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1 2 SUMÁRIO 1 CONTRIBUIÇÕES DE BION ...................................................................... 3 1.1 Início da carreira como psicanalista ..................................................... 4 2 TEORIAS DESENVOLVIDAS POR BION ................................................... 4 3 TEORIA DE GRUPO ................................................................................ 12 3.1 Os grupos terapêuticos ...................................................................... 13 3.2 A teoria de funcionamento dos grupos ............................................... 14 4 A TEORIA DO CONHECIMENTO ............................................................ 20 4.1 Vínculos l, h, k .................................................................................... 22 5 MEMÓRIA E DESEJO .............................................................................. 23 6 A FUNDAMENTAÇÃO PSICANALÍTICA DO PENSAMENTO DE BION .. 24 7 TEORIA DO PENSAMENTO .................................................................... 26 8 FUNÇÃO-ALFA E ESTILO DE PENSAMENTO EM BION ........................ 28 9 BION E A CAPACIDADE DE PENSAR .................................................... 33 10 RELAÇÃO CONTINENTE-CONTEÚDO, FUNÇÃO Α, RÊVERIE .......... 36 11 TRANSFERÊNCIA E TRANSFORMAÇÕES ......................................... 41 12 O FENÔMENO AUTÍSTICO .................................................................. 44 13 O UNIVERSO AUTÍSTICO .................................................................... 45 14 AS DIFERENÇAS ENTRE A ANÁLISE E A PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA ....................................................................................................... 46 15 OBJETIVOS TERAPÊUTICOS PARA PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA PSICANALÍTICA: BION ............................................................................................. 48 16 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 50 3 1 CONTRIBUIÇÕES DE BION Fonte: pt.slideshare.net Wilfred Bion nasceu na cidade de Muttra, na Índia, em 1897. Filho de pais britânicos, foi enviado à Inglaterra aos oito anos para estudar, alistou-se no exército aos dezenove e saiu após a Primeira Guerra para ingressar na universidade de Oxford. Lá estudou História, Filosofia, Teologia e licenciou-se em Letras. Após entrar em contato com as obras de Freud, resolveu cursar medicina e formou-se aos trinta e três anos. Bion começou a estudar psicanálise durante um período de dois anos como trainee do psicanalista inglês John Rickmann, e mais tarde foi supervisionado por Melanie Klein. Durante a Segunda Guerra Mundial, dedicou bastante tempo na análise de grupos e essa experiência lhe rendeu algumas obras, Intra-group tensions in therapy, Leaderless group Project e Group dynamics: a review. Bion abandonou as pesquisas nessa área para se dedicar a psicanálise, ingressou na Sociedade Britânica de Psicanálise e foi presidente da associação entre os anos de 1956 e 1962. No final dos anos 1960, as ideias de Bion não batiam com as dos demais psicanalistas da Sociedade Britânica e essas divergências fizeram com que o médico se mudasse para Los Angeles, mas enfrentou nos Estados Unidos o mesmo impasse que encarou em Londres. Bion, então, decidiu viajar o mundo divulgando suas ideias em palestras e conferências, passando pelo Brasil durante a década de 1970. 4 1.1 Início da carreira como psicanalista Em vários momentos de sua obra Bion foi influenciado pelos princípios filosóficos de Kant. Esses princípios se mostram, principalmente, nos conceitos de valorização da relação humana, ética, e a relação médico/paciente. Bion se interessa pela psicanálise quando faz análise com Rickman, que foi analisando de Freud. Após fazer sua formação analítica com Melanie Klein, Bion se torna seu mais importante discípulo. Nos anos 60, efetua uma revisão filosófica do texto freudiano fundamentando- a, ao mesmo tempo em Kant e Klein. Nesta revisão, divide o aparelho psíquico em duas funções mentais: Alfa e a Beta. Assim denominadas para evitar a acumulação de significados que um nome específico traria consigo. Alfa é definida como investigação que se ocupa do pensar: do pensamento e da aprendizagem pela experiência emocional. Os elementos Alfa seriam os precursores da memória que teriam uma grande capacidade de articulação. Quando a função Alfa, entre a mãe e o bebê, fracassa, o aparelho psíquico não fabrica elementos Alfa. Não metabolizando as experiências emocionais. Com esse fracasso, os elementos Betas que são os facilitadores da identificação projetiva, não produzem sonhos e não são transformados em elementos Alfa. Mas suas reflexões não tiveram boa repercussão na sociedade britânica. No ano de 1968, Bion juntamente com sua família foi se instalar na Califórnia. 