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SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA Aline Michele Nascimento Augustinho Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever as teorias sociológicas de Auguste Comte, Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx. Reconhecer as teorias sociológicas contemporâneas funcionalista, de conflito e interacionista. Relacionar as teorias contemporâneas às teorias clássicas. Introdução Neste capítulo, você vai conhecer as principais teorias que fundamenta- ram a abordagem clássica da sociologia. Essas teorias foram a razão da consolidação da sociologia como ciência. Além disso, forneceram as bases para a profissionalização do campo, no século XX. Como você vai ver, as teorias clássicas estão intimamente ligadas com rupturas estruturais e com a reorganização das relações sociais provocada pela Revolução Industrial. Ao longo do texto, você vai conhecer os fundamentos das teorias de Auguste Comte, Karl Marx, Émile Durkheim e Marx Weber, teóricos cujos trabalhos formaram as teorias sociológicas clássicas. Você vai ver que essas teorias deram origem a correntes sociológicas específicas no século XX, como o funcionalismo, a teoria do conflito, o estruturalismo e o intera- cionismo simbólico. Além disso, você vai verificar que as transformações ocorridas entre o final do século XX e o início do XXI promoveram novos olhares sobre e da sociologia. Porém, esses novos olhares continuam buscando referências nas teorias clássicas. Teorias sociológicas clássicas e a solução das questões sociais As teorias sociológicas combinam instrumentos de identifi cação de estruturas e dinâmicas sociais a uma teoria que as explica. São compostas, portanto, por teoria e método de análise específi cos. É possível que um pesquisador utilize uma teoria sociológica já estabelecida como base para o seu trabalho, mas acrescente a ela suas perspectivas particulares, novos conceitos. Quando isso acontece, há a criação de uma “corrente” ou uma “escola sociológica”: um conjunto de pesquisadores que utilizam como base as teorias e métodos de um pesquisador pioneiro. Nesse caso, eles corroboram a visão precursora, mas acrescentam suas perspectivas particulares ou novas possibilidades de metodologia de pesquisa ou análise/interpretação de dados. Por exemplo: Marx elaborou a teoria do materialismo histórico. Essa é uma teoria marxista. Autores que posteriormente utilizam esse aporte teórico estão se valendo de uma teoria marxista. Se eles utilizam a mesma teoria para explicar outras abordagens, que aprofundam, esclarecem ou fortalecem essa teoria, então são parte de uma “escola” de produção de conhecimento — no caso, a escola marxista. O mesmo acontece com os outros teóricos clássicos da sociologia. Veja, a seguir, a definição de cada uma das teorias clássicas. Augusto Comte e o positivismo Como fi lho de nobres franceses, Comte assistiu de forma muito próxima à derrocada da monarquia absolutista e conheceu os caminhos que levariam à revolução. A desordem e o caos estabelecidos no processo, para ele, poderiam ser evitados, mesmo durante a troca de um regime por outro. A maneira de manter e promover a ordem seria o planejamento e o rigor na execução desse planejamento. Por isso, ele entende que as ciências naturais, como a física, teriam muito a oferecer na criação de elementos que permitissem compreender comportamentos sociais e orientar os passos para uma transformação social. Assim, Comte desenvolve uma linha de análise derivada dos fundamentos de Isaac Newton, que chama de física social (COMTE, 2016). Comte analisa a sociedade como um todo, sem se pautar nas escolhas ou comportamentos individuais. Ele determina que a felicidade e o bem-estar social só são alcançados quando a organização e o planejamento compreendem também a visão da sociedade como conjunto. Todos deveriam cumprir os mes- mos passos, sem exceções, estabelecendo assim a ordem. O mais interessante é Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx2 que, para que a noção de desenvolvimento em conjunto pudesse funcionar, seria necessária a disposição individual, ou seja, a vontade pessoal de participar do processo. Uma vez que cada indivíduo conhecesse os benefícios coletivos da ordem e da