas livres dos neurônios viscerais aferentes deixam os órgãos abdominais via nervos esplâncnicos até o corpo celular, localizado nos gânglios regionais (p. ex., celíaco, mesentérico superior). As fibras aferentes transmitem então os impulsos nervosos para o corno posterior da medula espinhal, onde fazem sinapse com neurônios de segunda ordem. Estes cruzam a comissura anterior e ascendem pela medula espinhal via trato espinotalâmico lateral e via trato retículo-espinhal contralateral. As fibras do trato espinotalâmico lateral projetam-se para os núcleos talâmicos, onde ocorre a sinapse com os neurônios de terceira ordem. Estes, por sua vez, carreiam o impulso doloroso para o córtex somatossensorial. As fibras do trato retículo-espinhal carreiam impulsos para os núcleos da formação reticular na ponte e bulbo, que se projetam para o sistema límbico e córtex frontal. O córtex somatossensorial torna possível a discriminação do estímulo doloroso, enquanto o sistema límbico e o córtex frontal são responsáveis pelos aspectos emocionais da dor. 
Fibras inibitórias descendem a partir do córtex cerebral e conectam-se ao corno posterior via tálamo e tronco cerebral. Essas fibras inibitórias permitem a modulação do estímulo doloroso e liberam importantes neurotransmissores, que interferem na interpretação da dor.
Aspectos clínicos e diagnósticos 
A dor abdominal pode ser dividida em três tipos: visceral, somática ou referida.
Dor visceral: A dor visceral resulta do estímulo de nociceptores viscerais (fibras C), presentes na parede dos órgãos intra-abdominais (vísceras ocas, cápsula de órgãos sólidos). Os receptores são estimulados por estiramento, distensão ou contração excessiva da musculatura lisa. A inervação da maioria das vísceras é multissegmentar e transmite aferentes sensoriais para ambos os lados da medula espinhal, com menor número de terminações nervosas. Assim, levam a um tipo de dor vaga e mal localizada. O local da dor corresponde, aproximadamente, ao dermátomo inervado pelo órgão comprometido. A depender do órgão acometido, pode ser descrita no epigástrio – região periumbilical ou hipogástrio, como cólica ou queimação. Sintomas secundários ao estímulo autonômico podem estar presentes, como náuseas, vômitos, sudorese e palidez.
Dor somática (somatoparietal): A dor somática resulta da irritação do peritônio parietal. As fibras nervosas mielinizadas (fibras A) trafegam por locais específicos na medula óssea, atingindo a medula espinhal através de nervos periféricos que correspondem aos dermátomos cutâneos entre a 6ª vértebra torácica (T6) e a 1ª lombar (L1). Assim, existe uma melhor correlação entre o local da dor e o segmento abdominal envolvido. A dor costuma ser de forte intensidade à palpação e pode se apresentar positiva à descompressão brusca. Pode ser agravada pelomovimento ou tosse. Geralmente é mais intensa e bem localizada do que a dor visceral.
Dor referida: A dor referida ocorre quando o órgão comprometido é diferente da área em que se percebe a dor (Figura 2). Resulta da convergência de neurônios aferentes viscerais e neurônios aferentes somáticos de diferentes regiões anatômicas para neurônios medulares de 2ª ordem no mesmo segmento. Pode ser percebida na pele ou em tecidos mais profundos e, com frequência, é bem localizada. Pode ocorrer de duas maneiras: dor sentida no abdome cuja origem, porém, é extra-abdominal (p. ex., IAM de parede inferior, pneumonia em bases pulmonares); dor extra-abdominal cuja origem é abdominal (p.ex., dor no ombro secundária a irritação diafragmática por abscesso subfrênico ou hepático).
Dor abdominal aguda versus crônica 
Dor aguda: poucos dias de duração, geralmente com piora progressiva; 
Dor crônica: dor que permanece inalterada por meses a anos. 
Dor subaguda: dor que não pode ser classificada com facilidade em nenhuma das outras categorias. Requer considerações no diagnóstico diferencial tanto de causas agudas como crônicas. Pacientes graves e instáveis devem sempre ser manejados como quadro agudo. Também deve-se lembrar que o paciente com dor abdominal crônica pode apresentar exacerbações agudas ou uma causa nova de dor, não relacionada à dor que apresentava anteriormente.
Dor abdominal aguda: O objetivo na avaliação do paciente com dor abdominal aguda é um diagnóstico rápido, eficaz e preciso. As ferramentas mais importantes para abordagem desse paciente são a história clínica e o exame físico. Quando o diagnóstico permanece duvidoso após investigação inicial, a avaliação repetida e o uso racional de exames laboratoriais e de imagem esclarecem a maioria dos casos. Entretanto, quando o estado geral do paciente está se agravando e o diagnóstico permanece incerto, a exploração cirúrgica pode ser necessária.
Achados clínicos
História clínica: Durante a anamnese, é fundamental uma história clínica detalhada, incluindo informações sobre localização, tempo de aparecimento, intensidade e características da dor.
Localização: Frequentemente, os pacientes têm dificuldade de descrever de forma precisa a localização da dor pelas questões neuroanatômicas já descritas (p. ex., inervação predominante por fibras tipo C). A maioria dos órgãos abdominais, embriologicamente, deriva de estruturas da linha média e mantém a inervação bilateral. A dor, decorrente da lesão destes órgãos, é pouco lateralizada, sendo referida na linha média. A dor secundária à lesão de órgãos que assumem posições mais laterais (rins, ovários, ureteres e vesícula), em geral, é descrita no local correspondente ao órgão envolvido. A dor secundária à irritação do peritônio parietal é bem localizada pela inervação por fibras aferentes somáticas, pela maior densidade de fibras nervosas e pela ausência da inervação bilateral. Assim, uma dor visceral, inicialmente mal definida e localizada na linha média, pode se modificar e se tornar bem localizada, à medida que o peritônio parietal adjacente torna-se irritado ou inflamado, como na apendicite aguda.
Tempo de evolução A dor abdominal pode ser caracterizada, de acordo com o tempo de evolução, em: 
Dor de início súbito: o paciente consegue determinar, com precisão, o momento do surgimento da dor. Geralmente está associada a um evento catastrófico, como ruptura de aneurisma abdominal, perfuração de úlcera péptica, entre outras causas. 
Dor rapidamente progressiva: evolui com piora em algumas horas. Observada em casos de pancreatite, isquemia mesentérica, cólica renal. 
Dor de evolução gradual ou insidiosa: evolui de forma mais lenta, às vezes, sem determinação precisa do início da dor. Ocorre tipicamente na doença ulcerosa péptica, obstrução intestinal distal, entre outras causas. Várias causas de dor rapidamente progressiva também podem apresentar esse padrão.
Intensidade: A intensidade da dor abdominal está diretamente relacionada à magnitude do estímulo doloroso, podendo ser descrita como leve, moderada ou grave ou pode ser avaliada se utilizando escalas (p. ex., 1 a 10). A graduação da dor em escalas tem baixo valor inicial, mas é útil no acompanhamento do paciente ao longo do tempo. A sensação dolorosa, entretanto, é um dado subjetivo que é influenciado por vários fatores, como percepção sensitiva, personalidade e experiências dolorosas prévias. A avaliação visual do paciente e o exame físico são essenciais para uma melhor caracterização.
Progressão: Com relação à progressão da dor abdominal, pode-se descrevê-la como: Autolimitada: ocorre melhora progressiva da dor (p. ex., gastroenterite). 
Intermitente: apresenta-se com períodos de melhora e piora (padrão crescente-decrescente da cólica renal e cólica biliar). 
Constante: pode ter caráter estável (dificilmente tendo causa cirúrgica) ou progressivo (apendicite, salpingite, diverticulite).
Caracterização da dor: A dor abdominal pode ser descrita pelo paciente de várias maneiras. Algumas delas podem auxiliar no diagnóstico diferencial:
Dor tipo peso: pode estar relacionada a retardo no esvaziamento gástrico, à distensão de vísceras ocas ou da cápsula de órgãos sólidos. 
Dor tipo cólica: apresenta padrão crescente-decrescente, em geral pela luta peristáltica contra obstáculo luminal mecânico (cólica biliar, cólica renal). 
Dor tipo queimação ou pontada: pode se apresentar na dor visceral de diferentes órgãos. 
Dor contínua: comprometimento da serosa peritoneal por processo inflamatório (peritonite), neoplásico ou distensão da cápsula de órgãos sólidos.
Fatores de melhora e piora: A interrogação sobre fatores de melhora e piora pode ajudar a esclarecer a natureza da dor. Entre eles, pode-se destacar: 
Posição: 
Piora da dor com pequenos movimentos: sugere peritonite (paciente tende a ficar parado). Movimentação constante na tentativa de aliviar a dor e de encontrar uma posição confortável: dor de origem visceral (p. ex., cólica renal ou obstrução intestinal). 
Dor que melhora com a flexão anterior do tronco (posição genupeitoral ou “em prece maometana”) e que piora na posição supina: sugere processo retroperitoneal (p. ex., pancreatite, tumor de pâncreas). 
Dor que alivia com o paciente deitado e a flexão da perna direita sobre o quadril: irritação do músculo psoas (p. ex., abscesso secundário a doença de Crohn). 
Piora da dor com inspiração profunda ou tosse: irritação diafragmática (p. ex., abscesso subfrênico ou hepático). 
