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Filosofia das Ciências: Bases Epistemológicas da Psicopedagogia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira Epistemologias da Psicologia I • Introdução; • O Sistema de Wundt; • O Estruturalismo; • O Funcionalismo; • O Comportamentalismo ou Behavorismo; • A Teoria da Aprendizagem e a Teoria Cognitiva Social. • Estudar alguns conceitos basilares da epistemologia da Psicologia; • Conhecer as diferentes correntes psicológicas e suas propostas epistemológicas; • Observar as modifi cações epistemológicas da Psicologia no decorrer da história. OBJETIVOS DE APRENDIZADO Epistemologias da Psicologia I Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Epistemologias da Psicologia I Introdução Nesta unidade de nossa trajetória, estudaremos algumas epistemologias da psi- cologia. Nesse sentido, urge logo de saída uma pergunta importante: O que é Psicologia? Longe de esgotarmos essa pergunta com uma ou algumas repostas definitivas, nesse primeiro momento, apresentaremos uma reflexão importante do teórico George Canguilhem a respeito do assunto. Em seguida, apresentaremos algumas correntes psicológicas importantes para a definição do campo e suas con- sequentes bases epistemológicas. Etimologicamente, a palavra psicologia quer dizer ciência da alma, e isso já nos coloca diante de uma questão importante que será fruto de muitos debates: é possível produzir ciência a partir da alma, ou sobre a alma? Segundo Canguilhem (1958), na antiguidade grega, a alma era entendida como um ser natural. Nesse sentido, os sis- temas filosóficos compreendiam a alma em instâncias biológicas e físicas. Para Aristóteles, por exemplo, em seu tratado Da alma, a organização da alma não está dissociada da matéria, sendo assim, é tratada como física, como forma do corpo vivo. Essa categorização organiza a alma como um objeto de estudo da teoria da natureza, em que suas formas e manifestações não se distinguem das formas biológicas e físicas, como por exemplo, o desempenho dos sentidos humanos, ou mesmo de elementos internos de nossa constituição como memória e fantasia. De acordo com Canguilhem (1958), essa concepção aristotélica, embora não considerasse a psicologia como área de saber independente, ganha ressonância em experiências modernas do conhecimento psicológico, como a psicofisiologia e psicopatologia, ambas compreendidas como disciplinas médicas. Ainda segundo Canguilhem (1958), no final do século XVII, a psicologia enten- dida como parte das ciências naturais perde força e emerge uma psicologia como ciência da subjetividade. Esse tipo de psicologia tem estreita relação com os físicos mecanicistas do século XVIII. Para esses pensadores, as razões matemática e mecânica são os instrumen- tos da verdade, sendo esses os paradigmas que balizam o conhecimento e suas consequentes epistemologias. Nesse esquema de pensamento, a psicologia aparece como a ciência que tenta explicar aquilo que desvia o espírito do caminho da verdade, aquilo que falsifica o real. Ou seja, a psicologia aparece como uma ciência de validação da razão ma- temática e mecânica. Seus paradigmas partem do princípio de que o espírito, por natureza, atrapalha os sentidos e sua compreensão do real para aceder ao conheci- mento racional. Nesse sentido, a psicologia é uma espécie de ciência da explicação do engano, na qual seus parâmetros estão atrelados aos parâmetros físicos para a explicação da realidade. Desse modo, sua validação epistemológica se dá na medi- da interna da validação da própria física e sua capacidade científica de validar suas proposições de verdade. 8 9 Para Canguilhem (1958), essa psicologia é uma psicofísica por dois motivos: primeiro porque ela não se desvincula da física para ser aceita como ciência, e, segundo, porque os seus critérios de validação científica estão na natureza, nesse caso no corpo humano, que é a sede de resíduos que devem ser detectados para o acesso ao conhecimento da realidade. Pode parecer que essa concepção psicológica se referende pelos princípios aris- totélicos, pelo fato de ainda se vincular à física, contudo, essa psicologia subjetiva tende a proceder como a nova física, em que os padrões de conhecimento são balizados por cálculos. Esses elementos são aprofundados, sobretudo, com René Descartes, e a capaci- dade da psicologia se perfaz como a de estabelecer as diferenças qualitativas entre dados sensoriais a partir de figuras geométricas. O