disciplina, os avanços sociais e o bem-estar geral seriam cada vez mais fortalecidos. Por isso, esse pensador acreditava que cientistas deveriam ocupar os espaços da elite política, porque apenas eles entenderiam como aplicar os procedimentos para a ordem social, sem se corromper por paixões. Comte (2016) propunha adotar as etapas de investigação das ciências naturais para as interações sociais, como a observação e a experimentação. Para ele, os fenômenos sociais poderiam ser compreendidos da mesma forma que os fenôme- nos naturais; não haveria diferença entre eles. Com isso, ele não pretendia dizer que todas as ciências são iguais e que deveriam utilizar a mesma metodologia, e sim que, para além das especificidades, o olhar científico deveria pautar a leitura dos fenômenos que têm impacto sobre a vida humana. O filósofo procurava, com isso, afastar a leitura de fenômenos sociais da religião e do misticismo, salientando que as causas dos problemas sociais e suas possíveis soluções não poderiam vir de leituras teológicas nem metafísicas. Os fenômenos sociais, assim como os naturais, seriam regidos por leis. Para prever e controlar quadros sociais específicos, seria necessário observar e conhecer tais leis, assim como se faz com os fenômenos da natureza. Essas leis não seriam afetadas por elementos externos, como movimentos históricos, mas seriam constantes e verificáveis. O caos que emerge de tempos em tempos em algumas sociedades viria, portanto, da não observância e do desconhecimento das leis dos fenômenos sociais, mas seu conhecimento permitiria a previsibilidade. A previsibilidade contida na compreensão das leis que regem os fenôme- nos sociais constituiria o chamado espírito positivo, que, aliado à noção do todo, do conjunto, direcionada ao bem público, culminaria com o bem-estar social. Para Comte (2016), o termo “positivo” era produto da observação da realidade, afastada de paixões políticas e religiosas ou de qualquer crença no sobrenatural. Tal observação possibilitaria ações úteis e específicas. Auguste Comte (2016) entendia que a humanidade estava em constante evolução e que só havia uma direção a ser seguida. Assim, ele determinou três estágios de desenvolvimento das civilizações, o que denominou lei dos três estados. Veja a seguir. Estado teológico: aqui, haveria uma leitura causal da existência humana, pautada na crença de que forças sobrenaturais superiores comandariam e determinariam as ações e situações vivenciadas. 3Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx Estado metafísico: nesse momento, a humanidade passaria a dissociar a realidade de elementos abstratos sobrenaturais, mas ainda assim iden- tificaria causas externas às leis sociais para os fenômenos vivenciados, como o Estado, a natureza, o mercado. Estado positivo: seria inteiramente científico, e as leituras de mundo e dos fenômenos seriam inteiramente baseadas na observação científica da realidade, sem a presença de determinismos teológicos ou a presença de forças abstratas. O estado positivo configuraria o grau máximo de desenvolvimento da humanidade. A compreensão positivista do mundo levou Comte a criar a chamada Religião da Humanidade, que não se trata de um culto ao ser humano. Na verdade, a religião, para Comte, seria a composição em perfeito equilíbrio do intelecto e do espírito (mente) direcionados para a razão, enquanto o culto a seres sobrenaturais seria classificado como teologia (COMTE, 2016). Para ele, somente a racionalidade poderia manter as sociedades em equilíbrio e segurança, e isso viria somente por intermédio da ciência. A determinação depassos que levassem à observação e à classificação científica das dinâmicas sociais poderia acabar com o caos vivido por seu país à beira da revolução. A criação da ciência da sociedade, ou seja, a sociologia, era um passo importante para a conquista da racionalidade e do estado positivo. Karl Marx e o materialismo histórico O materialismo histórico pode ser compreendido como a ideia de que as transformações históricas vivenciadas pela humanidade são derivadas das relações de produção (MARX; ENGELS, 2000). As formas de produção de mercadorias defi niriam as organizações e as relações sociais em seu entorno, e a alteração do modelo produtivo alteraria também