Hábito intestinal: dor aliviada pela evacuação; sugere origem colônica.
Alimentos: podem exacerbar a dor (úlcera gástrica, isquemia mesentérica crônica, cólica biliar, obstrução intestinal) ou aliviar (úlcera duodenal não complicada).
Medicações: dor aliviada pelo uso de antiácidos (p. ex., doença ulcerosa péptica ou esofagite).
Sintomas associados: 
Sintomas constitucionais: febre, calafrios, perda ponderal, mialgia, artralgia. 
Sintomas gastrintestinais: anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, obstipação, icterícia, flatos, sangramento gastrointestinal. 
Outros: disúria, queixas menstruais e genitais nas mulheres.
História médica pregressa, familiar e hábitos de vida: 
Na anamnese, é fundamental avaliar: 
- Causas de dor abdominal recorrente (cólica biliar, pseudo-obstrução intestinal, doença inflamatória pélvica).
- Doenças sistêmicas que podem ter como sintoma dor abdominal (lúpus, cetoacidose diabética, porfiria, anemia falciforme, esclerodermia). 
- Medicações utilizadas. 
- Etilismo, tabagismo, abuso de substâncias ilegais, história epidemiológica e ocupacional. 
- Contato com pessoas ou animais doentes. 
- História familiar: anemia falciforme, febre familiar do Mediterrâneo.
Exame físico: O exame abdominal deve ser, preferencialmente, realizado antes da administração de narcóticos ou de outras medicações que possam interferir nos achados.
Avaliação geral: a forma de apresentação do paciente, como aparência e expressão facial, habilidade de conversar, padrão da respiração, posição no leito e postura, pode dar pistascom relação ao diagnóstico. Um paciente deitado no leito em posição fetal, evitando se movimentar ou falar, com expressão de dor intensa, sugere peritonite. Por outro lado, um paciente que se movimenta com muita frequência, trocando de posição na tentativa de aliviar a dor, provavelmente tem dor de origem visceral (cólica renal, obstrução intestinal). 
Sinais vitais: avaliar sinais de instabilidade hemodinâmica (taquicardia, hipotensão, taquipneia), presentes, por exemplo, nas hemorragias intra-abdominais e no choque séptico. A presença de febre (nos quadros de apendicite, diverticulite e colecistite) é tipicamente baixa, enquanto a febre alta é vista na colangite, pielonefrite, doença inflamatória pélvica ou perfuração visceral com peritonite. 
Avaliação dos sistemas: procura de causas extra-abdominais de dor abdominal (pneumonia, infarto agudo do miocárdio), assim como avaliação de patologias associadas (p. ex., fibrilação atrial como causa de êmbolo na isquemia mesentérica).
Exame abdominal 
Inspeção: avaliar presença de distenção, sugerindo obstrução intestinal, hérnias, cicatrizes, peristaltismo visível, equimoses ou ascite. Abdome escavado e tenso é visto na peritonite. 
Ausculta: ausência de ruídos intestinais é um dos sinais de peritonite difusa. Ruídos intestinais hiperativos e intermitentes, associados à piora da dor, sugerem obstrução intestinal, e também estão presentes na gastroenterite. Sopros abdominais estão presentes em estenoses vasculares. 
Percussão: hipertimpanismo associado à distensão abdominal sugere obstrução intestinal. Dor produzida por discreta percussão do abdome indica peritonite. 
Palpação - Realizada para avaliar: 
Presença de rigidez, tensão abdominal ou defesa: acontece como resposta à inflamação peritoneal. A investigação é realizada com a compressão leve e delicada (melhor do que a profunda) da parede abdominal com as duas mãos. Tensão generalizada e difusa sugere peritonite generalizada. Na tensão causada por contração voluntária da parede abdominal, ocorre relaxamento da musculatura com inspiração profunda. Já na contração involuntária, a rigidez da parede não se modifica com essa manobra, sendo um sinal sugestivo de peritonite. 
Localização da dor: sempre iniciar a palpação em um local distante daquele onde a dor é referida, atingindo, aos poucos, o ponto mais doloroso. A presença de um local específico de dor à palpação é um dado importante para definir a origem da dor. 
Nas suspeita de hérnias encarceradas, deve-se examinar canais inguinal e femoral, região umbilical e cicatrizes cirúrgicas. A presença de massas palpáveis pode estar associada a neoplasias benignas ou malignas, visceromegalias e inflamação. 
Exame retal: avaliar presença de lesões perianais (sugestivas de doença de Crohn). O toque retal pode revelar presença de sangue ou tumorações, e dor localizada é sugestiva de abscesso intra-abdominal ou apendicite. 
Exame pélvico: é mandatório em mulheres com dor abdominal, na procura de evidências de salpingite ou massas anexiais. Dor abdominal intensa com piora progressiva e exame abdominal “inocente” pode estar presente em quadros de isquemia mesentérica.
Exames complementares: 
Avaliação laboratorial: Os exames laboratoriais devem refletir as suspeitas diagnósticas elaboradas a partir da história clínica e do exame físico. 
Hemograma completo com diferencial e urina I: devem ser solicitados para a maioria dos pacientes. 
Ureia, creatinina, eletrólitos, gasometria arterial e glicose: avaliação do estado volêmico, metabólico, acido-básico e função renal. 
Enzimas hepáticas e amilase: importante principalmente em pacientes com dor em abdome superior. 
Teste de gravidez: obrigatório em toda mulher em idade reprodutiva com dor em abdome inferior. 
Outros testes: baseados nas suspeitas diagnósticas.
Exames de imagem: Os exames de imagem solicitados também devem responder a questões formuladas a partir da avaliação clínica inicial.
Radiografias planas do abdome: devem incluir uma radiografia em posição supina e outra em posição ortostática. Na impossibilidade da posição em pé, pode-se realizar em decúbito lateral. Estudos recentes têm demonstrado que é um exame de baixa sensibilidade (30%), especificidade (87,8%) e acurácia (56%) no diagnóstico da dor abdominal aguda, quando comparado com a TC de abdome sem contraste (sensibilidade, especificidade e acurácia de 96, 95,1 e 95,6%, respectivamente). Sua maior utilidade é na detecção de corpos estranhos intra-abdominais (sensibilidade de 90%) e de obstrução intestinal (sensibilidade de 49%), sendo de pouca utilidade no diagnóstico definitivo de causas comuns de dor abdominal como apendicite, pancreatite, diverticulite e pielonefrite. Só 10% das radiografias abdominais revelam achados diagnósticos da causa da dor. Entretanto, são exames de baixo custo e geralmente disponíveis, sendo solicitados na maioria dos casos. O objetivo é avaliar presença de nível líquido, disten-ção de alças intestinais, calcificações. 
Radiografia de tórax: avaliar presença de pneumo-peritônio e excluir causas intratorácicas de dor abdominal (p. ex., pneumonia de lobo inferior). 
Ultrassonografia (USG): avaliação rápida e de baixo custo de árvore biliar, fígado, pâncreas, baço, rins, vias urinárias e órgãos pélvicos. Exame inicial de escolha para o diagnóstico de várias patologias abdominais: aneurisma de aorta abdominal (paciente instável), cólica biliar, colecistite, gravidez ectópica, abscesso tubo-ovariano, litíase renal. As USG transvaginal e transretal podem ser úteis na identificação de anormalidades pélvicas. A USG com Doppler permite avaliação de lesões vasculares, como aneurismas de aorta ou visceral, trombose venosa e anomalias. 
Tomografia de abdome: é o exame mais versátil para avaliação da dor abdominal. Permite a identificação de pneumoperitônio, padrões anormais das alças intestinais e calcificações (como na radiografia plana de abdome). Também pode revelar lesões inflamatórias (apendicite, diverticulite, pancreatite), neoplásicas, vasculares (aneurisma, trombose portal), traumáticas (lesão hepática, esplênica, renal) e hemorragias intra-abdominais e retroperitoneais. Como já relatado, em estudos recentes, a tomografia de abdome tem se mostrado um exame com maior acurácia no diagnóstico das causas de dor abdominal que a radiografia simples de abdome. Assim, deve ser considerada uma alternativa à radiografia como modalidade inicial na avaliação desses pacientes em centros que disponibilizem esse tipo de exame. 
Laparoscopia diagnóstica: útil nos casos em que o diagnóstico é duvidoso e a condição clínica do paciente requer intervenção. A acurácia diagnóstica em pacientes com dor abdominal aguda não traumática é de 93 a 98%. 
Laparotomia exploradora: reservada para pacientes portadores de um quadro de “catástrofe” intra-abdominal com diagnóstico evidente pela história e exame físicos ou naqueles sem diagnóstico, nos quais o atraso na intervenção pode ser fatal.
Dor abdominal crônica: é uma queixa muito frequente na prática clínica.
Para uma abordagem prática do paciente com dor abdominal crônica, deve-se seguir tais pontos: 
- A dor é de origem funcional, de parede abdominal ou associada a distensão gasosa? 
- Excluir doença orgânica. 
- Tratamento da dor abdominal crônica funcional.
Avaliação clínica: A abordagem inicial do paciente com dor abdominal crônica deve buscar diferenciar o paciente portador de doença funcional benigna daquele com patologia orgânica.
A presença de sinais e sintomas de alarme – idade acima de 50 anos, sangramento gastrintestinal, perda ponderal, alteração recente do hábito intestinal – deve sempre chamar a atenção para uma doença orgânica.
