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DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 1 AULA - HOMICÍDIO I. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA PARTE ESPECIAL1 Os dispositivos contidos na Parte Especial do Código Penal dividem-se em três espécies: 1) Normas Penais Incriminadoras: são aquelas que definem as infrações e fixam as respectivas penas. Ex. art. 121, do Código Penal. Art. 121 - Matar Alguém (preceito primário da norma penal incriminadora) Pena – reclusão, de seis a vinte anos (preceito secundário) 2) Normas Penais Permissivas: são as que preveem a licitude ou a impunidade de determinados comportamentos, apesar de se enquadrarem na descrição típica. Ex.: art. 128 do Código Penal Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 3) Normas Penais Complementares ou Explicativas: são as que esclarecem outras normas ou limitam o âmbito de sua aplicação. Ex.: Art. 327 do Código Penal. Funcionário público Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. 1 Material preparado com base na obra: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial, volume II: introdução à teoria geral da parte especial: crimes contra a pessoa. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 2 A Parte Especial do Código penal possui 11 títulos, que por sua vez, foram subdivididos em capítulos, individualizando pormenorizadamente os bens juridicamente protegidos pelos tipos penais incriminadores: - TÍTULO I – CRIMES CONTRA A PESSOA; - TÍTULO II - CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO; - TÍTULO III – CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL; - TÍTULO IV – CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO; - TÍTULO V – CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS; - TÍTULO VI – CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL; - TÍTULO VII – CRIMES CONTRA A FAMÍLIA; - TÍTULO VIII – CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA; - TÍTULO IX – CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA; - TÍTULO X – CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA; - TÍTULO XI – CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. A Parte Especial do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) foi publicada no Diário Oficial da União em 31 de dezembro de 1940, já tendo se passado, portanto, mais de sete décadas desde então, motivo suficiente para que seja estudada com olhos críticos, visto que a sociedade, decorridos aproximadamente setenta anos, mudou radicalmente. Rogério Greco nos chama a atenção para o fato de que bens que à época da promulgação do código eram tidos como de extrema importância, hoje já perderam o seu valor, razão pela qual ressalta a importância da análise dos princípios penais fundamentais, que terão por finalidade apontar as debilidades daquelas infrações penais que já não se fazem mais necessárias. Importante salientar ainda que a Parte Especial do Código Penal foi ao longo dos anos modificada por meio de reformas pontuais. Novos artigos foram criados, outros modificados, enfim, embora antiga, a parte especial do Código Penal sofreu profundas modificações que tiveram o condão de, em algumas situações, fornecer-lhe uma aparência jovial, cuidando de temas que não mereceram a atenção do legislador original, a exemplo da inserção do capítulo correspondente aos crimes contra as finanças públicas, inserido no Título XI, relativo aos crimes contra a Administração Pública, feita pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000; ou, ainda, a modificação do art. 149, por intermédio da Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, que prevê o delito de redução à condição análoga à de escravo; sem falar na Lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004, que criou o delito de violência doméstica, inserindo dois parágrafos (9º e 10º) ao art. 129 do Código Penal, além de muitas outras modificações. Do exposto, conclui-se que é de suma importância a reinterpretação dos tipos penais da Parte Especial do Código Penal que foram recepcionados pelo texto de nossa Lei Maior, permitindo, com isso, uma visão garantista, protetora dos direitos de liberdade de todos os cidadãos, merecendo sempre ser lembrada a máxima de von Liszt quando dizia ser o Código Penal a “Carta Magna do delinquente.” mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 3 Interpretar os tipos penais incriminadores requer, portanto, uma visão libertária, entendendo-se o tipo penal como garantia, e não como carrasco do cidadão. Sobre a atualizações da Parte Especial do Código Penal é muito interessante a seguinte observação de Rogério Greco: Merece ser destacado o fato de que, ao longo de todos esses anos de vigência da Parte Especial do Código Penal, várias modificações foram sendo realizadas, como dissemos, por meio de reformas pontuais. Percebeu-se, a exemplo daquilo que aconteceu com o Código Civil, hoje em vigor, e com o projeto de Código de Processo Penal, que ainda se encontra “guardado” no Congresso Nacional por algum parlamentar, que introduzir no ordenamento jurídico um novo Código seria missão quase impossível, uma vez que, dada a sua particularidade, ou seja, ao fato de possuir centenas de artigos, caso um congressista não viesse a concordar com a redação de tão somente um deles, pediria vista para sua análise e, consequentemente, comprometeria a discussão de todo o projeto. O recurso às reformas pontuais, portanto, foi visto como uma alternativa que teria o condão de atualizar a legislação em vigor, inserindo novos tipos penais, ou mesmo retirando aqueles que fugissem à nossa realidade. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 4 II. PARTE ESPECIAL – TÍTULO I – CRIMES CONTRA A PESSOA A divisão da Parte Especial do Código Penal tem como critério o bem juridicamente protegido. Foi somente a partir do Código Penal de 1940 que a Parte Especial teve início com os chamados Crimes contra a Pessoa, ressaltando-se, dessa forma, sua importância. Os Códigos que o antecederam, vale dizer, o Código Criminal do Império do Brasil (1830) e o primeiro Código Penal publicado durante o período republicano, denominado Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (1890), iniciavam sua Parte Especial com os crimes contra a existência política do Império e os crimes contra a existência política da República, demonstrando, com isso, a preponderância do Estado sobre o cidadão. O Título I da Parte Especial do Código Penal cuida somente dos CRIMES CONTRA A PESSOA e está divido em 6 (seis) capítulos: a) Capítulo I - “Dos crimes contra a vida”; Composto pelos artigos121 à 128, os quais trazem 4 tipos penais com seus desdobramentos: - Homicídio; - Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; - Infanticídio; - Aborto. b) Capítulo II - “Das lesões corporais”; Composto pelo artigo 129, o qual tipifica o crime de lesão corporal e seus desdobramentos. c) Capítulo III - “Da periclitação da vida e da saúde”; Composto pelos artigos 130 à 136, os quais trazem 8 tipos penais com seus desdobramentos: - Perigo de contágio venéreo; - Perigo de contágio de moléstia grave; - Perigo para a vida ou saúde de outrem; - Abandono de incapaz; - Exposição ou abandono de recém-nascido; - Omissão de socorro; - Condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial; - Maus-tratos. d) Capítulo IV - “Da rixa”; mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 5 Composto somente pelo artigo 137 que tipifica o crime de rixa. e) Capítulo V - “Dos crimes contra a honra”; Composto pelos artigos 138 ao 145, os quais trazem 3 tipos penais com seus desdobramentos: - Calúnia; - Difamação; - Injúria. f) Capítulo VI - “Dos crimes contra a liberdade individual”. Composto pelos artigos 146 ao 154-B, sendo o capítulo mais longo do Título I, subdivide-se em três seções: - Seção I – Crimes contra a liberdade individual: Constrangimento ilegal; Ameaça; Sequestro e cárcere privado; Redução à condição análoga à de escravo; Tráfico de pessoas. - Seção II – Crimes contra a inviolabilidade do domicílio; - Seção III – Crimes contra a inviolabilidade de correspondência: Violação de correspondência; Correspondência comercial. - Seção IV – Crimes contra a inviolabilidade dos segredos: Divulgação de segredo; Violação do segredo profissional; Invasão de dispositivo informático; Ação penal. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 6 1. CRIMES CONTRA A VIDA: art. 121 à 128 FERNANDO CAPEZ cita a seguinte lição de Nelson Hungria: “A pessoa humana, sob duplo ponto de vista material e moral, é um dos mais relevantes objetos da tutela penal. Não a protege o Estado apenas por obséquio ao indivíduo, mas, principalmente, por exigência de indeclinável interesse público ou atinente a elementares condições da vida em sociedade. Pode-se dizer que, à parte os que ofendem ou fazem periclitar os interesses específicos do Estado, todos os crimes constituem, em última análise, lesão ou perigo de lesão contra a pessoa”. A distinção classificadora (crimes contra a pessoa) justifica-se apenas porque tais crimes são os que mais imediatamente afetam a pessoa. ROGÉRIO SANCHES CUNHA destaca que: “dos crimes contra a pessoa, destacam-se aqueles que eliminam a vida humana, considerada o bem jurídico mais importante do homem, razão de ser de todos os demais interesses tutelados, merecendo inaugurar a Parte Especial do nosso Código. É evidente que essa colocação não implica o estabelecimento de hierarquia entre as normas incriminadoras, mas serve para extrair a importância”. Como visto acima, são 4 (quatro) os crimes contra a VIDA: - HOMICÍDIO (artigo 121, caput, e §§ 1° a 7°); - AUXÍLIO, INDUZIMENTO OU INSTIGAÇÃO AO SUICÍDIO (artigo 122); - INFANTICÍDIO (artigo 123); - ABORTO (artigo 124 a 128) ATENÇÃO: CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA – SÃO JULGADOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI (ART. 5º, XXXVIII, “d”, da CF). Obs.: Todos os crimes contra a vida são julgados pelo Tribunal do Júri, menos o HOMICÍDIO CULPOSO (ART. 121, §3º, CP) 1.1 HOMICÍDIO O Código Penal traz a seguinte sistemática: 1) Homicídio doloso simples (Art. 121, caput, do CP); mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 7 2) Homicídio doloso privilegiado (Art. 121, §1º, do CP); 3) Homicídio doloso qualificado (Art. 121, §2º, I, II, III, IV, V, VI e VII do CP); Obs.: artigo 121, §2°-A, do CP, explica nos incisos I e II o que se entende por “razões de condição de sexo feminino”, a fim de caracterizar FEMINICÍDIO); 4. Homicídio culposo (Art. 121, §3º, do CP); 5. Homicídio culposo majorado (Art. 121, §4º, primeira parte, do CP); 6. Homicídio doloso majorado (Art. 121, §4º, segunda parte, do CP); 7. Perdão Judicial no homicídio culposo (Art. 121, §5º, do CP); 8. Causa de aumento de pena se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio (Art. 121, §6°, do CP); 9. Causas de aumento de pena nos casos de feminicídio (Art. 121, §7°, do CP). Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2º Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Feminicídio mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 8 VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino; VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. § 2º-A. Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos. Aumento de pena § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar a prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. § 5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. § 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio. § 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3(um terço) até a metade se o crime for praticado: I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima. O PRIMEIRO HOMICÍDIO Conforme no lembra Rogério Greco, a Bíblia relata a história do primeiro homicídio, cometido por Caim, contra seu irmão Abel, em Gênesis, Capítulo 4, versículo 8. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 9 Caim agiu impelido por um sentimento de inveja, pois Deus havia se agradado da oferta trazida pelo seu irmão Abel e rejeitado a dele. Dessa forma, Caim chamou Abel para com ele ir ao campo e, lá, o matou. Pelo fato de ter causado a morte de seu irmão, Deus puniu Caim, amaldiçoando-o, fazendo com que passasse a ser um fugitivo e errante pela Terra. Caim, prevendo que também seria morto como vingança pelo crime por ele praticado, disse a Deus, em Gênesis 4, versículos 13 a 16: “É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo. Eis que hoje me lanças da face da Terra, e da tua presença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela Terra; quem comigo se encontrar me matará. O SENHOR, porém, lhe disse: Assim qualquer que matar Caim será vingado sete vezes. E pôs o SENHOR um sinal em Caim para que o não ferisse de morte quem quer que o encontrasse. Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden.” Como regra, no instante imediatamente seguinte ao do crime praticado, o homicida percebe as consequências de seu ato. É tomado, então, por um sentimento de medo, incerteza, insegurança, fragilidade... A partir daquele instante, ele se tornará um fugitivo de si mesmo. A Bíblia ainda faz a distinção entre o homicídio doloso e aquele praticado culposamente. Para este último, foram criadas as cidades de refúgio, destinadas a acolher o agente que, de maneira culposa, causou a morte de alguém, a fim de não ser morto, também, pelo vingador de sangue. Aquele que passasse a viver nessas cidades de refúgio estaria a salvo da vingança privada. Se, entretanto, o homicídio fosse doloso, não importando o lugar onde estivesse o agente, ele seria entregue nas mãos do mencionado vingador para que morresse. Há, também, criminosos frios, que sentem prazer ao ver o sofrimento da vítima, que praticam atrocidades inomináveis, como temos presenciado nos meios de comunicação. Valores são deixados de lado, para darem lugar a sentimentos desprezíveis. Filhos causando a morte de seus pais, com a finalidade de herdar-lhes os bens, maridos matando suas esposas para ficarem com suas amantes, enfim, o delito de homicídio, dentre todas as infrações penais, é aquele que requer estudo mais detalhado, dada a sua complexidade. HOMICÍDIO SIMPLES, PRIVILEGIADO E QUALIFICADO O HOMICÍDIO SIMPLES, previsto no caput do art. 121 do Código Penal, cuja pena de reclusão varia de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, possui a redação mais compacta de todos os tipos penais incriminadores, que diz: matar alguém. É composto, portanto, pelo NÚCLEO MATAR e pelo ELEMENTO OBJETIVO ALGUÉM. Matar tem o significado de tirar a vida. Alguém, a seu turno, diz respeito ao ser vivo, nascido de mulher. Somente o ser humano vivo pode ser vítima do delito de homicídio. Assim, o ato de matar alguém tem o sentido de ocisão da vida de um homem por outro homem. Dessa forma, podemos identificar, com clareza, nesse tipo penal, o seu núcleo, o sujeito ativo, o sujeito passivo, o objeto material, bem como o bem juridicamente protegido. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 10 O HOMICÍDIO PRIVILEGIADO está previsto no § 1º do art. 121 do Código Penal. O homicídio privilegiado é uma causa especial de redução de pena, a qual incide no terceiro momento da sua aplicação. O HOMICÍDIO QUALIFICADO sujeita à pena de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, para quem mata alguém: I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime; VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (inserido pela Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015); e VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição (inserido pela Lei nº 13.142, de 6 de julho de 2015). Por ser qualificado, o homicídio previsto no § 2º do art. 121 possui parâmetro de pena próprio, qual seja, de 12 a 30 anos. As qualificadoras serão analisadas detidamente no momento oportuno. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA Crime comum, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo, quanto ao sujeito passivo; simples; de forma livre (como regra, pois existem modalidades qualificadas que indicam os meios e modos para a prática do delito, como ocorre nas hipóteses dos incisos III e IV), podendo ser cometido dolosa ou culposamente, comissiva ou omissivamente (nos casos de omissão imprópria, quando o agente possuir status de garantidor); de dano; material; instantâneo de efeitos permanentes; não transeunte; monossubjetivo ou de concurso enventual; plurissubsistente (vários atos que fazem parte de uma única conduta); podendo figurar, também, a hipótese de crime de ímpeto (como no caso da violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima). SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 11 Sujeito ativo do delito de homicídio pode ser qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um delito comum, uma vez que o tipo penal não delimita sua prática por determinado grupo de pessoas que possua alguma qualidade especial. Sujeito passivo, da mesma forma, também pode ser qualquer pessoa, em face da ausência de qualquer especificidade constante do tipo penal. É, portanto, o ser vivo, nascido de mulher. Também somente haverá homicídio se, ao tempo da ação ou da omissão, a vítima se encontrava com vida, pois, caso contrário, estaremos diante da hipótese de crime impossível, em razão da absoluta impropriedade do objeto. IRMÃOS SIAMESES OU XIFÓPAGOS Rogério Greco nos traz situação que merece análise mais aprofundada, mesmo que incomum: o homicídio praticado por xifópagos, ou irmãos siameses. 