procedimento de atribuição de sentido para esses dados sensoriais é feito por analogia, onde sua manifestação é convencionada num corpo figurado alheio. Desse modo, o seu sentido está sempre fora de si; o sentido dessa psicologia subjetiva está sempre fora dela, em algum corpo, ou referência já conhecida. Assim como determinadas características aristotélicas se espraiaram, mesmo com diferenças, pelo tempo, essa perspectiva epistemológica da psicologia como ciência subjetiva, com seu sentido externo, também será desenvolvida posterior- mente, sobretudo por Wilhem Wundt, na estruturação de uma psicologia expe- rimental, na qual os “fatos da consciência” apareceriam como leis semelhantes àquelas da mecânica e da física para a validação de sua verdade. Embora a psicologia como ciência subjetiva tenha tido um importante referencial nessa linha do sentido externo, segundo Canguilhem (1958), ela não se reduziu a essa perspectiva. Houve também outro tipo de desenvolvimento, em que a psico- logia subjetiva se apresenta como a ciência da consciência de si ou a ciência do sentido interno. É no século XVIII que essa perspectiva ganha força e que o próprio termo Psicologia passa a aparecer como sendo a ciência do eu. Essa ciência tinha como influência, em tensão e oposição, o trabalho As Meditações, de René Descartes. A meditação tem um sentido fundamental para Descartes porque é por meio dela que o sujeito consegue se concentrar para acessar o interior. E é nesse proces- so de interiorização que se pode conectar com a alma, porque o interior cartesiano é a condição para o pensamento e o conhecimento que alma tem dela mesma. Esse conhecimento da almaé importante, e ele se dá por reflexão. A epistemo- logia cartesiana faz alusão ao olho e ao espelho para explicar seus paradigmas: a alma, assim como o olho, pode ver tudo, contudo, só pode ver a si mesma através do espelho. Desse modo a alma, para Descartes, só consegue se conhecer por meio de seu reflexo e pelo reconhecimento de seus efeitos. Os preceitos cartesianos ajudaram a construir, quer pelo seu desenvolvimento, quer por sua refutação, as bases da epistemologia moderna, sendo fundamentais 9 UNIDADE Epistemologias da Psicologia I para a afirmação da ciência moderna e também da psicologia como campo de saber. A seguir, estudaremos a consolidação da psicologia, bem como seu desen- volvimento múltiplo e diverso. Figura 1 – RAFAEL. Escola de Atenas, 1509-1511 Fonte: Wikimedia Commons O Sistema de Wundt Não é a intenção desta unidade atribuir um marco inaugural e inquestionável a respeito da afirmação da Psicologia como campo específico do saber. Contudo, al- guns parâmetros se fazem necessários, e se anteriormente estudamos algumas notas introdutórias para a compreensão epistemológica do campo, agora adentraremos por ele em seus conteúdos mais específicos e autodeclarados como psicológicos. Wilhem Wundt viveu entre os anos de 1832 e 1920, atravessando, portanto, o século XIX e adentrado o início do século XX, sendo considerado um dos pioneiros da Nova Psicologia europeia. Como dito anteriormente, a psicologia de Wundt é entendida como experimental, segundo Schultz & Schultz (1981), suas fontes me- todológicas referem-se às ciências naturais. Num processo de adaptação, Wundt inspirou-se nos campos da fisiologia e da filosofia de seu tempo para desenvolver seus métodos de investigação e tentar conceber seus objetos de estudo. A consciência é, para Wundt, seu objeto de estudo central, que ele acredita ser formada por elementos diferentes entre si que precisam ser investigados por análise ou redução. Em sua concepção, segundo Schultz & Schultz (1981), a consciência não se constitui de elementos estáticos, passíveis de algum processo mecânico de 10 11 associação, como acreditavam muitos empiristas e associacionistas. Para Wundt, a consciência tinha uma capacidade de se auto organizar, a que ele chamava de voluntarismo, no qual a vontade poderia ter o poder de organizar esses elementos distintos que estruturavam a mente. Desse modo, para compreender melhor o fun- cionamento da mente, da consciência, era preciso estudar os elementos em ação conjunta, e não separada, investigá-los no processo organizativo da consciência. Para Wundt, a psicologia deve se dedicar às experiências imediatas, que segun- do ele, não estariam mediadas pela interpretação. Sendo assim, seus pressupostos epistemológicos convergem para uma ciência que se pauta pela experiência