Achados sugestivos de doença estrutural ou orgânica:
Perda ponderal; Sangramento gastrintestinal; Início mais recente; Sintomas descritos com termos mais sensoriais que emocionais; Mais variável ou intermitente em intensidade; Localização mais precisa; Melhor resposta a analgésicos de ação periférica (AINH) e/ou antiespasmódicos; Relacionado a eventosque alteram o hábito intestinal e Menor relação com problemas nos relacionamentos interpessoais.
História clínica: É fundamental a avaliação das características da dor, a cronologia, a localização, os fatores de melhora e piora e os sintomas associados. Descrição de história médica pregressa, revisão dos sistemas e história familiar também devem ser pesquisados. Com relação à forma de apresentação, a dor pode ser classificada em intermitente ou persistente. 
Dor abdominal crônica intermitente: caracteriza-se por períodos “livres de dor” intercalados com crises dolorosas, que duram de minutos a horas, podendo chegar a dias. 
Várias patologias podem originar esse tipo de dor, sendo frequentemente causas tratáveis: Doenças do trato biliar (colelitíase, coledocolitía-se e disfunção do esfíncter de Oddi): levam a desconforto abdominal intermitente, geralmente localizado no hipocôndrio direito ou epigástrio. 
Dor abdominal associada a alterações do hábito intestinal (frequência ou consistência das fezes) ou que melhora com evacuações, podendo ser secundária à síndrome do intestino irritável (SII). 
Desconforto abdominal pós-prandial: sugere isquemia intestinal crônica ou obstrução intestinal intermitente (secundário a doença de Crohn, hérnias internas ou de parede abdominal, aderências). 
Dor pélvica com meses de intervalo: é sugestiva de endometriose ou Mittelschmerz. 
Dor tipo úlcera: pode representar uma dispepsia não ulcerosa ou uma pancreatite crônica (esta última também é sugerida se etilismo crônico estiver presente). 
Dor abdominal crônica persistente: é aquela constante ou presente na maior parte do tempo. Também pode estar relacionada a causas orgânicas ou ser de origem funcional: 
Dor ou desconforto localizado no abdome superior (entre o apêndice xifoide e região umbilical): pode ser classificado como síndrome dispéptica. Entre as várias causas existentes (DRGE, doença ulcerosa péptica, câncer gástrico, dispepsia funcional), é difícil definir o diagnóstico definitivo apenas com base na história clínica. 
Dor em abdome inferior ou médio que melhora com evacuações, ou está associada a alterações na frequência e/ou consistência das fezes: sugere síndrome do intestino irritável (SII). Também está associada a distúrbios psiquiátricos. 
Dor abdominal crônica associada à má absorção intestinal (esteatorreia), perda ponderal e etilismo crônico: sugerem pancreatite crônica.
Exame físico: Deve incluir um exame abdominal cuidadoso e avaliação geral dos sistemas em busca de manifestações extra-abdominais da patologia de base. 
Icterícia: associada com doença do trato biliar e pâncreas (coledocolitíase, câncer de pâncreas e de vias biliares), hepatopatia crônica subjacente e neoplasias malignas hepáticas. 
Distenção abdominal e hipertimpanismo: sugestiva de obstrução intestinal.
Massa abdominal: sugere neoplasia visceral ou abscessos. 
Ascite: indica doença hepática crônica subjacente, malignidade ou doenças peritoneais. 
Exame proctológico: lesões perianais sugerem doença de Crohn. No toque retal, a presença de sangue pode estar presente em doenças ulcerosas pépticas, doença inflamatória intestinal (DII) e neoplasias intestinais. Podem ser identificadas massas suspeitas para neoplasia de cólon. 
Avaliar também presença de hérnias, cicatriz cirúrgica, dor localizada.
A avaliação laboratorial deve se basear no diagnóstico diferencial, gerado a partir da história e exame físico. 
Hemograma completo: anemia pode estar presente em casos de doença inflamatória intestinal, neoplasias ou intoxicação por metal pesado. 
Enzimas hepáticas: elevação de transaminases e fosfatase alcalina, associada com aumento de bilirrubina, pode estar presente na coledocolitíase sintomática e nas neoplasias de vias biliares e pâncreas. 
VHS e PCR: aumentados na DII e em doença vascular associada à colagenoses. 
Porfirinas urinárias: devem ser realizadas na sus-peita de porfiria aguda intermitente. 
Anticorpo antiendomísio e/ou antitransglutaminase: investigação de doença celíaca. 
Glicemia, ureia, creatinina e eletrólitos: investigação de causas orgânicas.
Em dor abdominal crônica:
1. Radiografia simples de abdome: pode evidenciar obstrução intestinal (hérnia interna, intussuscepção). Calcificações pancreáticas sugerem pancreatite crônica. 
2. USG de abdome: colelitíase e dilatação da via biliar. 
3. TC de abdome: muito útil na avaliação pancreática, na investigação de neoplasias intra-abdominais e na avaliação do paciente com suspeita de doenças de origem intestinal, como as doenças inflamatórias intestinais (DII). 
4. Endoscopia digestiva alta: avaliação de síndrome dispéptica, anemia associada à dor abdominal, quadros obstrutivos altos. 
5. Colonoscopia: indicada nos casos de alteração recente do hábito intestinal, síndrome consuptiva, sangramento gastrintestinal ou anemia, associados a quadro doloroso. Importante na suspeita de DII e neoplasias colônicas. 
6. CPRE: indicada em casos de coledocolitíase, disfunção do esfíncter de Oddi e em alguns casos de suspeita de pancreatite crônica.
A dor crônica da parede abdominal é frequentemente subdiagnosticada ou confundida com dor de origem visceral, muitas vezes levando a uma extensa investigação diagnóstica antes que o diagnóstico preciso seja feito. É mais frequente em mulheres e o pico de incidência é entre as idades de 30 a 50 anos. Embora muitas condições possam causar dor crônica no abdome, a denominação “dor crônica de parede abdominal” geralmente se refere a síndrome do aprisionamento dos nervos cutâneos abdominais (Abdominal Cutaneous Nerve Entrapment Syndrome – ACNES), a causa mais comum desta condição. Tem sido sugerido que os feixes neurovasculares de T7 a T11 podem ser a origem da dor na parede abdominal. O aprisionamento dos feixes nervosos pode ser causado por compressão mecânica por alguma estrutura próxima, trauma, edema local ou cicatrização pós-cirurgia abdominal. O diagnóstico geralmente pode ser estabelecido pela história e exame físico. Um sinal de Carnett positivo reforça a impressão diagnóstica. Esta manobra é realizada com o paciente em decúbito dorsal enquanto o examinador localiza o ponto álgico com a indicação do paciente. Quando o examinador pressiona o ponto com os dedos o paciente flexiona o tronco e as pernas. Isto deverá manter ou piorar a dor, enquanto afasta a dor visceral que deveria desaparecer com a manobra, caracterizando um sinal de Carnett positivo.
Tratamento da dor abdominal crônica de origem funcional: Estabelecer uma boa relação médico-paciente. Definir um plano de tratamento que permita várias opções terapêuticas.
2 - Defina e classifique a diarreia. Falar de seus tipos e sua fisiopatologia.
https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/03/Guia-Pratico-Diarreia-Aguda.pdf
Gastroenterologia essencial, Renato Dani, 4a. edição 2011.
A diarreia pode ser definida pela ocorrência de três ou mais evacuações amolecidas ou líquidas nas últimas 24 horas. A diminuição da consistência habitual das fezes é um dos parâmetros mais considerados. Na diarreia aguda ocorre desequilíbrio entre a absorção e a secreção de líquidos e eletrólitos e é um quadro autolimitado. 
De acordo com a OMS, a doença diarreica pode ser classificada em três categorias: 
1 - Diarreia aguda aquosa: diarreia que pode durar até 14 dias e determina perda de grande volume de fluidos e pode causar desidratação. Pode ser causada por bactérias e vírus, na maioria dos casos. A desnutrição eventualmente pode ocorrer se a alimentação não é fornecida de forma adequada e se episódios sucessivos acontecem. 
2 - Diarreia aguda com sangue (disenteria): é caracterizada pela presença de sangue nas fezes. Representa lesão na mucosa intestinal. Pode associar-se com infecção sistêmica e outras complicações, incluindo desidratação. Bactérias do gênero Shigella são as principais causadoras de disenteria. 
3 - Diarreia persistente: quando a diarreia aguda se estende por 14 dias ou mais. Pode provocar desnutrição e desidratação. Pacientes que evoluem para diarreia persistente constituemum grupo com alto risco de complicações e elevada letalidade. 
Assim, doença diarreica aguda pode ser entendida como um episódio diarreico com as seguintes características: início abrupto, etiologia presumivelmente infecciosa, potencialmente autolimitado, com duração inferior a 14 dias, aumento no volume e/ou na frequência de evacuações com consequente aumento das perdas de água e eletrólitos. Apesar da definição de diarreia aguda considerar o limite máximo de duração de 14 dias, a maioria dos casos resolve-se em até 7 dias. 
Classificação da diarreia
- Diarreia aguda: presença de três ou mais fezes diminuídas de consistência e aquosas em um período de 24 horas.
- Disenteria: diarreia sanguinolenta, presença de sangue visível e muco (gleras).
- Diarreia persistente: episódios de diarreia durando mais de 14 dias.