1. Se ambos, de comum acordo, resolverem matar alguém, serão condenados pelo delito de homicídio, se não houver qualquer causa que exclua a ilicitude ou afaste a culpabilidade, devendo, portanto, se for o caso, cumprir as penas a eles aplicadas. 2. A partir do momento do início do cumprimento da pena, ou no caso em que não agiam unidos pelo vínculo psicológico, na hipótese em que um deles não queria causar a morte da vítima, o raciocínio se torna mais interessante, mesmo que tão somente acadêmico,pois, até o momento, nunca ouvimos falar de “xifópagos homicidas.” Contudo, as soluções seriam as seguintes: 1. como os irmãos siameses possuem, cada qual, sua personalidade distinta da do outro, no momento de fixação da pena, levando em consideração, principalmente, o art. 59 do Código Penal, podem receber, ao final do cálculo relativo ao critério trifásico previsto pelo art. 68 do Código Penal, penas diferentes, sendo um deles, por exemplo, punido mais severamente do que o outro. O que fazer na hipótese, quase que inimaginável, de um dos irmãos siameses já ter conquistado o tempo para que possa ser colocado em liberdade, enquanto o outro, não? Nesse caso, sendo impossível a separação cirúrgica, ambos devem ser colocados em liberdade, sob pena de se tornar ilegal a prisão daquele que havia alcançado esse direito. 2. Como segunda hipótese, colocamos o caso de homicídio praticado por um dos xifópagos, sem que tenha havido o acordo de vontade do outro, ou seja, sem que se possa falar em concurso de pessoas. Nesse caso, como professa Bento de Faria, “a decisão deve ser proferida em favor da liberdade,” razão pela qual o irmão siamês que não desejava o resultado morte não poderá ser punido, reflexamente, em virtude do comportamento do outro irmão, sendo que a solução será a impunidade do fato. 3. Podem os siameses, contudo, ser vítimas, também, do delito de homicídio. Se o agente queria a morte de ambos, a questão é relativamente simples, devendo responder por dois crimes de homicídio, em concurso formal impróprio, uma vez que, por exemplo, ao atirar contra os mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 12 xifópagos, agia com desígnios autônomos, almejando a morte de ambos, devendo, outrossim, de acordo com a parte final do art. 70 do Código Penal, ser aplicadas cumulativamente as penas. 4. O que fazer, entretanto, na hipótese em que o agente era, por exemplo, amigo de A e inimigo de B, e queria tão somente causar a morte deste último, mesmo sabendo que eram siameses inseparáveis cirurgicamente? Hungria, com o auxílio de Manzini, responde a essa indagação dizendo: “No caso dos indivíduos duplos ou xifópagos, ter-se-á sempre um duplo homicídio doloso, ainda que a ação imediata do criminoso tenha atingido um só dos seres unidos. É o que observa Manzini: ‘se o criminoso queria matar ambos os irmãos siameses, é claro que responde por dois homicídios dolosos, em concurso material; se sua ação era determinada pelo propósito de matar um só, implicava, por necessidade lógica e biológica, a vontade de matar ambos, de vez que a morte de um determina, normalmente, também a morte do outro, e, assim, quanto a esta, subsiste o dolo eventual’. No caso excepcionalíssimo, em que uma pronta e eficaz intervenção cirúrgica logre salvar a vida de um deles, o réu responderá por homicídio consumado e tentativa de homicídio.” Rogério Greco discorda sobre a conclusão relativa ao elemento subjetivo do agente que dirige sua conduta contra um dos irmãos siameses. Se o resultado com relação a ambos seria certo, mesmo que o agente quisesse a morte somente de um deles, atuaria com dolo direto de primeiro grau com relação à vítima cuja morte queria causar, e dolo direto de segundo grau com relação ao siamês, cujo resultado não pretendia inicialmente, mas que, em razão da situação, seria certo de acontecer, visto que são inseparáveis. Se, por um milagre, o irmão siamês sobreviver, agora sim, inevitavelmente, deverá responder pelo homicídio consumado, em concurso com a tentativa de homicídio, uma vez que, tratando-se de dolo eventual, não admitimos tal possibilidade (esta é uma grande celeuma na doutrina, qual seja, a compatibilidade ou não da tentativa com o dolo eventual; prevalece na doutrina a compatibilidade dos institutos). Dessa forma, será tão somente admitida a tentativa nas hipóteses de dolo direto, sendo ele de primeiro ou segundo grau, não se admitindo tal possibilidade quando o dolo for eventual, conforme já discorremos no estudo correspondente à parte geral do Código Penal, para onde remetemos o leitor. Importante: A Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) especializou o homicídio no que diz respeito ao seu sujeito passivo, cominando pena de reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos, nas hipóteses de serem vítimas de homicídio: - Presidente da República; - Presidente do Senado Federal; - Presidente da Câmara dos Deputados; - Presidente Supremo Tribunal Federal, conforme se verifica da leitura de seu art. 29. OBJETO MATERIAL E BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO Objeto material do delito é a pessoa contra a qual recai a conduta praticada pelo agente. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 13 Bem juridicamente protegido é a vida e, num sentido mais amplo, a pessoa, haja vista que o delito de homicídio encontra-se inserido no capítulo correspondente aos crimes contra a vida, no Título I do Código Penal, que prevê os crimes contra a pessoa. O caput do art. 5º de nossa Constituição Federal assevera que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]. Embora a Lei Maior nos tenha assegurado esse direito, a vida pode ser considerada como um direito absoluto do cidadão? A resposta a essa indagação só pode ser negativa. Isso porque, mesmo sendo o mais importante de todos, o direito à vida não é absoluto, pois a Constituição da República, mesmo que excepcionalmente, permitiu a pena de morte, nos casos de guerra declarada, nos termos do seu art. 84, XIX. Outras exceções são o estado de necessidade e a legítima defesa. Início da proteção à vida: a proteção da vida, por intermédio do art. 121 do Código Penal, começa a partir do início do parto, encerrando-se com a morte da vítima. Rogério Greco anota que o trabalho de parto inicia-se com a dilatação do colo do útero ou com o rompimento da membrana amniótica, sendo o parto normal, ou a partir das incisões das camadas abdominais, no parto cesariana. Mesmo que haja vida intrauterina, poderá ocorrer o delito em estudo. A prova da vida, portanto, é indispensável à caracterização do homicídio. Hungria afirma: “Somente pode ser sujeito passivo do homicídio o ser humano com vida. Mas o que é vida? Ou, mais precisamente: como ou quando começa a vida? Dizia Gasper: ‘viver é respirar; não ter respirado é não ter vivido’. Formulado assim irrestritamente, não é exato o conceito, ainda mesmo que se considerasse vida somente a que se apresenta de modo autônomo, per se stante, já inteiramente destacado o feto do útero materno. A respiração é uma prova, ou melhor, a infalível prova da vida; mas não é a imprescindível condição desta, nem a sua única prova. O neonato apneico ou asfíxico não deixa de estar vivo pelo fato de não respirar. Mesmo sem respiração, a vida pode manifestar-se por outros sinais, como sejam o movimento circulatório, as pulsações do coração etc. É de notar-se, além disso, que a própria destruição da vida biológica do feto, no início do parto (com o rompimento do saco amniótico), já constitui homicídio, embora eventualmente assuma o título de infanticídio.” Como se pode perceber pelas lições de Hungria, iniciado o parto (normal ou cesárea), comprovada a vitalidade do nascente, ou seja, aquele que está nascendo, ou do neonato, isto é, o que acabou de nascer, já podemos pensar, em termos de crimes contra a vida, nodelito de homicídio, ou, caso tenha sido praticado pela gestante, sob a influência do estado puerperal, no crime de infanticídio. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 14 Quanto à possibilidade de ocorrência do delito de homicídio, ainda havendo vida intrauterina, mesmo depois de já ter sido iniciado o parto, há divergência em nossa doutrina. Cezar Roberto Bitencourt, com precisão, esclarece: “A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui o crime de homicídio.” Em sentido contrário, Ney Moura Teles afirma que “homicídio é a destruição da vida humana extrauterina, praticada por outro ser humano.” Acreditamos não haver necessidade de vida extrauterina para que se possa falar em homicídio. O início do parto encerra, na verdade, a possibilidade de prática do delito de aborto e dá início ao raciocínio dos crimes de homicídio e infanticídio. IMPORTANTE: a inviabilidade de o feto permanecer vivo depois do rompimento do cordão umbilical não afasta a ocorrência do delito de homicídio. Ex.: feto anencéfalo. Fim da vida: com a morte encerra-se a proteção pelo art. 121 do Código Penal. A Lei nº 9.434/97, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, especificando o momento em que se considera extinta a vida, diz em seu art. 3º: Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. EXAME DE CORPO DE DELITO Tratando-se de crime material, infração penal que deixa vestígios, o homicídio, para que possa ser atribuído a alguém, exige a confecção do indispensável exame de corpo de delito, direto ou indireto, conforme determinam os arts. 158 e 167 do Código de Processo Penal, verbis: Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta. Conforme esclarece Eugênio Pacelli de Oliveira: mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 15 “Deixando vestígios a infração, a materialidade do delito e/ou a extensão de suas consequências deverão ser objeto de prova pericial, a ser realizada diretamente sobre o objeto material do crime, o corpo de delito, ou, não mais podendo sê-lo, pelo desaparecimento inevitável do vestígio, de modo indireto. O exame indireto será feito também por meio de peritos, só que a partir de informações prestadas por testemunhas ou pelo exame de documentos relativos aos fatos cuja existência se quiser provar, quando então se exercerá e se obterá apenas um conhecimento técnico por dedução.” Somente na ausência completa de possibilidade de realização do exame de corpo de delito, seja ele direto, seja indireto, é que a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta, nos termos preconizados pelo art. 167 do Código de Processo Penal. Estamos com Cezar Roberto Bitencourt quando preleciona: “Uma coisa é afirmarem as testemunhas que viram tais ou quais aspectos ou vestígios, e outra é os peritos concluírem através da análise realizada pela existência da materialidade do crime. Todos recordam a fatídica perda do saudoso Ulysses Guimarães, em 1992, com a queda do helicóptero no mar. Aquela situação poderia dar lugar ao exame indireto do corpo de delito ou, dependendo das circunstâncias, ser este suprido pela prova testemunhal. Se tivessem sido encontrados no fundo do mar vestígios da queda do helicóptero, com pertences da vítima, destroços com peças de seu vestuário ou até partes de seu organismo, caberia o exame indireto de corpo de delito, a ser realizado pelos peritos. Contudo, se nada disso fosse encontrado, o exame indireto seria impossível, mas poderia ser suprido pela prova testemunhal, inquirindo-se alguém que tivesse presenciado o embarque na aeronave, o sobrevoo do mar com dificuldades de sustentação e a própria queda no mar; estar-se-ia diante da hipótese do art. 167 do CPP.” ELEMENTO SUBJETIVO O elemento subjetivo constante do caput do art. 121 do Código Penal é o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de matar alguém. O agente atua com o chamado animus necandi ou animus occidendi. A conduta do agente, portanto, é dirigida finalisticamente a causar a morte de um ser humano Admite-se que o delito seja cometido a título de dolo direto quando o agente quer, efetivamente, a produção do resultado morte, ou quando assume o risco de produzi-lo, atuando, outrossim, com dolo eventual. Pode ocorrer, portanto, o homicídio, tanto a título de dolo direto, seja ele de primeiro ou de segundo grau, como eventual. MODALIDADES COMISSIVA E OMISSIVA Comissivo: agente dirige sua conduta com o fim de causar a morte da vítima. Omissivo: agente deixa de fazer o que estava obrigado em virtude da sua qualidade de garantidor (crime omissivo impróprio), conforme preconizado pelo art. 13, § 2º, alíneas a, b, e c, do Código Penal. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 16 Exemplo de crime omissivo impróprio: mãe que, na qualidade de garantidora de seu filho recém- nascido, almejando a sua morte, não lhe fornece a alimentação necessária à sua sobrevivência. A redação contida no art. 121 do Código Penal, portanto, prevê um comportamento comissivo, que poderá, entretanto, ser praticado via omissão, em virtude da posição de garante ocupada pelo agente. MEIOS DE EXECUÇÃO Delito de forma livre, o homicídio pode ser praticado mediante diversos meios, que podem ser subdivididos em: a) diretos: disparo de arma de fogo, esganadura etc. b) indiretos: ataque de animais açulados pelo dono, loucos estimulados etc. c) materiais: meios mecânicos, químicos, patológicos etc. d) morais: susto, medo, emoção violenta etc. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA A consumação do delito de homicídio ocorre com o resultado morte, já mencionado, sendo, in casu, perfeitamente admissível a tentativa, tendo em vista tratar-se de crime material e plurissubsistente, sendo possível a hipótese de fracionamento do iter criminis. Mesmo que o resultado morte ocorra dias, ou meses após a prática da conduta levada a efeito pelo agente, para fins de aplicação da lei penal, considera-se praticado o crime, nos termos do art. 4º do Código Penal, no momento da ação ou da omissão, ainda que outro seja o momento do resultado. Mas atenção: O termo inicial da prescrição, conforme determinam os incisos I e II do art. 111 do Código Penal, levará em consideração: I – o dia em que o crime se consumou; vale dizer, no caso do delito de homicídio, quando ocorrer, efetivamente, a morte da vítima; II – no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa.HOMICÍDIO PRIVILEGIADO O § 1º do art. 121 do Código Penal cuida do chamado homicídio privilegiado. Trata-se de uma causa especial de diminuição de pena. O mencionado parágrafo cuida de duas situações DISTINTAS: a) Na sua primeira parte, a minorante será aplicada quando o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral. b) Na segunda parte, leva-se em conta o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima. Na qualidade de minorante ou causa de diminuição de pena, deverá ser aplicada a redução de um sexto a um terço no terceiro momento previsto pelo art. 68 do Código Penal. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 17 Embora a lei diga que o juiz pode reduzir a pena, não se trata de faculdade do julgador, senão direito subjetivo do agente em ver diminuída sua pena, quando seu comportamento se amoldar a qualquer uma das duas situações elencadas pelo parágrafo. Luiz Regis Prado, analisando o dispositivo em questão, esclarece: “A redução de pena expressamente consignada no citado dispositivo seria obrigatória ou meramente facultativa? Trata-se de questão assaz conflitiva, cuja solução não é unitária. Parte da doutrina divisa que a diminuição da sanção penal imposta é facultativa, já que a própria Exposição de Motivos (Decreto--lei nº 2.848/40) se pronunciava nesse sentido. De outro lado, defende-se a obrigatoriedade da atenuação da pena, com lastro na soberania do júri, constitucionalmente reconhecida (art. 5º, XXXVIII, CF). Com efeito, sendo o homicídio delito de competência do Tribunal do Júri, ter-se-ia manifesta violação da soberania dos veredictos na hipótese de não realização pelo juiz da atenuação prevista, se reconhecido o privilégio ínsito no § 1º do art. 121. O entendimento mais acertado é o de que a redução é imperativa.” Assim, presentes todos os elementos constantes do § 1º do art. 121 do Código Penal, reconhecida a causa de diminuição pelo Tribunal do Júri, importa ao julgador tão somente a fixação do quantum da redução, não podendo levar a efeito qualquer juízo sobre a possibilidade ou não de sua aplicação. Motivo de relevante