2 TEORIAS DESENVOLVIDAS POR BION Parte Psicótica da Personalidade: Bion designa a PPP não como uma questão psiquiátrica, mas como um modo de funcionamento mental coexistente a outros tantos. Assim todo o paciente psicótico tem uma parte neurótica em sua personalidade, os neuróticos também têm uma parte psicótica oculta. As características básicas que estão presentes na PPP são: Fortes pulsões destrutivas com predomínio da inveja e da voracidade Baixa tolerância as frustrações, no lugar de modificá-las 5 As relações interpessoais mais intimas são caracterizadas pelo vinculo sadomasoquista. Uso excessivo de dissociações e identificações projetivas patológicas Uso excessivo de projeções, sentimentos e pensamentos persecutórios. Grande ódio à realidade interna e externa, com preferência pelo mundo das ilusões. Ataque aos vínculos de percepção e aos de juízos críticos, resultando num prejuízo do pensamento verbal, da formação de símbolos e do uso da linguagem. A onipotência, a onisciência e a imitação substituem o processo de aprender com experiência. O orgulho dá lugar à arrogância, o desconhecimento leva a estupidez e a curiosidade se transforma em intrusividade. A pouca capacidade de descriminação leva a uma confusão entre o verdadeiro e o falso, tanto do próprio self como do que está fora. Fuga a verdade, prevalecendo à negação através de distorções. Camuflagens, omissões ou mentiras deliberadas. Ao construir a proposição da existência de uma parte psicótica da personalidade, Bion não se referia à equivalência de um diagnóstico psiquiátrico, mas sim, a um espectro quantitativo e qualitativo acerca da área da mente em contrapartida à área não psicótica preservada. Isso se refere muito mais ao tipo de angústia e características do estado mental do que a manifestações clinicamente psicóticas com grau máximo de ruptura com a realidade. Refere-se a um modo de funcionamento mental coexistindo com outro modo de funcionamento (Bion, 1991a, 1991b, 1991c, 1992). No entendimento e nas palavras de Grinberg (1973), Bion explica que “todo indivíduo, mesmo o mais evoluído, contém potencialmente funcionamentos mentais e respostas derivadas da personalidade psicótica e que se manifestam como uma séria hostilidade contra o aparelho mental, a consciência e a realidade interna e externa” (p. 45). Zimerman (2004a), em seu livro dedicado à obra de Bion, descreve mecanismos característicos do funcionamento dessa parte psicótica da mente que se encenam tanto na prática analítica diante das angústias e do crescimento mental quanto no cotidiano, diante das frustrações e da realidade: 6 Qualidade das identificações projetivas: De acordo com Bion (1991b), é de uma disposição constitucional com predomínio pulsional destrutivo, capaz de forte inveja e voracidade, aliada ao baixo limiar de tolerânciaà frustração, que nasce, em determinados bebês, uma pré- condição de atacar tudo de que ele depende, de tal modo que um pêndulo psicótico começa a tocar já na relação com o seio materno. Por conta do ataque invejoso já destinado ao seio gratificador, alguns bebês deixam até de mamar, mas para não morrer de fome, disparam na mente o emprego de uma defesa primitiva, através do mecanismo de dissociação (splitting) voltam a depender do seio-leite, mas congelam a relação com o seio-amor, promovendo uma lacuna entre necessidade material e gratificação psíquica (Grinberg, 1973). Esse funcionamento mental primitivo, como revela Grinberg (1973), é reconhecido, na clínica psicanalítica, em pacientes que, tratam de conseguir comodidades materiais de uma maneira insaciável sem gozar delas nem reconhecer a existência dos seres vivos de quem dependem para obter tais