todas os relacionamentos sociais. Esse é o princípio norteador da leitura de mundo de Marx. Marx viveu em um contexto diferente do de Comte. Observava não uma situação de ruína, como o filósofo francês em relação à nobreza, mas o cres- cimento econômico da Inglaterra, bem como os efeitos do fortalecimento do capitalismo nesse país. Nesse cenário, surge uma relação conflituosa entre burgueses, os detentores dos meios de produção, e operários. O sistema de economia feudal inteiramente rural deu espaço à produção fabril, especialmente das indústrias têxteis, potencializadas pelo desenvolvimento de maquinários e pela utilização do carvão como combustível. Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx4 Houve um rápido crescimento de moradores nas cidades, como Londres, e diminuiu o número de vagas nas fábricas, gerando desemprego e fome. Mas condições insalubres de trabalho e condições indignas de vida não eram problema para donos de fábricas, já que as condições sociais e econômicas ofereciam mão de obra abundante e barata, favorecendo seu lucro e a acumu- lação de capital. O capitalismo, assim, definia novas formas de extratificação social, novas classes sociais e, com elas, novas dinâmicas de relacionamento. Para Marx, tais dinâmicas se pautavam sempre na exploração da classe traba- lhadora pela burguesia, sendo essa uma característica inerente ao capitalismo. Mas há similaridades entre Marx e o filósofo positivista, embora não um diálogo entre suas teorias. Enquanto o primeiro acreditava que o ápice do de- senvolvimento humano era o positivismo, Marx acreditava que os movimentos da história encaminhavam as sociedades a uma única direção: o comunismo. A leitura das relações sociais feita por Marx tem muita influência de econo- mistas, como Adam Smith e David Ricardo. Por isso, apesar de corroborar a ideia de diáletica proposta por Hegel, Marx assume que as dinâmicas sociais e o desenrolar histórico se definem a partir do quadro socioeconômico, não do panorama político (MOCELIN; AZAMBUJA, 2011). Marx também identifica pontos positivos no capitalismo, como as inovações tecnológicas. Porém, o pressuposto da acumulação do capital prescinde da exploração da força de trabalho, da alienação e da manutenção da desigualdade, o que levaria a tensões e conflitos entre as classes sociais. Tais conflitos causariam ao rompimento das estruturas e chegariam, por fim, ao comunismo. Você pode se perguntar quais seriam as explorações salientadas por Marx, já que estar inserido no mercado de trabalho é um objetivo de praticamente todo indivíduo na contemporaneidade. O autor entendia que o trabalho envolvido no processo de produção não era remunerado da maneira correta. A classe bur- guesa era proprietária dos maquinários que produziam as mercadorias, mas ela precisava dos operários para se perpetuar. O valor produzido pelos operários na forma de mercadoria não retornava a eles, que recebiam um valor pelo emprego de sua força de trabalho, mas não tinham correspondentes no valor do produto final. A diferença entre o valor da mercadoria e o valor pago ao operário foi definida por Marx como mais-valia, e esta era apropriada pelo proprietário. O operário poderia não ter consciência dessa exploração e da capacidade revolucionária de sua classe, que seria a responsável por tomar os meios de produção e levar a sociedade ao comunismo. Para além da ausência de cons- ciência de classe, Marx identificava que a organização capitalista de produção gerava a situação de alienação do trabalhador. Este, pela necessidade de vender sua força de trabalho, não se percebia como ser humano livre e dotado de 5Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx capacidade criativa. Por isso, em seu Manifesto do Partido Comunista, Marx, ao lado de Friedrich Engels (2000), estimulou que operários e trabalhadores tivessem consciência da exploração vivida e da capacidade revolucionária que portavam, incitando-os a se unirem contra a dominação burguesa. Marx pautava suas teorias na dialética materialista, ou seja, na ideia de que os conflitos causados pelo cenário de produção mercadológica criariam as condições para a mudança estrutural nas sociedades. Essa é uma visão baseada na dialética de Hegel. Porém, o filósofo que inspirou Marx