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Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.494.306 - RJ (2014/0063195-5) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : CONSTRUTORA IPÊ LTDA ADVOGADOS : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S) - DF006558 JOSÉ CARDOSO DUTRA JUNIOR - DF013641 ADVOGADA : KARLA APARECIDA DE SOUZA MOTTA E OUTRO(S) - DF015286 ADVOGADOS : RACHEL REZENDE BERNARDES E OUTRO(S) - DF016376 FERNANDO HENRIQUE FONTES DOS REIS E OUTRO(S) - DF057513 RECORRIDO : YPÊ ENGENHARIA LTDA ADVOGADOS : LUIZ CARLOS SANCHEZ JIMENEZ E OUTRO(S) - SP075847 PAULO SÉRGIO MENDES DE CARVALHO - SP131979 JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES E OUTRO(S) - RJ002167A RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL REPR. POR : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSTULANDO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO REGISTRO DA MARCA MISTA "YPÊ". PROPRIEDADE INDUSTRIAL. QUALIDADE DA INTERVENÇÃO DO INPI NO CASO CONCRETO. COLIDÊNCIA ENTRE NOME EMPRESARIAL (PRECEDENTE) E MARCA. 1. A definição da qualidade da intervenção do INPI na ação de nulidade de registro de marca perpassa pela análise da causa de pedir, sempre levando em conta que a pretensão em comento encarta, principalmente, o interesse público, impessoal, de fiscalização e regulação da propriedade industrial, com o necessário estímulo ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país, assegurando-se a livre iniciativa, a observância da função social da propriedade e a proteção do mercado consumidor. Precedente: REsp 1.264.644/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28.06.2016, DJe 09.08.2016. Hipótese em que a atuação processual autárquica deu-se a título de intervenção sui generis, de assistente especial (ou até como amicus curiae), inclusive por se dar de forma obrigatória e tendo a presunção absoluta de interesse na causa. Não caracterizado o litisconsórcio passivo necessário apontado pelo Tribunal de origem. 2. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) adotou o sistema atributivo mitigado da propriedade marcária, estabelecendo a necessidade de registro como regra, mas atribuindo "direito de precedência" ao utente de boa-fé, consoante se extrai do artigo 129. 3. Consoante assente em precedentes da Terceira Turma, revela-se possível o exercício do direito de precedência mesmo após a concessão do registro da marca (ou seja, no bojo de ação judicial de nulidade), desde que observado o principio da especialidade, positivado no inciso XIX do artigo 124 da Lei 9.279/1996, que preconiza a possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins não suscetíveis de causar Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 1 de 4 Superior Tribunal de Justiça associação indevida ou confusão no mercado consumidor (REsp 1.673.450/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.09.2017, DJe 26.09.2017; e REsp 1.464.975/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 01.12.2016, DJe 14.12.2016). 4. A tutela do nome comercial, no âmbito da propriedade industrial, assim como a marca, tem como fim maior obstar o proveito econômico parasitário, o desvio de clientela e a proteção ao consumidor. 5. Não obstante, as formas de proteção a tais institutos não se confundem. Em razão do chamado princípio da territorialidade, a tutela do nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa de competência da junta comercial em que inscritos os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional caso seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas do país (artigo 1.166 do Código Civil). 6. Por sua vez, o registro da marca confere ao titular o direito de uso exclusivo do signo em todo o território nacional e, consequentemente, a prerrogativa de compelir terceiros a cessarem a utilização de sinais idênticos ou semelhantes (artigo 129, caput, da Lei 9.279/96). 7. É certo que o inciso V do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial preceitua a irregistrabilidade de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos. 8. Contudo, o exame da colidência entre o nome empresarial e a marca não se restringe ao direito de precedência, afigurando-se necessário levar em consideração o princípio da territorialidade supracitado (artigo 1.166 do Código Civil), além do princípio da especialidade (possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins não suscetíveis de causar associação indevida ou confusão no mercado consumidor). 9. No presente caso, como é incontroverso nos autos: (a) ambas as partes atuam no mesmo segmento de mercado – prestação de serviços de construção e engenharia –, malgrado tenham sede em regiões diferentes do Brasil (a autora em Brasília - DF e a ré em São Paulo - SP); (b) embora a constituição da autora (CONSTRUTORA IPÊ LTDA.) tenha se dado em 1961, bem antes da constituição da ré (YPÊ ENGENHARIA LTDA.), foi esta quem diligenciou no sentido de registrar o signo em questão ("YPÊ"), tendo efetuado o depósito em 11.08.1994; (c) somente nove anos depois (em 16.04.2003), a autora fez o depósito do pedido de registro da marca "CONSTRUTORA IPÊ"; e (d) a demandante não realizou o registro complementar de seus atos constitutivos nas Juntas Comerciais de todos os Estados da Federação. 10. Nesse quadro, sem olvidar o direito de precedência alegado pela autora, constata-se que o deslinde da controvérsia resolve-se à luz dos princípios da territorialidade e da especialidade, não merecendo reparo o Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 2 de 4 Superior Tribunal de Justiça acórdão regional que pugnou pela possibilidade de coexistência do nome da sociedade empresária (cujos atos constitutivos foram inscritos apenas em Brasília – DF) com a marca da ré, cujo registro encontra proteção em todo território nacional, não se extraindo da causa de pedir inserta na inicial (nem da sentença de procedência ou das contrarrazões da apelação) elementos demonstrativos de potencial confusão do público consumidor ou de associação indevida. 11. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente a Dra. KARLA APARECIDA DE SOUZA MOTTA, pela parte RECORRENTE: CONSTRUTORA IPÊ LTDA. Brasília (DF), 07 de novembro de 2019(Data do Julgamento) MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO Relator Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 3 de 4 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.494.306 - RJ (2014/0063195-5) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : CONSTRUTORA IPÊ LTDA ADVOGADOS : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S) - DF006558 JOSÉ CARDOSO DUTRA JUNIOR - DF013641 ADVOGADA : KARLA APARECIDA DE SOUZA MOTTA E OUTRO(S) - DF015286 ADVOGADOS : RACHEL REZENDE BERNARDES E OUTRO(S) - DF016376 FERNANDO HENRIQUE FONTES DOS REIS E OUTRO(S) - DF057513 RECORRIDO : YPÊ ENGENHARIA LTDA ADVOGADOS : LUIZ CARLOS SANCHEZ JIMENEZ E OUTRO(S) - SP075847 PAULO SÉRGIO MENDES DE CARVALHO - SP131979 JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES E OUTRO(S) - RJ002167A RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL REPR. POR : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 1. Construtora Ipê Ltda., em 25.11.2004, ajuizou ação ordinária em face de Ypê Engenharia Ltda. e do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, objetivando a declaração da nulidade do registro 817975152,para a marca mista "YPÊ", depositada em 11.08.1994 e concedida em 30.07.2002, para designar "serviços de cobertura de telhados, construção, supervisão de trabalhos de construção, construção e reparo de armazéns, edificações, limpeza de construções, impermeabilização de edificações, serviços de isolamento, de edificações". Na inicial, a autora narrou ser sociedade empresária limitada constituída em 14.03.1961, sendo pré-utente da expressão marcária "IPÊ", integrante do seu nome empresarial há mais de quarenta e três anos. Alegou que a sociedade ré, constituída em 13.01.1982, sem a devida autorização, depositou o pedido da marca "YPÊ" em 