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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Fisiologia........................................................................ 4 3. Fisiopatologia e Classificação ............................... 7 4. Fatores de Risco .......................................................10 5. Quadro Clínico ...........................................................10 6. Complicações ............................................................13 7. Diagnóstico ................................................................14 8. Tratamento .................................................................16 9. Decisão Terapêutica ...............................................26 10. Controle Glicêmico ................................................29 11. Emergências Hiperglicêmicas ..........................31 Referências Bibliográficas .........................................36 3DIABETES MELLITUS 1. INTRODUÇÃO A Diabetes Mellitus, ou simplesmen- te DM, é uma das principais doenças da prática médica e a sua prevalência vem aumentando com o tempo, de modo que estima-se que ela acome- ta mais de 415 milhões de pessoas em todo o mundo. Desses, cerca de 80% se encontra em países ainda em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, onde a estimativa é de que haja mais de 12 milhões de pessoas acometidas. Fora isso, estima-se que a diabetes seja capaz de aumentar em 30-50% o risco do paciente desenvolver ou- tras doenças, o que explica o fato de ela ser hoje a 6ª maior causa de in- ternações hospitalares e a principal causa de cegueira adquirida e de amputações de MMII, além de ser responsável por cerca de 26% das diálises. Mas então, do que é que se trata a Diabetes Mellitus? Bem… conceitual- mente, a DM é definida como sendo um distúrbio de metabolismo inter- mediário caracterizado por hiperglice- mia persistente, decorrente de defici- ência na produção de insulina ou na sua ação, ou em ambos os mecanis- mos. O nome diabetes vem do grego que significa passar através, dando ideia de fluido. Já mellitus vem do la- tim daquilo que contém mel. O termo diabetes mellitus então significa a glicosúria que ocorre, principalmente nos quadros de diabetes importantes descompensada. Quando a gente lê tudo isso, é bem provável que a primeira pergunta que venha na nossa cabeça seja: o que é esse tal de metabolismo intermediário? CONCEITO: A diabetes mellitus é um distúrbio de metabolismo intermediário caracterizado por hiperglicemia persis- tente, decorrente de deficiência na pro- dução de insulina ou na sua ação, ou em ambos os mecanismos. Então, esse metabolismo é ao qual se- rão submetidas todas as substâncias digeridas e absorvidas por nosso Sis- tema Digestório e ele é composto por uma série de reações de anabolismo (síntese) e catabolismo (degradação) de macromoléculas, no caso: proteí- nas, carboidratos e lipídios. E quem faz a regulação desse metabolismo são os hormônios, que nós podemos dividir em 2 grupos: um da insulina e outro dos hormônios contrainsulínicos. 4DIABETES MELLITUS 2. FISIOLOGIA Insulina e Estado Pós-Prandial A insulina é um hormônio produzido nas células beta das ilhotas pancreá- ticas e parte da sua produção é libera- da constantemente (em níveis basais) na circulação sanguínea, no entanto, sempre que a gente faz uma refeição, a taxa desse hormônio no sangue au- menta muito, formando um pico de insulina (estado pós-prandial). Isso acontece porque a glicose con- segue entrar nas células beta do pân- creas através de uma proteína conhe- cida como GLUT-2 e, daí, estimula a secreção de insulina. Junto a isso, tam- bém que se descobriu que toda vez que a gente se alimenta, nosso corpo produz as chamadas incretinas, que são 2 peptídeos gastrointestinais, o GLP-1 (Glucose-Like Peptide 1) e o GIP (Glucose-dependent Insulino- tropic Peptide), que são capazes de aumentar a resposta pancreática à glicose, liberando mais insulina. DIABETES MELLITUS 12 milhões no brasil ↓ Ação da insulina ↓ Produção insulina “Perda de mel na urina” Distúrbio do metabolismo intermediário Hiperglicemia persistente causada por um ou ambos: Mais de 400 milhões de pessoas no mundo 6º maior causa de internações hospitalres MAPA MENTAL INTRODUÇÃO 5DIABETES MELLITUS A partir disso daí, o que a insulina faz é se ligar ao seu receptor nas células do corpo e induzir a translocação de vesículas contendo a proteína GLUT- 4 para a membrana plasmática e o que essa proteína faz é justamen- te servir de canal para que a glicose adentre na célula. Mas, no final das contas, por que é tão importante a glicose entrar na célu- la? Por 2 motivos principais: a) é isso que permite a ocorrência da glicólise (principalmente nos hepatócitos e mi- ócitos), que é o processo através da qual esse substrato é utilizado como principal fonte de energia para as ati- vidades celulares; e b) porque é atra- vés disso que os hepatócitos conse- guem pegar o excesso de glicose e armazená-lo sob a forma de glicogê- nio (glicogenogênese). Por outro lado, a insulina também es- timula que parte desse excedente de glicose passe por um processo co- nhecido como lipogênese, que con- siste em transformá-la em ácido gra- xo para que esse seja direcionado aos adipócitos, onde serão transformados em triglicérides. Contrainsulínicos e Estado de Jejum Já os hormônios contrainsulínicos são 4: GLUCAGON (produção: células alfa do pâncreas); 6DIABETES MELLITUS Desses, o glucagon é o mais relevan- te no que tange à ação contrainsulíni- ca, que basicamente consiste em se opor à insulina. Ou seja, enquanto a insulina é esti- mulada pela hiperglicemia a retirar glicose do sangue, o glucagon é es- timulado pela hipoglicemia ( jejum) a aumentar os níveis de glicose no sangue - é justamente por isso que ele é tido como um hormônio hiper- glicemiante! GLICOGENÓLISE GLICONEOGÊNESE Quebra das reservas hepáticas de glicogênio em glicose Síntese de glicose a partir de molécular não glicídicas Beleza, mas como é que ele conse- gue fazer isso? Basicamente através de dois processos: a glicogenólise e a gliconeogênese. Além disso, os hormônios contrain- sulínicos também atuam sobre os li- pídios estimulando o processo de li- pólise, que consiste em quebrar os triglicérides para liberar ácido graxo e esses, então, poderem ser utilizados pelas células como fonte de energia através da beta-oxidação. SE LIGA! Caso a liberação de ácidos graxos seja exagerada, o fígado vai uti- lizar o excesso para produzir corpos ce- tônicos e isso leva a um quadro de ceto- acidose, um tipo de acidose metabólica. Perceba que, no final das contas, o grande objetivo tanto do glucagon quanto da insulina é manter cons- tante o nível de glicose no sangue. E por que isso é tão importante? Por conta dos neurônios! O que acontece é que essas células não conseguem utilizar outros elementos como fonte de energia, então o corpo precisa dar um jeito de sempre ter glicose dispo- nível no sangue. Contudo, uma outra característica importante dessas cé- ADRENALINA produção: medula suprarrenal); CORTISOL (produção: córtex suprarrenal); GH (produção: adenohipófise). 