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1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 2 2 CONCEITOS GERAIS ................................................................................ 3 2.1 Cultura .................................................................................................. 3 2.2 Identidade cultural ................................................................................ 6 2.3 Memória ............................................................................................... 7 2.4 Arquivos ............................................................................................. 11 2.5 Instituições Arquivísticas .................................................................... 15 3 A SOCIEDADE E A CULTURA BRASILEIRA ........................................... 17 3.1 A Arquivística no Brasil ....................................................................... 19 3.2 O Arquivo Nacional Brasileiro ............................................................. 25 3.3 O Papel dos Arquivistas ..................................................................... 28 3.4 Programa de Modernização Institucional ........................................... 34 3.5 Contexto Atual .................................................................................... 37 4 Usuários de arquivos públicos e internet .................................................. 40 4.1 Lei de Acesso à informação e internet ............................................... 44 5 Disposições gerais .................................................................................... 48 5.1 Distinção entre Arquivo, Biblioteca e Museu ...................................... 51 5.2 Ciclo de Vida dos Documentos ou Teoria das 3 Idades ..................... 54 5.3 Avaliação ............................................................................................ 59 5.4 Tabela de Temporalidade e Plano de Destinação .............................. 60 5.5 Modelo de Tabela de Temporalidade ................................................. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 67 2 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 3 2 CONCEITOS GERAIS Fonte: lusoleituras.files.wordpress.com 2.1 Cultura Cultura é constantemente associada à sabedoria, educação e, até mesmo, à sofisticação. Sob esse ponto de vista, cultura significa nível social e educacional, sendo atribuída àqueles considerados letrados; apreciadores e conhecedores das artes, ciências e outros campos do conhecimento. Em “Você tem cultura?”, Roberto da Matta faz uma distinção entre os conceitos de cultura, considerando que o termo também é usado para discriminar – quando os que não têm erudição são considerados “sem cultura”: Cultura aqui é equivalente a um volume de leituras, a controle de informações, a títulos universitários e chega até mesmo a ser confundida com inteligência, como se a habilidade para realizar certas operações mentais e lógicas (que definem de fato a 4 inteligência) fosse algo a ser medido ou arbitrado pelo número de livros que uma pessoa leu, as línguas que pode falar, ou os quadros e pintores que pode, de memória enumerar. (DA MATTA, 1986, p. 122) De acordo com o conceito antropológico, cultura refere-se à personalidade e à vida social do indivíduo. Nesse contexto, cultura é conceituada como o conjunto de características que estabelecem normas comuns de comportamento, identificando um ser ao grupo: Para nós, “cultura” não é simplesmente um referente que marca uma hierarquia de “civilização”, mas a maneira de viver total de um grupo, sociedade, país ou pessoa. Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (DA MATTA, 1986) A cultura, para Anna Flávia Rocha e Silva, estabelece, portanto, normas básicas de comportamento, mas ela é regulada por um número finito de regras, permitindo diversas variações dentro de uma única cultura. Esse conjunto de regras define como classificamos o mundo. Uma única cultura possui várias formas de atualização e expressão: “Apresentada assim, a cultura parece ser um bom instrumento para compreender as diferenças entre os homens e as sociedades. “ Essas diferenças seriam resultado das diversas configurações ou relações que as sociedades estabelecem no decorrer de suas histórias. (DA MATTA,1986) Wendy Griswold apresenta exemplos nos quais a cultura é entendida pelas sociedades. A cultura pode ser analisada como o conjunto de costumes nacionais, atividades consideradas elitistas, eventos de entretenimento, e variações no significado de símbolos ou objetos. Assim, constituem aspectos da cultura, a maneira respeitosa como um executivo japonês recebe um cartão de visitas, o hábito de assistir apresentações de música clássica, a situação cotidiana manifestada numa tira de história em quadrinhos, ou a forma distinta como a classe trabalhadora e a classe alta tratam animais de estimação. Assim, Griswold (2003) define cultura, “Cultura refere-se ao lado expressivo da vida humana, em outras palavras, ao comportamento, objetos, e ideias que podem ser entendidas para expressar, ou para significar alguma outra coisa.” Roque de Barros Laraia trata cultura como “uma lente através da qual o homem vê o mundo.” (1986, p.74). Segundo ele, “nenhum indivíduo é capaz de participar de 5 todos os elementos de sua cultura.” - ele pode conservar aspectos de sua cultura e também acolher outros costumes culturais, independentemente de sua nacionalidade. As sociedades estão em constante interação e cada cultura possui sua maneira de funcionar. Se as culturas são entendidas em seus contextos particulares, evitamos conflitos e criação de estereótipos. Todo sistema cultural tem a sua própria lógica e não passa de um ato primário de etnocentrismo tentar transferir a lógica de um sistema para outro. Infelizmente, a tendência mais comum é de considerar lógico apenas o próprio sistema e atribuir aos demais um alto grau de irracionalismo. (LARAIA, 1986, p.90). Essa tendência de condenar o diferente como irracional e bárbaro é um fenômeno universal, chamado de etnocentrismo, o qual Laraia define como um fenômeno universal: O ponto fundamental de referência não é a humanidade, mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos, a estranheza, em relação aos estrangeiros (...) comportamentos etnocêntricos resultam também em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes. Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como absurdas, deprimentes e imorais. (LARAIA, 1986) Já Lévi-Strauss afirma que “a diversidade das culturas é de fato no presente, e também de direito nopassado, muito maior e mais rica que tudo o que estamos destinados a dela conhecer.” (2000) Segundo ele, “duas culturas elaboradas por homens pertencentes a uma mesma raça podem diferir tanto ou mais que duas culturas provenientes de grupos racialmente afastados. As culturas não se diferem do mesmo modo. Para Lévi-Strauss as sociedades humanas nunca se encontram isoladas e o contato entre elas provoca estranhamentos e desejos de oposição: É na própria medida em que pretendemos estabelecer uma discriminação entre as culturas e os costumes, que nos identificamos mais completamente com aqueles que tentamos negar. Recusando a humanidade àqueles que surgem como os mais “selvagens” ou “bárbaros” dos seus representantes, mais não fazemos que copiar-lhes as suas atitudes típicas. O bárbaro é em primeiro lugar o homem que crê na barbárie. (Lévi-Strauss, 2000) Tanto na negação ou aceitação de novos costumes, é no contato com outras culturas que as sociedades reafirmam ou modificam sua própria cultura na construção de sua identidade. 6 2.2 Identidade cultural Na descoberta de novos hábitos, o indivíduo revê, e reafirma ou modifica sua cultura original, identificando-se ou estranhando uma dada cultura. Lévi-Strauss afirma que todo o processo cultural é função de uma coligação entre as culturas: Esta coligação consiste em pôr em comum (consciente ou inconsciente, voluntário ou involuntário, intencional ou acidental, procurado ou obrigado) das possibilidades que cada cultura encontra no seu desenvolvimento histórico; finalmente admitimos que esta coligação era tanto mais fecunda quanto se estabelecia entre culturas mais diversificadas. (Lévi-Strauss, 2000) Manuel Parés i Maicas caracteriza a identidade cultural como o sentimento de pertencer a uma sociedade, relacionada com a reafirmação das raízes. Segundo ele, as características que definem a identidade cultural diferem em cada comunidade, ainda que estas sejam partes da mesma nação. A identificação com um grupo pode ocorrer de acordo com características como etnia, língua, religião, compartilhamento de um território, classe social, entre outras. A identidade cultural está sujeita às mudanças advindas do contato com outras culturas e outras influências externas: A identidade cultural sempre leva implícita em si a ideia de alteridade, e de relação com o outro, a par do sentido de pertencimento ao que consideramos que nos é próprio. Não podemos concebê-la como algo estático, senão como uma obra, um fenômeno mutante. (MAICAS, 1996) Mas esse contato entre diversas culturas, ao mesmo tempo em que reforça a cultura originária, também ressalta a identidade como efêmera. Stuart Hall explica que as sociedades modernas estão em mudança constante e nesse contexto, as sujeitas também assume identidades distintas, “variáveis”, “provisórias” e “problemáticas”, dependendo do momento: Esse processo produz o sujeito pós-moderno, conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. (HALL, 1999) Com a diversidade cultural, Hall argumenta que as identidades nacionais também são afetadas pela globalização; antes centradas, hoje elas estão sendo deslocadas: Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identificações “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais (...) Os 7 fluxos culturais entre as nações, e o consumismo global criam possibilidades de “identidades partilhadas” – como “consumidores” para os mesmos bens, “clientes” para os mesmos serviços, “públicos” para as mesmas mensagens e imagens – entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras no espaço e no tempo. Á medida em que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural. Por sua vez, Everardo P. Guimarães Rocha afirma que a diferença cultural é ameaçadora porque fere nossa própria identidade. Dessa forma, negamos a cultura do diferente para reafirmar a nossa própria identidade cultural, considerando o estranho “atrasado”, o que reforça a identidade do nosso próprio grupo. Contrapondo-se à ideia de etnocentrismo, existe a relativização - quando o diferente é compreendido através dos seus próprios valores e não através do olhar de quem julga: Quando vemos que as verdades da vida são menos uma questão de essência das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando (...) Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença. (ROCHA, 1984) A relativização é não somente um processo para evitar conflitos e negação da cultura do outro. Entendendo o diferente em seu contexto, reforçamos nossa própria identidade ao reconhecermos nossas raízes culturais. 2.3 Memória “Memória” significa aquisição, formação, conservação e evocação de informações. A aquisição é também chamada de aprendizado ou aprendizagem: só se “grava” aquilo que foi aprendido. A evocação é também chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só lembramos aquilo que gravamos, aquilo que foi aprendido. Podemos afirmar, conforme Norberto Bobbio, que somos aquilo que recordamos, literalmente. Izquierdo nos relata que não podemos fazer aquilo que não sabemos, nem comunicar nada que desconheçamos, isto é, nada que não esteja na nossa memória. Também não estão a nossa disposição os conhecimentos 8 inacessíveis, nem formam parte de nós episódios dos quais esquecemos ou os quais nunca atravessamos. O acervo de nossas memórias faz com que cada um de nós seja o que é: um indivíduo, um ser para o qual não existe outro idêntico. Alguém poderia acrescentar: “...e também somos o que resolvemos esquecer”. Sem dúvida; mas não há como negar que isso já constitui um processo ativo, uma prática da memória: nosso cérebro “lembra” quais são as memórias que não quer trazer à tona, e evita recordá-las: as humilhações, por exemplo, ou as situações profundamente desagradáveis ou inconvenientes. De fato, não as esquece, pelo contrário: as lembra muito bem e muito seletivamente, mas as torna de difícil acesso. O passado, nossas memórias, nossos esquecimentos voluntários, não só nos dizem quem somos, como também nos permitem projetar o futuro; isto é, nos dizem quem poderemos ser. O passado contém o acervo de dados, o único que possuímos, o tesouro que nos permite traçar linhas a partir dele, atravessando, rumo ao futuro, o efêmero presente em que vivemos. Não somos outra coisa senão isso; não podemos sê-lo. Se não temos hoje a Medicina entre nossas memórias, não poderemos praticá- la amanhã. Se não nos lembramos de como se faz para caminhar, não poderemos fazê-lo. Se não recebemos amor quando crianças, dificilmente saberemos oferecê-lo quando adultos. O conjunto das memórias de cada um determina aquilo que se denomina personalidade ou forma de ser. Um humano ou um animal criado no medo será mais cuidadoso, introvertido, lutador ou ressentido, dependendo de suas lembranças específicas mais do que de suas propriedades congênitas. Nem sequer as memórias dos seres clonados (como os gêmeos univitelinos) são iguais; as experiências de vida de cada um são diferentes. Uma vaca clonada de outra vaca terá mais ou menos acesso à comida do que a vaca original, ficará prenhe mais ou menos vezes, seus partos serão mais ou menos dolorosos, sofrerá mais a chuva ou o calor que a outra; e as duas não serão exatamente iguais, exceto na aparência física. Memória têm os computadores, as bibliotecas, o cachorro que nos reconhece pelo cheiro depoisde vários anos, os elefantes de quem se diz terem muita (mas ninguém mediu), os povos ou países e, logicamente, nós, os humanos. Mas cada elefante, cada cachorro e cada ser humano é quem é, um indivíduo diferente de qualquer congênere, graças justamente à memória; a coleção pessoal de lembranças de cada indivíduo é distinta das demais, é única. Todos recordamos nossos pais, mas os pais de cada um de nós foram diferentes. Todos recordamos, 9 geralmente vaga, mas prazerosamente, a casa onde passamos nossa primeira infância; mas a infância de uns foi mais feliz que a de outros, e as casas de alguns desafortunados trazem más lembranças. Todos recordamos nossa rua, mas a rua de cada um foi diferente. Eu sou quem sou, cada um é quem é, porque todos lembramos de coisas que nos são próprias e exclusivas e não pertencem a mais ninguém. Nossas memórias fazem com que cada ser humano ou animal seja um ser único, um indivíduo. O acervo das memórias de cada um nos converte em indivíduos. Porém, tanto nós como os demais animais, embora indivíduos, não sabemos viver muito bem em isolamento: formamos grupos. “Deus os cria e eles se juntam”, afirma o ditado popular. Esse fenômeno é tanto mais intenso e importante quanto mais evoluído seja o animal. A necessidade da interação entre membros da mesma espécie, ou entre diferentes espécies inclui, como elemento-chave, a comunicação entre indivíduos. Essa comunicação é necessária para o bem-estar e para a sobrevivência. Nas espécies mais avançadas, o altruísmo, a defesa de ideais comuns, as emoções coletivas são parte de nossa memória e servem para nossa intercomunicação. Os golfinhos ajudam- se uns aos outros quando passam por dificuldades. Os humanos, embora às vezes pareça o contrário, também. Procuramos laços, geralmente culturais ou de afinidades e, com base em nossas memórias comuns, formamos grupos: comarcas, tribos, povos, cidades, comunidades, países. Consideramo-nos membros de civilizações inteiras e isso nos dá segurança, porque nos proporciona conforto e identidade coletiva. Nos sentimos apoiados pelo resto do grupo, chame-se este família, bairro, cidade, país ou continente. Os europeus e os norte-americanos, por exemplo, claramente pertencem à Civilização Ocidental. Mas dentro desta, pertencem de maneira mais entranhável aos grupos que sentem mais próximos porque com eles compartilham uma série de memórias e uma história. É comum que morando, digamos, nos Estados Unidos, os europeus tendam a se associar entre si e os latino- americanos também; geralmente mais do que com os nativos do lugar. A recordação de hábitos, costumes e tradições que nos são comuns leva a preferências afetivas e sociais. A identidade dos povos, dos países e das civilizações provém de suas memórias comuns, cujo conjunto denomina-se História. A França é a França porque seus habitantes se lembram de coisas francesas: Carlos Magno, Napoleão, Victor Hugo, Verlaine. O conjunto dessas lembranças faz com que os franceses se sintam e sejam franceses. O mesmo acontece com os demais países e as memórias em 10 comum de seus habitantes. Nós somos membros da Civilização Ocidental porque nossa história comum inclui Moisés, César, Jesus, o monoteísmo, os gregos, os romanos, os bárbaros, os celtas, os ibéricos, Colombo, Lutero, Michelangelo, as línguas europeias que todos falamos. Fora desse acervo histórico comum a todos, os povos do Ocidente temos uma identidade individual que depende da história de cada um de nós. Assim, espanhóis, ingleses, estadunidenses, brasileiros, paraguaios e argentinos possuímos memórias (histórias) próprias de cada país e que nos distinguem dentro do marco maior da Civilização Ocidental. Como foi dito, ao nos encontrarmos num meio cujo acervo coletivo de memórias é outro, descobrimos elos entre os diferentes grupos, baseados na memória coletiva que promove novas associações. Assim, para um brasileiro na Filadélfia ou em Newark será em geral mais fácil estabelecer amizade com um paraguaio do que com um nativo de Idaho. Em seu sentido mais amplo, então, a palavra “memória” abrange desde os ignotos mecanismos que operam nas placas de meu computador até a história de cada cidade, país, povo ou civilização, incluindo as memórias individuais dos animais e das pessoas. Mas a palavra “memória” quer dizer algo diferente em cada caso, porque os mecanismos de aquisição, armazenamento e evocação são diferentes. Não convém, portanto, entrar no terreno fácil das generalizações e considerar que nossa memória é “igual” a tal ou qual tipo de memória dos computadores. Meu computador tem chips e precisa estar ligado na tomada para funcionar; eu, certamente não. Aliás, se eu colocar os dedos na tomada sofrerei um choque, e aprenderei uma memória da qual meu computador é profundamente incapaz: a de evitar colocar os dedos na tomada. Também não convém fazer demasiadas analogias entre memórias de índole diferente, como a memória individual dos seres vivos pessoas e a memória coletiva dos países. Fora o aspecto mais amplo de sua definição, são coisas diferentes. Os processos subjacentes a cada uma são completamente distintos. A memória humana é parecida com a dos demais mamíferos no referente a seus mecanismos essenciais, às áreas nervosas envolvidas e ao seu mecanismo molecular de operação; mas não no relativo a seu conteúdo. Um ser humano lembra melodias e letras de canções, ou como praticar Medicina; um rato, não. Os seres humanos utilizam, a partir dos 2 ou 3 anos, a linguagem para adquirir, codificar, guardar ou evocar memórias; as demais espécies animais, não. Mas, fora as áreas da linguagem, usamos mais ou menos as mesmas regiões do cérebro e mecanismos moleculares 11 semelhantes em cada uma delas para construir e evocar memórias totalmente diferentes. Os maiores reguladores da aquisição, da formação e da evocação das memórias são justamente as emoções e os estados de ânimo. Nas experiências que deixam memórias, aos olhos que veem se somam o cérebro – que compara – e o coração – que bate acelerado. No momento de evocar, muitas vezes é o coração quem pede ao cérebro que lembre, e muitas vezes a lembrança acelera o coração. 