benefícios. Não podem experimentar gratidão nem interesse por eles e os tratam como objetos inanimados (p. 62). Não obstante, voltando a compreender a gênese deste funcionamento nos primeiros meses de vida, Bion explica que é a capacidade de continência materna, através da qualidade de rêverie1, a essas angústias projetadas tão cedo na mãe, que se dará destino à força destas pulsões agressivas no universo mental do bebê. Delouya (1998), em referência à teoria de Bion, lembra que, se a mãe dispõe desta condição de rêverie, a qual, por meio da metabolização psíquica, permite transformar as angústias em sentir e pensar, o bebê não só ingere as angústias transformadas, mas também introjeta o modelo de continência e transformação, construindo seu próprio aparelho de pensar os pensamentos. Nas palavras de Hartke (2005) sobre esta tarefa materna como chave das compreensões de Bion acerca do funcionamento psíquico, essa função é descrita como a atividade mental, desempenhada nos primeiros tempos pela mãe em relação ao bebê, de transformar em pensamentos as impressões sensoriais e emoções brutas que emergem com as vivências. Assim, para Hartke (2005, p. 51), a falha nessa atividade faz com que tais impressões sensoriais e emoções permaneçam como fatos não digeridos 7 psiquicamente, que servem apenas para evacuação por identificação projetiva, gerando atuações, fenômenos psicossomáticos e alucinações. Grinberg (1973), ainda se apoiando nas compreensões de Bion, ressalta, por outro lado, que a capacidade de tolerância à frustração também é uma condição inata do bebê, portanto influi na responsividade da personalidade à carga pulsional destrutiva e às condições de continência do ambiente. O autor acrescenta que devemos considerar então, no desenvolvimento do funcionamento psicótico, uma disposição destrutiva primária, assim como também a relação com uma mãe que foi incapaz de realizar sua função de receber, conter e modificar as violentas emoções projetadas pela criança” (p. 53). Nesse contexto, as condições psicóticas se inauguram pela flacidez ou privação do continente mental materno diante das excessivas cargas agressivas projetadas pelo bebê, de modo que, ou elas não puderam ser suportadas e simbolizadas pela, ou a própria mente do bebê, pela ação do ódio e da inveja, não permitiu à mãe exercer está estruturante função continente. Assim, as emoções brutas voltam a habitar a mente do bebê pela mesma via pela qual foram expelidas, e muitas vezes acrescidas das angústias da própria mãe, com os afetos agressivos, sem representação e destino, atacando os vínculos afetivos e perceptivos. Como decorrência, as identificações projetivas são empregadas como forma de defesa primitiva, não verbal, de comunicar o registro que foi impresso sem nome e sem palavra no psiquismo, porque não foi pensado e significado, e como forma de descarregar de maneira evacuativa as ideias e angústias intoleráveis para a condição mental. As identificações projetivas equiparam-se aos acting, trocando pensamento por ação, já que se formou de maneira muito rudimentar o aparelho para pensar os pensamentos, ficando então o uso excessivo destas a serviço da parte psicótica da personalidade (Bion, 1991c). Desta maneira, como lembra Grinberg (1973), compreende-se a intersecção que Bion destacou entre a capacidade de tolerar frustração e a capacidade de transformá-la em pensamento, ou, no reverso, sob o domínio da parte psicótica, de evadir-se da frustração e abortar a capacidade de pensar os pensamentos. 8 Clinicamente, como explica Zimerman (2004b), a necessidade desta descarga projetiva pode, por meio de sucessivos splittings, dar origem a outro produto: as somatizações, no campo do corpo, e aos sentimentos persecutórios, no campo da psique. Isto significa que nesse funcionamento psíquico, conforme esclarece Sapienza (1992), pelo impacto das defesas de dissociação e identificação projetiva, os objetos internos e externos ficam distorcidos em polos de idealização e persecutoriedade e as relações [ficam] calcadas em vivências paranoides e soluções homicidas (p. 309). Grinberg (1973) acrescenta que na identificação projetiva utilizada pela parte psicótica predominam a inveja e a voracidade, despojando a própria personalidade de vitalidade; ou seja, um psiquismo