7DIABETES MELLITUS nível glicêmico que estiver no sangue, como a célula não está tendo subs- trato para produzir energia, o corpo entende que a pessoa está em jejum e aí aumenta a atividade dos hormô- nios contrainsulínicos, estimulando a glicogenólise, a gliconeogênese e a lipólise. Contudo, existem vários mecanismos que podem levar a um quadro como esses e é justamente em cima dessa diferença que a gente consegue clas- sificar a diabetes em vários tipos. DM tipo 1 No Brasil, diabetes tipo 1 correspon- de a cerca de 5-10% dos casos, o que representa uma média de 30.000 brasileiros acometidos - fazendo com que nós sejamos o 3º país no mundo em prevalência de DM tipo 1. Mas enfim… a DM tipo 1 é uma doen- ça autoimune e poligênica, na qual oslinfócitos T CD8+ invadem as ilhotas pancreáticas e atacam seletivamente as células beta, destruindo-as. O que leva, então, a uma produção insufi- ciente ou nula de insulina. A base patológica dessa doença parece estar em questões genéti- cas, uma vez que cerca de 90% dos diabéticos tipo I apresentam altera- ções nos genes do HLA (Antígeno Leucocitário Humano) - o MHC do homem - podendo ser o HLA-DR3 ou HLA-DR4. No entanto, vale co- lulas é que elas não precisam da in- sulina para absorver a glicose (elas o fazem de forma independente), de modo que tanto uma hiper quanto uma hipoglicemia acabam afetando o funcionamento dos neurônios e é jus- tamente por isso que a gente precisa tentar manter nosso nível glicêmico constante SE LIGA! Uma fonte alternativa de ener- gia para os neurônios seria o corpo ce- tônico produzido pelo fígado a partir do excesso de ácido graxo, mas como vi- mos, isso pode levar à cetoacidose. En- tão garantir a disponibilidade de glicose acaba sendo a única saída. 3. FISIOPATOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO Quando a gente entende toda essa fisiologia por trás do metabolismo in- termediário e lembra que o problema da diabetes mellitus está na ação in- sulínica, a gente consegue concluir que o organismo do paciente diabé- tico vai se comportar o tempo inteiro como se ele estivesse no estado de jejum. Calma. Vamos organizar isso direito na nossa cabeça. Lá no começo a gente definiu que a DM é decorrente de um problema na produção ou na ação da insulina. Beleza, só que no final das contas tudo vai levar a uma mesma situação: a glicose não vai entrar na célula. Dessa forma, independentemente do 8DIABETES MELLITUS mentar que nem todos os indivíduos com essas alterações desenvolve- ram DM, o que sustenta a ideia de que além de fatores genéticos, há também fatores ambientais (ainda não dominados) que influenciam os rumos da doença. A DM tipo 1 ainda pode ser subdivi- dida em A e B, sendo que a diferen- ça entre elas, em que na 1A são de- tectados autoanticorpos no sangue, enquanto na 1B, por sua vez, essa detecção não é possível e ela é tida como idiopática. DM tipo 2 A DM tipo 2, por sua vez, é a forma mais comum da doença, correspon- dendo a cerca de 90-95% dos casos. Mas aí, diferente do que vimos na 1, a DM tipo 2 não é uma doença au- toimune. Na verdade, ela se trata de um problema de bases genéticas que é precipitado por fatores ambientais e que pode se caracterizar por uma de- ficiência de secreção ou pela resis- tência insulínica (principal). Ainda não se sabe ao certo o que pro- voca essa resistência nas células, no entanto, ela costuma estar associada a alguns fatores de risco - especial- mente a obesidade visceral (cen- tral), uma vez que a gordura abdo- minal gera citocinas inflamatórias que dificultam a ação da insulina sobre os tecidos. Mas independente disso, a questão toda é que como a insulina não está atuando de forma eficiente, o corpo responde provocando hiperplasia e hipertrofia nas células beta, no intuito de aumentar muito a oferta de insuli- na e, assim, compensar a sua inefici- ência e colocar a glicose para dentro da célula. Em uma fase inicial isso até que dá certo e o paciente consegue manter seu nível glicêmico normal. Contudo, esse estado de hiperprodução acaba levando as células beta a entrarem em exaustão e com o tempo elas vão parando de funcionar - é justamente por isso que nos estágios mais avan- çados, a DM 2 começa a se asseme- lhar com a DM 1, afinal elas se igua- lam no que tange à quantidade de células beta funcionantes. DM Gestacional Obviamente, a DM Gestacional é aquela que se desenvolve durante o período da gravidez, mas o que não é tão óbvio assim é o porquê disso ser uma questão. Bem… o que acontece é que na gra- videz ocorre o desenvolvimento da placenta, que é um órgão capaz de produzir uma série de hormônios com efeito hiperglicemiante. Então, por si só, a gravidez já é uma condição po- tencialmente diabetogênica e isso, quando se associa com outros fatores de risco, acaba levando à diabetes. 9DIABETES MELLITUS FATORES DE RISCO PARA DM GESTACIONAL Idade materna avançada Sobrepeso/obesidade História familiar de DM Crescimento fetal excessivo História de abortamento Hipertensão/Eclâmpsia Ovários policísticos Baixa estatura (< 1,5m) Outros tipos de DM Já entre as outras causas de DM (menos frequentes) estão os defei- tos genéticos, as doenças pancreáti- cas, infecções, entre outros. Desses, o mais comum (e o único que iremos abordar aqui) é o MODY (Maturity- -Onset Diabetes of the Young), que consiste em uma doença genética de herança autossômica dominante, mas que não é autoimune. Na ver- dade, a DM MODY altera a produção de alguns fatores que interferem na regulação da glicose e é justamente em cima disso que eles são classifica- dos em 6 grupos: CLASSIFICAÇÃO GENE Mody 1 HNF4A Mody 2 (2º mais co- mum) GCK Mody 3 (mais comum) HNF1A Mody 4 IPF1 Mody 5 HNF1B Mody 6 NEUROD1 Outros tipos Gestacional Tipo I Invasão linfocitca das ilhotas pancreáticas Seletivo células Beta. Diminui produção insulina Alterações nos genes do HLA 5-10% dos casos Doença autoimune Caráter genético Alteração apenas durante gravidez Tende a resolver após gestação MODY LADA Efeito do lactogênio placentário Tipo II Obesidade Histórico familiar Resistência insulínica Fatores de risco associados Evolui a longo prazo com componentes da DM I Mais comum (90-95% dos casos) FISIOPATOLOGIA E CLASSIFICAÇÃO 10DIABETES MELLITUS 4. FATORES DE RISCO NÃO MODIFICÁVEIS MODIFICÁVEIS Não caucasiano/Asiático IMC ≥ 25 Idade ≥ 45 anos Obesidade central Parente (1º grau) com DM Sedetarismo OUTRAS DOENÇAS HAS Ovários policísticos Doença cardiovascular HDL < 35 ou TG > 250 RESISTÊNCIA INSULÍNICA Acantose nigricans Pré-diabetes A acantose nigricans é uma lesão de pele hiperpigmentada decorrente de hi- perinsulinemia e que normalmente apa- rece nas regiões de dobras (axila, pes- coço, virilha, entre outros locais). Figura 1 – Imagem ilustrando acantose nigricans na região do pescoço. 5. QUADRO CLÍNICO Bem, agora que a gente já entendeu muito do que é e de como se desen- volve a diabetes mellitus, a gente pode, então, aprender como é que o paciente vai se apresentar ao chegar no consultório e aí uma coisa nós já precisamos ter em mente: o quadro clínica varia de acordo com o tipo da DM. DM tipo 1 Por conta da própria fisiopatologia de ser uma doença autoimune, a DM tipo I acaba se manifestando mais cedo, de modo que a grande maioria dos pacientes com essa condição são diagnosticados ainda crianças ou adolescentes (geralmente entre os 10-15 anos). SE LIGA! Há casos em que a DM1 evo- lui de forma mais insidiosa e aí o pacien- te só abre o quadro quando adulto. A es- ses casos nós damos o nome de LADA (Late-Onset Autoimmune Diabetes of Adulthood). E normalmente eles são magros (lembra que a obesidade tá relacio- nada com a resistência insulínica da DM 2) e vão desenvolver um quadro agudo e clássico, apresentando os típicos 4 Ps da diabetes: Poliúria (aumento do volume urinário); Polidipsia (aumento da sede); Polifagia (aumento da fome); Perda ponderal. 