1994, que resultou em registro em 30.07.2002, na classe NCL(8) 37, referente a "construção civil; reparos; e serviços de instalação", mesmo segmento mercadológico da autora. Aduziu que a ré sabia de sua constituição anterior, sendo certo que a Lei de Propriedade Industrial veda o registro de sinal distintivo que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação indevida. Afirmou que, em virtude do depósito anterior da marca "YPÊ" pela ré, vem sendo prejudicada em seu processo de obtenção da marca mista "CONSTRUTORA IPÊ", depositado em 16.04.2003, malgrado a anterioridade de uso da citada expressão em Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 4 de 4 Superior Tribunal de Justiça seu nome empresarial. Assinalou que "o direito que emerge do primeiro 'prior in tempore, prior in jure', é da autora que sequer pode obter sua marca, termo integrante de seu nome de empresa, e ainda passou a ter que conviver com a sociedade ré, violadora de seus lídimos direitos à exclusividade da expressão marcária disputada" (fl. 8). Enfatizou que a Lei de Propriedade Industrial "privilegia o detentor do registro, mas concede ao pré-utente de boa-fé, que há pelo menos 6 (seis) meses usa marca idêntica, o direito de PRECEDÊNCIA AO REGISTRO" (fl. 9). Defendeu que "não parece razoável que possam coexistir no mercado consumidor, duas marcas escritas da mesma forma, visando o mesmo serviço, sem que venha afetar a clientela da outra, até mesmo porque, via de regra, a empresa constituída anteriormente, com maior tradição no mercado ficará prejudicada face à empresa constituída posteriormente, se aproveitando da publicidade e do marketing da sociedade anterior, dela se tornando o que se denomina no mercado 'aproveitamento parasitário de fama alheia', procedimento não equitativo, não tolerado pela legislação, por envolver forçosamente concorrência desleal e desvio de clientela" (fl. 10). O magistrado de piso julgou procedente a pretensão deduzida na inicial, declarando a nulidade do registro da marca "YPÊ", por ter constatado que "a autora utiliza a palavra "IPÊ" em seu nome empresarial desde a década de 60, ao passo que a ré utiliza a palavra em seu nome, e dentro da atividade coincidente com a da autora, desde 1996" (fl. 405). A ré foi condenada ao pagamento dos honorários advocatícios que foram fixados em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com base no § 4º do artigo 20 do CPC de 1973. Interposta apelação pela demandada, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região deu provimento ao reclamo e à remessa necessária, nos termos da seguinte ementa: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. APELAÇÃO. NOME EMPRESARIAL. MARCA. COLIDÊNCIA. ART. 124, INCISOS V E XXIII, LPI. 1. O sistema brasileiro de marcas adota o tipo atributivo, o que significa dizer que o direito de uso exclusivo sobre a marca e a consequente prerrogativa de impedir terceiros de utilizarem sinais iguais ou semelhantes em meio a produtos ou serviços congêneres são adquiridos através de um registro validamente expedido, e não pelo mero uso, conforme se dá nos países adeptos do sistema declarativo. Assim, a exclusividade sobre a utilização da marca cabe, em regra, a quem primeiro efetuar o registro perante a autarquia marcária. 2. In casu, embora a constituição da autora tenha se dado em 1961, ou seja, de forma bem anterior à constituição da ora apelante, foi esta quem diligenciou no sentido de registrar primeiro o signo em questão, tendo efetuado o depósito em 11/08/1994. Por outro lado, a autora somente o fez em 16/04/2003, mais de 9 (nove) anos após o depósito realizado pela ora apelante. 3. Nome comercial e marca estão submetidos a regimes jurídicos diferentes, com alcance e âmbitos de proteção diversos. O registro perante o INPI é o único que confere direito de exclusividade sobre um determinado signo com alcance nacional, considerando que o sistema adotado pela legislação Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 5 de 4 Superior Tribunal de Justiça pátria não privilegia o regime da ocupação ou da utilização prolongada como meio aquisitivo da propriedade de uma marca. Por outro lado, a tutela do nome comercial somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os Estados-membros, o que me parece não ter ocorrido no caso em tela. 4. O chamado direito de precedência, consagrado no art. 129, § 1º, da LPI ("Toda pessoa que, de boa-fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro"), assegura somente o direito de precedência ao registro e não o direito ao registro. O legislador, ao fazer a distinção descrita no aludido dispositivo, teve uma intenção clara e expressa, qual seja, a de que o direito somente pudesse ser exercido antes de haver registro, o que significa dizer que se trata de um direito a ser exercido no âmbito do processo administrativo instaurado perante o INPI. 5. É inaplicável ao caso vertente a proibição inserta no inciso XXIII do art. 124 da LPI, uma vez que as empresas em confronto são sediadas em regiões diferentes do Brasil, não sendo possível afirmar categoricamente que a ora apelante não poderia desconhecer, em razão de sua atividade, a anterior constituição da autora. A distância geográfica das sedes das aludidas, torna deveras remota a hipótese de que o público consumidor seja induzido a erro. É certo que qualquer uma das duas empresas pode crescer a ponto de se tornar uma empresa nacional, mas o presente julgamento há que ser realizado a partir do status quo deste momento. 6. Apelação e remessa necessária providas. Opostos embargos de declaração, foram rejeitados na origem. Nas razões do especial, fundado na alínea "a" do permissivo constitucional, a autora aponta violação dos artigos 124, incisos V, XIII e XXIII, 129, § 1º, e 175 da Lei 9.279/1996; 47, 50, 53, 128, 267, § 3º, 269, II, 460, 475, 515 e 535, I e II, do CPC de 1973. Em suma, defende: (i) a negativa de prestação jurisdicional, uma vez não sanadas as omissões, suscitadas nos aclaratórios, quanto às alegações de invalidade do registro obtido pela ré, de prevalência da anterioridade do registro do ato constitutivo da autora e o conhecimento da ré de que a atuação empresarial de ambas é no mesmo segmento de mercado, configurando, assim, concorrência desleal; e quanto à violação do rito processual pela ausência de aplicação dos efeitos legais do reconhecimento do pedido pelo INPI; (ii) ilegalidade no deslocamento do INPI, de ofício, da posição de assistente para a de litisconsorte passivo; (iii) que, sendo incontroverso nos autos que o INPI reconheceu o pedido da autora, formulando, inclusive, pedido de exclusão do polo passivo da lide, deveria ter sido julgado procedente o pedido da inicial; (iv) vício de julgamento extra petita; e (v) que, uma vez tido como inconteste que a recorrente usava a marca muitos anos antes de a recorrida depositá-la no INPI, deve predominar a anterioridadedo registro e não o depósito da marca, nos termos do artigo 124, V, da Lei de Propriedade Industrial, sendo certo que a similitude dos nomes gera confusão nos consumidores, pois as sociedades atuam no mesmo segmento de Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 6 de 4 Superior Tribunal de Justiça mercado. Foram apresentadas contrarrazões pelo INPI, corroborando as razões recursais. A Ypê Engenharia, por sua vez, deixou transcorrer in albis o prazo para contraditar. O apelo extremo recebeu crivo negativo de admissibilidade na origem, mas, por força do provimento do AREsp 491.129/RJ, determinou-se a conversão dos autos. É o relatório. Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 7 de 4 Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 1.494.306 - RJ (2014/0063195-5) RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO RECORRENTE : CONSTRUTORA IPÊ LTDA ADVOGADOS : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S) - DF006558 JOSÉ CARDOSO DUTRA JUNIOR - DF013641 ADVOGADA : KARLA APARECIDA DE SOUZA MOTTA E OUTRO(S) - DF015286 ADVOGADOS : RACHEL REZENDE BERNARDES E OUTRO(S) - DF016376 FERNANDO HENRIQUE FONTES DOS REIS E OUTRO(S) - DF057513 RECORRIDO : YPÊ ENGENHARIA LTDA ADVOGADOS : LUIZ CARLOS SANCHEZ JIMENEZ E OUTRO(S) - SP075847 PAULO SÉRGIO MENDES DE CARVALHO - SP131979 JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES E OUTRO(S) - RJ002167A RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL REPR. POR : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL EMENTA RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSTULANDO A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO REGISTRO DA MARCA MISTA "YPÊ". PROPRIEDADE INDUSTRIAL. QUALIDADE DA INTERVENÇÃO DO INPI NO CASO CONCRETO. COLIDÊNCIA ENTRE NOME EMPRESARIAL (PRECEDENTE) E MARCA. 1. A definição da qualidade da intervenção do INPI na ação de nulidade de registro de marca perpassa pela análise da causa de pedir, sempre levando em conta que a pretensão em comento encarta, principalmente, o interesse público, impessoal, de fiscalização e regulação da propriedade industrial, com o necessário estímulo ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país, assegurando-se a livre iniciativa, a observância da função social da propriedade e a proteção do mercado consumidor. Precedente: REsp 1.264.644/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28.06.2016, DJe 09.08.2016. Hipótese em que a atuação processual autárquica deu-se a título de intervenção sui generis, de assistente especial (ou até como amicus curiae), inclusive por se dar de forma obrigatória e tendo a presunção absoluta de interesse na causa. Não caracterizado o litisconsórcio passivo necessário apontado pelo Tribunal de origem. 2. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) adotou o sistema atributivo mitigado da propriedade marcária, estabelecendo a necessidade de registro como regra, mas atribuindo "direito de precedência" ao utente de boa-fé, consoante se extrai do artigo 129. 3. Consoante assente em precedentes da Terceira Turma, revela-se possível o exercício do direito de precedência mesmo após a concessão do registro da marca (ou seja, no bojo de ação judicial de nulidade), desde que observado o principio da especialidade, positivado no inciso XIX do artigo 124 da Lei 9.279/1996, que preconiza a possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins não suscetíveis de causar Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 8 de 4 Superior Tribunal de Justiça associação indevida ou confusão no mercado consumidor (REsp 1.673.450/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.09.2017, DJe 26.09.2017; e REsp 1.464.975/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 01.12.2016, DJe 14.12.2016). 4. A tutela do nome comercial, no âmbito da propriedade industrial, assim como a marca, tem como fim maior obstar o proveito econômico parasitário, o desvio de clientela e a proteção ao consumidor. 5. Não obstante, as formas de proteção a tais institutos não se confundem. Em razão do chamado princípio da territorialidade, a tutela do nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa de competência da junta comercial em que inscritos os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional caso seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas do país (artigo 1.166 do Código Civil). 6. Por sua vez, o registro da marca confere ao titular o direito de uso exclusivo do signo em todo o território nacional e, consequentemente, a prerrogativa de compelir terceiros a cessarem a utilização de sinais idênticos ou semelhantes (artigo 129, caput, da Lei 9.279/96). 7. É certo que o inciso V do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial preceitua a irregistrabilidade de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos. 8. Contudo, o exame da colidência entre o nome empresarial e a marca não se restringe ao direito de precedência, afigurando-se necessário levar em consideração o princípio da territorialidade supracitado (artigo 1.166 do Código Civil), além do princípio da especialidade (possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins não suscetíveis de causar associação indevida ou confusão no mercado consumidor). 9. No presente caso, como é incontroverso nos autos: (a) ambas as partes atuam no mesmo segmento de mercado – prestação de serviços de construção e engenharia –, malgrado tenham sede em regiões diferentes do Brasil (a autora em Brasília - DF e a ré em São Paulo - SP); (b) embora a constituição da autora (CONSTRUTORA IPÊ LTDA.) tenha se dado em 1961, bem antes da constituição da ré (YPÊ ENGENHARIA LTDA.), foi esta quem diligenciou no sentido de registrar o signo em questão ("YPÊ"), tendo efetuado o depósito em 11.08.1994; (c) somente nove anos depois (em 16.04.2003), a autora fez o depósito do pedido de registro da marca "CONSTRUTORA IPÊ"; e (d) a demandante não realizou o registro complementar de seus atos constitutivos nas Juntas Comerciais de todos os Estados da Federação. 10. Nesse quadro, sem olvidar o direito de precedência alegado pela autora, constata-se que o deslinde da controvérsia resolve-se à luz dos princípios da territorialidade e da especialidade, não merecendo reparo o Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 9 de 4 Superior Tribunal de Justiça acórdão regional que pugnou pela possibilidade de coexistência do nome da sociedade empresária (cujos atos constitutivos foram inscritos apenas em Brasília – DF) com a marca da ré, cujo registro encontra proteção em todo território nacional, não se extraindo da causa de pedir inserta na inicial (nem da sentença de procedência ou das contrarrazões da apelação) elementos demonstrativos de potencial confusão do público consumidor ou de associação indevida. 11. Recurso especial não provido. VOTO O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator): 2. A preliminar de negativa de prestação jurisdicional não comporta acolhida. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, verifica-se que a controvérsia sobre a regularidade do registro da marca "IPÊ" foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário ao defendido pela recorrente. Desse modo, não há falar em ofensa ao artigo 535 do CPC de 1973. 3. No que diz respeito à qualidade da participação do INPI na presente ação de nulidade de registro de sinal marcário, verifica-se que o magistrado de piso deferiu o pedido da autarquia federal no sentido de ser considerada assistente litisconsorcial da autora. Confira-se: Quanto à preliminar levantada pelo INPI, para que este juízo acolha sua exclusão do pólo passivo,na condição de réu, para participação na qualidade de assistente litisconsorcial da autora. DEFIRO o pedido em questão, considerando que a autarquia é parte interessada no pedido de anulação de registro de marca. (fl. 405) O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por sua vez, reformou, de ofício, tal conclusão da sentença, pelos seguintes fundamentos: Preliminarmente, cabe salientar que, não obstante tenha a Juíza a quo deferido a preliminar arguida pelo INPI no sentido de sua exclusão do pólo passivo, deferindo a sua participação na qualidade de assistente litisconsorcial da autora, entendo que a sua correta posição é a de réu, eis que a circunstância de o direito em discussão, nas ações de nulidade de patente ou de registro, decorrer de ato administrativo praticado pelo INPI implica necessariamente que este integre o feito na qualidade de litisconsorte passivo, necessário e unitário. Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 10 de 4 Superior Tribunal de Justiça Nesse sentido, colaciono relevante lição inserta no livro "Comentários à Lei de Propriedade Industrial", do IDS - Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual, Editora Renovar, página 340: "(...) ao conceder, em favor de particular, direito de propriedade industrial, a administração, por meio de seu órgão competente, o INPI adota um posicionamento, resultado da manifestação de sua vontade. Destarte, torna-se ela responsável pela validade e eficácia desse direito, de que é beneficiário o respectivo titular. Portanto, a responsabilidade do INPI no caso de constituição de direito de propriedade industrial que infringe disposição legal é direta, e, como tal, é ele entidade diretamente interessada na ação de nulidade." Definida, pois, a posição do INPI no feito, impõe-se o exame da remessa necessária. De acordo com a recorrente, foi "manifestamente ilegal o deslocamento do INPI, de ofício, da posição de assistente para a de litisconsorte passivo", já que a lei determina a intervenção da autarquia sem especificar que o seja na condição de ré, revelando-se, portanto, descabida a regra processual da remessa necessária (duplo grau de jurisdição obrigatório). 3.1. No ponto, como sabido, a Lei 9.279/96 (LPI) regula os direitos e as obrigações relativos à propriedade industrial, definindo, ainda, o procedimento a ser adotado nas ações de nulidade de registro de marcas, patentes e desenho industrial (artigos 57, 118 e 175). Em qualquer das pretensões, segundo a norma, deverá ocorrer a intervenção do INPI, autarquia federal responsável pelo aperfeiçoamento, pela disseminação e pela gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual. No tocante à nulidade do registro de marca, estabelece o caput do artigo 175 da LPI que: Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito. § 1º O prazo para resposta do réu titular do registro será de 60 (sessenta) dias. § 2º Transitada em julgado a decisão da ação de nulidade, o INPI publicará anotação, para ciência de terceiros. Como se vê, a referida ação poderá ser proposta tanto pelo INPI como por qualquer outro interessado (artigo 173), sendo que a autarquia, em não sendo a requerente, intervirá obrigatoriamente no feito, sob pena de nulidade. 3.2. Nessa ordem de ideias, surge a tormentosa discussão, tanto no âmbito da doutrina como da jurisprudência, acerca da posição que o INPI deve assumir em juízo, quando instado a intervir nessas ações de nulidade de registro ou patentes: (a) se intervirá na qualidade de litisconsorte passivo necessário; (b) se será como assistente simples ou Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 11 de 4 Superior Tribunal de Justiça litisconsorcial do réu; (c) ou, ainda, como amicus curiae ou como assistente especial (inominado ou propriamente dito). Sobre o tema, esta Quarta Turma, por ocasião do julgamento do Recurso Especial 1.264.644/RS (julgado em 28.06.2016, DJe 09.08.2016), consignou que a definição da qualidade dessa intervenção perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade de registro de marca, sempre levando em conta que a pretensão em comento encarta, principalmente, o interesse público, impessoal, de fiscalização e regulação da propriedade industrial, com o necessário estímulo ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país, assegurando-se a livre iniciativa, a observância da função social da propriedade e a proteção do mercado consumidor. Desse modo: (...) tem-se que o INPI, ao ajuizar a ação anulatória, por óbvio, atuará na qualidade de autor, não havendo qualquer divergência sobre sua posição processual. A problemática surge quando a autarquia é instada a atuar nos processos de anulação de outrem, devendo, para a definição de sua posição processual, atentar-se para a causa de pedir. No momento em que é chamada a intervir no feito, em razão de vício inerente ao próprio registro, é intuitivo que a autarquia federal deve ser citada na condição de litisconsórcio passivo necessário, juntamente com o particular que tenha se apropriado do bem móvel objeto do ato e dele se beneficiado, uma vez que a pretensão do autor estará, em última análise, questionando a indevida atuação da administração pública no seu mister. Em outros termos, a pretensão será pela declaração de nulidade do ato, em razão de vício no processo registral. (...) (...) a patente ou marca não se confundem com o ato administrativo do registro, apesar deste ser pressuposto para aqueles, sendo institutos diversos, como se verifica no ato do registro de imóveis ou outros atos de registro público. Por outro lado, quando a causa de pedir da anulatória for a desconstituição da própria marca, desenho industrial ou patente, isto é, quando não houver questionamento sobre o vício do processo administrativo de registro propriamente dito, mas discussão sobre algum defeito intrínseco do bem incorpóreo, nessa situação, o INPI intervirá como assistente especial, numa atuação muito similar ao amicus curiae. Deveras, o interesse da autarquia, nesse momento, é bem diverso do interesse do particular sobre a propriedade imaterial do bem. Não intervirá para defender a legalidade do ato administrativo de concessão, sendo indiferente quem venha a sair vencedor da contenda, mas sim se a pretensão está de acordo com a lei e com o interesse público. Atuará, em verdade, fornecendo ao juízo elementos importantes para o deslinde da controvérsia, pois apesar de ter interesse em custodiar e preservar a integridade de certos direitos, juridicamente Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 12 de 4 Superior Tribunal de Justiça o direito declarado, homologado ou constituído não é da Administração Pública. (REsp 1.264.644/RS) Eis a ementa do citado julgado: RECURSO ESPECIAL. DIREITO MARCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PRETENSÃO DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. ATUAÇÃO OBRIGATÓRIA DO INPI. ART. 175 DA LEI 9.279/96. POSIÇÃO PROCESSUAL. QUALIDADE DA INTERVENÇÃO. CAUSA DE PEDIR DA AÇÃO. LITISCONSORTE PASSIVO OU ASSISTENTE ESPECIAL (INTERVENÇÃO SUI GENERIS). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS PELA ATUAÇÃO COMO ASSISTENTE ESPECIAL. 1. O art. 175 da Lei n. 9.279/96 prevê que, na ação de nulidade do registro de marca, o INPI, quando não for autor, intervirá obrigatoriamente no feito, sob pena de nulidade, sendo que a definição da qualidade dessa intervenção perpassa pela análise da causa de pedir da ação de nulidade. 2. O intuito da norma, ao prever a intervenção da autarquia, foi, para além do interesse dos particulares (em regra, patrimonial), o de preservar o interesse público, impessoal, representado pelo INPI na execução, fiscalização e regulação da propriedade industrial. 3. No momento em que é chamadoa intervir no feito em razão de vício inerente ao próprio registro, a autarquia federal deve ser citada na condição de litisconsórcio passivo necessário. 4. Se a causa de pedir da anulatória for a desconstituição da própria marca, algum defeito intrínseco do bem incorpóreo, não havendo questionamento sobre o vício do processo administrativo de registro propriamente dito, o INPI intervirá como assistente especial, numa intervenção sui generis, em atuação muito similar ao amicus curiae, com presunção absoluta de interesse na causa. 5. No tocante aos honorários, não sendo autor nem litisconsorte passivo, mas atuando na condição da intervenção sui generis, não deverá o INPI responder pelos honorários advocatícios, assim como ocorre com o assistente simples. 6. Recurso especial provido. (REsp 1.264.644/RS) No caso concreto, verifica-se que a causa de pedir, que embasou o pedido de nulidade de registro de marca, foi o fato de este ter sido, supostamente, obtido de forma ilegal, por reproduzir elemento característico/diferenciador de nome de sociedade anteriormente constituída, suscetível de causar confusão ou associação indevida. Na peça vestibular, a autora chegou a destacar a impossibilidade de se responsabilizar o INPI pela concessão do registro de marca combatida, por inexistir interação entre o Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC) – que coordena as Juntas Comerciais de todo o Brasil – e o sistema de registro de marca da autarquia. Consequentemente, a atuação processual autárquica, nos presentes autos, deu-se a título de intervenção sui generis, como assistente especial (ou até como amicus curiae), inclusive por se dar de forma obrigatória e tendo em vista a presunção absoluta de interesse na causa. Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 13 de 4 Superior Tribunal de Justiça Nesse quadro, diferentemente do consignado pelo Tribunal de origem, o INPI não figura, nos autos, como litisconsorte passivo necessário, não podendo sequer ser condenado em honorários advocatícios em caso de procedência da pretensão autoral, consoante assente no julgado da Quarta Turma supracitado. 3.3. Nessa linha de entendimento, considero inaplicável a prerrogativa do reexame necessário (artigo 475 do CPC de 1973 e artigo 496 do CPC de 2015) à espécie, pois a sentença de procedência da pretensão de nulidade do registro, à luz da causa de pedir constante da inicial, não ensejou a sucumbência da autarquia federal, que, inclusive, defendeu a irregularidade do registro da marca, após tomar conhecimento da insurgência da autora. Tal inferência, contudo, somente tem o condão de tornar relevante o debate sobre o vício de julgamento extra petita. 3.4. Com efeito, sobressai a alegação da recorrente de que, uma vez inaplicável a regra do reexame obrigatório à espécie, o decisum impugnado teria incorrido em vício de julgamento extra petita, pois "o recurso de apelação interposto pela recorrida Ypê Engenharia limitou-se a alegar a distinção da marca 'em sua composição final', nada aduzindo a respeito do critério cronológico de uso da marca, suscitado de forma inédita" pelo Tribunal regional (fl. 519). Nada obstante, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que "à luz dos artigos 128 e 460 do CPC/73, atuais, 141 e 492 do CPC/15, o vício de julgamento extra petita não se vislumbra na hipótese do juízo a quo, adstrito às circunstâncias fáticas (causa de pedir remota) e ao pedido constante nos autos, proceder à subsunção normativa com amparo em fundamentos jurídicos diversos dos esposados pelo autor e refutados pelo réu"(AgInt nos EDcl no AREsp 1.138.095/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 19.03.2019, DJe 26.03.2019). Ademais, o artigo 515 do CPC de 1973 consigna que o recurso de apelação é dotado de efeito devolutivo, permitindo ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, podendo adotar o enquadramento jurídico que entender de direito à solução da lide, não se encontrando limitado nem pelos fundamentos jurídicos adotados na sentença nem pelos suscitados pelas partes. No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. ART. 492 DO NCPC. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO CONFIGURADO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PAGAMENTO DE ENCARGOS MORATÓRIOS. PREVISÃO CONTRATUAL. SÚMULA 7/STJ. 1. Não configurada a ofensa apontada ao artigo 492 do NCPC, porquanto o vício de julgamento extra petita não ocorre na hipótese do Juízo a quo, adstrito às circunstâncias fáticas (causa de pedir remota) e ao pedido constante nos autos, proceder à subsunção normativa com amparo em Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 14 de 4 Superior Tribunal de Justiça fundamentos jurídicos diversos dos esposados pelo autor e refutados pelo réu. 2. O julgador não viola os limites da causa quando reconhece os pedidos implícitos formulados na inicial, não estando restrito apenas ao que está expresso no capítulo referente aos pedidos, sendo-lhe permitido extrair da interpretação lógico-sistemática da peça inicial aquilo que se pretende obter com a demanda, aplicando o princípio da equidade. (...) 4. Recurso Especial não provido. (REsp 1.782.130/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 14.05.2019, DJe 29.05.2019) ------------------------------------------------------------ AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. DOENÇA CARDÍACA GRAVE. PERÍCIA MÉDICA QUE CONSTATOU A GRAVIDADE DA PATOLOGIA E A IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE TAXISTA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. "O art. 515 do CPC consigna que o recurso de apelação é dotado de efeito devolutivo, permitindo ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada, podendo adotar o enquadramento jurídico que entender de direito à solução da lide, não se encontrando limitado nem pelos fundamentos jurídicos adotados na sentença nem pelos suscitados pelas partes" (AgInt no AREsp 1.179.037/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2018, DJe de 02/04/2018). (...) 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.496.719/SC, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 11.06.2019, DJe 28.06.2019) Na hipótese, a ora recorrida, nas razões da apelação, ao se insurgir contra a sentença de procedência da pretensão de nulidade do registro de marca, discorreu sobre a possibilidade de convivência dos sinais distintivos ("CONSTRUTORA IPÊ" versus "YPÊ"), ante a inexistência de risco de erro, dúvida ou confusão no mercado consumidor, além de ter apontado a diferença entre os trade dresses de ambas. Ao final, a ré consignou que a simples questão cronológica – ou seja, ter a autora utilizado a palavra "IPÊ" antes do registro da marca "YPÊ" – não justificaria, por si só, o cancelamento do registro. O Tribunal de origem, entre outros fundamentos, considerou que a distância geográfica das sedes das sociedades empresárias litigantes torna deveras remota a hipótese de que o público consumidor ser induzido a erro, afastando, desse modo, o argumento da autora de colidência das marcas. Nesse cenário, não se vislumbra o vício de julgamento extra petita alegado pela recorrente. 3.5. De outro lado, o fato de o INPI – que não figura como réu nos presentes autos – ter pleiteado o reconhecimento do direito alegado pela autora não se revela apto, por óbvio, a atrair o disposto no inciso II do artigo 269 do CPC de 1973, segundo o qual: Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 15 de 4 Superior Tribunal de Justiça Art. 269. Haverá resolução de mérito: (...) II - quando o réu reconhecer a procedência do pedido; (...) Ainda que assim não fosse, a existência de corré – a sociedade empresária titular da marca registrada – também inviabilizaria talconclusão. Nesse ponto, também não merece reforma o acórdão regional. 4. No que diz respeito à alegada nulidade do registro da marca mista "YPÊ", na categoria de "serviços de engenharia", tendo em vista a precedência de uso do nome empresarial "CONSTRUTORA IPÊ" por sociedade distinta, situada em outro Estado da Federação, cumpre, de início, transcrever os fundamentos adotados na sentença que julgou procedente a pretensão autoral: O presente caso diz respeito ao embate entre a autora e a ré no uso da expressão "Ipê" para distinguir seus serviços de engenharia. Consoante de verifica dos contratos sociais das empresas, o segmento mercadológico em que atuam é idêntico: construção civil. Os mesmos signos distintivos utilizados pelas empresas são causa de confusão entre os clientes dos serviços prestados. A ré sustenta que as empresas atuam em regiões diferentes (Brasília e São Paulo) e que, em virtude disto, não haveria possibilidade de confusão decorrentes da utilização do nome "Ipê". Entretanto, o fato de, atualmente, as empresas atuarem em diferentes Estados do Brasil, não significa dizer que elas irão restringir suas atuações a essas regiões para todo o sempre. Há o potencial de qualquer uma das duas ampliar seu território de atuação, o que causaria enorme conflito de interesses e confusão entre os clientes. Dispõe a Lei n° 9.279/96 que; Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) V - reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos; Dessume-se dos documentos constantes nos autos que a autora utiliza a palavra "Ipê" em seu nome empresarial desde a década de 60, ao passo que a ré utiliza a palavra em seu nome, e dentro da atividade coincidente com a da autora, desde 1996 (fls. 208/212). Em 2002, a ré obteve registro da marca "Ypê" para ser associada aos serviços de engenharia prestados, o que, em princípio, garantir-lhe-ia a utilização exclusiva da expressão, não fosse o fato de enquadrar-se no dispositivo legal acima transcrito. Em casos tais, em que há colidência de utilização da mesma expressão