valor social ou moral Os elementos que integram a primeira parte do § 1º do art. 121 do Código Penal são os seguintes: motivo de relevante valor social e motivo de relevante valor moral. O motivo que impeliu o agente a praticar o homicídio deve ser relevante. O primeiro raciocínio a ser feito, portanto, diz respeito à comprovação da relevância. Caso não seja relevante, isto é, não goze de certa importância, coletiva ou individual, mesmo que tenha valor social ou moral, não poderá servir como causa de diminuição de pena. Preceitua Rogério Greco que relevante valor social é aquele motivo que atende aos interesses da coletividade. Não interessa tão somente ao agente, mas, sim, ao corpo social. A morte de um traidor da pátria, no exemplo clássico da doutrina, atenderia à coletividade, encaixando-se no conceito de valor social. Podemos traçar um paralelo com a morte de um político corrupto por um agente revoltado com a situação de impunidade no país, em que o Direito Penal, de acordo com sua característica de seletividade, escolhe somente a classe mais baixa, miserável, a fim de fazer valer a sua força. Relevante valor moral é aquele que, embora importante, é considerado levando-se em conta os interesses do agente. Seria, por assim dizer, um motivo egoisticamente considerado, a exemplo do pai que mata o estuprador de sua filha. As hipóteses de eutanásia também se amoldam à primeira parte do § 1º do art. 121 do Código Penal. Nas precisas lições de Fernando Capez, eutanásia: “Significa boa morte. É o antônimo de distanásia. Consiste em pôr fim à vida de alguém, cuja recuperação é de dificílimo prognóstico, mediante o seu consentimento expresso ou presumido, com a finalidade de abreviar-lhe o sofrimento. Troca-se, a pedido do ofendido, um doloroso prolongamento de sua existência por uma cessação imediata da vida, encurtando sua aflição física. Pode ser praticada mediante um comportamento comissivo (eutanásia ativa) ou omissivo (forma passiva).” Quando o agente causa a morte do paciente já em estado terminal, que não suporta mais as dores impostas pela doença da qual está acometido, impelido por esse sentimento de compaixão, deve ser considerado um motivo de relevante valor moral, impondo-se a redução obrigatória da pena. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 18 Merece ressaltar que, em ambas as hipóteses, a diminuição deve ser aplicada, em decorrência do menor juízo de censura que recai sobre a conduta do agente que atua amparado por uma dessas motivações. Sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima São vários os elementos que devem se fazer presentes para que o agente possa ter o direito subjetivo de ver diminuída sua pena, a saber: a) sob o domínio; b) violenta emoção; c) logo em seguida; d) injusta provocação da vítima. a) Quando a lei penal usa a expressão sob o domínio, isso significa que o agente deve estar completamente dominado pela situação. Caso contrário, se somente agiu influenciado, a hipótese não será de redução de pena em virtude da aplicação da minorante, mas tão somente de atenuação, em face da existência da circunstância prevista na alínea c do inciso III do art. 65 do Código Penal (sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima). Isso significa que a injusta provocação levada a efeito pela vítima fez com que o agente perdesse a sua capacidade de autocontrole, levando-o a praticar o ato extremo. b) Emoção, na lição de Hungria: “É um estado de ânimo ou de consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e transitória perturbação da efetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas ou modificações particulares das funções da vida orgânica (pulsar precipite do coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral, aceleração do ritmo respiratório, alterações vasimotoras, intensa palidez ou intenso rubor, tremores, fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, lágrimas etc.).” A punição daquele que atua sob o domínio de violenta emoção se compatibiliza com a regra contida no inciso I do art. 28 do Código Penal, que diz não excluir a imputabilidade penal a emoção ou a paixão. c) A expressão logo em seguida denota relação de imediatidade, de proximidade com a provocação injusta a que foi submetido o agente. Isso não significa, contudo, que logo em seguida não permita qualquer espaço de tempo. O que a lei busca evitar, com a utilização dessa expressão, é que o agente que, provocado injustamente, possa ficar “ruminando” a sua vingança, sendo, ainda assim, beneficiado com a diminuição da pena. Devemos entender a expressão logo em seguida utilizando um critério de razoabilidade. Guilherme de Souza Nucci, analisando a expressão em estudo, preleciona: “O aspecto temporal – logo em seguida – deve ser analisado com critério e objetividade, constituindo algo imediato, instantâneo. Embora se admita o decurso de alguns minutos, não se pode estender o conceito para horas, quiçá dias. Um maior espaço de tempo entre a injusta provocação e a reação do agente deve ser encaixado na hipótese da atenuante, mas jamais do privilégio.” d) Finalmente, merece destaque, também, a locução injusta provocação. INJUSTA PROVOCAÇÃO X INJUSTA AGRESSÃO Não se deve confundir injusta provocação (que permite a redução de pena),com injusta agressão (a qual permite legítima defesa). mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 19 No escólio de Assis Toledo, é preciso: “Não confundir, como se tem feito por vezes, ‘provocação’ não intencional com ‘agressão’. Embora a agressão possa ser uma provocação (um tapa, um empurrão) nem toda provocação constitui verdadeira agressão (pilhérias, desafios, insultos). Nesta última hipótese é que não se deve supervalorizar a provocação para permitir-se, a despeito dela, a legítima defesa quando o revide do provocado ultrapassar o mesmo nível e grau da primeira. Em outras palavras: uma provocação verbal pode ser razoavelmente repelida com expressões verbais, não com um tiro, uma facada ou coisa parecida. Se o provocado chega a estes extremos, não há como negar ao provocador a possibilidade de defesa, com as ressalvas inicialmente feitas.” Contudo, o que para alguns poderá ser considerado mera provocação, para outros terá o cunho de agressão. A distinção é extremamente subjetiva em algumas situações. Exemplo de Rogério Greco: Imaginemos que determinado agente, sensível a qualquer tipo de brincadeira que atinja os seus brios, esteja caminhando em direção à sua residência quando, de repente, percebe que um de seus vizinhos, sabendo dos seus limites, começa a enviar-lhe beijos jocosos. O agente, não suportando aquela situação e entendendo que sua honra estava sendo agredida, vai ao encontro daquele que, segundo o seu entendimento, o atingia moralmente e o agride, querendo, com isso, fazer cessar a suposta agressão contra a sua honra. Do exemplo fornecido podem surgir duas consequências: a) o ato de enviar beijos pode ser considerado mera provocação e, como tanto, não permite ao agente atuar em legítima defesa, servindo, tão somente, como circunstância atenuante (art. 65, III, c), em caso de ser ele condenado por ter praticado o delito tipificado no art. 129 do Código Penal, pois o fato pode ser considerado típico, antijurídico e culpável; b) se considerarmos que os beijos enviados ao agente consistiam numa agressão à sua honra subjetiva, terá ele atuado em legítima defesa e, assim, a sua conduta, embora típica, não poderá ser considerada ilícita, devendo ser absolvido por não ter cometido infração penal alguma. O próprio Código Penal faz menção, mesmo que implicitamente, à provocação, distinguindo-a da agressão, a exemplo dos arts. 59 (comportamento da vítima), 65, III, c (sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima), e 121, § 1º (logo em seguida à injusta provocação da vítima). Nos serve de reflexão o § 1º do art. 121 do Código Penal, que prevê o crime de homicídio privilegiado: A segunda parte do § 1º diz que se o agente comete o crime sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Ora, se o que ocorre é mera causa de redução de pena, é sinal de que se o agente reage a uma injusta provocação e causa a morte do provocador, pratica uma conduta típica, antijurídica e culpável. Fica claro que não se trata de injusta agressão, a qual daria ensejo à legítima defesa (excludente de ilicitude) e não apenas à minorante. Numa de suas brilhantes passagens, dissertando sobre o homicídio privilegiado, mais