4Ps 11DIABETES MELLITUS Então vamos entender cada um deles. Pensa: se o paciente é diabético, ele tem uma hiperglicemia, daí, com mais glicose no sangue, mais glicose é ex- cretada através da urina. E como ela é uma substância osmoticamente ativa, o paciente acaba perdendo mais água através do trato urinário (poliúria). A partir daí, ele começa a desidratar e é isso que explica o aumento da sensa- ção de sede (polidipsia). Por outro lado, o fato de as células não estarem recebendo glicose para produzir energia é interpretado pelo corpo como sendo um estado de je- jum, levando, então, ao aumento da sensação de fome (polifagia). Além disso, esse mesmo estado de jejum também acaba estimulando os hor- mônios contrainsulínicosque, entre outras coisas, promovem a lipólise, levando à perda ponderal. É importante nos atentarmos tam- bém de que por vezes o paciente DM 1 vai ter uma destruição grande e rá- pida das células beta, de modo que 1/3 deles podem iniciar o quadro já com cetoacidose diabética. SAIBA MAIS: CETOACIDOSE DIABÉTICA Como já vimos lá no começo, os hormônios contrainsulínicos vão estimular lipólise, que é o processo pelo qual ocorre a quebra de triglicérides para liberar ácidos graxos, os quais podem ser utilizados como fonte de energia. No entanto, como nós também já vimos, a partir do momento em que essa liberação se dá de forma exagerada, o fígado começa a fazer cetogênese, que é a produção de corpos cetônicos a partir desses ácidos. É justamente em cima disso que ocorre a cetoacidose diabética. O que acontece é mais ou menos o seguinte: como o paciente DM 1 tem níveis de insulina muito baixos, o estado de jejum que ele desenvolve acaba sendo muito intenso, bem como a ação dos contrainsulínicos. A partir daí, a produção de ácidos graxos aumenta e o fígado inicia a cetogênese. O problema é que dos 3 corpos cetônicos produzidos, 2 são ácidos (ace- toacético e beta-hidroxibutírico). Dessa maneira, aumenta-se a quantidade de íons H+ no sangue, levando a um ânion- -gap elevado (diferença entre as quantidades de íons positivos e negativos no sangue) e manifestações como, por exemplo: • Hipocalemia: Vai haver troca de íons através das bombas H+/K+ presentes nas células; • Hálito de acetona: O 3º corpo cetônico é a acetona, que é inócua ao organismo, promovendo apenas alterações no hálito; • Respiratórias: Kussmaul (uma tentativa do pulmão de eliminar o H+ através da respiração); • Gastrointestinal: Dor abdominal (pelo atrito entre os folhetos abdominais desidra- tados); náuseas e vômitos. 12DIABETES MELLITUS Por fim, temos que essas pacientes costumam apresentar uma glicemia > 200mg/dL com presença de autoanti- corpos (ICA, IAA, Anti-GAD65, Anticor- po Antitirosina-Fosfatase IA-2 e IA-B2, Znt8…) e também não respondem bem aos antidiabéticos orais e sem insulina vão acabar desenvolvendo cetoacidose. Além disso, uma última caracterís- tica da DM 1 é o peptídeo C < 0,1 ng/dL ou ausente. Só para a gente entender melhor isso, o peptídeo C é um componente da pró-insulina que é liberado quando ocorre a quebra dessa molécula. No entanto, como aqui praticamente não há produção do hormônio, os níveis de peptídeo C são geralmente indetectáveis. DM tipo 2 A primeira grande diferença entre a DM 1 e a DM 2 é o estereótipo do paciente. Aqui, cerca de 80% dos pacientes são obesos pois, como vi- mos, a obesidade está relacionada à resistência insulínica. Mas além disso, como essa condição costuma ocorrer de forma mais progressiva e assin- tomática, o diagnóstico acaba sendo tardio, por volta dos 45 anos - que é quando o paciente começa a apre- sentar os sintomas clássicos (4 Ps) e também as complicações (sendo a principal, o estado hiperosmolar não cetótico). Nesses pacientes normalmente nós vamos encontrar uma glicemia < 200mg/dL, sem autoanticorpos, mas com peptídeo C (> 0,1ng/dL). Além disso, esses pacientes ainda costumam responder bem a anti- diabéticos orais e dificilmente evo- luem para uma cetoacidose. SAIBA MAIS: ESTADO HIPERGLICÊMICO HIPEROSMOLAR NÃO CETÓTICO (EHHNC) Como na DM 2 o paciente ainda apresenta uma certa quantidade de insulina circulando pelo sangue, acaba sendo mais raro ele desenvolver cetoacidose diabética como no tipo 1. No entanto, ele costuma apresentar uma outra complicação da diabetes que é o EHHNC. O que acontece nesses casos é o seguinte: como a glicose é uma molécula osmoticamente ativa, a sua alta concentração no sangue acaba fazendo com que a água retida nas células se desloque para o plasma, levando à desidratação - inclusive dos neurônios. É por isso que pacientes nesse estado costumam se apresentar com rebaixamento do nível de consciência, além de uma espoliação hidroeletrolítica devido ao aumento do volume urinário. Perceba, en- tão, que a grande diferença é que aqui nós não vamos encontrar sintomas gastrointestinais ou respiratórios e nem mesmo a hálito cetônico. 13DIABETES MELLITUS DM tipo MODY Só a título de curiosidade já que es- ses são casos mais raros: a DM tipo MODY costuma se apresentar como uma mistura entre os tipos 1 e 2. Do tipo 1 ela traz a ausência de autoan- ticorpos e o estereótipo do paciente jovem e magro. Já da DM 2 ela traz o quadro de manifestações. É por isso que é muito difícil identificar uma DM MODY e, por vezes, o paciente acaba recendo o diagnóstico errado. 6. COMPLICAÇÕES As principais complicações da diabe- tes costumam ser divididas em 2 gru- pos: agudas ou crônicas. As agudas, como já é de se esperar, são questões mais emergenciais, então vamos fa- lar delas depois. Por agora, vamos só conhecer as crônicas pois são as mais comumente encontradas na prática clínica ambulatorial e, por tanto, preci- sam fazer parte da nossa investigação para todo e qualquer paciente com suspeita ou diagnóstico de Diabetes. Pois bem… uma coisa que a gente pre- cisa ter em mente é que altos níveis glicêmicos acabam comprometendo a estrutura vascular e por isso que é comum ouvir que “Diabetes causa doença de vaso!”. Mas a questão é que é justamente essa lesão vascu- lar crônica que acaba levando a uma série de complicações, que nós pode- mos classificar em 2 grupos: Microvascular: O diabetes pro- voca lesão endotelial através do aumento da inflamação na pa- rede vascular através do estres- se oxidativo. O processo de for- ma crônica leva a alterações da vasodilatação e lesões graves como trombose e leitos vascula- res incompetentes. • Retinopatia Diabética; • Nefropatia Diabética; • Neuropatia Diabética; • Pé Diabético. Macrovasculares: O processo macrovascular é semelhante ao microvascular, já que a diabetes também gera inflamação endo- telial. A inflamação, juntamente com a glicolisação de proteínas e aceleração do processo ateroes- clerótico propicia o aceleramento do processo aterotrombótico, ge- rando a longo prazo obstruções que levam a insuficiência sanguí- nea e comprometimento do leito vascular. • Doença Arterial Coronariana (DAC); • Doenças Cerebrovasculares; • Arteriopatia Periférica. 1 2 14DIABETES MELLITUS Olhando pra essa lista, fica fácil de concluir que as complicações ma- crovasculares são mais relevantes do ponto de vista de mortalidade e por isso a gente deve investigar na anamnese do paciente a presença dos sintomas característicos dessas doenças. Já com relação as complica- ções microvasculares, a apresentação clínica é mais discreta e aí é impor- tante que além das queixas, a gente investigue mais a fundo e faça uma avaliação também na hora do exame físico, principalmente com relação aos olhos e pés. OLHOS (FUNDOSCOPIA) DM está associada a erroa de refração, catarata, glaucoma e retinopatia diabética Aumenta em 25x os riscos de perda visual Parente (1º grau) com DM PÉS Inspeção Unhas Infecção fúngica Barotrauma Calos Pulsos Pedioso dorsal Tibial posterior Sensibilidade Teste do monofilamento +1 Vibração (com diapasão ou biotensiômetro) Reflexo (tornozelo) Dolorosa 7. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de diabetes requer uma anamnese buscando os 4 Ps característicos, mas também a pre- sença de eventuais complicações e de fatores de risco, como erro alimen- tar e sedentarismo, por exemplo. Por outro lado, se o paciente já tiver sido diagnosticado, é imprescindível que a gente o questione sobre o início da doença, episódios de hipoglicemia e também sobre o atual tratamento que ele vem realizando. Contudo, para fechar o diagnóstico são necessários exames laboratoriais, são eles: • Glicemia de Jejum • Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG) • Hemoglobina Glicada (HbA1c) Glicemia de Jejum Nesse exame, basta o paciente ficar em jejum por 8h e depois será colhi- da uma amostra de seu sangue para avaliaro nível glicêmico. IDEAL PRÉ-DIABETES DIABETES < 100mg/dL 100-125mg/dL ≥ 126mg/dL Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG) O TOTG, também chamado de TTGO, é um exame realizado em 3 etapas: • Realização de um glicemia em jejum; • Ingestão oral de 75g de glicose; • Coleta de amostra após 2h para medir glicemia. 15DIABETES MELLITUS IDEAL PRÉ-DIABETES DIABETES < 140mg/dL 140-199mg/dL ≥ 200mg/dL Hemoglobina Glicada (HbA1c) Por fim, a HbA1c é um exame com menor sensibilidade, mas que reflete o controle glicêmico do paciente nos últimos 2-4 meses. Como é que pode isso? É o seguinte: parte da glicose cir- culante tende a se associar com a hemoglobina do sangue, tornando-a glicada. Assim, quanto maior for o ní- vel glicêmico, mais desse composto haverá no sangue. E por que 2-4 me- ses? Porque é o tempo da meia-vida das hemácias! IDEAL PRÉ-DIABETES DIABETES < 5,7% 5,7-6,4% ≥ 6,5% A partir disso tudo, a gente acaba se perguntando: e qual exame devo pe- dir? Bem… a primeira coisa que a gente tem que ter em mente é que para po- dermos fechar o diagnóstico de DM é necessário a gente obter 2 exames la- boratoriais alterados e aí, de maneira prática, a gente pode escolher qual- quer um dos 3 que vimos pois eles têm poder diagnóstico muito seme- lhante - no entanto, como a Glicemia em Jejum é mais barata e mais fácil de ser realizada, ela acaba sendo a nossa primeira opção. E aí, na segunda vez, a gente pode repetir o mesmo exame já solicitado ou então pedir para que seja feito um dos outros dois. Caso o primeiro exame indique um qua- dro de pré-diabetes, o recomendado é que o segundo exame solicitado seja um TTGO, pois aí nós vamos sobrecarregar o pâncreas para ver se ele realmente está funcionando bem. A partir disso daí, nós poderemos cair em 3 situações diferentes: SE LIGA! DESCOMPENSAÇÃO FRANCA Caso o paciente chegue no consultório com um quadro clássico de DM (vulgo 4 Ps) e com uma glicemia aleatória (daquelas colhi- das com glicosímetro) ≥ 200mg/dL a gente já pode fechar o diagnóstico de DM sem precisar de nenhum exame laboratorial 4Ps + Glicemia aleatória ≥ 200mg/dL = Diagnóstico de DM 2 Exames normais No máximo é Pré-Diabético 2 Exames alterados Diagnóstico de Diabetes 1 Exame normal e outro alterado Repete o exame alterado ou pede um diferente dos 2 anteriores 16DIABETES MELLITUS Pode acontecer de não encontrarmos nada nessa avaliação do paciente, mas, mesmo assim, continuar acredi- tando que ele tem predisposição para DM. E aí? O que fazer? Bem… existe um exame conhecido como HOMA-R que vai fazer a dosa- gem da glicemia e dos níveis séricos de insulina no paciente e, daí, associar esses dois valores em uma fórmula específica. Contudo, apesar de muito bom para detectar a predisposição, é um exame bem caro e que não está disponível no SUS. Rastreio Chegado até aqui a gente já apren- deu como diagnosticar um paciente quando a gente suspeita de DM, no entanto, como nós vimos, parte deles podem ficar assintomáticos por mui- tos anos. E aí? Como é que a gente para rastrear os pacientes com a do- ença? Inicia aquele esquema de diag- nóstico com todo mundo? Não! De acordo com as diretrizes mais atu- ais, a gente só deve fazer o rastreio de DM em pacientes que tenham ao menos 1 desses 2 critérios: Idade ≥ 45 anos 8. TRATAMENTO E para fechar tudo sobre a diabetes, nós precisamos aprender como tratar o nosso paciente e isso envolve a ado- ção de uma terapia não medicamen- tosa e também a administração de drogas orais e/ou até mesmo insulina. Mas vamos com calma entender cada uma dessas nossas opções. Tratamento Não Farmacológico O tratamento farmacológico corres- ponde àquela velha mudança do es- tilo de vida (MEV). Ele está indicado para todos os pa- cientes diabéticos ou pré-diabéticos e envolve: a) adequação alimentar através de dietas com baixo nível ca- lórico; b) atividade física (150min/ sem); e também c) cessação do ta- bagismo, já que essa prática pode aumentar muitos os riscos DM. Tratamento Farmacológico O tratamento farmacológico, por sua vez, consiste na administração de drogas antidiabéticas e ele ganha bastante espaço quando a MEV so- zinha não é suficiente para dar con- ta de controlar a DM e também para manter a estabilização clínica após o controle com a insulina. Obesidade +1 fator de risco (mínimo) 17DIABETES MELLITUS Com isso em mente, então, temos que existem 8 principais classes de me- dicamentos disponíveis para o trata- mento da diabetes e para ficar didáti- co, vamos dividi-los em 4 grupos com base na ação que exercem no corpo: Sensibilizadores à insulina Biguanidas Glitazonas Secretagogos de insulina independentes da glicose Biguanidas Glitazonas Secretagogos de insulina dependentes de glicose Inibidores de DPP-IV Análogos da GLP-1 Outros Inibidores de DPP-IV Análogos da GLP-1 1. Sensibilizadores à Insulina Compondo esse grupo estão 2 clas- ses de drogas que atuam promoven- do a diminuição da resistência insulí- nica (dentre outras coisas). Biguanidas A única representante dessa classe é a Metformina, que, aliás, é o medi- camento mais utilizado no tratamen- to de pacientes diabéticos, uma vez que ela está indicada para todos os pacientes DM 2 que não tenham con- traindicação. Obs. inclusive, a Metformina pode ser prescrita para os pré-diabéticos que te- nham pelo menos 2 fatores de risco para DM. Por que isso? Para que ele tenha mais tempo para esperar os efeitos da MEV. Mas beleza. E qual é o efeito dessa medicamento? O principal de todos é sobre o fígado, reduzindo a glicone- ogênese hepática, que é a maior res- ponsável pelos altos níveis glicêmicos no paciente diabético. Além disso, em menor escala, ela também retarda a absorção intes- tinal de carboidratos e aumenta a translocação de GLUT-4 na periferia (especialmente em células muscula- res), o que diminui a resistência in- sulínica. No entanto, é importante a gente se atentar de que seu uso é contraindi- cado quando o paciente apresenta: • Alguma insuficiência (re- nal, cardíaca…) • Acidose Grave • Gravidez Efeitos Adversos • Gastrointestinais • Dor abdominal • Diarreia • Empachamento Obs. podem ser resolvidos com a utiliza- ção de comprimidos de liberação lenta. Glitazonas Também conhecida como Tiazolidi- nadiona (TZD), essa classe de fárma- 18DIABETES MELLITUS cos tem como principal representante a Poliglitazona, que é a nossa segun- da opção de droga quando o paciente tem contraindicação ou não respon- deu bem à Metformina. Já com relação à sua ação, temo que essa droga possui um efeito genômi- co (ou seja, vai demorar semanas para agir): ela vai atuar sobre um receptor nuclear conhecido como PPAR-γ (peroxisome proliferator-ac- tivated receptor-γ), que está relacio- nado aos tecidosadiposo e muscular, promovendo o metabolismo da glico- se e também a produção de adipóci- tos. Em cima disso, a gente percebe que a ação do fármaco sobre esse receptor, além de diminuir a resistência insu- línica nos tecidos adiposo e muscu- lar, também está relacionado a uma maior formação de adipócitos (e, por isso, ganho de peso) nas regiões pe- riféricas do corpo. Visto isso, temos que as principais contraindicações para seu uso são: • Insuficiência cardíaca (NYHA III ou IV) • Insuficiência hepática • Gravidez Efeitos Adversos • Edema (por isso a con- traindicação para IC) • Insuficiência cardíaca • Ganho de peso (piora adesão ao tratamento) • Infecção em trato respi- ratório alto • Sinusite/Faringite 2. Secretagogos