como marca registrada e nome empresarial de outrem, há de se observar a precedência cronológica. Outro não é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 2ª Região: (...) Na ordem cronológica da situação em comento, foi a autora quem Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 16 de 4 Superior Tribunal de Justiça primeiro fez uso da palavra "Ipê" em seu nome empresarial, razão pela qual a marca "Ypê" da ré não poderia ter sido registrada para distinguir os serviços do mesmo segmento mercadológico da autora. Sendo assim, a nulidade do registro da marca da ré é patente, como mesmo reconhece o INPI, devendo, portanto, o pedido autoral ser provido. (fls. 405/407) O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, além de conhecer da apelação da ré, considerou cabida remessa necessária, dando-lhes provimento para julgar improcedente a pretensão de nulidade, mantendo válido, em consequência, o registro 817975152, relativo à marca mista "YPÊ", concedida para a classe NCL(8) 37, de titularidade da empresa YPÊ ENGENHARIA LTDA, nos seguintes termos: No caso em tela, a autora, ora apelante - CONSTRUTORA IPÊ LTDA. - ajuizou ação ordinária objetivando a nulidade do registro n° 817975152, relativo à marca mista "YPÊ", de titularidade da empresa YPÊ ENGENHARIA LTDA. Sustenta, para tanto, a violação ao inciso V do art. 124 da LPI, que veda o registro de elementos definidores de nome de empresa ou título de estabelecimento quando pertencentes a terceiros e na medida em que o emprego possa gerar situações de confusão ou associação. Além disso, alega que a marca em tela incide na proibição trazida pelo inciso XXIII do mesmo dispositivo, que prevê que não se deve levar a registro "sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade, cujo titular seja sediado ou domiciliado em território nacional ou em pais com o qual o Brasil mantenha acordo ou que assegure reciprocidade de tratamento, se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia". Com efeito, a hipótese sob exame guarda certas peculiaridades. Da análise dos autos, evidencia-se que a empresa brasiliense CONSTRUTORA IPÊ LTDA., ora apelada, foi constituída no ano de 14/03/1961 (fls. 23), enquanto que os atos constitutivos da empresa apelante datam de 1981 - quando ainda adotava a denominação social IPÊ ADMINISTRAÇÃO DE NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS S/C LTDA (fls. 208). Ora, a anterioridade da constituição da autora não lhe confere, por si só, o direito ao registro do signo "YPÊ". Tal conclusão decorre do fato de que o sistema brasileiro de marcas adota o tipo atributivo, o que significa dizer que o direito de uso exclusivo sobre a marca e a conseqüente prerrogativa de impedir terceiros de utilizarem sinais iguais ou semelhantes em meio a produtos ou serviços congêneres são adquiridos através de um registro validamente expedido, e não pelo mero uso, conforme se de dá nos países adeptos do sistema declarativo. Assim, a exclusividade sobre a utilização da marca cabe, em regra, a quem primeiro efetuar o registro perante a autarquia marcária. In casu, embora a constituição da autora tenha se dado em 1961, ou seja, de forma bem anterior à constituição da ora apelante, foi esta Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 17 de 4 Superior Tribunal de Justiça quem diligenciou no sentido de registrar primeiro o signo em questão, tendo efetuado o depósito em 11/08/1994. Por outro lado, a autora somente o fez em 16/04/2003, mais de 9 (nove) anos após o depósito realizado pela ora apelante. Nessa seara, cabe observar, ainda, que nome comercial e marca estão submetidos a regimes jurídicos diferentes, com alcance e âmbitos de proteção diversos. (...) Assim, o registro perante o INPI é o único que, como já mencionado, confere direito de exclusividade sobre um determinado signo com alcance nacional, considerando que o sistema adotado pela legislação pátria não privilegia o regime da ocupação ou da utilização prolongada como meio aquisitivo da propriedade de uma marca. Por outro lado, a tutela do nome comercial somente ocorre em âmbito nacional mediante registro complementar nas Juntas Comerciais de todos os Estados-membros, o que me parece não ter ocorrido no caso em tela. Faz-se mister notar, ainda, que o chamado direito de precedência, consagrado no art. 129, § 1º, da LPI ("Toda pessoa que, de boa-fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro"), assegura somente o direito de precedência ao registro e não o direito ao registro. A meu ver, o legislador, ao fazer a distinção descrita no aludido dispositivo, teve uma intenção clara e expressa, qual seja, a de que o direito somente pudesse ser exercido antes de haver registro, o que significa dizer que se trata de um direito a ser exercido no âmbito do processo administrativo instaurado perante o INPI. Assim, com a conclusão do procedimento administrativo e a concessão do registro, sem que tenha havido qualquer oposição por parte do detentor do direito de precedência, não cabe invocá-lo para anular judicialmente o registro de outrem, ante a ocorrência de preclusão. A mens legis é a de que se o direito de precedência não for exercido administrativamente, o INPI não tem efetivamente como saber se há alguém se utilizando do signo antes do pedido de registro. Por derradeiro, creio ser inaplicável ao caso vertente aproibição inserta no inciso XXIII do art. 124 da LPI, uma vez que as empresas em confronto são sediadas em regiões diferentes do Brasil, não sendo possível afirmar categoricamente que a ora apelante não poderia desconhecer, em razão de sua atividade, a anterior constituição da autora. Tal circunstância, qual seja, a distância geográfica das sedes das aludidas, torna deveras remota a hipótese de que o público consumidor seja induzido a erro. Descabe, ainda, o fundamento utilizado pela magistrada sentenciante no sentido de que haveria o potencial risco de que qualquer uma das duas empresas amplie seu território de atuação, o que supostamente poderia causar confusão ou equívoco no público consumidor. Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 18 de 4 Superior Tribunal de Justiça Ora, é certo que qualquer uma das duas empresas pode crescer a ponto de se tornar uma empresa nacional, mas o presente julgamento há que ser realizado a partir do status quo deste momento. (fls. 440/444) Nesse passo, é bem de ver que a Constituição da República de 1988 enumerou, entre os direitos e as garantias fundamentais, a proteção à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País (inciso XXIX do artigo 5º). Assim como definido pela Lei 9.279/96, a marca é sinal distintivo visualmente perceptível ou combinação de sinais, capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor, distinguindo-os de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa. Cuida-se de bem imaterial, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o privilégio de uso ou exploração, sendo regido, entre outros, pelos princípios constitucionais de defesa do consumidor e de repressão à concorrência desleal. Nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas visa, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço. De outra banda, tem por escopo evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. Consoante reconhecido pela doutrina nacional e estrangeira, há, pelo menos, quatro funções das marcas: (a) identificar o produto ou serviço, distinguindo-o do congênere existente no mercado; (b) assinalar a origem e a procedência do produto ou serviço; (c) indicar que o produto ou serviço identificado possui o mesmo padrão de qualidade; e (d) funcionar como instrumento de publicidade, configurando importante catalisador de vendas. Outrossim, importante assinalar que a aquisição do direito de exclusividade sobre a marca rege-se por três sistemas jurídicos: (i) atributivo, que exige a formalidade do registro da marca para conferir a propriedade e a respectiva proteção ao titular, revelando-se insuficiente o mero uso do sinal no