cons- ciente, que só pode ser observada pela própria pessoa que passa pela experiência. Derivado dessa linha de raciocínio, o método utilizado é o da introspecção, que pode ser entendida como o exame do próprio estado mental. Com o objeto definido e seu método de apreensão, Wundt utilizava o laborató- rio como importante sede da pesquisa, formulando os objetivos de sua Psicologia Experimental, que são: • Analisar os processos conscientes até chegar aos seus elementos básicos; • Descobrir como esses elementos são sintetizados ou organizados; • Determinar as leis de conexão que governam sua organização. Embora tenha sido criticado, e até mesmo superado historicamente por outras correntes psicológicas, Wundt teve um papel importante no desenvolvimento inicial da psicologia experimental, organizando métodos e delimitando objetos, instituindo assim, as bases epistemológicas para o estudo da psicologia moderna. Figura 2 – POLLOCK, Jackson. Número 1A, 1948 Fonte: MoMA 11 UNIDADE Epistemologias da Psicologia I O Estruturalismo E. B. Titchener, apesar de trabalhar em referência a Wundt, modificou substan- cialmente seu sistema e ajudou a desenvolver uma abordagem própria, que ficou conhecida como Estruturalismo, que para Schultz & Schultz (1981), é a primeira escola americana de pensamento no campo da psicologia. Titchener se vinculava mais ao Empirismo e Associacionismo do que Wundt, acreditando nos conteúdos mentais e em sua ligação mecânica por meio da asso- ciação. Titchener apostava, ao contrário de Wundt, na análise em separado dos ele- mentos constitutivos da consciência. Para ele, esse método era mais eficaz porque possibilitava a descoberta da natureza das experiências conscientes elementares, e assim seria possível prever a estrutura da consciência. O interesse de Titchener, segundo Schultz & Schultz (1981), é a experiência consciente, que para ele é o objeto de estudo da psicologia. Para Titchener, todas as ciências têm esse objeto em comum, contudo, cada qual se concentra em um de seus aspectos. No caso da psicologia, o enfoque é na experiência e sua dependên- cia para com as pessoas que passam por ela. Nesse processo de definição da consciência, Titchener avança num ponto im- portante, porque para ele há uma diferença conceitual entre mente e consciência. Embora parecidas, para Titchener, a mente seria o somatório de nossas experi- ências acumuladas ao longo da vida, enquanto a consciência seria o somatório de nossas experiências num determinado momento. Outro aspecto do pensamento de Titchener é que ele enxerga a psicologia como uma ciência que deve concentrar seus esforços na definição de leis gerais de fun- cionamento da consciência, e não na multiplicidade mental dos indivíduos, é nesse sentido que ele tenta apreender as estruturas de funcionamento da mente. Sendo assim, sua epistemologia tem um sentido de afirmação genérica dos processos da produção da consciência. Em relação ao método de investigação, Titchener compreende que é possível existir um erro de avaliação da experiência, que se dá quando a experiência ime- diata é confundida por algum estímulo, e assim o observador passa a mediá-la, concentrando seus esforços de percepção mais nos estímulos, ou no que ele tem de informação do objeto, do que propriamente na sua experiência. Desse modo, Titchener, que assim como Wundt trabalhava como a introspecção como método, treinava observadores para se concentrarem e descreverem a expe- riência propriamente dita, sem se deixar levar pelos estímulos, num processo de reaprendizagem da própria dinâmica da consciência. Com esse recorte de objeto e seu respectivo método, Titchener, ao modo das ci- ências naturais, vislumbrava um percurso científico para sua psicologia, que era o de reduzir os processos da consciência a um nível elementar, para depois depreender 12 13 suas leis gerais de funcionamento e conectar esse fenômeno (o da consciência) a outros fenômenos. Dando mais ênfase aos elementos da consciência, Titchener os classificou em três estados: sensações, imagens e estados afetivos. Sendo as sensações os elemen- tos básicos da percepção, que se dão por meio dos sons, das visões, dos cheiros e outros tipos de contato com o meio. As imagens se realizam não no presente con- creto, mas por meio de reflexos ou ideias de experiências passadas. E os estados afetivos se manifestam por meio da emoção. O desenvolvimento do sistema estruturalista começou a encontrar dissidências