2.4 Arquivos Para a compreensão de determinado objeto, é preciso ter conhecimento acerca de seu significado, que é assimilado a partir de suas características e de seu “corpus de significação” (Franco, 2005). Antes de compreendermos o significado de um objeto, tomamos consciência de sua existência; percepção que se faz imediata. Já o entendimento do conceito é algo mais demorado e envolve diferentes experiências, de modo que as faces desse objeto se apresentem e sejam compreendidas. Observa- se, assim, que significado se constrói ao longo do tempo, sob forte influência de um processo social. Thomassen (2001), afirma que, de modo geral, as noções vagas são suficientes no cotidiano, porém, no âmbito profissional, mais especificamente na arquivística, isso muda na medida em que os: “os arquivistas devem ter uma compreensão clara do que é um arquivo (ou um sistema de arquivos), de quais são suas funções e suas propriedades fundamentais, como elas se relacionam entre si e como a qualidade dos documentos e dos arquivos pode ser acessada e assegurada”. Esse mesmo posicionamento é compartilhado por Heredia Herrera (2007) que afirma ser o uso indiscriminado das palavras uma característica da humanidade, mas aos arquivistas cumpre o dever de defender um rigor terminológico que dê sustentação à disciplina arquivística rumo a sua afirmação na dimensão científica. Outros estudiosos também entendem que a questão terminológica da área é de importância fulcral, na medida em que a convergência terminológica evita interpretações equivocadas (Lodolini, 1993). Um campo científico se legitima a partir da especificação de seu objeto por meio de adequada denominação.12 Nesse sentido, esforços para a consolidação de uma terminologia arquivística acontecem com a criação do Conselho Internacional de Arquivos, que culminou no lançamento, em 1964, do primeiro instrumento terminológico intitulado Elsevier’s Lexicon of Archive Terminology. No Brasil, esses empreendimentos tiveram início na década de 1970, quando da criação da Associação de Arquivistas Brasileiros. Na ocasião, foi elaborado um glossário e apresentado no I Congresso Brasileiro de Arquivologia. Mais tarde, a mesma Associação criou um Comitê de Terminologia Arquivística, que, posteriormente, se uniria à Comissão de Estudos de Arquivologia da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Outra iniciativa nesse sentido foi em 1989, quando um grupo de alunos do curso de especialização em arquivologia da Universidade Federal da Bahia elaborou o Dicionário de termos arquivísticos, sob a coordenação do professor Rolf Nagel. Mais tarde, outro grupo de especialistas do estado de São Paulo também se mobilizou em torno dessa mesma questão, e seus esforços culminaram na edição, no ano de 1996, do Dicionário de terminologia arquivística. Nessa obra, a definição do termo arquivo aparece como: 1) Conjunto de documentos que, independentemente da natureza ou do suporte, são reunidos por acumulação ao longo das atividades de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas; 2) Entidade administrativa responsável pela custódia, pelo tratamento documental e pela utilização dos arquivos sob sua jurisdição; 3) Edifício em que são guardados os arquivos; 4) Móvel destinado a guarda de documento [...] (Camargo e Bellotto, 1996). Mais recentemente, o Arquivo Nacional publicou o que chamou de Dicionário brasileiro de terminologia arquivística, no qual encontramos, para o termo “arquivo”, a seguinte definição: 1) Conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades, independentemente da natureza do suporte; 2) Instituição ou serviço que tem por finalidade a custódia, o processamento técnico, a conservação e o acesso a documentos; 13 3) Instalações onde funcionam arquivos; 4) Móvel destinado a guarda de documentos (Brasil. Arquivo Nacional, 2005, p.27). As definições refletem o conhecimento e a compreensão que os teóricos têm acerca do arquivo. É uma representação conceitual particular construída com base em um saber técnico-científico. Tanto a definição do dicionário quanto a terminológica devem apre- sentar como categorias fundamentais para entendimento o gênero e a diferença específica (Finatto, 2002). O sentido da palavra “arquivo” foi mudando ao longo do tempo, em muito devido à evolução de suportes utilizados na elaboração dos documentos (Silva et al., 2002). No caso de gregos e bizantinos, o suporte preferido era o papiro e, consequentemente, usavam o termo chartophilacium para indicar os arquivos, depois passou a ser empregado como chartarium e, mais tarde, “cartório”. Já os romanos se mantiveram fiéis ao termo archeion, significando não “apenas o local de depósito dos documentos, mas o espaço ou serviço onde eram preservados registos antigos, independentemente do tipo de suporte” (Silva et al., 2002). Como destaca Tanodi (1979), o mundo romano vale-se de uma gama de termos relativos à escrita, incluindo o ato de escrever, o material utilizado e mesmo o móvel para guardar: grapharium, chartarium, tabularium, sacrarium, sanctuarium, scrinium etc. Sob essa ótica, é possível afirmar que alguns dos elementos que caracterizam o conceito arquivo, na atualidade, surgiram na Antiguidade; outros foram agregados ao longo do tempo, em razão do uso e da compreensão adquiridos a partir do contexto social. A evolução do conceito de arquivo, portanto, é influenciada por uma série de fatores sociais, jurídicos e de investimentos científicos. De modo geral, é possível identificar três formas de abordagem do termo: a primeira identifica o arquivo com os documentos, a segunda liga o arquivo ao edifício e aos documentos que guarda e a terceira afirma que o arquivo é uma instituição que conserva e utiliza a archivalía* (Tanodi di Chiapero, 1987). Mais recentemente, alguns autores como Silva et al. (2002) propõem a abordagem do arquivo como um sistema de informação (social), o que atende ao paradigma informacional, trazido para o âmbito arquivístico como decorrência da atual conjuntura social. * archivalía - A expressão archivalía é usada para se referir ao conjunto de documentos que são objeto de tratamento da instituição arquivo. Trata-se de “todo material escrito, gráfico (dibujos, mapas, planos), multigrafiado, reprógrafos, sonoro, audiovisual (películas) 14 Trata-se, portanto, da concepção de cada autor e, nesse sentido, Lodolini (1993), com base em estudo que realizou, apresenta uma síntese a respeito das diferentes visões dos autores quanto à natureza e limites do arquivo. 1) O arquivo compreende todos os documentos, desde o momento de sua produção em cada uma das entidades produtoras – também os documentos correntes fazem parte do “arquivo”. Esta é a condição para a existência do arquivo, que os documentos permaneçam nas entidades produtoras; a) os documentos passam a fazer parte do “arquivo corrente” no momento em que são produzidos por uma entidade visando a cumprir com a tramitação dos processos administrativos a que se referem; b) os documentos referentes a assuntos em trâmite encontram-se em fase pré- arquivística; farão parte do “arquivo corrente” somente quando a tramitação for finalizada pela entidade produtora, de cada um dos processos administrativos a que se referem (Tanodi). 2) O arquivo é formado somente pelos documentos que não tenham mais interesse para a entidade produtora deles e que tenham adquirido maturidade arquivística e sejam selecionados para conservação permanente – os documentos correntes não podem, portanto, fazer parte do arquivo, porque entre as condições para existir o arquivo está a de que os documentos não estejam mais na instituição produtora, mas tenham sido transferidos para uma instituição arquivística encarregada por sua conservação. 3) O arquivo é produzido somente por uma autoridade pública; não podem, portanto, existir arquivos privados. 4) Arquivo é tanto aquele produzido por uma autoridade públi-ca como também privada – os arquivos privados são considerados arquivos no sentido pleno do termo; a) por arquivos privados se entendem somente aqueles produzidos por pessoas jurídicas privadas, não os produzidos por pessoas físicas ou famílias (Schellenberg); b) por arquivos privados se entendem somente os produzidos por pessoas físicas ou famílias, não os produzidos por pessoas jurídicas privadas (Ellis); 15 5) O arquivo é constituído também por material não documental, quer dizer, por manuscritos de obras literárias ou científicas. 