mercado; (ii) declarativo, no qual se reconhece a proteção àquele que comprovar ter sido o primeiro a utilizar o sinal distintivo, o que é chamado de "ocupação" pela doutrina; e (iii) misto, hipótese em que a proteção pode advir do registro ou da ocupação. A Lei 5.772/1971, que instituiu o antigo Código de Propriedade Industrial, adotou explicitamente o sistema atributivo ao garantir a propriedade da marca e seu uso exclusivo no território nacional somente àquele que obtivesse o registro junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, autarquia federal vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 19 de 4 Superior Tribunal de Justiça Exterior e Serviços. A atual Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), por sua vez, adotou o sistema atributivo mitigado da propriedade marcária, estabelecendo a necessidade de registro como regra, mas atribuindo "direito de precedência" ao utente de boa-fé, consoante se extrai do artigo 129, verbis: Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148. § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro. § 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento. Sobre o direito de precedência do utente de boa-fé, colhe-se o seguinte trecho de doutrina abalizada: Uma das maiores inovações da nova Lei está no § 1º deste artigo, que introduziu o denominado "direito de precedência", segundo o qual o utente de boa-fé pode, sob determinadas condições, fazer prevalecer o uso anterior sobre pedido de registro depositado, impugnando-o com base no uso anterior. (...) Para reivindicar o direito de precedência previsto no dispositivo, o interessado deve cumprir alguns requisitos. O principal é demonstrar que já utilizava, de boa-fé, marca idêntica ou semelhante para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico ou afim há, pelo menos, seis meses, na data do pedido de registro no Brasil ou da prioridade. Mas qual a amplitude do uso que deve ser comprovada? A doutrina e a jurisprudência são uníssonas no sentido de que o uso deve se dar em escala comercial. Utilizações esporádicas ou casuais, portanto, não são suficientes para conferir a prerrogativa inerente ao direito de precedência, sendo estritamente necessário que o requerente prove que vem utilizando a marca em meio a uma atividade comercial devidamente estabelecida. Do contrário, correr-se-ia o risco de se criar uma indústria de "reserva de marcas", na qual utentes meramente nominais ou casuais poderiam impugnar pedidos de registro de terceiros que efetivamente pretendem estabelecer um comércio sobre o signo distintivo, o que, além de não se coadunar com os ideais de justiça, estariam em pleno desacordo com os princípios norteadores do Direito marcário. Outro requisito a ser cumprido pelo requerente é a efetivação do depósito de um pedido de registro para a marca sobre a qual se reivindica direito de precedência. Embora a obrigatoriedade de tal depósito não tenha sido expressamente prevista pelo legislador, entendemos que ela está Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 20 de 4 Superior Tribunal de Justiça implicitamente contida na sistemática vigente. Adotar entendimento diverso seria não só distorcer a norma contida no dispositivo, como também olvidar-se da regra geral que, como visto, preconiza o sistema atributivo de direitos. Logo, se o requerente não comprovar o depósito após o oferecimento da impugnação, esta não deve sequer ser conhecida pelo INPI. Questão controversa diz respeito ao momento em que o direito de precedência deve ser exercido. Alguns doutrinadores entendem que, por ser um mero direito de precedência, deva ele ser exercido obrigatoriamente antes da concessão do registro, ou seja, quando do oferecimento da oposição ou mesmo via ação judicial que ataque o deferimento do pedido. No entender dessa corrente, portanto, não há que se falar em requerimento de nulidade administrativa ou em ação declaratória de nulidade de registro já concedido com base no referido direito. Corrente diversa, todavia, sustenta que a existência de um direito de precedência potencialmente exercitável vicia um registro eventualmente concedido, o que daria a um pedido de nulidade administrativa com base no artigo 168 ou mesmo uma açãojudicial de nulidade, respaldada, entre outros, na norma do inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". (Comentários à lei de propriedade industrial. IDS - Instituto Dannemann Siemsen de Estudos Jurídicos e Técnicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 299/300) (grifei) No ponto, os precedentes da Terceira Turma são no sentido de ser possível o exercício do direito de precedência mesmo após a concessão do registro da marca (ou seja, no bojo de ação judicial de nulidade), desde que observado o principio da especialidade, positivado no inciso XIX do artigo 124 da Lei 9.279/1996, que preconiza a possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins não suscetíveis de causar associação indevida ou confusão no mercado consumidor (REsp 1.673.450/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.09.2017, DJe 26.09.2017; e REsp 1.464.975/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 01.12.2016, DJe 14.12.2016). Na hipótese, sobressai a existência de conflito entre nome empresarial (de uso precedente) e marca cujo registro foi concedido pelo INPI. A tutela do nome comercial, no âmbito da propriedade industrial, assim como a marca, tem como fim maior obstar o proveito econômico parasitário, o desvio de clientela e a proteção ao consumidor. Não obstante, as formas de proteção a tais institutos não se confundem. Em razão do chamado princípio da territorialidade, a tutela do nome empresarial circunscreve-se à unidade federativa de competência da junta comercial em que inscritos os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional caso seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas do Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 21 de 4 Superior Tribunal de Justiça país. É o que dispõe o artigo 1.166 do Código Civil: Art. 1.166. A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado. Parágrafo único. O uso previsto neste artigo estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial. Por sua vez, o registro da marca confere ao titular o direito de uso exclusivo do signo em todo o território nacional e, consequentemente, a prerrogativa de compelir terceiros a cessarem a utilização de sinais idênticos ou semelhantes (artigo 129, caput, da Lei 9.279/96). Fábio Ulhôa Coelho, discorrendo sobre as diferenças entre marca e nome comercial, bem assevera: (...) a proteção conferida pela Junta Comercial ao nome se exaure nos limites do Estado a que ela pertence, enquanto que os efeitos do registro de marca são nacionais (CC, art. 1.166). Ou seja, o empresário sediado em Santa Catarina tem, a partir do arquivamento do seu ato constitutivo no registro de empresas, protegido o seu nome empresarial em todo o Estado catarinense. Se abrir filiais no paraná e no Rio Grande do Sul, terá neles a mesma proteção. Nenhum outro empresário poderá se estabelecer, ou abrir filial, com nome idêntico ou semelhante, nestes três Estados. Tais arquivamentos, contudo, não impedem que, em outro Estado da Federação (Rio de Janeiro, suponha-se), seja arquivado ato constitutivo com nome empresarial colidente. (...) Como o registro do nome empresarial tem abrangência estadual, e não nacional, os seus efeitos estão restritos aos Estados em que o empresário tem sede ou filial. Para estender a tutela ao país todo, ele deve providenciar o arquivamento de pedido de proteção ao nome empresarial, nas Juntas dos demais Estados (CC, art. 1.166, parágrafo único; IN-DNRC, n. 104, art. 11, §§ 1º e 2º). O mesmo não ocorre com a marca, que, registrada no INPI, estará protegida em todo o território brasileiro (e, até mesmo, nos demais países unionistas, se presentes as condições da Convenção de Paris). (Curso de Direito Comercial. Direito de Empresa, Vol. 1, 15ª ed.: Saraiva, São Paulo, 2011, p. 201) É