por parte do próprio Titchener. No final da vida, ele começou a alegar que a psi- cologia deveria se concentrar não nos elementos que estruturavam a consciência, mas em dimensões mais amplas da dinâmica mental. Nesse processo, passou a trabalhar com as noções de qualidade, intensidade, duração, nitidez e extensão como fundamentos da consciência e optou por uma abordagem mais fenomeno- lógica do que introspectiva em relação ao método investigativo. Essa mudança foi tão considerável que Titchener passou a chamar de psicologia existencial a sua pesquisa científica. Figura 3 – PALATNIK, Abraham. Progressão W-3, 2002 Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras13 UNIDADE Epistemologias da Psicologia I O Funcionalismo Nos Estados Unidos, na virada do século XIX para o século XX, a psicologia de- senvolveu-se em contraposição fundamental às teses de Wundt e do Estruturalismo protagonizado por Titchener. As bases epistemológicas anteriores apostavam na pesquisa do conteúdo da consciência e em sua estrutura, contudo agora, essa nova linha de estudos da psicologia concentrava suas forças na operação dos processos conscientes, segundo Schultz & Schultz (1981). Esse novo modelo epistemológico ganhou o nome de Funcionalismo, e teve a influência decisiva de autores de outras áreas, especialmente Darwin e Galton. Como o nome Funcionalismo pode sugerir, uma das principais reivindicações dessa corrente de pensamento era a de que a psicologia deveria ser útil aos problemas reais das pessoas. É nesse sentido que os psicólogos funcionais focavam seus estudos nas ativida- des mentais para o organismo vivo e em suas tentativas permanentes de adaptação aos meios que eram submetidas. O Funcionalismo, portanto, enveredava-se cienti- ficamente pelo interesse das consequências da dinâmica da consciência, em como ela se manifestava na vida prática e quais as implicações desse movimento. O grupo de pesquisadores que se associaram às premissas funcionalistas da psicologia tem como primeiro grande destaque a figura de William James. Eles não ambicionavam a criação de um grupo estreito, reduzido à alguma classificação específica, contudo, foram importantes por sistematizar e desenvolver pesquisas de relevância para o campo da psicologia. Mais à frente, James Rowland Angeil, junto com seus colegas, deu uma contri- buição importante para a psicologia funcionalista, sedimentando os estudos em ter- mos práticos, a partir do departamento de psicologia da Universidade de Chicago, que se tornou um dos polos de pesquisa mais importante da época. Angeil definiu três características fundamentais do pensamento funcionalista: 1. A psicologia funcional é a psicologia das operações mentais, estando em contraste com a psicologia dos elementos mentais (o estruturalismo). O elementarismo titcheneriano ainda era forte, e AngelI promoveu o funcionalismo em oposição a ele. A tarefa do funcionalismo é descobrir como opera um processo mental, o que ele realiza e em que condições ocorre. Para ele, uma função mental, ao contrário de um momento da consciência estudado pelos estruturalistas, não é uma coisa perecível; ela persiste e dura tal como acontece com as funções biológicas. Do mesmo modo como uma função fisiológica pode operar através de estruturas diferentes, assim também uma função mental pode operar por meio de ideias de conteúdo distinto. 2. A psicologia funcional é a psicologia das utilidades fundamentais da consciência. Esta última, considerada à luz desse espírito utilitário, serve de mediadora entre as necessidades do organismo e as exigências do 14 15 seu ambiente. O funcionalismo estuda os processos mentais não como eventos isolados e independentes, mas como parte ativa e permanente da atividade biológica e como parte do movimento mais amplo de evo- lução orgânica. As estruturas e funções do organismo existem porque, ao permitirem que o organismo se adapte ao seu ambiente, capacitaram- -no a sobreviver. Angeil acreditava que, como sobrevivera, a consciência também deve prestar um serviço essencial ao organismo. Cabia ao fun- cionalismo descobrir qual é precisamente esse serviço, não apenas no tocante à consciência, como também em termos de processos mentais específicos, como formar um juízo e desejar. 