trabalhando sob o motor ávido de inveja acidenta a satisfação amorosa e a gratidão, enquanto se intoxica e prolifera na personalidade, sendo, comparável a um ‘câncer’ mental [que corrói] as bases da sanidade mental (Sapienza, 1992, p. 309). Cumpre, por outro lado, não perder de vista que a proposição de Bion (1991a) admite que, enquanto a parte psicótica opera sob o sistema de defesa da cisão e identificação projetiva, a outra parte da personalidade, sob o funcionamento neurótico, emprega a repressão para dar conta dos conflitos do ego. Isso significa, conforme explica Grinberg (1973), que a parte psicótica da personalidade coloca no mundo real o que a parte não psicótica reprimiu, caracterizando a dinâmica e a multidimensionalidade da mente. A respeito desta ideia, já em um dos seus primeiros textos de referência, “O Gêmeo Imaginário”, subsidiado pela teoria kleiniana, Bion (1994b) explica o funcionamento cindido da personalidade como um sistema de dupla imaginária: enquanto uma parte da personalidade se relaciona com elementos arcaicos do próprio paciente, a outra trancafia seus processos intrapsíquicos e lança mão do uso maciço de identificações projetivas. Pela incapacidade de tolerar realidades psíquicas internas que coexistam em si, está nega não só a realidade interna, mas também a realidade externa. Ataques aos vínculos: Sandler (2009), outro autor brasileiro de importante referência dedicado ao estudo da obra de Bion, coloca que, na psicose do cotidiano, a personalidade conserva uma parte preservada pela amorosidade, realidade e tolerância, mas 9 apresenta também uma porção de seu funcionamento estéril, imaturo e por vezes cruel, ou seja, na parte da personalidade que funciona psicoticamente, o ódio, além de ser destinado à realidade externa, é também voltado aos sentidos, às emoções e à própria vida. Nessa perspectiva, na personalidade psicótica predominam os impulsos destrutivos. O produto mental evacuado, entendido como destroços egoicos e superegoicos, torna-se persecutório e distorce, contamina a percepção do real. A parte psicótica da personalidade emprega esse produto mental evacuado e reintrojetado como material para formar o pensamento (Grinberg, 1973). A respeito disto, para Junqueira de Mattos (1992a), Bion contribuiu de maneira inovadora com a psicanálise ao aperceber-se de que as vivências psicóticas estão sob o primado do princípio do “antipensamento” (p. 325), por “(...) evadir-se do conhecimento” (p. 459). Assim, tanto a qualidade do pensamento como a do pensador, isto é, do aparelho para pensar, ficam comprometidas, de modo a converter o desenvolvimento do pensamentode estado dinâmico em um estado estático. O ataque extensivo à consciência e ao aparelho das percepções, para Sandler (2009), obstrui estas capacidades, configurando-as com um traçado rudimentar e imobilizando o pensamento para permanecer em uma só perspectiva, promovendo falhas na “capacidade da mente de vincular pensamentos” (p. 23). Rezende (1995) sintetiza esse entendimento na proposição: psicotizando é que absolutizo, não vendo outras possibilidades” (p. 28), e mais: a versão psicótica, quando não inverte o sentido, privilegia um sentido só, absolutizando-o de maneira unívoca e sem saída (p. 31). Ademais, Rezende (1997) também explica que o pensar psicótico distorce o princípio da realidade de modo a coincidir com o princípio do prazer, negando a frustração. É por isso que, com o predomínio dos mecanismos psicóticos, o contato com a realidade fica contaminado e impossibilitado de fazer, experiência da verdade enquanto correspondência ao real” (p. 330). Nos termos de Junqueira Filho (2009, p. 57, grifo do autor), essa “distorção do entendimento” opera como armadilha que dissimula a verdade e se constitui como barragem de defesa para lidar com o impasse criado pelo confronto com o real. 10 Desse modo, em análise pode-se perceber que o paciente tem uma relação parcial consigo mesmo, realizando ataques destrutivos ao elo entre ele e a realidade, ou entre diferentes aspectos de sua própria realidade interna, tornando-se um desconhecido de si mesmo e avesso ao conhecimento das próprias verdades. Esse mecanismo, descrito por Bion como ataques aos vínculos, produz inibições na capacidade do pensamento, linguagem e conhecimento e na