certo que o inciso V do artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial preceitua a irregistrabilidade de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos. Contudo, o exame da colidência entre o nome empresarial e a marca não se restringe ao direito de precedência, afigurando-se necessário levar em consideração o princípio da territorialidade supracitado (artigo 1.166 do Código Civil), além do princípio da Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 22 de 4 Superior Tribunal de Justiça especialidade (possibilidade de coexistência de marcas semelhantes ou afins não suscetíveis de causar associação indevida ou confusão no mercado consumidor). Nesse diapasão: PROPRIEDADE INDUSTRIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTROS. CONFLITO ENTRE NOME EMPRESARIAL E MARCA. INSUFICIÊNCIA DO CRITÉRIO DE ANTERIORIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TERRITORIALIDADE. ART. 124, V, DA LEI 9.279/96. DIREITO DE PRECEDÊNCIA AO REGISTRO. POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO NA VIA JUDICIAL. CIRCUNSTÂNCIAS ESPECÍFICAS DO CONFLITO QUE, TODAVIA, RESULTAM NA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR FUNDAMENTO DIVERSO. COTEJO ANALÍTICO. NÃO REALIZADO. SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA. (...) 2- O propósito recursal é definir se os registros da marca FRANZ ALIMENTOS devem ou não ser anulados em virtude do nome empresarial anterior "CHOCOLATES FRANZ INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. - ME" e em razão do direito de precedência ao registro alegado pela recorrente. (...) 5- Para aferição de eventual colidência entre nome empresarial e marca e incidência da proibição legal contida no art. 124, V, da Lei 9.279/96, não se pode restringir-se à análise do critério de anterioridade, mas deve também se levar em consideração os princípios da especialidade e da territorialidade. Precedentes. (...) 9- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (REsp 1.673.450/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19.09.2017, DJe 26.09.2017) ---------------------------------------------------------------------- RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NOME COMERCIAL. MARCAS MISTAS. PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E ESPECIFICIDADE/ESPECIALIDADE. CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - CUP. (...) 3. A tutela ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território nacional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao sistema atributivo, sendo adquirida pelo registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, nos termos do art. 129, caput, e § 1º da Lei n. 9.279/1996. (REsp 1190341/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 28/02/2014 e REsp 899.839/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 01/10/2010). 4. O entendimento desta Corte é no sentido de que eventual colidência entre nome empresarial e marca não é resolvido tão somente sob a ótica do princípio da anterioridade do registro, devendo ser levado em conta ainda os princípios da territorialidade, Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 23 de 4 Superior Tribunal de Justiça no que concerne ao âmbito geográfico de proteção, bem como o da especificidade, quanto ao tipo de produto e serviço. (REsp 1359666/RJ, Rel. Ministra NANCYANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/06/2013). 5. No caso concreto, equivoca-se o Tribunal de origem ao afirmar que deve ser dada prioridade ao nome empresarial em detrimento da marca, se o arquivamento na junta comercial ocorreu antes do depósito desta no INPI. Para que a reprodução ou imitação de nome empresarial de terceiro constitua óbice a registro de marca, à luz do princípio da territorialidade, faz-se necessário que a proteção ao nome empresarial não goze de tutela restrita a um Estado, mas detenha a exclusividade sobre o uso em todo o território nacional. Porém, é incontroverso da moldura fática que o registro dos atos constitutivos da autora foi feito apenas na Junta Comercial de Blumenau/SC. 6. A Convenção da União de Paris de 1883 - CUP deu origem ao sistema internacional de propriedade industrial com o objetivo de harmonizar o sistema protetivo relativo ao tema nos países signatários, do qual faz parte o Brasil (<http://www.wipo.int/treaties/en>). É verdade que o art. 8º da dita Convenção estabelece que "O nome comercial será protegido em todos os países da União, sem obrigação de depósito ou de registro, quer faça ou não parte de uma marca de fábrica ou de comércio." Não obstante, o escopo desse dispositivo é assegurar a proteção do nome empresarial de determinada sociedade em país diverso do de sua origem, que seja signatário da CUP, e não em seu país natal, onde deve-se atentar às leis locais. (...) 11. Recurso especial provido. (REsp 1.184.867/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15.05.2014, DJe 06.06.2014) 5. No presente caso, consoante incontroverso nos autos: (a) ambas as partes atuam no mesmo segmento de mercado – prestação de serviços de construção e engenharia –, malgrado tenham sede em regiões diferentes do Brasil (a autora em Brasília - DF e a ré em São Paulo - SP); (b) embora a constituição da autora (CONSTRUTORA IPÊ LTDA.) tenha se dado em 1961, bem antes da constituição da ré (YPÊ ENGENHARIA LTDA.), foi esta quem diligenciou no sentido de registrar o signo em questão ("YPÊ"), tendo efetuado o depósito em 11.08.1994; (c) somente nove anos depois (em 16.04.2003), a autora fez o depósito do pedido de registro da marca "CONSTRUTORA IPÊ"; e (d) a demandante não realizou o registro complementar de seus atos constitutivos nas Juntas Comerciais de todos os Estados da Federação. Nesse quadro, sem olvidar o direito de precedência alegado pela autora, constata-se que o deslinde da controvérsia resolve-se à luz dos princípios da territorialidade e da especialidade, não merecendo reparo o acórdão regional que pugnou pela possibilidade de coexistência do nome da sociedade empresária (cujos atos constitutivos foram inscritos apenas em Brasília – DF) com a marca da ré, cujo registro encontra proteção em todo território nacional, não se extraindo da causa de pedir inserta na inicial (nem da sentença de Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 24 de 4 Superior Tribunal de Justiça procedência ou das contrarrazões da apelação) elementos demonstrativos de potencial confusão do público consumidor ou de associação indevida. 6. Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. É como voto. Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 25 de 4 Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO QUARTA TURMA Número Registro: 2014/0063195-5 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.494.306 / RJ Números Origem: 200451015348638 5348631420044025101 PAUTA: 07/11/2019 JULGADO: 07/11/2019 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PAULO EDUARDO BUENO Secretária Dra. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI AUTUAÇÃO RECORRENTE : CONSTRUTORA IPÊ LTDA ADVOGADOS : LUIZ ANTONIO BETTIOL E OUTRO(S) - DF006558 JOSÉ CARDOSO DUTRA JUNIOR - DF013641 ADVOGADA : KARLA APARECIDA DE SOUZA MOTTA E OUTRO(S) - DF015286 ADVOGADOS : RACHEL REZENDE BERNARDES E OUTRO(S) - DF016376 FERNANDO HENRIQUE FONTES DOS REIS E OUTRO(S) - DF057513 RECORRIDO : YPÊ ENGENHARIA LTDA ADVOGADOS : LUIZ CARLOS SANCHEZ JIMENEZ E OUTRO(S) - SP075847 PAULO SÉRGIO MENDES DE CARVALHO - SP131979 JOSÉ CARLOS TINOCO SOARES E OUTRO(S) - RJ002167A RECORRIDO : INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL REPR. POR : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Coisas - Propriedade - Propriedade Intelectual / Industrial - Marca SUSTENTAÇÃO ORAL Dr(a). KARLA APARECIDA DE SOUZA MOTTA, pela parte RECORRENTE: CONSTRUTORA IPÊ LTDA CERTIDÃO Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Documento: 1886054 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 18/12/2019 Página 26 de 4
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