- Diarreia crônica: duração maior do que 30 dias.
A doença diarreica na maior parte das vezes representa uma infecção do tubo digestivo por vírus, bactérias ou protozoários e tem evolução autolimitada, mas pode ter consequências graves como desidratação, desnutrição energético-proteica e óbito. Nem sempre é possível identificar o agente causador do episódio diarreico.
Os seguintes agentes infecciosos são os que causam a maior parte dos quadros da diarreia aguda: 
Vírus - rotavírus, coronavírus, adenovírus, calicivírus (em especial o norovírus) e astrovírus. Bactérias - E. coli enteropatogênica clássica, E. coli enterotoxigenica, E. coli enterohemorrágica, E. coli enteroinvasiva, E. coli enteroagregativa, Aeromonas, Pleisiomonas, Salmonella, Shigella, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia Parasitos - Entamoeba histolytica, Giardia lamblia, Cryptosporidium, Isosopora.
Fungos – Candida albicans 
Pacientes imunocomprometidos ou em antibioticoterapia prolongada, podem ter diarreia causada por: Klebsiella, Pseudomonas, Aereobacter, C. difficile, Cryptosporidium, Isosopora, VIH, e outros agentes.
Eventualmente outras causas podem iniciar o quadro como diarreia tais como: alergia ao leite de vaca, deficiência de lactase, apendicite aguda, uso de laxantes e antibióticos, intoxicação por metais pesados. A invaginação intestinal tem que ser considerada no diagnóstico diferencial da disenteria aguda, principalmente, no lactente. 
A investigação da etiologia da diarreia aguda não é obrigatória em todos os casos. Deve ser realizada nos casos graves e nos pacientes hospitalizados.
Etiologia: Normalmente, o intestino delgado e cólon absorvem 99% do líquido da ingestão oral e secreções do sistema digestório — em quantidade total de cerca de 9 a 10 l diariamente. Assim, mesmo pequenas reduções (i. e., 1%) na absorção ou incrementos na secreção de água pelo intestino podem resultar em água suficiente para causar uma diarreia.
Diversos mecanismos básicos são responsáveis pela maioria das diarreias clinicamente significativas: carga osmótica aumentada, secreção aumentada e diminuição no tempo de contato/área de superfície. Em muitos distúrbios, há mais de um mecanismo agindo. Por exemplo, a diarreia na doença inflamatória intestinal decorre da inflamação da mucosa, exsudação no lúmen e múltiplos secretagogos e toxinas bacterianas que afetam a função do enterócito.
Diarreia osmótica: Diarreia aparece quando substâncias hidrossolúveis não absorvíveis permanecem na luz intestinal e retêm água. Esses solutos incluem polietilenoglicol, sais de magnésio (hidróxido e sulfato) e fosfato de sódio, usados como laxantes. Diarreia osmótica ocorre nos casos de intolerância a carboidratos (p. ex., intolerância à lactose, causada por deficiência de lactase). A ingestão de grande quantidade de hexitóis (p. ex., sorbitol, manitol, xilitol) ou xaropes de milho ricos em frutose, usados como substitutos do açúcar em doces e gomas de mascar, causa diarreia osmótica porque são pouco absorvíveis. Lactulose, usada como laxativo, causa diarreia por um mecanismo similar. Ingestão exacerbada de determinados gêneros alimentícios pode causar diarreia osmótica.
Secreções aumentadas: A diarreia ocorre quando o intestino secreta mais eletrólitos e água do que pode absorver. As causas do aumento da diarreia incluem infecções, gorduras não absorvidas, alguns fármacos e diversos secretagogos intrínsecos ou extrísecos.
Infecções (p. ex., gastroenterite) são as causas mais comuns da diarreia secretora. Infecções combinadas à intoxicação alimentar são as causas mais comuns de diarreia aguda (< 4 dias de duração). A maioria das enterotoxinas bloqueia as trocas de Na+-H+, que são uma importante força que orienta a absorção de líquidos no intestino delgado e cólon.
Ácidos graxos da dieta não absorvíveis e ácidos biliares (como nas síndromes de má absorção e após ressecções ileais) podem estimular a secreção do cólon e causar diarreia.
Fármacos podem estimular a secreção intestinal diretamente (p. ex., quinidina, quinino, colchicina, catárticos da antraquinona, óleo de rícino, prostaglandinas) ou indiretamente pela alteração na absorção de gordura (p. ex., orlistat).
Vários tumores endócrinos produzem secretagogos, incluindo vipomas (peptídeo intestinal vasoativo), gastrinomas (gastrina), mastocitose (histamina), carcinoma medular da tireoide ( calcitonina e prostaglandinas) e tumores carcinoides (histamina, serotonina e polipeptídeos). Alguns destes mediadores (p. ex., prostaglandinas, serotonina, compostos relacionados) também aceleram o trânsito intestinal, o trânsito colônico ou ambos.
A absorção prejudicada de sais biliares, que pode ocorrer com vários distúrbios, pode causar diarreia por estimulação da secreção de água e eletrólitos. As fezes têm uma coloração verde ou laranja.
Diarreia secundária à diminuição no tempo de contato/área de superfície: O trânsito intestinal rápido ou a diminuição na área de superfície prejudicam a absorção de líquidos e causam diarreia. As causas comuns incluem ressecção ou desvio do intestino grosso ou delgado, ressecção gástrica e doença inflamatória intestinal. Outras causas incluem colite microscópica (colite colagenosa ou linfocítica) e doença celíaca.
O estímulo da musculatura lisa dos intestinos (p. ex., antiácidos contendo magnésio, laxativos, inibidores da colinesterase, ISRS) ou agentes humorais (p. ex., prostaglandinas, serotonina) também podem acelerar o trânsito intestinal.
3 - Caracterize a síndrome do intestino irritável (SII) quanto à fisiopatologia, quadro clínico, epidemiologia, diagnóstico e tratamento. Correlacione com a diarreia.
CLÍNICA médica, v.4 : doenças do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais.
Epidemiologia: A SII constitui afecção funcional comum, afetando provavelmente 10 a 15% da população de países desenvolvidos, sendo duas a três vezes mais comum em mulheres do que em homens. A SII representa de 10 a 15% de todas as visitas ao clínico e de 25 a 50% das consultas com o gastroenterologista, estimando-se 2,6 milhões de visitas em consultório e 3,5 milhões de consultas, incluindo visitas hospitalares. Contudo, somente uma minoria desses indivíduos procura assistência médica.
Fisiopatologia: A fisiopatologia da SII é bastante complexa, envolvendo vários aspectos, como processamento alterado da dor visceral, por meio de processos alterados nas vias periféricas aferentes, processamento cortical da dor, controle descendente da percepção álgica, nocicepção visceral, disfunção autonômica e mesmo mecanismos genéticos podendo inclusive variar de indivíduo para indivíduo.
Reatividade gastrintestinal alterada (secreção e motilidade): As alterações de motilidade e de secreção estão diretamente relacionadas com os sintomas referidos na SII. O tempo de trânsito e atividade colônica variam de acordo com o tipo de apresentação clínica da doença. De tal modo que, na SII-D, pode-se observar trânsito colônico acelerado ou desacelerado secundariamente a alterações na atividade mioelétrica do intestino delgado. Pacientes com SII-C e distensão abdominal normalmente apresentam tendência a trânsito mais lento, quando comparados a indivíduos saudáveis ou com constipação sem distensão.Hipersensibilidade visceral: As presenças de hiperalgesia e mesmo alodínia são frequentes em pacientes com SII, embora não estejam presentes em todos os pacientes. Tais características podem ser mediadas por alterações nos impulsos viscerais aferentes, no processamento central ou mesmo na combinação entre eles.
Processamento no sistema nervoso central: O processamento central dos impulsos aferentes pode estar alterado na SII, podendo ser mediado por vários receptores, como N-metil D-aspartato (NMDA), serotonina, peptídeo relacionado ao gene da calcitonina, substância P, bradicinina, taquininas e neurotrofinas. Não existe processo inflamatório nítido na SII, pelo menos do ponto de vista macroscópico, como se pode confirmar com níveis normalmente baixos de calprotectina fecal. Entretanto, evidências mais recentes podem mostrar aumento de células inflamatórias em cólon e intestino delgado, especialmente nos casos de SII pós-in-fecciosa.
Síndrome do intestino irritável pós‐infecciosa: A SII pode se desenvolver em cerca de 25% dos pacientes após gastroenterocolites agudas mais intensas. De alguma maneira, determinados pacientes não conseguem resolver o processo inflamatório pós-infeccioso, mecanismo que parece ser influenciado por características genéticas ou por grau de invasão da mucosa pelo agente infeccioso e consequente lesão neural. Outra teoria seria o provável desenvolvimento de má absorção de sais biliares, já que alguns pacientes parecem responder bem ao tratamento com colestiramina. 
Em estudo recente, Pimentel et al. avaliaram os níveis de anticorpos como biomarcadores para a SII-D em seres humanos, pela primeira vez utilizando grande número de pacientes com SII e não SII. Os autores observaram que os anticorpos do plasma à vinculina e cdtB (Cy-tolethal distending toxin B) estavam elevados em SII-D em comparação com controles saudáveis, indivíduos com doença celíaca e indivíduos com doença inflamatória intestinal, de modo que os biomarcadores parecem ser capazes de distinguir SII-D de todos os não SII.