formação de símbolos (Bion, 1991b). Bion, levado pela influência kleiniana, ressaltou em muito sua compreensão acerca da intersecção entre a onipotência e a atividade de pensar psicoticamente, de tal modo que chegou a firmar que a onipotência é o contrário da gratidão e que, em tese, nas palavras de Rezende (1995, p. 224), “o onipotente é invejoso”. Assim, segundo Grinberg (1973), no estado mental psicótico se desenvolverá a onipotência e a onisciência como substitutos do processo de aprendizagem e não existirá uma função ou uma atividade psíquica que possa discriminar entre o verdadeiro e o falso; tão pouco haverá um tipo de pensamento capaz de autênticas simbolizações (p. 54). Da mesma forma, a função do superego, na sua porção construída de fragmentos primitivos de destrutividade, alcança tamanha severidade que prevalece uma superioridade moral no trato com o outro, marcada pela arrogância e estupidez em substituição ao juízo crítico, à inteligência e ao orgulho sadio. Desse modo, inscreve e impõe leis próprias não só ao próprio ego, mas também aos demais, ficando tomado de cólera quando contrariado, visto que está na perspectiva de que tudo sabe, pode, condena e controla. Contribuindo com esse sentido, Rezende (2003) lembra a proposição de Bion de que o orgulho, quando associado à pulsão de vida, sinaliza autovalorização, mas, se associado à pulsão de morte, converte-se em arrogância. Assim também, Rezende (1995) afirma que, na versão psicótica “‘as coisas têm que ser do jeito que eu quero que sejam’” (p. 176), e carente de pensamento e dotado de intolerância, o agir psicótico adiciona vivências na seguinte equação: “quanto mais intolerante, mais atuante; quanto mais atuante, mais frustrado” (p. 179). Para Grinberg (1973), Bion compreendeu que a parte com funcionamento psicótico se organiza com um superego que rege sua moral sob critérios de uma “superioridade destrutiva” (p. 52), privando o outro (o não-eu) de existência própria. 11 Nesse estado, a função do superego alcança enorme severidade e prevalece, na dinâmica psíquica do paciente, como uma superioridade moral no trato com o outro, marcada pela arrogância e estupidez em substituição ao juízo crítico, à inteligência, ao orgulho sadio e à criatividade. Além do ataque ao ego e à matriz de pensamento, esse mecanismo de funcionamento do Superego ataca também a capacidade de reparação, de modo que transforma o sentimento de culpa normal em patológico, pelo aspecto cruel de culpa persecutória extrema. Segundo Sapienza (1992), este Superego aterroriza tanto o ego que lhe impõe o peso de “ sacrifícios melancolizantes e trilhas suicidas” (p.309). A serviço deste funcionamento, a curiosidade se transforma em intrusão, e a linguagem, para evacuar a ansiedade, faz par com acting-out e, pela via da identificação projetiva, produz efeitos dissociativos e confusionais no outro também. Com a capacidade de pensamento comprimida, o símbolo é substituído pela equação simbólica, de modo que os pensamentos, palavras e sentimentos são distorcidos enquanto capazes de causar danos reais, e então precisam ser expulsos para fora do psiquismo como em uma evacuação mental. Em sucintas palavras, Zimerman (2004a), apresentando as ideias de Bion, explica que esta área de hipertrofia mental está sob o primado do funcionamento mágico, do “pensamento vazio” e do estado psíquico de angústia batizado como “terror sem nome” (p. 133, grifos do autor). Neste sentido, Sapienza (1992), fazendo referência à teoria psicanalítica de Bion, explica que na parte psicótica da mente, predominam configurações de fantasias primitivas inconscientes” que produzem jogos mentais “esterilizadores” e “atividades mentais predatórias e degenerativas” entre os objetos internos, imperando um “pandemônio de relações objetais impregnadas de desespero e malignidade vampiresca”. Além disso, “a atividade desse vetor favorece a dispersão, negativação de vínculos emocionais”, sobretudo ataca os vínculos de amor e conhecimento, pois “opõe-se à simbolização”. Promove uma confusão entre objetos internos fragmentados e mortos, que procuram “vorazmente existência, com momentos de intenso estupor e violência impulsiva”, e disto se faz a argamassa emocional que constrói a “barragem defensiva” que interrompe o “livre trânsito da