acreditava que as mudanças seriam produto de conflitos na esfera política. Marx sustentava que não havia outra possibilidade para as organizações sociais que não a organização do operariado para a tomada de poder rumo a uma sociedade sem classes sociais, sem exploração e sem desigualdades. Em tal sociedade, cada homem poderia criar a sua produção da maneira como idealizasse. Além disso, Marx acreditava que as desigualdades e tensões inerentes ao capitalismo é que incitariam, crise após crise (MARX; ENGELS, 2006), a caminhada rumo ao comunismo. Metodologicamente, Marx não acreditava na neutralidade científica, e sim na responsabilidade social de cientistas e pesquisadores. Além disso, acreditava ter encontrado as leis para compreender as dinâmicas sociais da humanidade, e tais leis se baseavam na luta de classes. Essas lutas teriam dado origem a todas as transformações sociais e políticas importantes, do feudalismo para o mercanti- lismo, do mercantilismo para o capitalismo e, futuramente, do capitalismo para o comunismo. Por isso, a luta de classes foi considerada por ele o “motor da história”. Émile Durkheim e as regras do método sociológico Durkheim vive o período da Terceira República Francesa e parte do período conhecido como Belle Époque (BAERT; SILVA, 2014). Os princípios da democracia e do liberalismo estavam consolidados no país e não havia os mesmos desequilíbrios e tensões sociais presenciados por Comte e Marx. O sociólogo francês defi ne técnicas e passos específi cos para a observação cien- tífi ca dos fenômenos sociais. Além disso, entende que a sociologia possui um objeto próprio. Por isso, ainda que a metodologia possa se assemelhar àquela das ciências naturais, haveria a necessidade de adequar os passos ao campo. Intelectualmente, Durkheim tinha infl uências positivistas e racionalistas, de autores como Comte, Rousseau e Tocqueville. Ele elaborou suas teorias a partir de uma visão funcionalista, que percebe o todo. Sua abordagem teórica se fundamenta na ideia de que a explicação sociológica deriva da causalidade, ou seja, há causas e efeitos para os fenômenos sociais (DURKHEIM, 2007). O que o diferencia de outros pesquisadores é a ideia de Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx6 que essas causas são exteriores aos indivíduos, configurando o que chamou de fatos sociais. Para Durkheim, toda ação empreendida por um indivíduo em sociedade poderia ser considerada um fato social. Efetivamente, o sociólogo acreditava que as ações escolhidas para serem praticadas não eram aleatórias, mas produtos do conhecimento social que induz os indivíduos a reproduzirem os fatos sociais. Assim, os fatos sociais seriam as ações que têm sentido quando praticadas em sociedade. O casamento, por exemplo, seria um fato social, porque tem um significado social específico, pautado por perspectivas civis e religiosas. A ideia do fato social pressupõe que a sociedade é externa ao indivíduo e que não é formada por suas ações.A visão durkheimiana de sociedade é funcionalista. Ou seja, para Durkheim (2007), a sociedade se constitui como um organismo, um todo social que existe e se articula de forma independente dos indivíduos. Essa noção pode ser confusa: uma sociedade não precisa necessariamente de indivíduos para se constituir? Sim, precisa. Porém, na visão de Durkheim, as formas de organização não partem de ideias individuais, que são expostas a outros, acordadas e assim reproduzidas. Para ele, as ações empreendidas socialmente só são reproduzidas porque são fatos sociais, porque têm um significado social. Assim, a sociedade é que imprimiria nos indivíduos o sentido das práticas sociais. Metodologicamente, Durkheim se afasta do pressuposto de Marx sobre a responsabilidade do cientista social e do sociólogo nas questões e problemas sociais que observa. Para o sociólogo francês, a verdadeira ciência social só se constitui quando há neutralidade científica, ou seja, quando há um distan- ciamento entre o pesquisador e seu objeto, quando suas concepções pessoais (políticas, ideológicas ou religiosas) estão completamente afastadas do exercício científico. É por isso que a elaboração das regras do método sociológico tem tanta importância para os sociólogos que se seguiram a Durkheim. Essas regras salientam