2.5 Instituições Arquivísticas A instituição arquivística tal como a conhecemos hoje consolidou-se a partir de fatores como a urbanização das sociedades, a formação dos Estados nacionais e o consequente aumento das instituições públicas. O início da era moderna foi marcado por mudanças, tais como um crescimento sem paralelo dos papéis, causado pela então crescente centralização dos governos, e sua instalação em prédios como Versalhes, Escorial, Whitehall, entre outros. Essas mudanças tornaram os arquivos necessários e possíveis. À centralização do governo seguiu-se a dos documentos (BURKE, 2003). Um decisivo passo foi dado no século XVI, quando o aprofundamento das competências do Estado, o reforço do poder central e o aumento de burocracia contribuíram para a concentração de arquivos em depósitos centrais, com arquivistas especializados e suas equipes (DUCHEIN, 1992). Nessa época, os arquivos oficiais ainda mantinham certo caráterprivado. O acesso a eles era estritamente condicionado por seus detentores, muito ciosos de seus documentos, embora haja alguma aceitação de uso para benefício da comunidade. Apesar disso, a noção de arquivo público expandiu-se nesse período, pois diversos monarcas reclamaram o direito de propriedade sobre acervos documentais reunidos por funcionários no exercício de suas funções (FAVIER, 1975). A Revolução Francesa influenciou os arquivos de forma decisiva, pois o golpe no Antigo Regime passava também, inevitavelmente, pelos arquivos. Foram três as principais contribuições da Revolução Francesa, movimento que marcou o início de uma nova era na administração dos arquivos. Estabeleceu-se o quadro de uma gerência de arquivos públicos de âmbito nacional: - O Arquivo Nacional passou a ser um órgão central dos arquivos do Estado, ao qual se subordinaram os depósitos existentes. Pela primeira vez uma administração orgânica de arquivos englobou toda a rede de depósitos. - O segundo efeito importante foi o fato de o Estado reconhecer sua responsabilidade em relação à preservação da herança documental do passado. - O terceiro se refere ao princípio da acessibilidade dos arquivos ao público, de acordo com o art. 37 do decreto de Messidor: “Todo cidadão tem o direito de pedir 16 em cada depósito […] a exibição dos documentos ali contidos”. Pela primeira vez os arquivos eram legalmente abertos e sujeitos ao uso público (POSNER, 1959, p. 7-9). A concepção de instituição arquivística de acordo com o modelo pioneiro criado na França foi amplamente reproduzida na Europa e nas Américas, guardadas as especificidades de cada país; estabeleceu-se um modelo institucional que permaneceu até meados do século XX, pelo qual a “instituição arquivística é aquele órgão responsável pelo recolhimento, preservação e acesso dos documentos gerados pela administração pública, nos seus diferentes níveis de organização” (FONSECA, 1998). Esta concepção modificou-se depois da II Guerra Mundial. À luz da gestão de documentos, que revoluciona a arquivologia tradicional, as instituições arquivísticas ampliaram seu espectro e funções, e foram obrigadas a reformular suas estruturas e a redefinir seu papel (FONSECA, 1998). É preciso diferençar as instituições arquivísticas públicas dos serviços de arquivos internos de uma instituição pública. Nas primeiras, o arquivo é a atividade- fim; estas são instituições cujo objetivo é a gestão dos acervos produzidos por outras instituições públicas de uma mesma esfera de poder, em função das atividades de uma administração, de um governo. No segundo caso, trata-se de atividade-meio; o serviço de arquivo também lida com documentos públicos, mas de uma instituição específica. Tanto a instituição arquivística quanto os serviços de arquivo de uma organização se caracterizam por gerir e disponibilizar um acervo documental com dupla função informativa: a) o apoio administrativo no dia a dia das instituições; b) a pesquisa histórico-cultural. Dessa maneira, os arquivos – produzidos e recebidos no decorrer das atividades de determinada instituição, pessoa ou família – possuem um tipo de conhecimento único, por gerarem representações de trajetórias institucionais e/ou pessoais advindas de conjuntos organicamente tratados e disponibilizados. Os documentos públicos são básicos para o funcionamento de um governo, estejam eles nos órgãos de origem ou em uma etapa posterior nas instituições arquivísticas. No Brasil, essas instituições se encontram em um locus periférico (JARDIM, 1999). O tempo atual é um tempo em que governos e cidadãos coexistem no mesmo ambiente informacional, pela primeira vez na história, e isso é resultado, principalmente da mudança tecnológica. Apesar disso, não será apenas o uso de novas tecnologias de informação e comunicação o suficiente para modificar a cultura 17 de opacidade que caracteriza o Estado e consequentemente as instituições arquivísticas públicas brasileiras. 3 A SOCIEDADE E A CULTURA BRASILEIRA Fonte:3.bp.blogspot.com A cultura brasileira é diversa e tão extensa como o território do país. No exterior o Brasil é, constantemente, classificado como um lugar exótico – conhecido pelas belezas naturais, hospitalidade, futebol e carnaval. Mas em um país que também se manifesta pela multiplicidade de estilos, torna-se difícil definir a identidade brasileira. Ainda que dentro da sociedade brasileira existam grupos diferentes, a nossa identidade pode ser entendida como uma série de características que fazem parte do repertório comum de um brasileiro. Por exemplo, todos nós falamos português e identificamos uma série de características típicas de um brasileiro, ainda que não nos enquadremos a todas essas características. Da Matta exemplifica nossa identidade por meio de um processo de contraste com a cultura estadunidense: 18 Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros países, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo sentido de ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro e não em Nova York; porque falo Português (...) (DAMATTA, 1994, p.16) Para Da Matta, cultura exprime um estilo e um modo de fazer as coisas. Ele alerta que a sua definição foi feita sob um ponto de vista brasileiro e, portanto, reconhecida pelos brasileiros, “usei uma fórmula que me foi fornecida pelo Brasil.” (1994, p. 18) A identidade brasileira também é definida pela noção da família, a proteção dos laços sanguíneos, o lugar da tradição o qual resguardamos. A casa, sendo o local da confiança, é também é o local onde são aceitos agregados que não fazem parte da família, mas são acolhidos no ambiente, como um amigo que passa por dificuldades financeiras ou um velho empregado que não tem para onde ir. (DA MATTA) A rua também é um local importante para os brasileiros. Segundo Da Matta (1994), casa e rua se equilibram, numa perspectiva do mundo complementar: “Todos sabemos, por experiência respeitável e profunda, que na rua não se deve brincar com quem representa a ordem, pois naquele espaço se corre o grave risco de ser confundido com quem é ninguém.” O fator racial é outro ponto presente na cultura brasileira. Da Matta (1994) menciona o padre jesuíta José Antonil que define a estrutura racial brasileira como um triângulo formado por branco, mulato e negro -- associando o branco ao paraíso, o mulato ao purgatório e o negro ao inferno. O Brasil não é um país dual de caráter exclusivo, “ou seja, uma oposição que determina a inclusão de um termo e a automática exclusão do outro”. O mulato representa exatamente esse “conjunto infinito e variado de categorias intermediárias” que existem no Brasil. Ao contrário dos Estados Unidos onde o preconceito é explícito; no Brasil, existe um “preconceito velado”. Ainda sob um olhar brasileiro, a nossa cultura é tomada como a cultura da multiplicidade, na qual se dá importância a valores distintos como à família (local de segurança) e à rua (local de liberdade); ao carnaval (momento de excesso) e às festas religiosas (na manutenção das tradições e do culto). O Brasil é, portanto, o local das possibilidades. Da Matta o caracteriza como um local dividido entre o indivíduo e a pessoa. No primeiro caso, o brasileiro é aquele 19 das leis universais que modernizam a sociedade. No segundo, o brasileiro é o sujeito das relações sociais, que conduz ao polo tradicional do sistema: Entre os dois, o coração dos brasileiros balança. E no meio dos dois, a malandragem, o “jeitinho” e o famoso e antipático “sabe com quem está falando?” seriam modos de enfrentar essas contradições e paradoxos de modo tipicamente brasileiro. (DA MATTA, 1994, p.97) 3.1 A Arquivística no Brasil No Brasil, o poder público é responsávelpela gestão dos documentos arquivísticos públicos, segundo determina a legislação. Compete às instituições arquivísticas, nas suas esferas de atuação correspondentes, promover a gestão, que inclui não apenas os documentos já recolhidos, mas também os que estão nos órgãos de origem, isto é, os documentos em suas três idades. Ressalte-se que a legislação é recente, tem raízes na Constituição de 1988, com dispositivos regulamentados pela Lei nº 8.159, de 9 de janeiro de 1991, ao passo que as instituições arquivísticas remontam a longa data. Para darmos início ao estudo sobre a trajetória e o desenvolvimento da Arquivologia no Brasil, Crivelli e Bizello (2012) consideram como ponto de partida a criação da instituição arquivística mais antiga e mais importante do país, conhecida atualmente por Arquivo Nacional. Não só aqui, mas em diversos outros países, o Arquivo Nacional atua de forma muito importante no sistema arquivístico nacional, em especial no que se refere aos poderes públicos, mas sem abrir mão de orientações e determinações que abarquem também a atividade arquivística das instituições privadas. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Hoje o Arquivo Nacional exerce atividades neste sentido, o que demonstra considerável maturidade da instituição, em relação ao conhecimento técnico da arquivística e das ações pertinentes à Arquivologia, assim como também relacionado ao papel que lhe cabe frente ao país, enquanto a instituição central de um Sistema Nacional de Arquivos, influente sobre todos os demais arquivos, centros de documentação e memória, entre outras instituições arquivísticas, públicas ou privadas. 20 Razão pela qual os autores supra consideram relevante se utilizar como ponto de partida acerca dessa discussão, a criação do Arquivo Nacional do Brasil, em 1838. Considerações devem ser feitas ao observarmos sua criação, pois o Brasil vivia um momento bastante adverso ao que temos atualmente, seja em suas condições políticas, administrativas, sociais e mesmo cultural. Neste ano de 1838, contavam-se exatos 30 anos que o Brasil havia recebido a transferência da Corte portuguesa em suas terras, em 1808, como consequência das invasões napoleônicas, em ação por toda a Europa. Este acontecimento é elementar para a história do Brasil, pois representa um momento de transição em sua construção estrutural político-administrativa e social, por considerarmos que, desde o ano 1500, o Brasil se via na condição de colônia de Portugal, onde se exercia a atividade econômica exploratória da cana-de-açúcar, plantada em grandes extensões de terra. A administração das terras brasileiras passou por algumas tentativas de pouco sucesso, que inclui também algumas alterações em sua divisão territorial, sendo a mais duradoura o Governo-Geral, que se baseia na nomeação de um responsável por todo o território da colônia, o Governador-Geral ou Vice-Rei, que atende diretamente os regimentos emanados da metrópole. O sistema cobre de 1550 até a vinda da Coroa. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Desta feita, como o todo território colonizado se encontrava dominado completamente pelos portugueses, o comando burocrático determinava que a documentação aqui produzida, basicamente administrativa, pertencia à Coroa. Em 1808, o Brasil, então, recebe a transferência da Coroa portuguesa, juntamente com toda sua corte, o que viria a exigir a quase total reestruturação do sistema administrativo local, para ter condições de incorporar toda a corte transferida. Relevante mudança se dá com a transferência da capital administrativa do Brasil, até então localizada na cidade de Salvador, na Bahia, para a cidade do Rio de Janeiro. Quando a família real chegou no país, trouxe consigo não só as pessoas que lhes davam suporte, mas, principalmente, todo o Poder Real, antes emanado de Lisboa, agora no Rio de Janeiro, que passa, então, a ser o centro do sistema administrativo do reino, e ganha ainda mais status quando o Brasil deixa de ser entendido enquanto colônia de Portugal, e é promovido à qualidade de Reino Unido. Crivelli e Bizello afirmam que nesse sentido, o Brasil, mais especificamente o Rio de Janeiro, passa a tomar uma proporção burocrática diferente da que tinha anteriormente. Acreditam que existiam lugares onde a administração acumulava seus documentos, entretanto ainda não havia regulamentado um arquivo central da administração real para este fim. 21 Em 1822, Dom Pedro I, filho de Dom João VI, Rei de Portugal, declara a independência brasileira do poder português. O Brasil, a partir daquele momento deixa de ser uma colônia, alçando à condição de país independente, administrado através de um sistema político imperial, onde seu declarante se coloca na posição de imperador. Decorrentes do império de administração autônoma, acontece a implantação do sistema político de base parlamentar, que garantiu a elaboração de uma assembleia constituinte, em 1823, que renderá a primeira constituição brasileira, em 1824. Nesta constituição já se tem o indicativo da existência de um arquivo público, responsável por recolher e abrigar a documentação produzida pela administração pública, dividida em quatro esferas de poder, o Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciário e Poder Moderador. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Crivelli e Bizello lecionam que mesmo já existindo um Arquivo Público, ele só seria oficialmente levado à feito no ano de 1838, num momento onde o governo brasileiro era regido não pelo seu imperador, pois Dom Pedro I havia se retirado para Portugal, mas por seu filho Dom Pedro II, naquela época ainda uma criança. A administração seria realizada através da regência de membros do Parlamento, enquanto o Príncipe Regente ainda não tinha idade para assumir seu papel de governante. E foi na regência de Pedro de Araujo Lima que, implantou-se o Arquivo Público do Império, vinculado diretamente à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, braço do poder Moderador, o que lançava o Arquivo Público a um status bastante interessante, caso este fosse um elemento relevante. Costa (2000, apud CRIVELLI e BIZELLO, 2012) disserta sobre os objetivos do Arquivo Público no momento de sua criação: Criado como um dos instrumentos viabilizadores do projeto político nacional, o Arquivo brasileiro visava, ao mesmo tempo, fortalecer as estruturas do Estado recém-fundado e consolidar a própria ideia do regime monárquico em um continente totalmente republicano. Para alcançar tais objetivos seria necessário recolher não só a documentação produzida pela administração pública, a fim de realizar sua função instrumental em relação ao novo Estado, como também os documentos referentes ao passado colonial, que se encontravam dispersos nas províncias e deveriam subsidiar a escrita da história da nação, a exemplo dos arquivos europeus. Percebe-se assim que, quando de sua criação, o Arquivo Público do Império exercia funções similares às que cabia aos arquivos nacionais europeus, no que tange o auxílio à estruturação do Estado em suas diversas formas, assim como a posterior 22 manutenção. Entre as funções administrativas e históricas, os arquivos nacionais, encabeçados pelos Archives Nationales franceses, seguiam uma linha de atividades que fornecia o suporte administrativo ao governo através do recolhimento da documentação produzida no decorrer de suas atividades administrativas e também agia de forma direta na construção da história nacional ao recolher, organizar, preservar e dar acesso aos documentos que diziam respeito ao país. Explicam Crivelli e Bizello que no Brasil, o Arquivo Público do Império foi construído através dessas ideias desenvolvidas na Europa, com grandes influências portuguesas, justamente ao se considerar que todos os governantes do novo Estado, desde o Imperador até os Parlamentares, se não eram efetivamente portugueses, haviam saído do Brasil paraestudar em Lisboa e Coimbra, os grandes centros que recebiam os moradores da Colônia para sua formação universitária. Era comum os jovens da mais alta classe social do Brasil saírem para estudar em Portugal e retornarem para exercerem atividades políticas, o que fazia com que o sistema de pensamento político sofresse enorme influência portuguesa. Isso também ocorreu com o Arquivo Público. Costa (2000, apud Crivelli e Bizello, 2012) relata acerca da sua idealização, que seguia os pensamentos patrimonialistas aplicados ao governo monárquico português, e do funcionamento do Arquivo da Torre do Tombo, que preservava os documentos para o uso do Rei, sem que as demais pessoas pudessem ter acesso ao material ali preservado. Este sistema de sigilo absoluto das informações governamentais era regra entre todas as nações, sendo finalizado apenas após a Revolução Francesa e a criação de um novo conceito de arquivo público. Mas este novo conceito não chegou a influenciar a construção do Arquivo Público do Império, no Brasil, que ainda recebeu esse pensamento da burocracia centralizada portuguesa, e entendia que os arquivos do governo deveriam ser fechados, sem que a população fizesse uso deste material. Com relação à atuação do Arquivo Público do Império, tinha por objetivos o recolhimento e preservação dos documentos do governo, e auxiliar na construção da história do novo Estado independente. O recolhimento, apesar de ser uma atividade prevista, havia falhas em sua execução, também derivadas desse sistema burocrático herdado que, para fins de segurança e sigilo, demandava aos órgãos e secretarias que mantivessem seus próprios arquivos, e isso se transformava em um complicador para que futuramente essa documentação fosse transferida para o poder do Arquivo 23 Público. Com a ausência de políticas arquivísticas, a forma como se desenvolveram as atividades burocráticas e administrativas do governo não foram devidamente planejadas no que se refere aos seus trâmites e sua produção, deixando a cargo de critérios variados e esporádicos os recolhimentos para o Arquivo Público. Como agravante, a instabilidade existente na divisão territorial por todo o período colonial, que foi responsável por originar a divisão em províncias, com administrações locais próprias, subordinadas ao governo do império. Esta forma de administração territorial poderia simplificar as formas de administração, emanadas do poder central para as províncias, e facilitar a transferência de documentos destas para o Arquivo Público, se fosse o caso, se contássemos com arquivos públicos regionais em cada província para realizar essa gestão. Isso não ocorreu efetivamente até a implantação do governo