oscilação dinâmica” entre a parte psicótica e não 12 psicótica da personalidade. (Sapienza, 1992, p. 303, grifos do autor). Em outro trabalho, Sapienza (2009) caracteriza esse estado como “inércia psíquica” (p. 37). Não obstante, como continua o mesmo autor (1992), no estado de funcionamento mental não psicótico prevalecem forças mentais de fertilidade e criatividade entre os objetos internos, de modo que qualidades de confiança, restauração e simbolização arquitetam uma construção interna de crescimento. Esse estado, conforme explica Sapienza (2009), alberga um fluxo dinâmico de transformação dos vínculos estabelecidos entre os objetos internos, de tal forma que lhes confere condições cíclicas equivalentes a questões humanas universais, as quais, assim como os vínculos, podem nascer, viver, crescer, ligar-se, desligar-se, morrer e renascer. 3 TEORIA DE GRUPO A teoria dos grupos de Bion parte de uma distinção inicial, existe o que é denominado de grupo de trabalho de grupo refinado ou grupos de base, ou mentalidade grupal, ou ainda de grupo de pressupostos básicos. Grupo de trabalho: diz respeito a reunião de pessoas para realizar uma tarefa específica, cada um dá sua contribuição de acordo com o que tem a oferecer, assim consegue – se manter um bom espírito de grupo. Mentalidade de grupos: é definida por Bion como “ a expressão unânime da vontade do grupo, à qual o indivíduo da vontade do grupo, à qual o indivíduo contribui por maneiras das quais ele não se dá conta, influenciando desagradavelmente sempre que ele pensa ou se comporta de um modo que varie desacordo com os pressupostos básicos, ou seja, o indivíduo contribui com o grupo não percebendo quando pensa se comporta favoravelmente a vontade do grupo. Pressupostos básicos Bion identificou três tipos de padrões de comportamento próprios dos fenômenos de mentalidadede grupo, denominados como dependência, acasalamento e luta – fuga. O primeiro diz respeito da necessidade que o grupo tem por um líder, podendo ser uma ideia, pessoa ou história do grupo. O segundo, o acasalamento, é que o grupo futuro atenderá ás necessidades pessoais de seus membros, como um grupo melhorado, uma esperança no futuro. 13 O terceiro pressuposto básico está relacionado a luta – fuga, ou seja, o grupo junto pode escolher lutar com alguma coisa ou fugir. Cultura de grupos – o grupo reage aos efeitos da mentalidade do grupo elaborando uma cultura própria sua. Bion usou essa expressão para descrever os aspectos que nasciam do conflito entre a mentalidade do grupo e as vontades dos indivíduos. Como Bion dedicou pouco esforço ao entendimento dos grupos de trabalho, algumas questões ficaram sem respostas, como por exemplo: os fenômenos próprios da mentalidade de grupo ocorrem em grupos de trabalho onde existe um objetivo claro uma agente e uma liderança formal? Não foi possível descobrir também como evitar ou reduzir a perturbação que os pressupostos básicos impõem aos grupos de trabalho na redução do conceito de cultura de grupo a mentalidade de grupos pois com essa redução, Bion reduz seu estudo da cultura dos grupos de trabalho a dos grupos organizados. Outra questão diz respeito a redução das relações de poder a uma perspectiva psicológica, incidindo então em reducionismo psicológico. 3.1 Os grupos terapêuticos A leitura de Bion (1975) e Bléandonu (1993) nos permitiu identificar os seguintes grupos terapêuticos estudados pelo psicanalista inglês: um grupo de diretores de empresas na clínica Tavistock, um grupo de analistas que haviam trabalhado com grupos em consultório particular, um grupo composto por terapeutas da clínica Tavistock e, posteriormente, grupos de pacientes psiquiátricos, em 1948. No grupo terapêutico, Bion não estabelecia nenhuma regra de procedimento e não adiantava qualquer agenda. Ele procurava convencer "grupos de doentes a aceitar como tarefa o estudo de suas tensões". Como, aparentemente, o grupo não tinha nada a fazer, tinha tempo para observar um fenômeno análogo ao da associação livre. Os participantes se voltavam a ele esperando que ele fizesse alguma coisa. Baseado na psicanálise, Bion enfrentava está espera com uma interpretação. Transformado no centro do grupo, ele comunicava aos outros participantes o que sentia na situação. (Bléandonu, 1993, p. 75). 