que a ciência que observa e estuda a sociedade e as interações sociais não é pautada por interesses pessoais. A neutralidade científica em Durkheim pode ser explicada por seu próprio distanciamento de ideologias políticas. Diferentemente de Karl Marx e Augusto Comte, Durkheim se colocava igualmente contra o comunismo e o liberalismo. O primeiro modelo lhe parecia utópico e inalcançável, e o segundo, causador da anomia. A anomia é outro ponto fundamental na teoria durkheimiana. Ela des- creve um estado de perda total do significado da vida para indivíduos. Segundo Durkheim (2007), as sociedades imersas no liberalismo, focadas quase que somente na produção e no consumo, ofereceriam o cenário para a instalação da anomia. Em seu livro O Suicídio, Durkheim descreve como a anomia pode levar à situação do suicídio. O sentido da vida seria restaurado a partir da coesão social. A própria sociedade, o sentimento de pertencimento e o reconheci- 7Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx mento das estruturas que orientam as dinâmicas e práticas sociais afastariam as possibilidades de anomia. Do ponto de vista ideológico, a coesão social também se colocava como uma opção viável para amenizar os efeitos do liberalismo, já que, por meio dela, as tensões entre patronato e operariado se extinguiriam. Afinal, as ações sociais seriam direcionadas a atender às necessidades e produzir significados sociais para as duas classes. Max Weber e a sociologia compreensiva Max Weber vive durante a Alemanha de Bismarck, num período em que o país expandia os pressupostos da social-democracia. É nesse momento que surgem as primeiras leituras críticas não marxistas ao capitalismo industrial. Isso ocorre pois há uma visão pessimista quanto ao desenvolvimento do modelo, pela difi culdade de absorção da produção extensa e pelos problemas causados pelo neoimperialismo, um dos cenários responsáveis pelas tensões que levaram à Primeira Guerra Mundial. O sociólogo foi intelectualmente infl uenciado por Immanuel Kant, George Simmel, Nietzsche e Karl Marx. Além disso, criticava o positivismo de Comte (MOCELIN; AZAMBUJA, 2011). A perspectiva weberiana buscava identificar leis que pudessem explicar os fenômenos sociais, mas não propunha o distanciamento científico de Durkheim. Na verdade, Weber, influenciado pelas perspectivas kantianas, acreditava que a observação científica era pautada também por estruturas internas do pesquisador. Dessa forma, a própria escolha de um objeto de pesquisa poderia ser indicador de características específicas do cientista como indivíduo, além de expressar o seu contexto histórico, social e cultural. Esse quadro, no entanto, não diminuiria a importância das ciências sociais nem a excelência de alguns métodos, mas Weber enfatiza que os dados científicos são apenas uma parte da realidade, aquela per- cebida pelo pesquisador. Ao manter o olhar sobre determinado objeto e procurar compreender suas causas e, a partir delas, as consequências para o meio social, o sociólogo teria como função dar ordem ao caos (MOCELIN; AZAMBUJA, 2011). Weber relativiza a análise das ações e comportamentos sociais, uma vez que compreende que cada um deles tem significados individuais e pessoais para além daqueles percebidos socialmente. Além disso, a cultura seria uma construção conjunta de sujeitos sociais, e os significados construídos não teriam sentido fora da compreensão humana, de forma que não poderia haver determinismo histórico, como aqueles percebidos nas análises de Comte (o desenvolvimento culminaria no estado positivista) e de Marx (a história encaminharia as sociedades para o comunismo). Especificidades culturais e históricas teriam importância fundamental, para Weber, para os direcionamentos sociais. Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx8 Weber procura compreender os comportamentos sociais tanto a partir de instituições, como Estados e organizações industriais/comerciais, quanto a partir de comportamentos individuais. Para isso, define o conceito de tipo médio, ou seja, comportamentos reproduzidos por indivíduos a partir dos significados que esses comportamentos e ações possuem socialmente. Também elabora o conceito de esferas sociais, espaços sociais em que tipos médios de comportamentos se desenvolvem, caracterizando aquele espaço e o diferenciando de outros. Consi- dere, por exemplo, a família, a escola e a igreja: cada um desses espaços sociais permite e reproduz determinado tipo de comportamento social. A cultura seria o produto do trânsito de indivíduos entre diferentes esferas sociais. Diferentemente de Durkheim, portanto, Weber não possui uma visão funcio- nalista, ou seja, não possui a visão de que o todo influencia o comportamento de um indivíduo. Para ele, o conjunto de esferas sociais, em que os tipos médios de comportamento se definem, é elaborado a partir da compressão de significados apreendidos por indivíduos e sua escolha em reproduzi-los. Assim, as culturas e organizações sociais seriam produtos também das estruturas mentais dos sujeitos. Apesar de manter o foco na compreensão da causalidade dos fenômenos sociais, Weber também estudou a perspectiva econômica dos mercados, sua dinâmica e suas influências sobre o contexto social. A luta entre classes observada por Marx é substituída pela dominação nas abordagens de Weber. No mercado, no Estado e nas esferas sociais, os três tipos puros de dominação é que definiriam os processos de luta e tensão: dominação legal — fomentada por leis; dominação tradicional — pautada por estruturas culturais tradicionais, como o patriarcado; dominação carismática — baseada em características pessoais e intransferíveis da figura pessoal do líder (WEBER, 2003). As análises de Weber dão origem à escola chamada sociologia compre- ensiva, que se define pela noção de causalidade dos fenômenos sociais e também pela noção de relatividade. Nesse sentido, especificidades culturais e históricas influenciariam os contextos sociais, políticos e econômicos tanto quanto a visão do próprio pesquisador. Como você pode observar, as teorias sociológicas clássicas emergem entre o século XIX e o início do século XX. Apesar de suas especificidades, pode- -se afirmar que as alterações econômicas e nos meios de produção foram preponderantes para a construção das análises de Comte, Marx, Durkheim e Weber. A partir da leitura deste texto, você também pode desconstruir um 9Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx mito: a leitura e a influência de um autor importante não significa a reprodução irrestrita de suas teorias. Marx foi influenciado porAdam Smith, mas criou uma teoria oposta à do inglês. Weber foi influenciado também por Marx, mas desconsidera o comunismo como possibilidade e não concorda com a ideia de materialismo histórico. Isso confirma um ponto importante: é necessário e frutífero conhecer os autores que melhor retrataram e analisaram seu contexto social, histórico e político. Com base nisso, o pesquisador pode, a partir de seu contexto social, cultural e histórico, produzir trabalhos que corroborem ou refutem leituras anteriores. A modernidade pode estar presente nas teorias sociológicas! Mesmo as leituras clássicas podem ser utilizadas como parâmetro para compreender o mundo contemporâneo. Você sabe, por exemplo, quais alterações a Terceira Revolução Industrial — a revolução da comunicação feita pela internet, ainda na década de 1980 — causou nos padrões de relacionamentos sociais? As mídias digitais e o acesso quase constante que parte da população tem a essas plataformas alteraram a leitura de mundo de muita gente. A noção do que é velocidade, do que é presença e do que é atenção: tudo isso pode ser alterado por essas novas formas de comunicação. O interacionismo simbólico pode ser uma das teorias a auxiliar a compreensão desse processo. Para saber mais, leia o artigo de Renata Francisco Baldanza e Nelsio Rodrigues Abreu “Telefones celulares, redes sociais e interacionismo simbólico: conexões possíveis”, disponível no link a seguir. https://goo.gl/e1qa3p Teorias sociológicas contemporâneas: funcionalista, de conflito e interacionista O século XX não ofereceu rupturas tão intensas como as vividas pelos teó- ricos da sociologia no século XIX. Contudo, ofereceu transformações mais rápidas e mais eventos de instabilidade social, política e econômica, além de Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx10 duas guerras mundiais. Por isso, os sociólogos que emergem nesse contexto trabalham com cenários diferentes dos vividos