3. A psicologia funcional é a psicologia das relações psicofísicas, voltada para o relacionamento total do organismo com o seu ambiente. O funcio- nalismo inclui todas as funções mente-corpo e deixa aberto o estudo do comportamento não-consciente ou habitual. Supõe a existência de uma relação entre o mental e o físico, uma interação da mesma espécie que ocorre entre forças do mundo físico. O funcionalismo sustenta que não há distinção real entre a mente e o corpo. Ele os considera não como entida- des distintas, mas como pertinentes à mesma ordem, supondo uma fácil transferência entre um e outro. (SCHULTZ & SCHULTZ, 1981, p.159) A escola Funcionalista de Chicago configurou-se como um importante marco na epistemologia americana, e, confrontando-se com o Estruturalismo, definiu seus esforços de pesquisa nas consequências das atividades da consciência, abrindo ca- minho assim para os estudos de uma psicologia aplicada com interesse no compor- tamento humano. O Comportamentalismo ou Behavorismo O Comportamentalismo surge como corrente de estudos do campo da psicolo- gia derivando do Funcionalismo e de outras influências epistemológicas, e tem em John B. Watson um de seus principais teóricos. Com o interesse explícito no comportamento, Watson, mais do que os autores pregressos, estreitou e aprofundou a relação da psicologia com as ciências naturais. O Comportamentalismo, assim como as ciências naturais, tinha interesse e foco naquilo que podia ser observado, assim, a pesquisa deveria se pautar na maior objetividade possível. Com essa base epistemológica, os métodos de trabalho con- sistiam nos seguintes, segundo Schultz & Schultz (1981, p. 246): “(1) a observação, com e sem o uso de instrumentos; (2) os métodos de teste; (3) o método do relato verbal; e (4) o método do reflexo condicionado”. Nessa linha de trabalho, Watson abandona a introspecção e tenta desenvolver outros métodos de pesquisa. O mais importante deles foi o método do reflexo condicionado, que já tinha precedentes em experimentos anteriores, mas que é desenvolvido e aprofundando por Watson. Este método possibilitava a redução do comportamento em unidades elementares, os vínculos estímulo-reposta (E-R). 15 UNIDADE Epistemologias da Psicologia I Com essa separação dos elementos, que se assemelhava ao método científico da análise que decompõe um objeto de pesquisa em muitas partes, Watson acreditava que seria possível compreender o funcionamento complexo do comportamento hu- mano. Ainda nessa perspectiva, o Comportamentalismo estabelece uma hierarquia na pesquisa: os sujeitos, por terem perdido a capacidade de observar, passam a ter menos valor que os experimentadores, que passariam por treinamentos para poder desenvolver com precisão a observação. Para o Comportamentalismo, a psicologia, como ciência do comportamento, deveria se deter nos “atos passiveis de descrição objetiva em termos de estímulo e resposta, formação de hábito ou integração de hábito.” (SCHULTZ & SCHULTZ, 1981, p. 247). Para Watson, todo comportamento humano pode ser descrito a partir dessas características, sem a necessidade de acesso aos conceitos e termino- logias que descrevem os processos e as dinâmicas da mente. Essa redução do comportamento aos seus elementos básicos, que seriam os es- tímulos e as respostas, tinha como intenção a possibilidade de previsão e controle. E apesar de ser redutiva, para Watson, essa metodologia era capaz de dar respostas sobre o comportamento geral do organismo total. As repostas, que se mais complexas poderiam ser denominadas como “atos”, eram classificadas em apreendidas ou não apreendidas; e implícitas ou explícitas. Para Watson, era fundamental que se investigasse os processos das respostas apre- endidas, para extrair possíveis leis de aprendizagem. Ao introduzir a categoria im- plícita, Watson fez-se valer de instrumentos para poder observar o seu funciona- mento, isto porque essas respostas se manifestavam no interior do organismo e, portanto, necessitavam de um instrumento para sua observação. A epistemologia do Comportamentalismo baseava-se na afirmação do compor- tamento como objeto de estudo e interesse, e apontava a ação do meio ambiente como decisiva para a formação desse comportamento. Essa tese se contrapunha às tendências instintivas de explicação psicológica e também às formulações místicas de explicaçãodo comportamento. Essas bases comportamentalistas de Watson previam a possibilidade de uma sociedade que compreendesse o comportamento de seus indivíduos, que pudesse prever suas ações e não se submeter aos desígnios das múltiplas convenções estabe- lecidas pelos dogmas. Esse fato, além de outros, podem entrever um dos possíveis motivos para a ampla divulgação e popularização da psicologia comportamentalista, e da psicologia em geral, o que até então se restringia aos círculos especializados. 