especificamente sobre a injustiça da provocação, assim se posiciona Nélson Hungria: “A injustiça da provocação deve ser apreciada objetivamente, isto é, não segundo a opinião de quem reage, mas segundo a opinião geral, sem se perder de vista, entretanto, a qualidade ou condição das pessoas dos contendores, seu nível de educação, seus legítimos melindres. Uma palavra que pode ofender a um homem de bem já não terá o mesmo efeito quando dirigida a um desclassificado. Por outro lado, não justifica o estado de ira a hiperestesia sentimental dos alfenins e mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 20 mimosos. Faltará a objetividade da provocação, se esta não é suscetível de provocar a indignação de uma pessoa normal e de boa-fé. É bem de ver que a provocação injusta deve ser tal que contra ela não haja necessidade de defesa, pois, de outro modo, se teria de identificar na reação a legítima defesa, que é causa excludente de crime.” HOMICÍDIO QUALIFICADO As qualificadoras estão divididas em quatro grupos, em razão dos quais a pena relativa ao crime de homicídio passa a ser a de reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, a saber: a) MOTIVOS I (paga ou promessa de recompensa, ou por motivo torpe); II (motivo fútil); VI (contra a mulher por razões da condição de sexo feminino) e VII (contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição). b) MEIOS No inciso III, diz a lei penal que qualifica o homicídio o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, apontando, assim, os meios utilizados na prática da infração penal. c) MODOS No inciso IV, o Código Penal arrolou, a título de qualificadoras, os modos como a infração penal é cometida, vale dizer, à traição, de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. d) FINS No inciso V, o homicídio é qualificado pelos fins quando for levado a efeito para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime. IMPORTANTE: o § 2º do art. 121 do Código Penal prevê uma modalidade de tipo derivado qualificado. Isso significa que todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias, e não como elementares do tipo. Tal raciocínio se faz mister pelo fato de que o art. 30 do Código Penal determina: Art. 30. Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Dessa forma, embora duas pessoas possam, agindo em concurso, ter causado a morte de alguém, uma delas poderá ter praticado o delito impelida por um motivo fútil, não comunicável ao coparticipante, enquanto o outro poderá, por exemplo, responder pela infração penal com a redução mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 21 de pena relativa ao § 1º do mencionado artigo, visto ter agido impelido por um motivo de relevante valor moral. RELEMBRANDO: As circunstâncias do crime podem ser: a) objetivas (materiais ou reais): se relacionam com os meios e modos de realização do crime, tempo, ocasião, lugar, objeto material e qualidades da vítima. b) subjetivas (ou pessoais): só dizem respeito à pessoa do participante, sem qualquer relação com a materialidade do delito, como os motivos determinantes, suas condições ou qualidades pessoais e relações com a vítima ou com outros concorrentes. Observando-se que a participação de cada concorrente ADERE À CONDUTA E NÃO À PESSOA dos outros participantes, devemos estabelecer as seguintes regras quanto às circunstâncias do homicídio, aplicáveis à coautoria: 1ª) não se comunicam as circunstâncias de caráter pessoal (de natureza subjetiva); 2ª) a circunstância objetiva não pode ser considerada no fato do partícipese não entrou na esfera de seu conhecimento. Rogério Greco ensina que toda vez que os tipos penais estiverem ligados entre si pelos seus parágrafos estaremos diante dos chamados tipos derivados, e não de delitos autônomos. ESTUDO DAS QUALIFICADORAS 1. Mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe. Ab initio, deve ser ressaltado que a lei penal, usando o recurso da interpretação analógica, aponta que tanto a paga quanto a promessa de recompensa são consideradas motivos torpes. Torpe é o motivo abjeto que causa repugnância, nojo, sensação de repulsa pelo fato praticado pelo agente. Aníbal Bruno, com precisão, afirma: “Torpe é o motivo que contrasta violentamente com o senso ético comum e faz do agente um ser à parte no mundo social-jurídico em que vivemos. Entram nessa categoria, por exemplo, a cobiça, o egoísmo inconsiderado, a depravação dos instintos. Assim, a ambição de lucro de quem pratica homicídio para receber um prêmio de seguro ou apressar a posse de uma herança, ou eliminar um coerdeiro, ou fazer desaparecer um credor inoportuno; o propósito de dar morte ao marido para abrir caminho aos amores com a esposa; o prazer de matar, a libido de sanguine, dos velhos práticos, essa rara e absurda satisfação que o agente encontra na destruição da vida de outrem e que vem muitas vezes associada a fatos de natureza sexual ou constitui expansão do sentimento monstruoso de ódio aos outros homens; o impulso mórbido de lascívia que conduz o agente a atos de necrofilia.” São exemplos de motivo torpe trazido pelo CP a paga e a promessa de recompensa: A paga é o valor ou qualquer outra vantagem, tenha ou não natureza patrimonial, recebida antecipadamente, para que o agente leve a efeito a empreitada criminosa. Promessa de recompensa, como a própria expressão está a demonstrar, o agente não recebe antecipadamente, mas, sim, existe uma promessa de pagamento futuro. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 22 O agente responderá por esse delito mesmo que não a receba após o cometimento do crime e ainda que o mandante não tivesse a intenção, desde o início, de cumpri-la. Isso porque o que qualifica o homicídio, nesse inciso I, é o motivo pelo qual o agente atuou. Rogério Greco ensina: Afirmamos que a paga e a promessa de recompensa não necessitam possuir natureza patrimonial, embora parte da doutrina se posicione contrariamente a esse entendimento, como veremos adiante. Tal ilação faz-se necessária considerando-se uma interpretação sistêmica do Código Penal. Os tipos penais devem ser analisados de acordo com os seus capítulos e títulos, buscando-se, outrossim, chegar a uma interpretação mais coerente com o sistema no qual está inserido. Assim, as qualificadoras da paga e da promessa de recompensa pertencem ao delito de homicídio, que, por sua vez, encontra-se inserido no capítulo correspondente aos crimes contra a vida, também contido no Título relativo aos crimes contra a pessoa. Não há, portanto, nenhuma limitação interpretativa a ele correspondente, como acontece com aquela que devemos levar a efeito quando do estudo do art. 159 do Código Penal, assim redigido: Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Que vantagem seria essa mencionada pelo art. 159 do Código Penal? Poderia ter qualquer natureza, ou somente aquela de natureza patrimonial? Interpretando sistemicamente o mencionado artigo, verificamos que ele está inserido no capítulo correspondente aos crimes de roubo e extorsão, que, por sua vez, encontram-se no Título II, concernente aos crimes contra o patrimônio. Aqui, portanto, de acordo com essa interpretação, a vantagem exigida pelo art. 159 do Código Penal só pode ser aquela de natureza patrimonial, ao contrário do art. 121, que não limita ao patrimônio o seu bem juridicamente protegido. Em sentido contrário, trazemos à colação as lições de Luiz Regis Prado: “Questiona-se se a recompensa visada limita-se à retribuição de ordem econômica ou se o legislador também albergou, no presente dispositivo, a contraprestação sem valor patrimonial. Sustenta-se, por um lado, que a qualificadora em análise engloba inclusive a recompensa destituída de valor econômico, isto é, considera-se que a expressão ‘promessa de recompensa’ comporta motivos outros que, embora não econômicos, possam ser equiparados a estes (v.g., promessa de casamento, promessa de obtenção de cargo político etc.). Todavia, predomina o entendimento segundo o qual a recompensa deve ter, para a configuração da qualificadora, conteúdo econômico. Embora não se negue que motivos não econômicos possam perfeitamente figurar como móvil do delito, não foram estes incluídos no âmbito da qualificadora. O fundamento de maior reprovabilidade reside na desvaloração do motivo, de forma que a admissão de motivos não econômicos implicaria a necessidade de determinação, em cada caso, da especial reprovabilidade dos mesmos, o que criaria grande insegurança