independentes da glicose Como o nome já indica, aqui nesse grupo foram reunidas as drogas que atuam favorecendo a secreção de in- sulina, independentemente da pre- sença de glicose. Sulfonilureias Essa classe de drogas, juntamen- te com a das biguanidas, é uma das mais utilizadas no tratamento de pa- cientes diabéticos e as suas principais representantes são: Primeira geração Tolbutamida Segunda Geração Gliclazida Glibenclamida19DIABETES MELLITUS Terceira geração Glimepirida O efeito desses medicamentos é so- bre as células beta do pâncreas. Basi- camente, o que eles fazem é bloque- ar os canais de K+, o que leva a uma despolarização da membrana plas- mática e consequente abertura dos canais de Ca+2. O influxo de cálcio, então, favorece a degranulação das vesículas com insulina, liberando o hormônio no meio externo. Quando a gente entende todo esse mecanismo, fica fácil convir de que as sulfonilureias só terão efeito nos pacientes que ainda tiverem células beta preservadas - aqueles em está- gio mais avançado não se beneficiam. Como contraindicações, temos: • Insuficiência renal; • Insuficiência hepática; • Gravidez. Efeitos Adversos • Hipoglicemia (pelo au- mento de insulina - in- clusive é por isso que devemos ter cuidado ao indicar esses medica- mentos para idosos); • Ganho de peso ( já que há um aumento do efei- to insulínico). Glinidas Sendo representada principalmente pela Repaglinida e pela Nateglinida, essa classe de medicamentos atua de forma muito semelhante às sulfonilu- reias: promovem a secreção de insu- lina pelo mesmo mecanismo de ação. A diferença entre elas é apenas o tempo de meia vida das drogas, que é bem menor no caso das glinidas. Des- sa forma, o seu uso deve ser sempre antes de alguma refeição, para que ela consiga reduzir a glicemia pós-pran- dial - é por isso que a sua principal in- dicação é em casos de pacientes que não tem horário fixo para as refeições. Diante disso, conseguimos perceber que as glinidas atuam apenas sobre os momentos de pico de insulina, mas não sobre o nível basal desse hormô- nio, de modo que essas drogas não podem ser utilizadas isoladamente. Obs. além disso, também não podem ser prescritas juntamente com uma sul- fonilureia, afinal o mecanismo de ação das duas é o mesmo. No que tange às contraindicações, tem-se apenas uma: gravidez. Efeitos Adversos • Hipoglicemia (em me- nor intensidade do que nas sulfonilureias) • Ganho de peso 20DIABETES MELLITUS 3. Secretagogos dependentes da glicose Lembra das incretinas que comenta- mos lá no início? Pois bem… é sobre elas que as drogas desse grupo vão atuar. Inibidores de DPP-IV Essa classe é representada principal- mente por 3 fármacos: Vildagliptina, Sitagliptina e Saxagliptina e ação deles se baseia em inibir a enzima DPP-IV, cuja função é degradar as in- cretinas que foram liberadas após a alimentação. A partir disso, sem sofrer degrada- ção, as incretinas têm o seu efeito prolongado, ou seja: há um maior estímulo à liberação de insulina (mas dependente da presença de glicose). Por conta desse seu mecanismo, es- ses medicamentos estão pouco re- lacionados à hipoglicemia e também não possuem muitas contraindica- ções, no máximo alergias - mas, no geral, são bem tolerados. Contudo, é importante destacar que eles são bem caros e não estão dis- poníveis no SUS, de modo que aca- bam não sendo utilizados na prática - exceto se a gente considerar que a prática é a clínica particular, ob- viamente. Efeitos Adversos • Nasofaringite • Cefaleia e/ou Tontura • Diarreia Análogos da GLP-1 Sendo representada pela Exenatida e pela Liraglutida, principalmente, essa classe de medicamentos atua mimetizando uma das incretinas (no caso: o GLP-1) e, assim, estimulando a liberação de insulina. A sua administração deve ser sub- cutânea - diferente de todas as ou- tras drogas que vimos até aqui (que são orais) - e o seu efeito depende dos níveis de glicose, ou seja: se a glicemia estiver baixa, elas não atuar, o que implica dizer que o risco de hi- poglicemia é muito baixo! Além dis- so, uma outra vantagem dessa classe é que os medicamentos conseguem reduzir bastante o peso e inclusive são usados no tratamento de obesi- dade, até porque praticamente não há contraindicações para seu uso - de novo: no máximo alergias (mas também são bem tolerados). Efeitos Adversos • Náuseas • Possibilidade de pan- creatite aguda injetável 21DIABETES MELLITUS TRATAMENTO TratamentoAcarbose Dapaglifozina Inibidores de SGLT-2 Inibidores de a-glicosidases PrandialRápida (regular) Ultrarrápida Metformina PoliglitazonaMudança estilo de vida Ação intermediária (NPH) Ação prolongada/ lenta Inibiores de DDP-IV Análogos da GLP-1 Biguanidas Glitazonas Sulfoniureias Glinidas Secretagogos dependentes da glicose Outros Não farmacológico Liraglutida Exenatida Saxagliptina Sitagliptina Vildagliptina Glibenclamida Gliclazida Glimepirida Nateglinida Repaglinida TobutamidaSensibilizadores à Insulina Secretagogos independentes da glicose Insulinoterapia TRATAMENTO 22DIABETES MELLITUS 4. Outros Inibidores de SGLT-2 Essa classe é representada Dapa- glifozina, um medicamento que atua inibindo uma proteína renal conhecida como SGLT-2 e o que essa proteína faz é reabsorver a glicose do filtrado. Ou seja, inibindo a sua ação, a gente aumenta a glicosúria e, consequente- mente, reduz os níveis glicêmicos do paciente - o que também favorece a perda de peso. Como contraindica- ções, temos: • Candidíase recorrente • Comprometimento renal severo (o rim já não está funcionando muito bem, então o medicamento não terá qualquer efeito) Efeitos Adversos • Glicosúria • Maior risco de ITU ( já que haverá uma maior concentração de glicose no trato urinário Inibidores de α-Glicosidases Tendo como único represente a Acarbose, essa classe de medica- mentos atua impedindo a ação da enzima α-glicosidase, que atua no intestino quebrando as moléculas de carboidrato para facilitar a sua absor- ção. Assim, sem o efeito dessas en- zimas, a absorção de açúcar é retar- dada e a glicemia, ao invés de fazer um pico pós--prandial, vai se alargar e aí esse padrão se aproxima da ca- pacidade de secreção de insulina dos pacientes diabéticos (que é mais tar- dia e menos intensa) - ou seja: dife- rente do que vimos até agora, o que esse medicamento faz não é adaptar a insulina do paciente aos níveis de glicose, mas adaptar a absorção de glicose aos níveis de insulina que ele pode oferecer! Como contraindicação, temos apenas: • Gravidez • Doença Inflamatória In- testinal Efeitos Adversos • Flatulência (o aumento de glicose no intestino favorece a ação de bac- térias, de modo a produ- zir gases) • Distensão abdominal • Dor abdominal 23DIABETES MELLITUS 5. Insulinoterapia A nossa outra opção de tratamento é a administração de insulina no sub- cutâneo, mas para a gente entender melhor essa terapêutica, precisamos relembrar aquele gráfico de insulina que vimos lá no início. Bem… nesse gráfico a gente conse- gue ver que a insulina tem uma con- centração basal que se mantém ao longo de todo o dia, porém, apresenta picos após as principais refeições do dia e a gente precisa ter isso em nos- sa cabeça porque na insulinoterapia, o objetivo é criar uma associação que mimetize esse gráfico. Dessa forma, há 2 grupos de insulina: • Basal • Prandial Insulina Basal Fisiologicamente falando, a insulina basal é aquela que se mantém em níveis constantes ao longo de todo o dia e aí, para mimetizar o seu efeito, nós podemos utilizar insulinas de: Ação prolongada/lenta Glargina Detemir Degludeca Ação intermediária NPH Glargina, Detemir e Degludeca São as nossas melhores opções de insulina basal, uma vez que elas con- seguem se ma-ter por um período médio de 24h (ou seja, o paciente só precisará fazer uma aplicação ao dia) e, além disso, ainda não apresentam picos significantes, o que é um fator importante pois diminui os riscos de hipoglicemia. 