14 Ele se expressava em uma linguagem clara e direta, fazendo-se compreender por todos os membros do grupo. Eric Trist (citado por Bléandonu, 1993) afirma que suas intervenções eram raras e concisas e poder-se-ia guardá-las na memória, porque ele esperava um volume de evidências razoável antes de fazê-las. Se um membro do grupo as fizesse, ele se abstinha de fazê-la. Destes grupos Bion retirou o material empírico para constituir a sua teoria de funcionamento dos grupos. 3.2 A teoria de funcionamento dos grupos A teoria dos grupos de Bion parte de uma distinção inicial. Existe o que o psicanalista inglês denominou de grupo de trabalho ou grupo refinado e os grupos de base, ou mentalidade grupal ou ainda grupos de pressupostos básicos. Grupo de Trabalho Por grupo de trabalho entende-se a reunião de pessoas para a realização de uma tarefa específica, onde se consegue manter um nível refinado de comportamento distinguido pela cooperação. Cada um dos membros contribui com o grupo de acordo com suas capacidades individuais, e neste caso, consegue-se um bom espírito de grupo. Por espírito de grupo, Bion (1975, p. 18) entende que se trata de: A existência de um propósito comum Reconhecimento comum dos limites de cada membro, sua posição e sua função em relação às unidades e grupos maiores Distinção entre os subgrupos internos Valorização dos membros individuais por suas contribuições ao grupo Liberdade de locomoção dos membros individuais dentro do grupo Capacidade de o grupo enfrentar descontentamentos dentro de si e de ter meios de lidar com ele Um grupo se encontra em trabalho terapêutico quando ele adquire conhecimentos e experiências sobre os fatores que contribuem para o desenvolvimento de um bom espírito de grupo. Na visão deste autor, o grupo é "essencial para a realização da vida mental de um homem, tão essencial para isto quanto para a economia e a guerra" (p. 46). 15 Entretanto, os grupos que ele foi observando na sua experiência clínica não se comportavam desta forma. Eles pareciam mobilizados por forças estranhas, que levavam seus participantes a agirem de forma diversa à que era esperada deles na busca da realização dos objetivos em torno dos quais eles próprios concordaram em reunir-se. Este fenômeno levou-o a observar atentamente aquilo que ele denominou inicialmente como mentalidade de grupos. Mentalidade de Grupos A mentalidade de grupos é "a expressão unânime da vontade do grupo, à qual o indivíduo contribui por maneiras das quais ele não se dá conta, influenciando-o desagradavelmente sempre que ele pensa ou se comporta de um modo que varie de acordo com os pressupostos básicos" (Bion, 1975, p. 57). Ela funcionaria de forma semelhante ao inconsciente para o indivíduo. Ela seria responsável pelo "fracasso dos grupos" que Bion reputa à "expressão num grupo de impulsos que os indivíduos desejam satisfazer anonimamente e a frustração produzida no indivíduo pelas consequências que para si mesmo decorrem desta satisfação" (p. 46). Em suas observações ele destaca diversas situações onde o grupo parece estar mobilizado pela mentalidade de grupo. Conversas fúteis, ausência de juízo crítico, situações "sobrecarregadas de emoções" a exercerem influências sobre o indivíduo, estímulo às emoções independentemente do julgamento, em suma: "perturbações do comportamento racional do grupo" (p. 31). Desta forma, os grupos seriam como uma moeda, que possui duas faces, uma voltada à consecução dos seus objetivos e uma outra regida por impulsos dos seus membros, impulsos estes que se manifestariam quando se está reunido em um grupo de pessoas. Um dos termos que Bion utiliza para definir a mentalidade dos grupos é "padrão de comportamento". Humbert (1985) afirma que o termo "pattern of behavior", foi desenvolvido pelos biólogos e que havia sido incorporado por Jung para a definição dos arquétipos. Este conceito articula a ideia de herança genética às contribuições dadas pela cultura, diferentemente do conceito de instinto, muito empregado por psicólogos do século XIX. Este conceito assemelha-se também à ideia de estrutura. 