Disbiose: Recentemente, vários grupos têm pesquisado a relação entre microbiota intestinal e SII, utilizando técnicas não dependentes de culturas, pois a maioria da microbiota não é cultivável. Quando comparados com indivíduos saudáveis, os pacientes com SII parecem apresentar microbiota diversa, tanto em adultos como em crianças. A disbiose presente vai modificar sobremaneira a barreira mucosa, diminuindo a secreção de muco e defensinas pela parede intestinal, reduzir a eficácia dos tight junctions, modificando assim a apresentação antigênica, alterando a resposta imunológica local e sistêmica, promovendo alterações motoras e secretórias intestinais, além de interferir diretamente com a trofia das células intestinais e com a sensibilidade visceral, perpetuando um processo mucoso inflamatório, observado principalmente nos casos de SII pós-infecciosa.
Genética: São vários os receptores intestinais envolvidos na fisiopatologia da SII, sua afinidade e densidade podem ser moduladas por genes específicos, muitos deles também relacionados com algumas afecções que tendem a acompanhar pacientes como SII, como a depressão: receptores de serotonina (5-HT2A, HTR3a,b,c,d,e), transportadores de serotonina 5-HTTLPR, neuropeptídeo S (NPSR1), adrenérgicos alfa-2, cathechol-O-methyltransferase, canabinoides (CB1, CB2). A evidência mais convincente, entretanto, é o gene TNFSF15, que pôde ser observado em coortes independentes. Assim genes podem influenciar função neural, barreira, atividade mastocitária ou imune, trânsito e secreção colônicos. Estudos focando anormalidades genéticas na SII podem fazer com que o tratamento seja direcionado para as alterações relacionadas com cada um dos genes.
Tratamento: A abordagem inicial passa pela relação médico-paciente profunda, em que o clínico deverá explicar a natureza da síndrome e sua cronicidade, ressaltando sua benignidade. Os alimentos exercem forte influência sobre a motilidade e a secreção gastrintestinal, seja por receptores específicos, seja simplesmente por alterar o volume ou o pH da luz gastrintestinal, por mecanismos neurais, endócrinos e parácrinos. Vários tipos de receptores específicos são capazes de reconhecer as principais categorias de nutrientes. Além disso, a mucosa gastrintestinal expressa receptores gustativos das famílias T1R e T2R e vários membros da família de receptores iônicos de potencial transitório, todos envolvidos na detecção de qualquer substância que estimule as células sensoriais gustatórias específicas.
Os fatores dietéticos têm recebido cada vez mais importância, destacando-se mais recentemente as chamadas dietas pobres em FODMAP (fermentable oligosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols).
Entre os FODMAP, há a lactose, cuja restrição é especialmente importante nos casos de intolerância comprovada. A diminuição da ingestão de glúten pode trazer benefícios mesmo em indivíduos sem doença celíaca, do mesmo modo que galactanos, outros frutanos, dissacarídeos (lactose, sacarose, maltose) e monossacarídeos (frutose, sorbitol, manitol e xylitol), também podem estar relacionados com a síndrome em pacientes intolerantes.
Alguns pacientes podem também responder a restrições alimentares específicas, ganhando bastante importância o que se chama de “diário alimentar”, em que o paciente relata sua dieta e sua sensação de bem ou mal-estar, tentando-se assim relacionar ingestão de determinados alimentos ou grupos de alimentos a sintomas específicos.
O tratamento farmacológico é direcionado para o tipo de apresentação clínica do paciente em questão. Bastante importantes são os antiespasmódicos, já que faz parte da síndrome, por definição, a presença de dor e/ou desconforto abdominal. Entre estes, a mebeverina (200 mg, bid), o brometo de pinavério (100 mg, bid), o brometo de otilônio (40 mg, até tid), a mentha piperita 200 mg (1 a 2 cp, tid) e a trimebutina (200 mg, tid). Os resultados com esses fármacos nem sempre são imediatos, sendo necessário, muitas vezes, tratamento por até um mês para que o paciente melhore. Os antiespasmódicos podem ser usados tanto na SII-D quanto na SII-C.
A presença de supercrescimento bacteriano em pacientes com SII tem sido cada vez mais valorizada, o tratamento é realizado pelo uso de antibióticos, muitas vezes de largo espectro. Fármacos como metronidazol, ciprofloxacino, tetraciclinas, cefalosporinas são comumente utilizados. Contudo, o ideal seria a droga com pouca ou nenhuma absorção, para que os efeitos adversos fossem reduzidos. A rifaximina parece ser o medicamento ideal, embora ainda não esteja à disposição em alguns centros. A SII é basicamente uma doença de hipersensibilidade visceral, sendo assim justificado o uso de analgésicos viscerais, como antidepressivos, sejam tricíclicos ou mesmo serotoninérgicos. A escolha de um ou de outro vai depender do tipo de SII (p.ex., SII-D preferir tricíclicos), da idade e do peso do paciente, já que os antidepressivos, além de interferirem com a motilidade e a sensibilidade visceral, podem também estar relacionados com alteração do sono e do apetite, sendo seu uso assim individualizado. Casos de alterações psiquiátricas evidentes devem ser encaminhados ao especialista.
Se a disbiose for comprovada na SII, os probióticos surgem como opção interessante. A escolha do probiótico vai depender do tipo de apresentação clínica da síndrome. A maioria dos estudos envolve uso de bactérias dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium. Ainda se carece de estudos bem conduzidos para que se possa tirar conclusões definitivas sobre a sua importância no tratamento da SII. Contudo, esses microrganismos têm todo potencial para, de fato, mostrarem-se eficazes: inibem o acoplamento de cepas patobiontes aos seus receptores intestinais, aumentam a eficácia da barreira mucosa, atuam diretamente sobre as imunidades intestinal e sistêmica, interferem sobre a motilidade e atuam sobre a sensibilidade visceral. O efeito probiótico existe enquanto as cepas são ingeridas, sendo assim necessáriasuplementação crônica.
Novos analgésicos viscerais podem também ser utilizados na SII em todas as suas apresentações, já que a presença de dor e/ou desconforto faz parte do diagnóstico da síndrome. Um exemplo é a pregabalina, bastante empregada em dor crônica. Sendo a SII uma doença crônica e muitas vezes intensa, o uso de psicoterapia, técnicas de relaxamento, acupuntura ou mesmo hipnoterapia têm se mostrado úteis em muitos casos e podem ser armas interessantes para o clínico.
OUTRO MATERIAL (CLINICA MÉDICA) A síndrome do intestino irritável (SII) é um distúrbio intestinal funcional caracterizado por dor ou desconforto abdominal e alterações do hábito intestinal na ausência de anormalidades estruturais identificáveis. Não existe um marcador diagnóstico específico para a SII, razão pela qual o diagnóstico do distúrbio baseia-se na manifestação clínica. Em 2006, os critérios de Roma II para o diagnóstico da SII foram revistos. 
Epidemiologia: No mundo, cerca de 10 a 20% dos adultos e adolescentes relatam sintomas condizentes com SII, com uma predominância feminina demonstrada na maioria dos estudos. Os sintomas da SII tendem a aparecer e desaparecer ao longo do tempo e, com frequência, sobrepõem-se aos de outros distúrbios funcionais, como fibromialgia, cefaleia, lombalgia e sintomas geniturinários. A intensidade dos sintomas varia e pode afetar acentuadamente a qualidade de vida, resultando em altos custos para a assistência à saúde.
Fisiopatologia: A patogênese da SII é pouco compreendida, embora tenham sido propostos alguns papéis para uma atividade intestinal motora e sensorial normal, disfunção neural central, transtornos psicológicos, inflamação da mucosa, estresse e fatores luminais.
Anormalidades motoras gastrintestinais: Os estudos da atividade colônica mioelétrica e motora sem estímulo não evidenciaram anormalidades consistentes na SII. Em contrapartida, as anormalidades motoras colônicas são mais proeminentes durante estímulo na SII. Os pacientes com essa síndrome podem exibir maior atividade motora do retossigmoide por um período de até 3 horas após a ingestão de alimentos. De maneira semelhante, a insuflação de balões retais nos pacientes tanto com SII-D quanto SII-CI resulta em atividade contrátil acentuada e prolongada evocada pela distensão. Registros do cólon transverso, descendente e sigmoide mostraram que o índice de motilidade e a amplitude máxima das contrações propagadas de alta amplitude (CPAA) em pacientes com SII e propensão à diarreia eram acentuadamente aumentados em comparação com aqueles de indivíduos sadios e estavam associados a um trânsito colônico rápido, acompanhado de dor abdominal.