24DIABETES MELLITUS Só para a gente entender melhor isso, pensa o seguinte: se a insulina basal fizesse um pico, a gente não teria como saber o horário exato em que isso aconteceria e aí, caso nesse momento o paciente não estivesse se alimentando, o que tivesse de glicose no sangue seria colocado para dentro da célula e aí ele entraria em hipogli- cemia. Obs. a Degludeca tem efeitodurante mais de 24h e o maior benefício disso é que se cria um intervalo de proteção em relação ao horário da tomada do medi- camento, de modo que o paciente pode se atrasar um pouco e ainda assim terá seu nível de insulina basal garantido. NPH Diferente das opções anteriores, a NPH é uma insulina de ação interme- diária, tendo efeito por apenas 12h (ou seja, serão necessárias, no míni- mo, 2 aplicações por dia: uma de ma- nhã e outra de noite) e ela também possui um pico sig-nificante, o que a afasta do que seria considera-do fi- siológico. Contudo, essa é a única op- ção de insulina basal disponibilizada pelo SUS, de modo que acaba sen- do mais frequentemente utilizada do que as demais. Insulina Prandial Já a insulina prandial, por sua vez, é a responsável por fazer o pico após as refeições e depois ceder para voltar aos níveis basais. Então nesse caso, o paciente precisa fazer uso dessas insu- linas antes de cada refeição principal. Ação ultrarrápida Lispro Aspart Glulisina Ação rápida Regular Lispro, Aspart e Glulisina As insulinas de ação ultrarrápida são aquelas que começam a fazer efeito de forma mais imediata (só precisam ser aplicadas 15min antes da refei- ção) e cujo tempo de ação é mais cur- to, o propicia que ela forme um pico muito semelhante ao fisiológico. Regular Já a insulina Regular, que possui ação rápida, é aquela que demora um pou- co para surtir efeito (então precisa ser aplicada 45min antes da refeição) e ainda tem um tempo de ação mais longo, formando picos mais alarga- dos e diferentes do que considerado fisiológico. Contudo, essa é a única insulina pran- 25DIABETES MELLITUS dial que está disponível pelo SUS e, portanto, acaba sendo a mais utiliza- da no cenário brasileiro. Só para a gente terminar de orga- nizar as coisas na nossa cabeça: o tratamento ideal através da insulino- terapia é aquele que melhor se apro- xima do que é considerado fisioló- gico. Em cima disso, o melhor seria associar uma insulina basal de ação prolongada (como a glargina) com uma insulina prandial ultrarrápida. Perceba que nessa terapia, o gráfico de insulina formado seria bem seme- lhante ao fisiológico que já vimos: No entanto, em se se tratando de SUS, a única opção de tratamento com insulina que está disponível é a associação entre uma insulina basal de ação intermediária (NPH) com uma insulina prandial de ação rápida (Regular). Como podemos ver abai- xo, o gráfico final acaba diferindo um pouco do fisiológico, no entanto, ain- da assim é um tratamento eficaz no controle da DM. 26DIABETES MELLITUS 9. DECISÃO TERAPÊUTICA Beleza, a gente viu um monte de op- ção e um monte de fármacos que po- dem ser empregados no controle da DM. Mas no final das contas, o que é mesmo que a gente usar? Vamos com calma porque a escolha do tratamento depende do tipo de diabetes! Pré-Diabetes Caso a gente identifique que o pa- ciente está em um quadro de pré-dia- betes, a principal medida a ser ado- tada é a orientação quanto à MEV. É preciso orientar o paciente não só no que tange à realização de atividades físicas, mas também com relação a importância de se ter uma alimenta- ção saudável, evitando, em especial, o consumo de carboidratos. E já dá para entrar com medicamen- tos aqui? Então…de todos os medica- mentos disponíveis para controle da DM, apenas a Metformina mostrou conseguir reduzir o desenvolvimento de diabetes - e só em pacientes com menos de 60 anos! Isso quer dizer que a gente vai prescrever Metfor- mina para todos os pré-diabéticos? Não! A indicação fica restrita a casos específicos como: • Obesidade grau II (IMC > 35) • História de DM Gesta- cional INSULINA INÍCIO DE AÇÃO PICO DE AÇÃO DURAÇÃO DO EFEITO TERAPÊUTICO Longa Duração Glargina 100 UI/ml (Lantus®, Basaglar®) 2-4 h Não apresenta 20-24h detemir (Levemir®) 1-3 h 6-8 h 18-22 h Ação ultralonga glargina 300 UI/ml (Toujeo®) 6h Não apresenta 36 h degludeca (Tresiba®) 21-41 min Não apresenta 42h Ação intermediária insulina NPH 2-4 h 4-10 h 10-18 h Ação rápida insulina regular 0,5-1 h 2-3 h 5-8 h Ação ultrarrápida asparte (Novorapid®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h lispro (Humalog®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h gluisilina (Apidara®) 5-15 min 0,5-2 h 3-5 h 27DIABETES MELLITUS • HbA1c aumentada > 6% (mesmo com MEV) DM tipo 2 Bem…toda vez que a gente for pensar na terapia de uma paciente com DM 2, é importante levar em considera- ção 4 perguntas chaves: 1 – Tem insulinopenia? 2 – Tem resistência insulínica? 3 – Há maior risco de hipoglicemia? 4 – Consegue se tratar fora do SUS? Caso o paciente tenha insulinopenia (4 Ps), nós precisaremos passar para ele um secretagogo ou então iniciar uma insulinoterapia - mas essa úl- tima só pode ser considerada caso o paciente se enquadre em pelo menos das seguintes indicações específicas: Falência terapêutica Glicemia > 300mg/dL Gestante Estresse agudo (IAM, AVC) Emagrecimento progressivo (por conta da DM) Agora, se o paciente tiver com uma resistência insulínica, aí vamos preci- sar passar a Metformina e/ou a Poli- glitazona. De maneira prática, então, se o pa- ciente DM 2 for assintomático ou tiver apenas sintomas leves e uma glicemia < 200mg/dL, provavelmen- te ele só tem a resistência insulínica, mas ainda consegue compensar isso através do aumento da secreção des- se hormônio, então para eles a gente pode começar com uma monoterapia usando Metformina ou Poliglitazona. Por outro lado, se ele já chegar com uma glicemia entre 200-300mg/dL e com manifestações (só que não graves) aí é porque além da resistên- cia, ele também já deve estar come- çando a reduzir produção de insulina, então junto com Metformina/Poligli- tazona, a gente deve indicar o uso de um secretagogo - que na maioria das vezes será uma sulfonilureia ou uma glinida, exceto se o paciente tiver aci- ma do peso. Mas e se o paciente tiver com glice- mia > 300mg/dL e com manifesta- ções graves? Bem, aí ele já entra na- quela indicação para insulinoterapia que vimos lá em cima! Por fim, as duas últimas perguntas não são para definir qual classe será usada e sim para ajudar a escolher qual é a melhor droga em cada situ- ação. No caso de pacientes com um maior risco de hipoglicemia, como é o caso dos idosos e dos pacientes com demência ou algum acometi- mento cardiovascular, é importante a gente avaliar bem se vamos passar uma sulfonilureia ou uma glinida, por exemplo. 