republicano. Durante o período imperial, apenas três províncias contavam com um arquivo, que são Ceará, Goiás e Paraná. As demais províncias, que passaram a ser entendidas enquanto Estados, terão seus arquivos públicos estaduais implantados de forma fragmentada após o regime republicano (CRIVELLI e BIZELLO, 2012). A tarefa, de agir como auxiliar na construção da história do novo Estado demandou ao Arquivo Público a necessidade de busca pela documentação pertencente à administração durante o período colonial, que se encontrava espalhada entre as províncias e as secretarias. Uma vez que a construção da história de um novo Estado-nação é fundamental para seu sustento e sua permanência enquanto tal, pois será através destes elementos históricos, entre outros, que surgirão os sentimentos de identidade, memória, coesão social e histórica, bases do sentimento de nacionalidade, sem o qual, se instaura um período de crises no Estado, comprometendo inclusive a sua existência. Para os autores, essa consciência existia por parte dos governantes, havendo dedicação do governo para assuntos referentes à construção desse contexto de coesão social, e o fator histórico se mostrava como elementar para que dessem andamento ao trabalho de construção e sustento da Nação. Enquanto instituição central do tratamento de arquivos do governo, o Arquivo Público poderia exercer este papel, entretanto, no mesmo ano de sua implantação, foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), visando buscar, recuperar e preservar documentos relevantes ao passado do Brasil, e a partir deles, desenvolver a história do país através dos trabalhos historiográficos (Camargo, 1999; Costa, 2000, apud CRIVELLI e BIZELLO, 2012). Por motivos políticos, o IHGB, naquele período, acabou por tomar proporções maiores às do Arquivo Público, o que lhe garantia melhores condições para exercer suas atividades. 24 O IHGB mantinha em sua estrutura, profissionais dedicados a realizar viagens por todo o território brasileiro em busca de identificar documentos importantes para a história do país e realizar a captação destes documentos para comporem o acervo do IHGB. O mesmo acontecia com viagens a outros países, em especial à Europa, para realizar o mesmo trabalho. O IHGB contava com sede própria e corpo profissional exclusivo. Ao Arquivo Público não era revertido, nem mesmo, verba básica. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Esse contexto apresentado, referente à criação e implantação do Arquivo Público do Império do Brasil reflete como era pensado o sistema de arquivos do governo, ou seja, como não era pensado em termos arquivísticos, e por considerarmos que na Europa essas questões já eram pauta dos governos e das áreas científicas, notamos certo atraso brasileiro neste sentido. Costa (apud Crivelli e Bizello, 2018) nos diz: Estas descobertas conduzem à constatação de que o Arquivo Público foi coadjuvado por outras instituições, em atividades e funções que seriam de sua exclusiva competência. Nesse sentido, a ‘divisão de tarefas’ entre as agências culturais empenhadas no processo de construção da nacionalidade implicou a superposição de funções e a consequente fragilização do Arquivo enquanto principal instituição de guarda dos documentos da administração pública. Somente em meados de 1870 que o arquivo terá um pouco mais de destaque após a implantação de prazos para o encaminhamento de documentos das secretarias e órgãos do governo para o Arquivo Público e uma estratégia de ação na atividade histórica do Arquivo é lançada, com iniciativas de captação de documentos referentes à história e a geografia brasileiras. O que pode ser visto através da primeira publicação feita pelo Arquivo Público do Império, em 1886, intitulada “Catálogo das cartas régias, provisões, alvarás, avisos, portarias, de 1662 a 1821, existentes no Arquivo Nacional e dirigidas, salvo expressa indicação em contrário, ao governador do Rio de Janeiro, e, depois de 1763, ao vice-rei do Brasil.” Após a implantação da República, em 1889, o país por um processo geral de reestruturação. No ano de 1893 o Arquivo Público do Império passa por uma reestruturação, seu regimento é revisto e ele passa a se chamar, então, Arquivo Público Nacional. Dentre as mudanças políticas decorrentes desta transição, uma que interfere diretamente nas ações do Arquivo Público Nacional diz respeito ao conceito de liberdade de acesso à informação do governo por qualquer cidadão da república, antes limitado somente aos poderes da sociedade imperial. 25 3.2 O Arquivo Nacional Brasileiro Uma nova reorganização interna ocorre em 1911, que altera seu nome para Arquivo Nacional (AN). Neste ano é criado o Curso de Tratamento de Arquivos para o Serviço Público, organizado pelo AN para atender a demanda decorrente da estrutura social mais burocratizada do sistema republicano. Este curso visava qualificar funcionários atuantes no sistema público, a fim de otimizarem as atividades administrativas públicas. O Dasp, a FGV e o Arquivo Nacional, durante a administração José Honório, foram ‘lugares da arquivologia’ que, nas décadas de 1940 a 1960, experimentaram processosdistintos nos quais os arquivos alcançaram um lugar na cultura e no projeto de desenvolvimento institucional. O historiador José Honório Rodrigues tomou posse na direção do Arquivo Nacional em 29 de agosto de 1958, com a tarefa de modernizar o órgão, criado em janeiro de 1838 como Arquivo Público do Império, conforme previsto na Constituição monárquica de 1824. Para José Honório, sua missão resumia-se em encaminhar as soluções para a instituição tornar-se “um arsenal da Administração” e pudesse “assegurar ao povo as provas de seus direitos e o acesso legal ao conhecimento e à informação” (RODRIGUES, 1959, apud SANTOS e LIMA, 2016). Três meses após sua posse, José Honório obteve a aprovação do Regimento Interno (Decreto n. 44.862 de 21/11/1958), transformando a estrutura do órgão, que passou a dispor de instrumentos mais compatíveis com a moderna arquivística europeia e norte- americana. Santos e Lima relatam que nos primeiros meses, o intenso trabalho à frente da instituição seria revelado por sua correspondência com historiadores e outros profissionais do Brasil e de fora do país. Em uma carta de setembro, dirigida ao Professor Eurípides Simões de Paula da Universidade de São Paulo, José Honório demonstra preocupação com o quadro de uma “repartição obsoleta” e suas prioridades iniciais: Recebi sua carta de 25 de agosto, quatro dias depois de minha nomeação para o Arquivo Nacional e desde que assumi a 29 não pude mais responder nenhuma carta. Está tudo atrasado e não creio que nestes dois meses de outubro e novembro eu possa cuidar de outra coisa que não seja o Arquivo Nacional, pois encontrei uma repartição obsoleta, na estaca zero, com um regulamento de 1923. Já fiz um novo projeto de regulamento para uma reforma de base da instituição, preparei emendas no orçamento a fim de obter 26 verbas para o ano que vem e estou providenciando maiores acomodações. (RODRIGUES, José Honório, 2004, apud SANTOS e LIMA, 2016). Após um ano à frente da Instituição, José Honório produziu sua peça de resistência e de maior significado político: A situação do Arquivo Nacional. Pela primeira vez em sua história, o Arquivo Nacional contava com um diagnóstico detalhado de sua situação nos diversos aspectos relacionados à organização, recursos técnicos, infraestrutura, quadro de pessoal e orçamento. O problema técnico se resumia à ausência absoluta de uma política de recolhimento, procedimentos de seleção e eliminação de documentos, organização e arranjo do acervo, elaboração de instrumentos, registro e inventário. Superar a condição de “simples depósito de documentos entregues à sua guarda, sem controle técnico” era o desafio da principal instituição arquivística do país, que teria vivido “anos de desinteresse arquivístico, de tentativa de transformação do Arquivo Nacional, em Arquivo Histórico” (RODRIGUES, 1959, apud SANTOS e LIMA, 2016). José Honório não se furtou a apresentar sua visão naquele contexto: “A atividade histórica aí, no momento, deve ser apenas marginal e assessorar a administração do Arquivo. Só depois da solução dos problemas administrativos e arquivísticos é que o Arquivo Nacional deverá cuidar de História” (Rodrigues, 1959, p. 66, apud SANTOS e LIMA, 2016). Quando assumiu o Arquivo Nacional, José Honório possuía como um de seus objetivos contar com a assessoria de técnicos europeus e norte-americanos que pudessem colaborar no estudo e no planejamento da reforma institucional que pretendia imprimir. E foi nesse contexto que ocorreu a vinda do técnico francês Henri Boullier de Branche, diretor dos Arquivos de Sarthe (Le Mans). Boullier colaborou no Curso de Arquivos e dirigiu um grupo de profissionais na elaboração do Inventário Sumário da Secretaria da Marinha. Ele deixou as bases de um método de classificação que, segundo sua análise, a instituição ainda não possuía. E elaborou um “Relatório sobre o Arquivo Nacional do Brasil”, no qual abordava os mais diversos aspectos do planejamento, gestão administrativa e técnica de uma instituição arquivística. Com relação à formação do pessoal, o arquivista francês estabelece uma ligação direta entre a formação de pessoal qualificado e o “futuro dos arquivos brasileiros”. Sem desqualificar o esforço do Dasp na criação de cursos destinados à formação de arquivistas, acompanhados de aulas práticas oferecidas no próprio Arquivo, Boullier afirmava que este esforço só teria prosseguimento e resultado