16 17 Figura 4 – CARTIER-BRESSON, Car tier. Foto em Sevilha Fonte: Acervo de Henri Cartier-Bresson A Teoria da Aprendizagem e a Teoria Cognitiva Social Edward Chace Tolman foi adepto do Comportamentalismo e ajudou a desen- volver as bases da chamada Teoria da Aprendizagem. Segundo Schultz & Schultz (1981), Tolman acreditava que qualquer comportamento humano ou animal pode ser modificado em função da experiência a qual ele é submetido, desse modo, a apren- dizagem aparece como elemento fundamental dessas premissas epistemológicas. Em sua proposta teórica sobre a aprendizagem, Tolman recusava a lei do efeito de Thordinke, que acreditava que a recompensa ou o reforço tinham forte influên- cia sobre o aprendizado. Tolman propôs, na contramão das ideias de Thordinke, uma teoria cognitiva da aprendizagem, que sugere [...] que a realização repetida de uma tarefa fortalece a relação aprendida entre indícios do ambiente e expectativas do organismo. Assim, o orga- nismo passa a conhecer o seu ambiente. Ele denominou a essas relações aprendidas de gestalts-sinais, constituídas pela execução continuada de uma tarefa. (SCHULTZ & SCHULTZ, 1981, p. 267) 17 UNIDADE Epistemologias da Psicologia I Tolman desenvolveu alguns experimentos laboratoriais com ratos e daí depreen- deu algumas conclusões importantes para a sua linha de pensamento. Uma delas diz respeito à relação entre a aprendizagem e o espaço. A partir de seus experimen- tos, ele sugeriu que o comportamento produz mapas cognitivos, que têm relação intrínseca com a familiaridade que cada pessoa tem com determinado espaço. Sendo assim, nos movimentamos com mais facilidade e desenvoltura em nosso bairro, por exemplo, dada essa familiaridade com o espaço. A teoria da aprendizagem de Tolman foi posteriormente muito criticada, por ser taxada de excessivamente subjetivista, contudo, foi base importante para o desen- volvimento de outras teorias, em especial a o movimento cognitivo. Albert Bandura fez parte do corpo docente da Universidade de Stanford e de- senvolveu uma variante do Comportamentalismo, a que primeiro se chamou de Abordagem Sócio-Comportamentalista e que, posteriormente, foi definida como Teoria Cognitiva Social. Bandura propôs uma teoria nos marcos do Comportamentalismo, mas avançou no campo quando concentrou seus esforços na observação do comportamento dos indivíduos em interação. Além deste aspecto social, Bandura acreditava que o comportamento recebe influências externas de processos que condicionam o pen- samento como crenças, expectativas e instruções. Bandura consolidou-se como uma importante influência para a teoria compor- tamentalista, desenvolvendo métodos e estudos que ampliaram e aprofundaram o campo, sobretudo em sua percepção social, onde as formas psicológicas não eram estancadas dos contextos sociais de interação entre indivíduos. Além disso, Bandura tinha a intenção de modificar comportamentos sociais, fazendo-o por meio de terapias comportamentais. Situados no campo positivista, os comportamentalistas tiveram, e ainda man- têm, forte influência na psicologia contemporânea. Contudo, é sempre importante mensurar suas consequências. O avanço no tratamento terapêutico pelo conheci- mento do comportamento é importante, ainda assim, quando se fala em ajustes e correções de comportamento, fala-se em normatividade, em cerceamento em nome de algum modelo estabelecido. Portanto, é importante dimensionar essas ba- ses epistemológicas e suas consequentes práticas por vários ângulos e perspectivas. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos História da Psicologia: Estruturalismo e Funcionalismo https://youtu.be/mpqJXSYGRSo Psicologia – Comportamentalismo – John Watson https://youtu.be/Mj1G1Qtv_1g O que é a realidade? https://youtu.be/mdVyHaOyeOM Quais são os desafios de ser psicólogo no Brasil? https://youtu.be/19q2XzgYHX4 19 UNIDADE Epistemologias da Psicologia I Referências CANGUILHEM, G. O Que é a Psicologia? In: Canguilhem, G. Estudos de História e de Filosofia das Ciências. Rio de Janeiro: GEn/Forense-Universitária, 2012, p. 401-418. SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Marta Stela Gonçalves. Rev. Tec. Maria Silva Mourão. São Paulo: Editora Cultrix, 1981. 20
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