Hipersensibilidade visceral Tal como nos estudos da atividade motora, os pacientes com SII exibem com frequência respostas sensoriais exageradas à estimulação visceral. A frequência de percepção de intolerância ao alimento é pelo menos duas vezes mais comum do que na população geral. A dor pós-prandial mostrou uma relação temporal com a entrada do bolo alimentar no ceco em 74% dos pacientes. Por outro lado, o jejum prolongado em pacientes com SII frequentemente está associado a uma melhora significativa dos sintomas. A insuflação de balões retais produz sensações com e sem dor nos pacientes com SII com volumes menores do que nos controles sadios sem alterar a tensão retal, o que é sugestivo de uma disfunção aferente visceral na SII. Estudos semelhantes mostram hipersensibilidade gástrica e esofágica nos pacientes com dispepsia sem úlcera e dor torácica não cardíaca, suscitando a possibilidade de que essas condições possam ter uma base fisiopatológica semelhante. Os lipídeos baixam os limiares para a primeira sensação de gás, desconforto e dor nos pacientes com SII. Como consequência, os sintomas pós-prandiais dos pacientes com SII podem ser explicados em parte por um componente sensorial exagerado da resposta gastrocólica que depende dos nutrientes. Ao contrário da sensibilidade intestinal exacerbada, os pacientes com SII não exibem uma sensibilidade aumentada em outros locais do corpo. Assim sendo, os distúrbios da via aferente na SII parecem ser seletivos para a inervação visceral, com preservação das vias somáticas. Os mecanismos responsáveis pela hipersensibilidade visceral ainda estão sendo investigados, tendo sido proposto que essas respostas exageradas podem ser devidas: (1) à sensibilidade aumentada dos órgãos-alvos com recrutamento de nociceptores “silenciosos”; (2) à hiperexcitabilidade espinal com ativação do óxido nítrico e, possivelmente, de outros neurotransmissores; (3) à modulação endógena (cortical e do centro cerebral) da transmissão nociceptiva caudal; e (4) com o passar do tempo, à possível instalação de hiperalgesia a longo prazo, em razão do desenvolvimento de neuroplasticidade, resultando em alterações permanentes ou semipermanentes nas respostas neurais à estimulação visceral crônica ou recorrente.
Desregulação neural central O papel de fatores relacionados com o sistema nervoso central (SNC) na patogênese da SII é sugerido enfaticamente pela associação clínica de transtornos emocionais e estresse com exacerbação sintomática e pela resposta terapêutica às terapias que atuam sobre áreas do córtex cerebral. Os exames de imagem funcionais do cérebro, como ressonância magnética (RM), mostraram que, em resposta à estimulação colônica distal, o córtex singulado médio – uma região encefálica relacionada com os processos de atenção e seleção de resposta – mostra uma ativação maior nos pacientes com SII. A modulação dessa região está associada a mudanças na sensação subjetiva não prazerosa da dor. Além disso, os pacientes com SII mostram também uma ativação preferencial do lobo pré-frontal, que contém uma rede de vigilância dentro do encéfalo que induz um aumento no estado de alerta. Esses eventos podem representar uma forma de disfunção cerebral, levando a uma percepção aumentada da dor visceral.
Características psicológicas anormais Elementos psiquiátricos anormais são registrados em até 80% dos pacientes com SII, sobretudo nos centros de encaminhamento; entretanto, não existe predominância de um único diagnóstico psiquiátrico. A maioria desses pacientes demonstrou sintomas exagerados em resposta à distensão visceral, e essa anormalidade persistiu, mesmo após a exclusão de fatores psicológicos.
Os fatores psicológicos influenciam os limiares da dor nos pacientes com SII, pois o estresse altera os limiares sensoriais. Foi relatada uma associação entre abuso sexual ou físico prévio e o surgimento de SII. O abuso está associado ao maior relato de transtorno psicológico e a consequências negativas para a saúde. Estudos de RM funcional do cérebro mostram uma ativação maior da parte posterior e dorsal média do córtex singulado, que está implicado no processamento do afeto em pacientes com SII que apresentam história pregressa de abuso sexual.
Assim, os pacientes com SII demonstram com frequência uma reatividade motora aumentada do cólon e do intestino delgado a uma grande variedade de estímulos, assim como uma sensação visceral alterada associada a limiares de sensibilidade mais baixos. Isso pode resultar de uma desregulação entre o SNC e o sistema nervoso entérico.
Alvos terapêuticos para a síndrome do intestino irritável. Os pacientes com sintomas leves a moderados em geral exibem sintomas intermitentes que se correlacionam com a fisiologia intestinal alterada. Os tratamentos incluem agentes farmacológicos que atuam no intestino, como antiespasmódicos, antidiarreicos, suplementos de fibras e moduladores da serotonina intestinal. Os pacientes com sintomas graves costumam relatar dor constante e dificuldades psicossociais. Esse grupo de pacientes deve ser manejado preferencialmente com antidepressivos e outros tratamentos psicossociais. SNC, sistema nervoso central; SNE, sistema nervoso entérico.
SII pós-infecciosa A SII pode ser induzida por infecção GI. Em uma investigação de 544 pacientes com gastrenterite bacteriana confirmada, 25% desenvolveram SII nos períodos subsequentes.Inversamente, cerca de 33% dos pacientes com SII experimentaram uma enfermidade aguda “semelhante à gastrenterite” no início de sua sintomatologia crônica de SII. Esse grupo de SII “pós-infecciosa” ocorre mais em mulheres e acomete pacientes mais jovens do que de idade mais avançada. Os fatores de risco para o desenvolvimento da SII pós-infecciosa incluem, por ordem de importância, duração prolongada da doença inicial, toxicidade da cepa bacteriana infectante, tabagismo, marcadores da mucosa de inflamação, sexo feminino, depressão, hipocondria e eventos adversos da vida nos 3 meses precedentes. A idade acima de 60 anos pode proteger contra a SII pós-infecciosa, enquanto o tratamento com antibióticos tem sido associado a um risco aumentado. Os microrganismos envolvidos na infecção inicial são Campylobacter, Salmonella e Shigella. Os pacientes com infecção por Campylobacter que são positivos para a toxina têm maior probabilidade de virem a desenvolver SII pós-infecciosa. Células enteroendócrinas aumentadas da mucosa retal, linfócitos T e aumento da permeabilidade intestinal constituem alterações agudas após a enterite por Campylobacter que podem persistir por mais de 1 ano, podendo contribuir para a SII pós-infecciosa.
Ativação imune e inflamação da mucosa Alguns pacientes com SII exibem sinais persistentes de inflamação de baixo grau da mucosa, com linfócitos ativados, mastócitos e expressão exacerbada de citocinas pró-inflamatórias. Essas anormalidades podem contribuir para a secreção epitelial anormal e a hipersensibilidade visceral. Há evidências crescentes de que alguns membros da superfamília dos canais de cátions de receptor transitório de potencial (TRP), como os canais de TRPV1 (vaniloides), têm importância central no início e na persistência da hipersensibilidade visceral. A inflamação da mucosa pode levar a uma expressão aumentada do TRPV1 no sistema nervoso entérico. Foi observada uma expressão aumentada de canais TRPV1 nos neurônios sensitivos do intestino, e essa expressão parece estar correlacionada com a hipersensibilidade visceral e a dor abdominal. É interessante assinalar que os estudos clínicos realizados demonstraram um aumento da permeabilidade intestinal em pacientes com SII-D. O estresse psicológico e a ansiedade podem aumentar a liberação de citocinas pró-inflamatórias, o que, por sua vez, pode alterar a permeabilidade intestinal. Isso fornece uma ligação funcional entre o estresse psicológico, a ativação imune e a produção de sintomas em pacientes com SII.
Alteração da flora intestinal Foi observada uma alta prevalência de supercrescimento bacteriano no intestino delgado de pacientes com SII com base no teste positivo do hidrogênio no ar expirado com lactulose. Entretanto, esse achado foi contestado por vários outros estudos que não verificaram nenhuma incidência aumentada de supercrescimento bacteriano com base na cultura de aspirado jejunal. Um teste anormal do H2 no ar expirado pode ocorrer devido a um rápido trânsito do intestino delgado, podendo levar a uma interpretação incorreta. Por conseguinte, o papel do teste realizado para supercrescimento bacteriano no intestino delgado de pacientes com SII ainda não está bem esclarecido.
Estudos utilizando abordagens independentes de cultura, como a análise baseada em genes do rRNA 16S, constataram a existência de diferenças significativas entre o perfil molecular da microbiota fecal de pacientes com SII, em comparação com a de indivíduos saudáveis. Os pacientes com SII apresentaram proporções diminuídas dos gêneros Bifidobacterium e Lactobacillus e razão aumentada de Firmicutes:Bacterioidetes. Foi sugerido que essas alterações podem estar relacionadas com o estresse e a dieta. Foi relatada uma redução temporária de lactobacilos em modelos animais de estresse no início da vida. Por outro lado, Firmicutes constitui o filo dominante em adultos que consomem uma dieta rica em gordura e proteína de origem animal. Entretanto, ainda não foi esclarecido se essas alterações na microbiota fecal são causais, se elas representam uma consequência ou se resultam meramente da constipação intestinal e diarreia. Além disso, é preciso determinar a estabilidade das alterações na microbiota.
Vias anormais da serotonina As células enterocromafins que contêm serotonina (5-HT) no cólon estão aumentadas em um subgrupo de pacientes com SII-D, em comparação com os indivíduos sadios ou com os pacientes que têm retocolite ulcerativa. Ademais, os níveis plasmáticos pós-prandiais de 5-HT estão acentuadamente mais altos nesse grupo de pacientes, em comparação com controles sadios. Como a serotonina desempenha um importante papel na regulação da motilidade GI e da percepção visceral, a sua liberação aumentada pode contribuir para os sintomas pós-prandiais desses pacientes e proporcionar uma base lógica para o uso de antagonistas da serotonina no tratamento desse distúrbio.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A SII é um distúrbio que acomete indivíduos de todas as idades, apesar de a maioria dos pacientes ter seus primeiros sintomas antes dos 45 anos. Os indivíduos mais velhos relatam sintomas com menor frequência. As mulheres são diagnosticadas com SII duas a três vezes mais frequentemente do que os homens e representam 80% da população com SII grave. Dor e desconforto abdominal são sintomas-chave para se fazer o diagnóstico de SII. Esses sintomas devem melhorar com a defecação e/ou ter seu início associado a uma mudança na frequência das evacuações ou no formato das fezes. Diarreia ou constipação indolor não satisfazem os critérios diagnósticos para serem classificadas como SII. Os sintomas de confirmação que não fazem parte dos critérios diagnósticos incluem esforço na defecação, urgência ou sensação de evacuação incompleta, eliminação de muco e distensão abdominal.