satisfatório se viesse acompanhado da criação de uma escola de arquivistas da qual 27 o Brasil tinha necessidade premente. No segundo semestre de 1959, com a presença do técnico francês acontece o segundo curso em colaboração com o Dasp. Uma das recomendações formuladas por Boullier de Branche, a criação de uma escola ou uma série de cursos regulares para formação de arquivistas, começou a ser posta em prática já em 1960, com a criação do Curso Permanente de Arquivos, de dois anos de duração. Entretanto, nos primeiros anos o curso não funcionou com regularidade em decorrência da falta de recursos financeiros, levando algumas matérias a assumirem características de cursos avulsos. Para José Honório Rodrigues, o quadro de pessoal era um dos problemas mais graves e, por isso, deveria ser considerado uma prioridade. Para solucioná-lo, uma das medidas propostas era a criação de um curso permanente de formação de arquivistas para portadores de diploma do então curso secundário. Sua inspiração era a École des Chartes da França e os cursos universitários europeus e norte-americanos (1959, p. 65). A formação de arquivistas de nível superior ou destinados às tarefas executivas começou efetivamente a ser objeto de cursos regulares ou avulsos, no início da década de 1960. As únicas exceções antes disso foram os dois cursos promovidos pela administração de José Honório Rodrigues em 1959, com apoio do Dasp (SANTOS e LIMA, 2016) José Honório trouxe ao Brasil, em 1960, o vice-diretor do Arquivo Nacional dos Estados Unidos, Theodore Schellenberg, que ministrava cursos de arquivo na American University, de Washington, como parte da estratégia de contar com técnicos estrangeiros que pudessem orientar a reforma institucional que pretendia empreender. Ele estudou com profundidade o problema arquivístico brasileiro, sugeriu a tradução de obras fundamentais da bibliografia arquivística, realizou conferências e cedeu os direitos autorais de seus trabalhos. Produzir uma ‘coleção’ de obras de referência sobre os arquivos era um dos objetivos de José Honório Rodrigues que colocou à serviço deste programa editorial sua experiência e capacidade de interlocução com instituições e profissionais dos Estados Unidos e da Europa. As atividades realizadas pelo Arquivo Nacional durante a gestão de José Honório Rodrigues, ao final dos anos 1950 e começo dos 1960, são consideradas como marcos no desenvolvimento da Arquivologia no Brasil, por servirem de base para os passos futuros dados pela área, em todos os seus modos de atuação. Com relação à estrutura estadual de arquivos, do início da República até a década de 1960, são implantados 11 arquivos estaduais, o que mostra uma ampliação e regionalização das preocupações arquivísticas, seguindo os pensamentos do 28 governo federal. Este fenômeno deveu-se também ao sistema de governo burocratizado, aliado à consciência de acesso público à informação governamental, o que não quer dizer que esta última fosse efetivada. Entretanto, o sistema de arquivos no Brasil ainda era defasado por não contar com legislações que organizassem o tratamento e os trâmites administrativos dos poderes públicos. No ano de 1960 a estrutura administrativa pública do Brasil passou por uma reestruturação, com a construção da cidade de Brasília, desenvolvida e construída para ser a capital do país e centralizar todos os poderes federais, que até então se localizavam noRio de Janeiro, o que demandou a transferência de todos os órgãos para a nova capital. Foi incluído, necessariamente, dentre estes, o Arquivo Nacional. Foi promulgado então o Decreto Nº 48.936, em 14 de setembro de 1960, que “Cria um Grupo de Trabalho com a finalidade de estudar os problemas de arquivos no Brasil e sua transferência da Brasília” A proposta era criar uma unidade do AN em Brasília com a finalidade de dar suporte às tarefas administrativas federais, enquanto a sede continua no Rio de Janeiro, junto com o acervo histórico da instituição. Ao grupo cabe organizar esta transferência e, principalmente, determinar a divisão de seu acervo entre os conjuntos documentais que devem seguir para Brasília e auxiliar na administração e os que continuam na sede. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) O acervo do Arquivo Nacional foi, então, dividido em dois. Em 18 de maio do ano seguinte, foi publicado o Decreto Nº 50.614, que realizou alterações no decreto de 1960, sendo que vale destacar a inclusão de mais uma competência deste grupo de trabalho. Foi incluído ao Artigo 3º, o item VII, com o seguinte teor: “elaborar anteprojeto de lei estabelecendo as diretrizes para uma política de recolhimento de documentos no país”. Tal alteração instituiu as bases para resoluções futuras que atuam no sentido de estabelecer legislações próprias para os arquivos brasileiros, não apenas públicos, como também os privados, e a criação de um sistema nacional de arquivos. 3.3 O Papel dos Arquivistas Na década de 1970, realizam-se, por intermédio do associativismo arquivístico brasileiro, ações de definição de sua forma institucional: criação da Associação dos 29 Arquivistas Brasileiros (AAB) e constituição intersubjetiva de uma comunidade profissional. O associativismo é considerado decisivo para a institucionalização da área no país, reconhecendo, ainda, a falta de pesquisa acadêmica sobre o papel exercido pela a AAB entre 1971 e 1978 na organização do campo arquivístico no Brasil. Os depoimentos recolhidos por Gomes (2011) reafirmam o projeto coletivo de regulamentação da profissão de arquivista como meio de autoafirmação dos profissionais de arquivo e formação de uma comunidade arquivística. Essa ação coletiva com sua mobilização política de conotação corporativista configurou um espaço público no qual se passa a refletir sobre a atividade arquivística, compreendendo que o trabalho arquivístico é de interesse para a sociedade e o Estado. Gomes (2011) afirma que a formação de coletivo entre os profissionais de arquivo revela que os participantes passaram a reconhecer um tipo específico de identidade social que se forjava na apreensão e no exercício da práxis arquivística, dentro de um contexto histórico de repressão política e reconfiguração nos padrões de controle do Estado sobre a organização coletiva no Brasil. Esse associativismo arquivístico se caracteriza para além dos objetivos profissionais de melhoria das condições de vida e bem-estar social da categoria, isso na medida em que são propositivos também diante das condições dos arquivos brasileiros. “As atividades iniciais destas associações tiveram, para além da questão corporativista, a ação direcionada à atuação dos Estados no que se refere às políticas públicas de arquivos” Foi através da mobilização de profissionais de variadas áreas, com atuações voltadas aos trabalhos arquivísticos, que se formou a força política necessária para criar uma associação de classe com condições de ação no cenário nacional. A AAB, que aglutinou uma plêiade de profissionais de documentação e informação do país, com multidisciplinar formação em arquivologia, história, biblioteconomia, ciências sociais, administração, economia, letras, direito, medicina, enfermagem, dentre outras ciências, credencia-se como um dos agentes estruturantes da Arquivologia e da Arquivística brasileiras. (SILVA, Jaime, 2008, apud CRIVELLI e BIZELLO, 2012) O objetivo da Associação era desenvolver uma atuação no cenário nacional com vistas ao desenvolvimento de questões referentes aos arquivos, em decorrência das péssimas condições em que se encontravam os arquivos da época. A valorização dos arquivos em paralelo ao desenvolvimento e sistematização da Arquivologia 30 nacional tomava grande parte das preocupações destes profissionais encabeçados por José Pedro Pinto Esposel, professor do curso de História na Universidade Federal Fluminense, que inaugurou a cadeira de presidente da AAB logo no momento de sua fundação. A AAB dirigia suas ações almejando o desenvolvimento da área através dos profissionais enquanto agentes mobilizadores desta movimentação. Com esse objetivo, a associação desenvolvia debates, mesas-redondas, seminários e outros eventos que objetivavam movimentar as discussões referentes aos arquivos no Brasil. Decorrente deste trabalho, no período de 15 a 20 de outubro de 1972, aconteceu o I Congresso Brasileiro de Arquivologia, organizado pela AAB, na cidade do Rio de Janeiro, com a formidável participação de cerca de 1.300 pessoas, atuantes na área de arquivos em todo o território nacional (Esposel apud Castro, 2008, apud Crivelli e Bizello, 2012). A Revista Arquivo & Administração, uma das primeiras revistas especializadas em arquivos no Brasil, é posta em circulação com a finalidade também de propagar a ação da AAB. De responsabilidade da associação, a revista compilava artigos científicos e textos especializados à área de Arquivologia. Crivelli e Bizello, 2012, ressaltam que no início dos anos 1970, também com forte influência da criação da AAB, foi dado o passo inicial para o desenvolvimento da formação de profissionais arquivistas com qualificação, através da criação do primeiro curso de Arquivologia em nível superior, no Brasil. Em 1973 que o Curso Permanente em Arquivos, do Arquivo Nacional é encampado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO) e passa a integrar a grade de cursos de graduação da universidade, com o aval do Conselho Federal de Educação, que já havia autorizado a implantação de cursos de Arquivologia em universidades brasileiras no ano de 1972. A graduação em Arquivologia da