pelos autores clássicos. Mas, por outro lado, se apoiam nas teorias desses autores para estabelecer suas próprias leituras, fomentando o que se denomina sociologia contemporânea. A sociologia contemporânea passa a produzir análises segmentadas das interações culturais, menos amplas do que as dos teóricos clássicos, que abar- cavam economia, política e sociedade. Elas se concentram em facetas, como a cultura, o trabalho ou a identidade, por exemplo, embora esses segmentos tenham conexões com os cenários políticos e econômicos e estes permaneçam sendo estudados. Uma marca da sociologia do século XX foi a continuidade das escolas sociológicas. Por isso, as produções marxistas, weberianas e durkheimianas fomentaram as leituras contemporâneas, como o funcionalismo, o interacionismo e a teoria do conflito. A perspectiva funcionalista compreende a função social sistêmica como um organismo ou uma engrenagem. Assim, cada parte contribui para a formação do todo. Nesse sentido, o todo é o foco, já que o objetivo dos órgãos é permitir que o organismo sobreviva, ou o objetivo das engrenagens é permitir que o maquinário funcione. Derivado especialmente da abordagem de Durkheim, o funcionalismo teve especial influência nas leituras e produções antropológicas da primeira metade do século XX, nas obras de Marcel Mauss e Radcliffe-Brown, por exemplo. Há ainda a derivação teórica para o funcional-estruturalismo. As teorias sociológicas do conflito são aquelas derivadas da noção de mudança estrutural a partir de tensões entre partes sociais, como no caso em que Marx definiu a luta de classes como o motor da história. Portanto, tratam- -se de leituras marxistas (que aplicam as mesmas teorias em suas abordagens científicas) e derivadas do marxismo (que utilizam o aporte metodológico de Marx, mas que consideram outras particularidades e teorias). A teoria sociológica interacionista, conhecida também como interacio- nismo simbólico, é derivada da sociologia compreensiva, que esteve presente nas leituras weberianas. Parte do princípio de que as sociedades e culturas são diferentes. Portanto, o significado social de uma ação precisa ser compreendido a partir do sistema simbólico presente naquela cultura. A ação seria preenchida de significado por meio da leitura simbólica de outras ações semelhantes que dão sentido à ação individual. 11Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx Há um pensamento comum que coloca em oposição as teorias de Max Weber e de Karl Marx, como se uma confrontasse a outra, mas isso não é verdade. Na realidade, os dois autores quase foram contemporâneos: Weber nasceu cerca de 60 anos depois de Marx. Os dois dividiram o mesmo contexto histórico, estavam imersos no trajeto de acomodação das alterações sociais e econômicas (de produção e consumo) causadas pela Revolução Industrial. Suas teorias trabalham o mesmo objeto, mas a partir de olhares diferentes. Até mesmo porque Marx dialoga com a filosofia e com a economia, e Weber se posiciona claramente na produção de uma análise social. Por isso, tenha a certeza: não havia disputas entre as teorias dos dois autores. Alguns comentaristas que produziram releituras e questionamentos teóricos a partir do século XX é que passaram a comparar seus escritos, seus objetivos e seus alcances. Teorias sociais contemporâneas e a profissionalização da sociologia A sociologia contemporânea surge de um processo que só foi possibilitado pelas leituras e teorias promovidas pelos autores das teorias clássicas: a profi s- sionalização. A profi ssionalização trouxe a possibilidade de que profi ssionais da área da sociologia exercessem as análises, em detrimento de profi ssionais de áreas correlatas, especialmente da fi losofi a, da economia e do direito. Trata-se do produto de um esforço realizado por décadas até que, a partir da década de 1930, pudesse se concretizar. A profi ssionalização, no entanto, levou os sociólogos profi ssionais à especialização. As teorias sociais clássicas emergem como forma de resposta ao caos e à instabilidade provocados pelas rupturas sistêmicas dos séculos XVIII e XIX; elas procuravam demonstrar uma saída. As teorias sociais especializadas, porém, oferecem inúmeras abordagens intelectuais sobre especifi cidades das ações e comportamentos