As características clínicas sugestivas de SII incluem as seguintes: recidiva da dor no baixo-ventre com alteração do hábito intestinal ao longo de um tempo sem deterioração progressiva, início dos sintomas durante os períodos de estresse ou de perturbação emocional, ausência de outros sintomas sistêmicos, como febre e perda de peso, e pequenos volumes fecais sem sangue.
Dor abdominal: Em conformidade com os atuais critérios diagnósticos para SII, a dor ou o desconforto abdominal constituem uma característica clínica indispensável da SII. A dor abdominal na SII é altamente variável em termos de intensidade e localização. A dor costuma ser episódica e do tipo em cólica, mas pode sobrepor-se a um quadro precedente de dolorimento constante. A dor pode ser suficientemente leve a ponto de ser ignorada, ou pode até mesmo interferir nas atividades da vida diária. Não obstante, a desnutrição devida a uma ingesta calórica inadequada é extremamente rara na SII. A privação de sono também é incomum, pois quase sempre a dor abdominal só está presente durante as horas de vigília. No entanto, os pacientes com SII grave costumam ser acordados repetidamente durante a noite; assim sendo, a dor noturna é um fator discriminante inadequado entre doença intestinal orgânica e funcional. Na maior parte das vezes, a dor é exacerbada quando o paciente come ou por estresse emocional e melhora com a eliminação de gases ou de fezes. Além disso, as mulheres com SII relatam comumente um agravamento dos sintomas durante as fases pré-menstrual e menstrual.
Alterações do hábito intestinal As alterações no hábito intestinal são a característica clínica mais consistente na SII. O padrão mais comum é uma alternância entre constipação e diarreia, em geral com a predominância de um desses sintomas. Inicialmente, a constipação pode ser episódica, mas acabará por tornar-se contínua e cada vez mais refratária ao tratamento com laxativos. Em geral, as fezes são duras e de calibre estreitado, refletindo possivelmente a desidratação excessiva causada pela retenção colônica prolongada e pelo espasmo. A maioria dos pacientes experimenta também uma sensação de evacuação incompleta, o que acaba implicando tentativas repetidas de defecar em um curto espaçode tempo. Os pacientes cujo sintoma predominante é a constipação poderão ter semanas ou meses de constipação interrompidos por curtos períodos de diarreia. Em outros pacientes, a diarreia pode ser o sintoma predominante. A diarreia que resulta da SII geralmente consiste em pequenos volumes de fezes moles. Na maioria dos pacientes, os volumes fecais são <200 mL. A diarreia noturna não ocorre na SII. A diarreia pode ser agravada por estresse emocional ou ao comer. As fezes podem ser acompanhadas da eliminação de grandes quantidades de muco. O sangramento não representa uma característica da SII, a não ser na presença de hemorroidas, e não há má absorção nem perda de peso.
Os subtipos dos padrões intestinais são altamente instáveis. Em uma população de pacientes com taxas de prevalência de cerca de 33% com predominância de SII-diarreia (SII-D), com predominância de SII-constipação intestinal (SII-CI) e com formas SII-mistas (SII-M), 75% dos pacientes mudam de subtipos e 29% oscilam entre SII-CI e SII-D ao longo de 1 ano. A heterogeneidade e a história natural variável do hábito intestinal na SII aumentam a dificuldade de realização de estudos fisiopatológicos e ensaios clínicos.
Gases e flatulência Os pacientes com SII queixam-se com frequência de distensão abdominal e maior eructação ou flatulência, que contribuem todas para uma quantidade maior de gases. Na verdade, alguns pacientes com esses sintomas podem ter maior quantidade de gases, porém as mensurações quantitativas revelam que a maioria dos pacientes que se queixam de aumento dos gases não gera mais que a quantidade normal de gases intestinais. A maioria dos pacientes com SII apresenta alteração do trânsito e de tolerância às cargas de gases intestinais. Além disso, os pacientes com SII tendem a apresentar refluxo de gás da parte distal do intestino para os segmentos mais proximais, o que pode explicar as eructações.
Alguns pacientes com inchaço na barriga também podem apresentar distensão visível, com aumento da cintura abdominal. Ambos os sintomas são mais comuns em mulheres e naquelas com maior pontuação global do Somatic Symptom Checklist. Foi constatado que pacientes com SII que apresentam apenas inchaço da barriga têm limiares mais baixos para dor e vontade de defecar, em comparação com os que apresentam distensão concomitante, independentemente do hábito intestinal. Quando os pacientes foram agrupados de acordo com o limiar sensitivo, os indivíduos hipossensíveis tiveram uma distensão significativamente maior do que aqueles com hipersensibilidade, e esse dado foi observado mais no subgrupo de indivíduos com constipação intestinal. Isso sugere que a patogênese do inchaço e da distensão pode não ser a mesma.
Sintomas gastrintestinais altos Entre 25 e 50% dos pacientes com SII queixam-se de dispepsia, pirose (azia), náuseas e vômitos. Isso sugere que outras áreas do trato gastrintestinal além do cólon podem ser afetadas. Os registros ambulatoriais prolongados da motilidade do intestino delgado nos pacientes com SII mostram alta incidência de anormalidades no intestino delgado durante o período diurno (acordado); os padrões motores noturnos não são diferentes daqueles dos controles sadios. A sobreposição entre dispepsia e SII é grande. A prevalência da SII é mais alta entre pacientes com dispepsia (31,7%) do que entre aqueles que não relatam sintomas de dispepsia (7,9%). Inversamente, entre os pacientes com SII, 55,6% relatam sintomas de dispepsia. Além disso, os sintomas abdominais funcionais podem modificar-se com o passar do tempo. Aqueles que têm dispepsia ou SII predominante podem oscilar entre as duas. Embora a prevalência de distúrbios gastrintestinais funcionais permaneça estável com o passar do tempo, a mudança no estado dos sintomas é elevada. Muitos episódios de desaparecimento dos sintomas decorrem mais da mudança de sintomas dos indivíduos do que de uma resolução total desses sintomas. Assim sendo, pode-se conceber que a dispepsia funcional e a SII são duas manifestações de um único distúrbio mais extenso do tubo digestivo. Além disso, os sintomas de SII são prevalentes em pacientes com dor torácica não cardíaca, sugerindo uma sobreposição com outros distúrbios intestinais de natureza funcional.
Critérios diagnósticos para a síndrome do intestino irritável
- Dor ou desconforto abdominal recorrente pelo menos 3 dias por mês nos últimos 3 meses, em associação a dois ou mais dos seguintes: 
1.Melhora com a defecação
2.Início associado a uma mudança na frequência das evacuações
3.Início associado a uma mudança no formato (aspecto) das fezes
Critérios preenchidos para os últimos 3 meses com o início dos sintomas pelo menos 6 meses antes do diagnóstico. 
Desconforto significa uma sensação desagradável que não pode ser descrita como dor. Na pesquisa fisiopatológica e nos ensaios clínicos, uma frequência de dor/desconforto de pelo menos 2 dias/semana durante a avaliação de triagem é necessária para a elegibilidade do indivíduo.
Tratamento - SII
Aconselhamento do paciente e alterações dietéticas: A tranquilização e uma explicação minuciosa acerca da natureza funcional do distúrbio e de como evitar os desencadeantes alimentares óbvios constituem as primeiras etapas mais importantes no aconselhamento do paciente e nas modificações dietéticas. Ocasionalmente, uma história dietética meticulosa pode revelar substâncias (como café, dissacarídeos, legumes e repolho) que agravam os sintomas. A frutose excessiva e os adoçantes artificiais, como sorbitol ou manitol, podem causar diarreia, distensão abdominal, cólicas ou flatulência. Como teste terapêutico, os pacientes devem ser incentivados a eliminar todos os gêneros alimentícios que pareçam produzir os sintomas. No entanto, os pacientes devem evitar também dietas com depleção de nutrientes. Uma dieta pobre em oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis demonstrou ser útil em pacientes com SII. Os FODMAP são pouco absorvidos pelo intestino delgado e fermentados por bactérias no cólon, produzindo gás e carboidratos osmoticamente ativos. Os estudos clínicos conduzidos demonstraram que, em pacientes com SII, a ingestão de FODMAP, como lactose, frutose ou sorbitol, isoladamente ou em combinação, produz sintomas intestinais, como gases e diarreia. Por outro lado, um estudo controlado e randomizado mostrou que uma dieta pobre em FODMAP reduziu os sintomas em pacientes com SII. Essa abordagem pode ser usada em pacientes com SII com predomínio de diarreia, que apresentam flatulência e distensão intensas. Pode-se esperar uma adesão duradoura em até 75% dos pacientes.