jurídica. Deveria ser analisado, concretamente, se a promessa de um cargo público, de matrimônio ou de um favor sexual, por exemplo, configuraria ou não motivos torpes e, por isso, particularmente reprováveis. Por essa razão, acertada a posição dominante que considera que a paga ou a promessa de recompensa devam ter conteúdo econômico. Pode o juiz, porém, avaliar o motivo não econômico quando da fixação da pena-base (art. 59. CP).” Deverá o mandante responder, também, pelo homicídio qualificado pelo simples fato de ter prometido vantagem para que alguém o praticasse? Entendemos que não. Isso porque, como já esclarecemos acima, todas as qualificadoras devem ser consideradas como circunstâncias. Aquele que recebe a paga ou aceita a promessa de recebimento da mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 23 vantagem para que pratique o homicídio o faz por um motivo torpe. Pode ser, inclusive, que o mandante possuísse um motivo de relevante valor moral, que não se confundirá com aquele que motivou o executor a cometer o homicídio. Ex.: Imagine a hipótese na qual um pai de família, trabalhador, honesto, cumpridor de seus deveres, em virtude de sua situação econômica ruim, tenha de residir em um local no qual impera o tráfico de drogas. Sua filha, de apenas 15 anos de idade, foi estuprada pelo traficante que dominava aquela região. Quando soube da notícia, não tendo coragem de, por si mesmo, causar a morte do traficante, contratou um justiceiro, que “executou o serviço.” O mandante, isto é, o pai da menina estuprada, deverá responder pelo delito de homicídio simples, ainda com a diminuição de pena relativa ao motivo de relevante valor moral. Já o justiceiro, autor do homicídio mercenário, responderá pela modalidade qualificada. 2. Motivo fútil. Fútil é o motivo insignificante, que faz com que o comportamento do agente seja desproporcional. Segundo Heleno Fragoso, “é aquele que se apresenta, como antecedente psicológico, desproporcionado com a gravidade da reação homicida, tendo-se em vista a sensibilidade moral média.” Ex.: o cliente que mata o garçom por entregar-lhe o troco errado, ou aquele que mata seu devedor que não havia quitado, no tempo prometido, sua dívida de R$ 1,00 (um real). Enfim, motivo fútil é aquele no qual há um abismo entre a motivação e o comportamento extremo levado a efeito pelo agente. ATENÇÃO: crime sem motivo x motivo fútil. Afirma Damásio de Jesus: “O motivo fútil não se confunde com a ausência de motivo. Assim,se o sujeito pratica o fato sem razão alguma, não incide a qualificadora, nada impedindo que responda por outra, como é o caso do motivo torpe.” Rogério Greco discorda: se o agente pratica o homicídio valendo-se de um motivo insignificante, qualifica-se o crime; se não tem qualquer motivo, ou seja, menos ainda que o motivo insignificante, o homicídio é simples. Não conseguimos, portanto, entender o tratamento diferenciado. Fernando Capez, também afirma que “matar alguém sem nenhum motivo é ainda pior que matar por mesquinharia, estando, portanto, incluído no conceito de fútil.” JURISPRUDÊNCIA A qualificadora do motivo fútil (art. 121, § 2º, II, do CP) é compatível com o homicídio praticado com dolo eventual? A pessoa que cometeu homicídio com dolo eventual pode responder pela qualificadora de motivo fútil? 1ª corrente: SIM. O fato de o réu ter assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta, mostrando-se, em princípio, compatíveis entre si. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 24 STJ. 5ª Turma. REsp 912.904/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 06/03/2012. 2ª corrente: NÃO. A qualificadora de motivo fútil é incompatível com o dolo eventual, tendo em vista a ausência do elemento volitivo. STJ. 6ª Turma. HC 307.617-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/4/2016 (Info 583). Não incide a qualificadora de motivo fútil (art. 121, § 2º, II, do CP), na hipótese de homicídio supostamente praticado por agente que disputava "racha", quando o veículo por ele conduzido - em razão de choque com outro automóvel também participante do "racha" - tenha atingido o veículo da vítima, terceiro estranho à disputa automobilística. Motivo fútil corresponde a uma reação desproporcional do agente a uma ação ou omissão da vítima. No caso de "racha", tendo em conta que a vítima (acidente automobilístico) era um terceiro, estranho à disputa, não é possível considerar a presença da qualificadora de motivo fútil, tendo em vista que não houve uma reação do agente a uma ação ou omissão da vítima. STJ. 6ª Turma. HC 307.617-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 19/4/2016 (Info 583). IMPORTANTE: Tratando-se de homicídio com duas ou mais qualificadoras, poderá qualquer uma delas servir para qualificar a infração penal, sendo que as demais serão utilizadas como circunstâncias agravantes, no segundo momento de aplicação da pena, determinado pelo art. 68 do Código Penal. As circunstâncias agravantes relativas aos motivos fútil e torpe estão previstas pela alínea a do inciso II do art. 61 do diploma repressivo. 2. Com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum Assim, como no inciso I do § 2º, utilizou a lei penal o recurso da interpretação analógica, vale dizer, a uma fórmula casuística – veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura –, o legislador fez seguir uma fórmula genérica – ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum. A técnica de interpretação analógica tem por objetivo a efetividade do princípio da isonomia, no qual situações idênticas merecerão o mesmo tratamento pela lei penal. O item 38 da Exposição de Motivos do Código Penal traduz o que vem a ser meio insidioso ou cruel, dizendo ser aquele o meio dissimulado na sua eficiência maléfica, e este, ou seja, o cruel, o que aumenta inutilmente o sofrimento da vítima, ou revela uma brutalidade fora do comum ou em contraste com o mais elementar sentimento de piedade. A expressão perigo comum significa que o meio utilizado pelo agente, além de causar dano à vítima, traz perigo a outras pessoas. Insidioso, portanto, é o meio utilizado pelo agente sem que a vítima dele tome conhecimento. Cruel, a seu turno, é aquele que causa um sofrimento excessivo, desnecessário à vítima enquanto viva, obviamente, pois a crueldade praticada após a sua morte não qualifica o delito. Esquartejar uma pessoa ainda viva se configura em meio cruel à execução do homicídio; esquartejá- la após a sua morte já não induz a ocorrência da qualificadora, mas atrai o crime de destruição de cadáver (art. 211 do CP). mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 25 São exemplos de meios insidiosos ou cruéis trazidos pelo CP: Veneno, segundo os conceitos, respectivamente, de Almeida Júnior, Taylor e Fonzes Diacon, é: “a) toda substância que, atuando química ou bioquimicamente sobre o organismo, lesa a integridade corporal ou a saúde do indivíduo ou lhe produz a morte; b) toda substância, que, introduzida, por absorção, no sangue, é capaz de afetar seriamente a saúde ou destruir a vida; c) uma substância química definida que, introduzida no organismo, age, até a dose tóxica, proporcionalmente à massa e ocasiona desordens, podendo acarretar a morte.” Ex.: Imagine-se a hipótese em que o agente, querendo causar a morte da vítima, fazendo-a saber que trazia consigo certa quantidade de veneno, por ser fisicamente mais forte, a subjuga, abrindo-lhe a boca, para, logo em seguida, deitar-lhe o veneno “goela abaixo.” A vítima, no caso em exame, sabia que faria a ingestão do veneno letal. Pergunta-se: Deverá o autor do homicídio responder pelo delito com a qualificadora do emprego de veneno? Na segunda parte do aludido inciso, quando a lei faz menção à sua fórmula genérica, usa, inicialmente, a expressão meio insidioso, dando a entender que o veneno, para que qualifique o delito mediante esse meio, deverá ser ministrado insidiosamente, sem que a vítima perceba que faz a sua ingestão. Caso contrário, ou seja, caso a vítima venha a saber que morrerá pelo veneno, que é forçada a ingerir, o agente deverá responder pelo homicídio, agora qualificado pela fórmula genérica do meio cruel. Aníbal Bruno, com precisão, afirma: “O uso do veneno é um dos meios de dar morte com dissimulação, entregue a vítima indefesa à atuação do criminoso, porque inconsciente da manobra que vai tirar-lhe a vida. É pela insídia característica dessa maneira de matar, que dela se faz uma causa de qualificação do