UNIRIO, foi o único no Brasil da área no país até o ano 1976, quando então é criado o segundo curso de Arquivologia no Brasil, na estrutura da Universidade Federal de Santa Maria, no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e na sequência, em 1978, é aberto o curso da Universidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. No ano de 1974 foi aprovado o currículo mínimo do curso superior de arquivos, determinando a estrutura básica dos cursos de graduação em Arquivologia com um mínimo de 2.160 horas/aula ministradas num período mínimo de 3 anos e máximo de 5 anos, incluindo uma carga horária de 10% do total do curso, não contabilizado no 31 programa didático, para dedicação à realização de estágio supervisionado em instituição arquivística especializada e a redação de trabalho de conclusão de curso. Quanto à grade curricular, estabelecida com base na proposta de programa de ensino apresentado por Astréa de Moraes e Castro juntamente com o projeto do curso superior de arquivos ao CFE, define-se que deverá conter na grade dos cursos, ao menos, disciplinas que englobem os seguintes conhecimentos: Introdução ao Estudo de Direito; Introdução ao Estudo da História; Noções de Contabilidade; Noções de Estatística; Arquivos I-IV; Documentação; Introdução à Administração; História Administrativa, Econômica e Social do Brasil; Paleografia e Diplomática; Introdução à Comunicação; Notariado; Língua Estrangeira Moderna. O currículo mínimo para os cursos de Arquivologia estipula 12 matérias como obrigatórias a todos os cursos do país. Na prática, encontra-se a média de 35 disciplinas obrigatórias nas grades curriculares das escolas de Arquivologia.Esta concentração de disciplinas obrigatórias se justifica por conta da grande carga de disciplinas de conhecimentos gerais, consideradas como necessárias à formação do profissional arquivista, que demanda uma formação humanística, atinada às diversas realidades sociais presentes no país e nas sociedades em geral. História, sociologia, antropologia, filosofia, e conceitos de educação são buscados de modo recorrente nas formações brasileiras, de modo que exija a carga de disciplinas dilatada (Britto, 1999; Jardim, 1999, apud CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Em 04 de julho do ano de 1978, diante da grande formação de profissionais arquivistas, foi sancionada a Lei Nº 6.546, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de arquivista e técnico de arquivos. Condizente à preparação universitária que recebe nos cursos superiores, compete ao arquivista todos os processos de gestão documental, atividades de preservação, pesquisas e pareceres técnicos relacionados à arquivística, entre outras atividades. Em de 25 de setembro de 1978, é promulgado o Decreto Nº 82.308, a partir do qual o Brasil passa a contar com o Sistema Nacional de Arquivos (SINAR), com a proposta de estabelecer um sistema de tratamento que dispusesse de um controle integrado dos arquivos públicos federais a partir das determinações estipuladas para o funcionamento do sistema. No decreto de 1978, para a implantação do SINAR, é determinado que Art. 1º - Fica instituído o Sistema Nacional de Arquivo (SINAR) com finalidade de assegurar, com vista ao interesse da comunidade, ou pelo seu valor histórico, a preservação de documentos do Poder Público. Para a implantação do Sistema, entendia-se sua atuação direcionada apenas aos arquivos intermediários e permanentes e deixava de lado o tratamento dos arquivos administrativos. Era previsto o tratamento apenas dos documentos do Poder Executivo, sendo autorizada a inclusão dos documentos dos Poderes Legislativo e 32 Judiciário, mediante convênios. Foi instituído como órgão central do SINAR o Arquivo Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça. Ainda assim a ideia de um Sistema Nacional de Arquivos é bastante interessante, demonstrando considerável avanço na dedicação governamental quanto ao tratamento documental e a preservação de seus arquivos. Durante toda a década de 1970 houve a intensificação por parte de órgãos governamentais no desenvolvimento de projetos de proteção ao patrimônio cultural nacional. O objetivo principal se voltava à preservação da memória nacional e de referências ao passado, como forma de se construir a história. A partir de 1975, ocorre uma proliferação de centros de documentação, centros de memória e centros de referência, em seguimento ao intento de preservação da memória nacional. Trata-se de um momento onde os arquivos históricos voltam a ter a valorização que lhes é pertinente, enquanto potenciais detentores de memória e fonte informacional para o desenvolvimento de pesquisas históricas, e demais trabalhos de investigação, para segmentos coletivos. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Há que destacar também outro movimento social que serviu de estímulo para um fenômeno similar. Em meados do século XX, ocorre a intensificação no desenvolvimento de pesquisas científicas, em especial aos campos de tecnologia e de saúde, quando então surge uma demanda informacional ainda não presenciada nos núcleos científicos. O que acabou por acarretar a criação de centros de documentação especializados, desenvolvidos com vistas a atender a demanda informacional por parte do desenvolvimento das áreas. E por se tratar de uma movimentação altamente especializada, que demandaria de um suporte também especializado para atender às suas, viu-se a necessidade da criação destes serviços por parte de instituições de ensino superior, onde começa a se dedicar atenção aos arquivos universitários e científicos. Considera-se como fruto deste momento específico da sociedade, a implantação do Arquivo Edgar Leuenroth (AEL), que entrou em atividade em 1974 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no Estado de São Paulo, após o recebimento do acervo pessoal do militante anarquista que conferiu nome à instituição. Uma atividade planejada, a absorção do conjunto documental de Edgar Leuenroth foi realizada na intenção mesma de estruturar um local que oferecesse suporte ao programa de pós-graduação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da universidade, atuando enquanto fonte de informações primárias, elementares ao desenvolvimento das pesquisas no campo em que foi inserido. Desde então, concomitante a 33 esta atividade primeiramente planejada, o AEL amplia sua proposta inicial e passa a agregar diversos conjuntos documentais, que correspondam à proposta estabelecida por suas políticas internas, concernentes a temáticas referentes aos movimentos sociais nacionais, movimentos políticos, atuação da esquerda política, antropologia, história da América Latina, em um amplo espectro. Na mesma instituição, onze anos depois, é criado o Centro de Memória da Unicamp (CMU), com o objetivo específico de resgatar e preservar a memória da Unicamp, da cidade de Campinas, onde se instala a universidade, e de sua região. Outros exemplos interessantes são o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) da Universidade de São Paulo e o Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (CEDEM- UNESP), oriundos de pensamentos similares aos da Unicamp, entre outros exemplos distribuídos por universidades de todo o país. (CRIVELLI e BIZELLO, 2012) Destaca-se também o empenho de instituições autônomas, não necessariamente ligadas a alguma instituição de ensino superior, mas a instituições de ordem pública dedicadas ao desenvolvimento social de alguma área específica, assim como fundações e institutos. Como exemplo, temos no Estado do Rio de Janeiro, a Casa de Oswaldo Cruz (COC-FIOCRUZ), que corresponde a um braço de atuação da Fundação Oswaldo Cruz de pesquisas na área da saúde. Criada em 1985, a COC tinha por projeto inicial a preservação da memória da Fundação a que se relaciona, concomitante com a preservação da memória sanitária no país, por considerar um paralelo à atuação da FIOCRUZ na área da saúde. Crivelli e Bizello, 2012 destacam dentro deste movimento expansionista, a criação, em 1973, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, ligado à Fundação Getúlio Vargas (CPDOCFGV), com objetivos um tanto desafiadores para a época, mas que acabou por render frutos essenciais no atual contexto arquivístico, político e científico brasileiro. Tinha como propósito o recolhimento, tratamento, preservação e disseminação de acervos referentes às elites políticas do país através dos conjuntos documentais dos integrantes deste grupo. Se propunha, portanto, a trabalhar diretamente com os arquivos pessoais dos políticos atuantes no cenário político contemporâneo (século XX), contando ainda com o uso da história oral, a fim de ampliar o acúmulo de informações dentro de seu contexto de atuação (Ferreira, 2003, apud Crivelli e Bizello, 2012). 34 3.4 Programa de Modernização Institucional Socióloga com curso de doutorado pela Sorbonne, Celina Vargas do Amaral Peixoto foi fundadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas e diretora-geral do Arquivo Nacional entre 1980 e 1990. No ano de 1981 Celina Vargas põe em prática o Programa de Modernização Institucional, com esforços de mãos de obra técnica e de desenvolvimento científico partilhado com o CPDOC-FGV, instituição essa também dirigida pela diretora-geral do AN. O Programa de Modernização executado na gestão de Celina Vargas abrangia não somente melhorias estruturais físicas: a revitalização do prédio, adequação às técnicas de conservação, aquisição de novos equipamentos,
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