Agentes formadores de massa fecal Dietas ricas em fibras e agentes que podem aumentar a massa fecal, como farelo e coloide hidrofílico, são usados com frequência no tratamento da SII. A ação das fibras, que consiste em reter água, pode contribuir para volume fecal aumentado, por causa da capacidade das fibras de aumentar o débito fecal das bactérias. As fibras aceleram também o trânsito colônico na maioria das pessoas. Nos pacientes propensos a diarreia, o trânsito colônico total é mais rápido que a média; entretanto, as fibras dietéticas podem retardar o trânsito. Ademais, por causa de suas propriedades hidrofílicas, os agentes capazes de aumentar a massa fecal retêm a água e, dessa forma, impedem tanto a hidratação excessiva quanto a desidratação das fezes. A última observação pode explicar a experiência clínica segundo a qual uma dieta rica em fibras alivia a diarreia em alguns pacientes com SII. Foi constatado que a suplementação de fibras com psyllium reduz a percepção de distensão retal, indicando que as fibras podem exercer um efeito positivo sobre a função aferente visceral.
Os efeitos benéficos das fibras dietéticas sobre a fisiologia colônica sugerem que as fibras dietéticas devem ser um tratamento eficaz para os pacientes com SII, porém ensaios controlados com fibras dietéticas produziram resultados variáveis. Isso não surpreende, pois a SII é um distúrbio heterogêneo, com alguns pacientes apresentandoconstipação intestinal e outros com predomínio de diarreia. A maioria das investigações relata aumento no peso das fezes, redução no tempo de trânsito colônico e melhora na constipação intestinal. Outros assinalaram benefícios nos pacientes com alternância de diarreia e constipação intestinal, dor e distensão abdominal. Entretanto, a maioria dos estudos não observou respostas nos pacientes cuja SII evidencia predominância de diarreia ou de dor. É possível que diferentes preparados de fibras possam exercer efeitos diversos sobre determinados sintomas da SII. Uma comparação cruzada de diferentes preparados de fibras constatou que o psyllium produzia uma melhora mais acentuada no padrão fecal e na dor abdominal do que o farelo. Ademais, os preparados de psyllium tendem a produzir menos flatulência e distensão. Apesar dos dados duvidosos acerca da eficácia, a maioria dos gastrenterologistas é da opinião de que os agentes formadores de massa fecal devem ser tentados em pacientes com SII-CI. A fibra deve ser iniciada em uma dose nominal e titulada lentamente até uma dose tolerada durante um ciclo de várias semanas, até alcançar uma dose estabelecida de 20 a 30 g de fibra dietética e suplementar total por dia. Mesmo quando usadas de modo criterioso, as fibras podem exacerbar a distensão, a flatulência, a constipação intestinal e a diarreia.
Antiespasmódicos Os clínicos observaram que os agentes anticolinérgicos podem proporcionar alívio temporário dos sintomas, como as cólicas relacionadas com espasmo intestinal. Ensaios clínicos controlados produziram resultados mistos, porém em geral a evidência confirma os efeitos benéficos dos agentes anticolinérgicos para alívio da dor. Uma metanálise de 26 ensaios clínicos duplo-cegos de agentes antiespasmódicos na SII relatou melhora geral mais acentuada (62%) e redução da dor abdominal (64%) em comparação com o placebo (35 e 45%, respectivamente), o que sugere sua eficácia em alguns pacientes. Os medicamentos são mais efetivos quando prescritos como prevenção da dor previsível. Estudos de fisiologia mostram que os agentes anticolinérgicos inibem o reflexo gastrocólico; em consequência, a dor pós-prandial é controlada mais facilmente quando os antiespasmódicos são administrados 30 minutos antes das refeições, para que possam ser alcançados níveis sanguíneos efetivos imediatamente antes do início previsto da dor. A maioria dos anticolinérgicos contém alcaloides naturais da beladona, que podem causar xerostomia, hesitação e retenção urinárias, visão embotada e sonolência. Devem ser usados com cautela no paciente idoso. Alguns médicos preferem utilizar anticolinérgicos sintéticos, como a diciclomina, que apresentam menos efeitos sobre a secreção das mucosas e que produzem menos efeitos colaterais indesejáveis.
Agentes antidiarreicos Os agentes opiáceos com atuação periférica constituem a terapia inicial de escolha para a SII-D. Estudos de fisiologia mostram aumento das contrações colônicas de segmentação, retardo no débito fecal, aumento nas pressões anais e redução na percepção retal com esses fármacos. Quando a diarreia é grave, em especial na variante de diarreia indolor da SII, podem ser prescritas pequenas doses de loperamida, 2 a 4 mg a cada 4 a 6 horas até um máximo de 12 g/dia. Esses agentes produzem menos dependência do que o paregórico, a codeína ou a tintura de ópio. Em geral, o intestino não fica tolerante ao efeito antidiarreico dos opiáceos, razão pela qual não será necessário aumentar as doses para preservar a potência antidiarreica. Esses agentes são mais úteis quando ingeridos antes dos eventos estressantes previstos que sabidamente causam diarreia. Entretanto, não raramente a administração de uma alta dose de loperamida pode causar cólicas devido a um aumento nas contrações colônicas de segmentação. Outro agente antidiarreico que pode ser usado em pacientes com SII é a resina de colestiramina fixadora de ácidos biliares.
Agentes antidepressivos Além de seus efeitos que consistem em melhorar o estado de humor, os antidepressivos exercem vários efeitos fisiológicos sugestivos de que possaem ser benéficos na SII. Nos pacientes com SII-D, o antidepressivo tricíclico imipramina torna mais lenta a propagação jejunal do trânsito migratório dos complexos motores e retarda o trânsito orocecal e intestinal total, o que é indicativo de um efeito inibitório motor. Alguns estudos também sugerem que os agentes tricíclicos podem alterar a função neural aferente visceral.
Alguns estudos indicam que os antidepressivos tricíclicos podem ser efetivos em alguns pacientes com SII. Em um estudo de 2 meses com desipramina, a dor abdominal melhorou em 86% dos pacientes, em comparação com 59% dos que receberam placebo. Outro estudo com desipramina em 26 pacientes com SII mostrou melhora na frequência das evacuações, na diarreia, na dor e na depressão. Quando estratificada em conformidade com os sintomas predominantes, a melhora foi observada nos pacientes com SII-D, porém sem qualquer melhora nos pacientes com SII-CI. Os efeitos benéficos dos compostos tricíclicos no tratamento da SII parecem ser independentes de seus efeitos sobre a depressão. Os benefícios terapêuticos para os sintomas intestinais ocorrem mais rapidamente e com uma posologia mais baixa. A eficácia dos agentes antidepressivos pertencentes a outras classes químicas no tratamento da SII foi menos bem avaliada. Ao contrário dos agentes tricíclicos, o inibidor seletivo da recaptação da serotonina (ISRS) paroxetina acelera o trânsito orocecal, elevando a possibilidade de que essa classe de medicamentos possa ser útil nos pacientes com SII-CI. O ISRS citalopram reduz a percepção de distensão retal assim como a magnitude da resposta gastrocólica nos voluntários sadios. Um pequeno estudo controlado por placebo realizado com citalopram em pacientes com SII relatou reduções na dor. Todavia, não foi possível confirmar esses achados em outro ensaio clínico controlado randomizado que não mostrou a superioridade do citalopram, em uma dose de 20 mg/dia, durante 4 semanas, em relação ao placebo no tratamento de pacientes com SII não deprimidos. Por conseguinte, a eficácia dos ISRS no tratamento da SII ainda necessita de confirmação.
Terapia antiflatulência O controle do excesso de gases somente raras vezes é satisfatório, exceto quando há aerofagia óbvia ou deficiência de dissacaridase. Os pacientes devem ser aconselhados a comer lentamente e a não mascar chicletes nem beber bebidas carbonatadas. A distensão pode ser reduzida se for conseguida melhora de uma síndrome intestinal associada, como SII ou constipação intestinal. Se a distensão abdominal for acompanhada de diarreia e piora após a ingestão de leite e seus derivados, frutas frescas, vegetais ou sucos, poderá estar indicada uma investigação adicional ou um ensaio com exclusões dietéticas. A exclusão de alimentos flatogênicos, o exercício, a redução do peso corporal excessivo e a ingestão de carvão vegetal ativado são remédios seguros, mas que ainda não foram comprovados. Os dados acerca da utilização de surfactantes, como a simeticona, são conflitantes. Os antibióticos podem ser úteis em um subgrupo de pacientes com SII que apresentam distensão como sintoma predominante. O beano, uma solução oral de β-glicosidase de venda livre, pode reduzir a eliminação retal de gases sem diminuir a distensão abdominal e a dor. As enzimas pancreáticas reduzem a distensão abdominal, a quantidade de gases e a sensação de plenitude durante e após a ingestão de uma refeição rica em gorduras e calorias.
Modulação da flora intestinal O tratamento com antibióticos beneficia um subgrupo de pacientes com SII. Em um estudo duplo-cego, controlado por placebo e randomizado, a neomicina, em uma dose de 500 mg, duas vezes ao dia, durante 10 dias, foi mais efetiva do que o placebo na melhora dos escores dos sintomas entre pacientes com SII. O antibiótico oral não absorvido rifaximina é o antibiótico mais extensamente estudado para o tratamento da SII. Em um estudo duplo-cego, controlado por

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