homicídio. Se a vítima sabe que se trata de substância venenosa e a ingere sob coação, a insídia é substituída pela crueldade e a qualificação persiste.” Utilização de fogo também qualifica o homicídio, uma vez que se trata de meio extremamente cruel à sua execução. Explosivo é o meio utilizado pelo agente que traz perigo, também, a um número indeterminado de pessoas. Ex.: Matar a vítima arremessando contra ela uma granada qualifica o homicídio pelo uso de explosivo. Segundo Hungria: “Na sua decomposição brusca, o explosivo opera a violenta deslocação e destruição de matérias circunjacentes. Não há que distinguir entre substâncias e aparelhos ou engenhos explosivos. Entre os explosivos mais conhecidos, podem ser citados os derivados da nitroglicerina (dinamite), da nitrobenzina (belite), do nitrocresol (cresolite), da nitronaftalina (schneiderite, chedite), do nitrotolueno (trotilou tolite), do trinitofenol ou ácido pícrico (melinite, lidite), o algodãopólvora (explosivo mediante choque), os fulminatos, os explosivos com base de ar líquido etc.” Asfixia é a supressão da respiração. Conforme lições de Hungria: “O texto legalnão distingue entre asfixia mecânica e asfixia tóxica (produzida por gases deletérios, como o óxido de carbono, o gás de iluminação, o cloro, o bromo etc.). A asfixia mecânica mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 26 pode ocorrer: a) por oclusão dos orifícios respiratórios (nariz e boca) ou sufocação direta; b) por oclusão das vias aéreas (glote, laringe, traqueia, brônquios); c) por compressão da caixa torácica (sufocação indireta); d) por supressão funcional do campo respiratório. Os processos de provocação da asfixia mecânica são o enforcamento, o imprensamento, o estrangulamento, o afogamento, a submersão, a esganadura.” Tortura, também, encontra-se no rol dos meios considerados cruéis que têm por finalidade qualificar o homicídio. Importa ressaltar que a tortura, qualificadora do homicídio, não se confunde com aquela prevista pela Lei nº 9.455, de 7 de abril de 1997. O art. 1º da mencionada lei define o crime de tortura, sendo que o seu § 3º comina uma pena de reclusão, que varia de 8 (oito) e 16 (dezesseis) anos, se da prática da tortura sobrevier a morte da vítima. Art. 1º § 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. Qual é a diferença, portanto, entre a tortura prevista como qualificadora do delito de homicídio e a tortura com resultado morte prevista pela Lei nº 9.455/97? A diferença reside no fato de que a tortura, no art. 121, é tão somente um meio para o cometimento do homicídio. Já na Lei nº 9.455/97, a tortura é um fim em si mesmo. Se vier a ocorrer o resultado morte, este somente poderá qualificar a tortura a título de culpa. Isso significa que a tortura qualificada pelo resultado morte é um delito eminentemente preterdoloso. O agente não pode, dessa forma, para que se aplique a Lei de Tortura, pretender a morte do agente, pois, caso contrário, responderá pelo crime de homicídio tipificado pelo Código Penal. 3. À traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido O inciso IV do § 2º do art. 121 do Código Penal, também se vale do recurso da interpretação analógica. O gênero qualificador aqui é qualquer recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. Os exemplos trazidos pelo CP são: Traição. Segundo as lições de Guilherme de Souza Nucci: “Trair significa enganar, ser infiel, de modo que, no contexto do homicídio, é a ação do agente que colhe a vítima por trás, desprevenida, sem ter esta qualquer visualização do ataque. O ataque súbito, pela frente, pode constituir surpresa, mas não traição.” Obs.: homicidium proditorium é o homicídio qualificado pela traição. Há diferença, para fins de identificação da traição, entre o golpe efetuado nas costas da vítima e aquele praticado pelas costas. Pelas costas configura-se à traição, quando o agente ataca a vítima por trás, sem que ela possa percebê-lo. Golpe nas costas identifica a região do corpo onde o golpe foi produzido. Muitas vezes, o golpe é aplicado nas costas, mas não se configura traição. Suponhamos que a vítima estivesse sendo subjugada pelo agente, fisicamente mais forte do que ela, e, com um punhal, lhe aplicasse o golpe nas costas. Não houve traição. Não conseguimos visualizar, aqui, o golpe pelas costas, mas tão somente nas costas da vítima, não qualificando, assim, o homicídio. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 27 Emboscada pode ser entendida como uma espécie de traição. Nela, contudo, o agente se coloca escondido, de tocaia, aguardando a vítima passar, para que o ataque tenha sucesso. Dissimular tem o significado de ocultar a intenção homicida, fazendo-se passar por amigo, conselheiro, enfim, dando falsas mostras de amizade, a fim de facilitar o cometimento do delito. 4. Para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro crime Quando estas qualificadoras forem aplicadas, o homicídio deverá ter relação com outro crime, havendo, outrossim, a chamada conexão. Júlio Fabbrini Mirabete, com precisão, assevera: “Essas circunstâncias, que configurariam a rigor motivo torpe, originam casos de conexão teleológica ou consequencial. A conexão teleológica ocorre quando o homicídio é perpetrado como meio para executar outro crime (homicídio para poder provocar um incêndio). A conexão consequencial ocorre quando é praticado ou para ocultar a prática de outro delito (homicídio contra o perito que vai apurar apropriação indébita do agente), ou para assegurar a impunidade dele (homicídio da testemunha que pode identificar o agente como autor de um roubo), ou para fugir à prisão em flagrante (RT 434/358), ou para garantir a vantagem do produto, preço ou proveito de crime (homicídio contra o coautor de roubo ou furto para apossar-se da res furtiva).” Exemplo de conexão teleológica: matar o vigilante da agência bancária no dia anterior à prática do crime de roubo. Ressalte-se que, neste caso, o homicídio é cometido para assegurar a execução de um crime futuro. Exemplo de conexão consequencial: marido que mata a única testemunha que o viu enterrar o corpo de sua mulher, também morta por ele. Com relação às qualificadoras contidas no inciso V em exame, devem ser ressaltadas as seguintes indagações: 1) Se o agente comete o homicídio com o fim de assegurar a execução de outro crime que, por um motivo qualquer, não vem a ser praticado, ainda deve subsistir a qualificadora? Sim, haja vista a maior censurabilidade do comportamento daquele que atua motivado por essa finalidade. 2) Se o agente comete o homicídio a fim de assegurar a ocultação ou a impunidade de um delito já prescrito, também subsiste a qualificadora? Sim, pelas mesmas razões apontadas acima. 3) Se o agente pratica o homicídio para assegurar, em tese, a impunidade de um crime impossível, na hipótese, por exemplo, em que mata a testemunha que o viu apunhalar a suposta vítima, que já estava morta? Segundo Damásio, “a qualificadora subsiste, uma vez que o Código pune a maior culpabilidade do sujeito, revelada em sua conduta subjetiva.” 4) E se o homicídio é cometido com o fim de assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de uma contravenção penal? Em virtude da proibição da analogia in malam partem, não se pode ampliar a qualificadora a fim de nela abranger, também, as contravenções penais, sob pena de ser violado o princípio da legalidade em sua vertente do nullum crimen nulla poena sine lege stricta, podendo o agente, entretanto, dependendo da hipótese, responder pelo homicídio qualificado pelo motivo torpe ou fútil. mailto:pfelipo@hotmail.com DIREITO PENAL CRIMES CONTRA AS PESSOAS Prof.: Pablo Felipo, e-mail: pfelipo@hotmail.com Para a pessoa que tem compreensão, tudo é claro; tudo é fácil de entender para quem é bem-informado. Provérbios 9.10 28 5. Contra mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio) Gerardo Landrove Díaz, analisando especificamente as situações de infrações penais praticadas no interior dos lares, nos esclarece que: “Dentro das tipologias que levam em conta a relação prévia entre vítima e autor do delito (vítima conhecida ou desconhecida) temos que ressaltar a especial condição das vítimas pertencentes ao mesmo grupo familiar do infrator; tratam-se de hipóteses de vulnerabilidade convivencial ou doméstica. Os maus-tratos e as agressões sexuais produzidos nesse âmbito têm, fundamentalmente, como vítimas
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