28DIABETES MELLITUS Já no que tange ao SUS, a grande questão é que de todas as drogas an- tidiabéticas que vimos, as únicas dis- poníveis são a Metformina e 2 sulfo- nilureias: Glibenclamida e Gliclazida, o que limita nossa decisão terapêutica. No entanto, algumas das outras op- ções que aprendamos aqui são bas- tante caras, um análogo de GLP-1, por exemplo, pode chegar a custar cerca de R$ 400,00, então a gente precisa saber o quanto que o pacien- te pode pagar no seu tratamento para não acabar indicando algo que ele não consegue bancar e aí não aderir ao tratamento. Beleza, mas e se a gente iniciar a te- rapia do paciente e ele não responder e continuar descompensado? Bem…aí a gente vai associando outras drogas pra ver se regula, sendo que quan-do atingirmos a marca de 3 fármacos hi- poglicemiantes, a gente já deve co- meçar a refletir sobre a necessidade de introduzir insulina. Insulinoterapia no DM2 Uma vez tendo definido que nosso paciente precisa ser insulinizado, o ideal é que a gente vá introduzindo essa terapia de forma gradual e aí o preconizado nas diretrizes é que isso seja feito em 4 etapas. Etapa 1: Insulina Basal + Hipoglicemiante oral Nesse primeiro esquema nós deve- remos manter o tratamento com os fármacos hipoglicemiantes orais e as- sociar apenas uma dose de insulina basal que deve ser de 0,2-0,3 UI/kg/ dia. Daí, as nossas opções são: • NPH bed time • Detemir à noite • Glargina/Degluteca de manhã/à noite Etapa 2: Insulina Basal-Plus Se o paciente ainda se mantiver des- compensado depois de ter sidoin- troduzida a primeira etapa da insu- linoterapia, aí nós seguimos para o segundo passo que consiste em as- sociar uma insulina prandial à basal que já estava em uso, sendo que nós podemos optar por manter ou não os hipoglicemiantes orais. Além disso, caso a gente tenha fei- to NPH bed time na primeira etapa do tratamento, uma opção aqui pode Manifestações leves Glicemia < 200mg/dL Metformina ou poliglitazona Manifestações moderadas Glicemia 200-300mg/dL Metformina ou poliglitazona + Secretagogo Manifestações graves Glicemia > 300mg/dL Insulinoterapia 29DIABETES MELLITUS ser aumentar a sua dose para fazer com que ela cubra o dia inteiro antes de associar a prandial. No entanto, o paciente precisa cooperar com a MEV e ter uma alimentação sem muito car- boidrato para evitar picos glicêmicos, já que ele não estará coberto para tal. Etapa 3: Insulina Basal-Plus ampliada Caso não compense, a gente só vai manter tudo que já estava sendo feito na 2ª etapa e só adicionar mais uma dose de insulina prandial à terapia do paciente. Etapa 4: Insulina Basal-Bolus Por fim, se depois disso tudo o pa- ciente ainda continuar descompen- sado, o jeito é partir para uma insuli- nização plena, que é quando a gente tenta simular todo o gráfico da insuli- na através da manutenção da insulina basal ao longo de todo o dia e ainda associa 3 ou 4 doses de alguma insu- lina prandial. DM tipo 1 E no caso dos pacientes com DM 1? O que vamos fazer? Aí é bem mais fá- cil. Lembra que nesse tipo da doença, o problema todo é que a insulina não vai ser produzida por conta da des- truição das células beta. Ou seja: não vai adiantar nada dar um secretago- go ou alguma droga para diminuir re- sistência. O jeito então é seguir pela insulinoterapia em esquema pleno - no caso, insulina basal-bolus. 10. CONTROLE GLICÊMICO Uma vez tendo escolhida a terapia apropriada para o paciente, aí a gente só precisa monitorar a glicemia para ver se ela vai ficar controlada ou não. Nesse cenário entram em cenas duas ferramentas bem importantes: o gli- cosímetro e o exame HbA1c (nova- mente). O auto monitoramento da Glicemia Capilar (AMGC) através do glicosí- metro está indicado para todos os portadores de DM, uma vez que pos- sibilita que o paciente acompanhe os seus níveis glicêmicos ao longo do dia e, com isso, consiga prevenir com mais eficiência os episódios de hipo ou hiperglicemia. Já a HbA1c, por sua vez, ainda continua sendo o método padrão--ouro para acompanhar os pacientes diabéticos e por isso que ele deve ser repetido a cada 3 me- ses até que o paciente esteja com- pensado e, a partir daí, o acom- panhamento passa a ser apenas semestralmente! Nesse contexto, o que nos norteia com relação ao manejo dos pacien- tes são as metas glicêmicas preco- nizadas pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) ou pela American Diabetes Association (ADA). impor- 30DIABETES MELLITUS tante, no entanto, sempre levar em consideração de que paciente nós es- tamos falando. Isso porque é neces- sário ser mais rígido quando se trata de pacientes jovens - até por conta da memória metabólica -, mas quando o paciente já é idoso, aí a gente pode ser um pouco mais flexível e aceitar valores acima do indicado pelas so- ciedades. SBD Meta glicêmica Hemoglobina glicada < 7% Glicemia em jejum < 100mg/dL TTGO < 160 mg/dL ADA Meta glicêmica Hemoglobina glicada < 7% Glicemia em jejum 80-130mg/dL TTGO < 180 mg/dL Obs. memória metabólica é a ideia de que manter a diabetes controlada des- de o início diminui bastante os riscos de complicações no futuro. Mudança hábitos de vida Orientação nutricional Prática de atividade física DM tipo 1 DM tipo 2 Insulinoterapia Manhã-Noite OU Múltiplas doses OU Infusão contínua Complicações agudas • Hipoglicemia • Cetoacidose diabética • Lipohipertrofia Controle glicêmico • Pré-prandial • Pós-prandial • Demandas extras Rastreio de complicações crônicas • Retinopatia • Nefropatia • Neuropatia periférica • DAC e cerebrovascular Modificar esquema terapêutico de acordo a resposta ao tratamento Antidiabéticos orais Metformina ou combinações Insulinoterapia: Quadro grave e difícil controle (HbA1c > 9%) Complicação aguda: Estado hiperosmolar não cetótico MAPA MENTAL CONTROLE GLICÊMICO 31DIABETES MELLITUS 11. EMERGÊNCIAS HIPERGLICÊMICAS Para finalizar, agora que a gente já aprendeu tudo do manejo clínico do paciente com diabetes, é importante saber também que em determinadas situações esses pacientes podem chegar para nós não em um consultó- rio, mas no serviço de emergência e aí é fundamental dominar a abordagem também nesses casos. Então lembra que lá em cima a gente disse que ía deixar para abordar as complicações agudas depois? Pois é chegado esse momento! A principal complicação aguda da DM no serviço de emergência é a hiper- glicemia, que pode ser justificada por 2 quadros: ou uma Cetoacidose Dia- bética (CAD) ou um Estado Hiper- -osmolar Hiperglicêmico (EHH). Ambos os quadros se devem a uma redução dos níveis de insulina, no en- tanto, a CAD é bem mais frequente em pacientes com DM1 (o que im- plica dizer que são indivíduos mais jovens) enquanto que o EHH é uma complicação mais associada com a DM2 (sendo, portanto, pessoas mais velhas as mais comumente afetadas). Isso quer dizer que a gente sempre vai definir o diagnóstico com base do tipo de DM que o paciente refere ter? Claro que não! A gente precisa ava- liar em conjunto as manifestações clí- nicas e o resultado de uma série de exames complementares. Quadro Clínico Cetoacidose Diabética Nos casos de CAD, como a gente já viu, os pacientes costumam ser mais jovens (normalmente entre 20-29 anos) e eles abrem o quadro de forma abrupta com hipotensão, taquicardia e taquipneia - podendo apresentar um padrão respiratório de Kusmaull -, hálito cetônico e, em cerca de 20% dos casos, há ainda algum rebaixa- mento do nível de consciência. Além disso, um outro sintoma muito frequente nos casos de CAD é a dor abdominal muitas vezes associada com náuseas e vômito, sendo que isso acontece devido ao atrito das lâ- minas desidratadas do peritônio na cavidade. Inclusive, ter isso em mente é muito importante para que a gente sempre se lembre de que para todos os pacientes jovens com quadro clínico de Abdome Agudo, é funda- mental levantar a suspeita de CAD! Beleza. Mas além desse quadro abrupto que acabamos de ver, é co- mum que muitos pacientes apresen- tem um período prévio (de alguns dias) já um pouco sintomático com aquelas manifestações típicas da DM como polifagia, polidipsia e poliúria. Estado Hiperosmolar Hiperglicêmico Já com relação ao EHH, os pacientes são frequentemente mais velhos (> 40 anos) e o quadro clínico típico aqui 32DIABETES MELLITUS é mais arrastado, então o paciente já vinha há vários dias apresentando os 4 Ps da diabetes, até o momento em que atinge uma desidratação bem acentuada e sofre um rebaixamento de consciência. Além disso, um outro ponto comum entre esses pacientes é que muitos também relatam uma dificuldade de ter acesso a água (seja por limitação física, idade avançada, acometimento neurológico, etc.), o contribui e justi- fica o quadro de desidratação