sociais. Entre 1930 e 1960, a teoria social proposta por Talcott Parsons fundamentou as leituras sociológicas em todo o mundo. Parsons propunha uma leitura social estrutural-funcionalista, segundo a qual as estruturas sociais, especialmente as de dominação, condicionavam os comportamentos sociais (BAERT; SILVA, 2014). Por isso, leituras em que existiam parâmetros de transferência de valores Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx12 e regras de comportamento se estabeleceram, como as que tratam de trocas entre culturas e entre gerações. A alteração de paradigma acontece com as mobilizações estudantis na década de 1960 e os confrontos contra as ditaduras no Cone Sul e na África. As mobilizações sociais colocaram a sociedade civil numa forma de diálogo horizontalizado com os Estados, e não mais vertica- lizado, seguindo as determinações políticas institucionais. Sociólogos como Karl Mannheim têm suas leituras pautadas nesse contexto, assim como profissionais brasileiros, como Marialice Foracchi. As décadas de 1970 e 1980 abriram o espaço para as leituras do interacionismo simbólico, que relativizavam as ações sociais a partir da constituição do espaço social em que emergiam. Afinal, as mobilizações estudantis, por exemplo, que emergiram num mesmo segmento temporal, se desenrolaram com múltiplos resultados nos diversos países em que aconteceram. Nesse momento, emergem sociólogos como Pierre Bourdieu (que carrega também pontos da sociologia francesa pautada em Durkheim). Há a tentativa de aliar a sociologia estruturalista à perspectiva interpretativa, de modo que extrapolasse as versões anteriores que se pautavam em determinismo e voluntarismo. Os sociólogosprocuravam o caminho do meio, com propensão a uma ou outra direção. O fim do século XX trouxe aos sociólogos novas perspectivas e novas questões sociais (provocadas pela Terceira Revolução Industrial), que algumas das teorias clássicas já não ajudavam a responder. As tecnologias alteraram novamente os sistemas e padrões de produção e consumo. Mas a mais intensa alteração se deu no tocante à maleabilidade das fronteiras territoriais provoca- das pela globalização e pelas telecomunicações, especialmente pela internet. O novo paradigma põe em questionamento o que é o Estado e quem é o indivíduo na modernidade. As identidades se tornam voláteis e, ao mesmo tempo, há uma busca para que elas não se dissolvam completamente. Nesse cenário, emergem leituras que analisam as relações estabelecidas, como em Manuel Castells, e a quebra de conexões sociais reais fomentada pelo isolacionismo tecnológico, como em Zygmunt Bauman e em Boaventura Sousa Santos. O século XXI permite à sociologia uma abordagem mais etnológica quanto às questões identitárias, mas também imprime a responsabilidade política da manutenção das identidades culturais, especialmente nas temáticas sobre feminismo e raça, como em Judith Butler e na retomada de Angela Davis por trabalhos como os de Chimamanda Ngozi Adichie. 13Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx BAERT, P.; SILVA, F. C. Teoria social contemporânea. Lisboa: Mundos Sociais, 2014. COMTE, A. Discurso sobre o espírito positivo: ordem e progresso. São Paulo: Edipro, 2016. DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 2007. MARX, K. ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. Petrópolis: Vozes, 2000. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2006. MOCELIN, D. G.; AZAMBUJA, L. R. Marx, Weber e Durkheim: quadro comparativo sobre o pensamento dos autores clássicos da sociologia. In: ALMEIDA, M. L.; PICCININI, V. C.; OLIVEIRA, S. Sociologia e administração, relações sociais nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. WEBER, M. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Martin Claret, 2003. Leituras recomendadas BALDANZA, R. F.; ABREU, N. R. Telefones celulares, redes sociais e interacionismo sim- bólico: conexões possíveis. Mediaciones Sociales, n. 11, 2012. Disponível em: <http:// revistas.ucm.es/index.php/MESO/article/view/41271>. Acesso em: 5 dez. 2018. SANTOS, B. de. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1997. Teorias sociológicas clássicas: Comte, Durkheim, Weber e Marx14 Conteúdo:
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