severa que é a marca do EHH. CAD EHH Crianças e adultos jovens > 40 anos Abrupto (instala em horas) Arrastado (instala em dias) 4Ps + alerta 4Ps+ rebaixamento Hálito cetônico + Kus- maull Desidratação profunda Diagnóstico Uma vez tendo levantado a suspeita de hiperglicemia, deve ser solicitado: • Glicemia • Gasometria Arterial • Eletrólitos (Na, K, Cl, Mg, P) • Hemograma • Exame de Urina • ECG • Radiografia de Tórax A partir disso, a gente vai fazer o diagnóstico se o paciente preencher critérios específicos para alguma das duas complicações (ou CAD ou EHH), sendo que esses critérios são: CAD EHH Leve Moderada Grave Glicemia > 250 > 250 > 250 > 600 pH 7,25 – 7,3 7 – 7,24 <7 >7,3 HCO3- 15-18 10-14,9<10 >15 Cetonúria + + + Pouco + Cetonemia + + + Pouco + Posm Variável Variável Variável >320 Ânion gap >10 >12 >12 Variável Estado Alerta Sonolento Estupor/Coma Estupor/Coma Obs. Posm é Osmolalidade Plasmática e pode ser obtido pela seguinte fórmula: 2 x [Na (mEq/L)] + [Glicose (mg/dL)]/18 Simplificando…em ambos os quadros a glicemia estará aumentada, mas isso acaba não sendo muito valoroso para nós pois uma glicemia de 700mg/dL, 33DIABETES MELLITUS por exemplo, é maior do que 250 e do que 600, então o paciente estará pre- enchendo critério para as duas con- dições. A partir disso, qual é o grande diferencial? A gasometria arterial e a osmolalidade plasmática (Posm)! No caso de uma cetoACIDOSE, a gasometria vai apresentar uma aci- dose do tipo metabólica por ânion gap aumentado e isso é lógico, já que o motivo de o sangue está ficando acidificado é a maior produção H+ na forma de corpos cetônicos. Já no es- tado hiperOSMOLAR, esse achado da gasometria não aparece uma vez que no EHH ainda há uma produção de insulina suficiente para inibir a li- beração de glucagon - que é quem induz a produção dos compostos áci- dos. Mas, em contrapartida, o pacien- te aqui apresenta uma Posm acima de 320mOsm/kg. Resumindo: CETOACIDOSE DIABÉTICA Glicemia > 250mg/dL pH < 7,3 Cetonemia e/ou cetonúria HCO3- < 15 ESTADO HIPEROSMOLAR HIPERGLICÊMICO Glicemia > 600mg/dL pH > 7,3 Osmolaridade > 320mOsm/Kg HCO3- > 15 Uma vez tendo definido qual é a con- dição em que o paciente se encontra, também é importante tentar identifi- car qual foi o fator desencadeante da complicação. Em boa parte das vezes (30-50%) isso se deve a processos infecciosos como pneumonia, ITU, sepse, etc., no entanto a hiperglice- mia pode ser por conta de uma falha no tratamento, doenças do apare- lho digestório, doenças vasculares, gestação e cirurgia, sendo que até 10% dos casos não é possível iden- tificar nenhuma justificativa plausível. Manejo Agora que nós já entendemos a iden- tificar e diagnosticar um quadro de emergência hiperglicêmica, podemos começar a falar do manejo dos pa- cientes e aí, de forma prática, a CAD e o EHH vão ser abordados de forma bastante semelhante: através de re- posição volêmica e insulinização. Reposição Volêmica Inicialmente, a reposição volêmica deve ser feita com solução salina isotônica (0,9%) e aí nós vamos administrar 1L em 1h. A ideia aqui é repor água no pa- ciente para, com isso, manter a pressão arterial e os níveis glicêmicos normais, além de melhorar a perfusão tecidual. Obs. em crianças e adolescentes, a re- posição inicial deve ser de 20mL/kg. Feito isso, ao final dessa primeira hora a gente vai reajustar a velocidade de infusão para 4-14mL/kg/h e dosar o sódio sérico, pois é esse valor que vai definir nosso próximo passo: A partir daí, quando a glicemia do pa- ciente atingir 250mg/dL, a gente deve 34DIABETES MELLITUS iniciar reposição com solução glico- sada (5%) e com NaCl (0,45%) para evitar hipoglicemia e prevenir de ede- ma cerebral. Essa administração deve ser controlada para manter a glicemia do paciente entre 150-200mg/dL. Insulinoterapia Primeira coisa de todas: ela não deve ser realizada quando o paciente está em hipocalemia (K < 3,3)! Com isso em mente, a gente deve co- meçar a insulinoterapia administrando uma dose de ataque de insulina regular por via intravenosa que deve ser de 0,1- 0,15U/kg para sensibilizar os recepto- res. Depois disso, vamos fazer uma infu- são intravenosa contínua de 0,1U/kg/h. Dessa forma, quando a glicemia atin- ge valores ≤ 200-250mg/dL, aí vamos diminuir a infusão para 0,02-0,05U/ kg/h e associar com a administração de solução glicosada (5%). SE LIGA! No caso da CAD, a insulinote- rapia feita sem uma adequada reposição volêmica será ineficaz no tratamento do paciente. Já no EHH, a administração da insulina sem reposição é extremamente deletéria pois fará com as células absor- vam a água do sangue, reduzindo ainda mais a volemia do paciente. Reposição de Potássio e Fosfato A reposição de potássio deve ser ini- ciada caso o paciente apresente ní- veis < 5mEq/L na presença de fluxo urinário adequado. E aí, para tal, nós seguir a sistematização abaixo: Já com relação ao fósforo, ele deve ser administrado na forma de fosfato de potássio (20-30mEq/L) a uma velo- cidade > 3-4mEq/h. No entanto, sua reposição só está indicada em condi- ções específicas como: Disfunção cardíaca Anemia Depressão respiratória Fosfato < 0,1mg/dL Critérios de Resolução E no final das contas, como é que va- mos definir se o paciente melhorou do quadro? É simples… se ele tiver em CAD, nós assumimos que houve uma resolução se além da glicemia < 200, ele também não apresentar mais in- dicativos de acidose metabólica por ânion gap aumentado na gasome- tria arterial. Já no caso do EHH, nós vamos ter uma resolução do quadro quando o paciente reduzir os níveis glicêmicos e, associado a isso, melho- rar o valor da sua Posm e também o seu nível de consciência. Sódio normal/ elevado (> 150mEq/L) Continua reposição com solução salina (0,45%) Sódio baixo (<150mEq/L) Continua reposição com solução salina (0,9%) K < 3,3 Repor 40mEq 3,3 ≤ K < 5 Repor 20-30mEq por soro K ≥ 5 Não repor (reavaliar de 2/2h) 35DIABETES MELLITUS Autoimune e LADA Defeitos ação/ secreção insulina Laboratoriais Nefropatia Nefropatia Cerebrovascular Arteriopatia periférica DACHipoglicemia Crônicas Gestacional Estado hiperglicêmico hiperosmolar não cetótico Glicemia de 2h após TOTG-75g ≥ 200mg/dL Agudas Complicações Outros HbA1c ≥ 6,5% Glicemia de jejum ≥ 126mg/dL Glicemia aleatória ≥ 200mg/dL + sintomas de hiperglicemia Idiopática Retinopatia Cetoacidose diabética Clínica PolifagiaHiperglicemia Polidipsia Poliúria EmagrecimentoTipo 1 Classificação Sind. Metabólica Diagnóstico Tipo 2 MAPA MENTAL RESUMO 36DIABETES MELLITUS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS American Diabetes Association. Standarts of Medical Care in Diabetes - 2019. CLARK, Michelle; et al. Farmacologia Ilustrada.5ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. GOLDMAN, Lee; AUSIELLO, Dennis. Cecil Medicina. 25ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018. KUMAR, Vinay; et al. Robbins e Contran: Patologia, Bases Patológicas das Doenças. 8ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. MARTINS, Herlon S.; et al. Medicina de Emergência: Abordagem Prática. 11ª ed. Barueri - SP: Manole, 2016. MARTINS, Milton A.; et al. Clínica Médica. 2ª ed. Vol. 1. Barueri – SP: Manole, 2016. RANG, H.P.; DALE, M.M.; et al. Farmacologia. 7ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes 2017-2018. Sociedade Brasileira de Diabetes. Conduta Terapêutica no Diabetes Tipo 2: Algoritmo SBD 2017. Posicionamento Oficial SBD nº 02/2017. Sociedade Brasileira de Diabetes. Conduta Terapêutica no Diabetes Tipo 2: Algoritmo SBD 2019. Posicionamento Oficial SBD nº 01/2019. w w w . d i a b e t e s . o r g . b r / p u b l i c o / n o t a s - e - informacoes/1244-limitacoes-na- -interpretacao-da-hemoglobina-glicada-hba1c 37DIABETES MELLITUS
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