16 Ao prosseguir seus estudos, Bion foi distinguindo três padrões distintos, mas intercambiáveis, que seriam uma constante na mentalidade de grupos. Ele os denominou pressupostos básicos (basic assumptions). A teoria dos pressupostos básicos possui suas raízes na teoria freudiana, que tenta explicar os fenômenos grupais a partir da libido (instinto sexual). No seu famoso estudo intitulado "A Psicologia de Grupo e Análise do Ego" ele abandona a proposta de Trotter, que formulara a existência de um instinto gregário primário e inato para explicar os fenômenos de grupo, para sustentar a hipótese psicanalítica de que os fenômenos grupais possuem como origem um investimento afetivo sobre um objeto que não pode ser obtido, seguido pela identificação com os supostos "rivais". O pai da psicanálise ilustra seu ponto de vista com o nascimento de um segundo filho na família (que gera inveja no primeiro, e que é punida pelos pais, gerando uma identificação e um sentimento de comunidade, como forma possível de conviver com esta ambivalência), a identificação entre as fãs de um cantor ou pessoa de destaque e a competição pelo favoritismo entre as crianças na escola, seguida de uma ênfase e exigência de igual tratamento. Para Freud, o que "posteriormenteaparece na sociedade sob a forma de Gemeingeist, esprit de corps, espírito de grupo etc., não desmente a sua derivação do que foi originalmente inveja" (Freud, 1921/1969b). Há, portanto, na origem do sentimento social, segundo a psicanálise freudiana, a "influência de um vínculo afetuoso comum com uma pessoa fora do grupo". Ele é uma "formação reativa contra atitudes hostis de rivalidade". No pós-escrito deste artigo, Freud afirma que os impulsos diretamente sexuais são desfavoráveis à formação de grupos, e ilustra sua posição com a busca de privacidade do casal, a sua autossuficiência enquanto enamorados e os sentimentos de ciúme. Em outro trabalho conhecido, "O mal-estar na civilização", Freud (1930/1969a) trata dos instintos agressivos, argumentando pela existência de situações onde eles se manifestam de forma associada aos instintos eróticos. Os casos de sadismo e masoquismo são ilustrativos. Os trabalhos de Bion, entretanto, possuem um enfoque e interesses diferentes aos do pai da psicanálise, como se pode ver no próximo bloco. Pressupostos Básicos 17 À medida que vai observando os grupos, Bion identifica três tipos de "padrões de comportamento" próprios dos fenômenos de mentalidade de grupo. Ele denominou-os como dependência, acasalamento e luta-fuga. Bléandonu (1993, p. 52) destaca a semelhança entre estes três tipos e a teoria de um dos mestres de Bion, o médico e psicólogo Hadfield. Hadfield diferenciava uma tríade de pulsões, a saber: a libido-sexual, a agressão ou afirmação de si mesmo, e a dependência. (notar-se-á, de passagem, a semelhança com os três pressupostos básicos propostos por Bion). Um dos primeiros fenômenos observados por Bion (1975) foi a demanda que seus grupos apresentavam por um líder, capaz de satisfazer aos seus membros. “O grupo é bastante incapaz de enfrentar as emoções dentro dele, sem acreditar que possui alguma espécie de Deus que é inteiramente responsável por tudo o que acontece" (p. 30). Este pressuposto básico é o de que "existe um objeto externo cuja função é fornecer segurança para o organismo imaturo". Este objeto pode ser uma pessoa, uma ideia ou a história do grupo. O líder que age segundo este pressuposto básico se comporta como se fosse "onipotente" ou "onisciente", características próprias de uma divindade. Qualquer pessoa que queira ocupar o lugar de líder, uma vez já ocupado (ou pelo menos atribuído pelos membros do grupo), pode ser rechaçada, desdenhada ou menosprezada. Quando o suposto líder recusa-se a agir segundo o papel que se espera dele, cria-se um mal-estar no grupo, que pode recorrer a explicações fantasiosas para manter-se coeso. Os membros do grupo, agindo segundo este padrão de comportamento, disputam a atenção do líder e podem sentir "culpa pela voracidade" com que o fazem. Eles frequentemente consideram suas experiências insatisfatórias e insuficientes para lidar com a realidade, desconfiam da sua capacidade em aprender pela experiência. Seus sentimentos mais frequentes são os de inadaptação (à vida, às suas experiências etc., e não apenas ao grupo) e de frustração. Bion (1975) acredita que as pessoas aceitam estar em um grupo de dependência para "evitar experiências emocionais peculiares aos grupos de acasalamento e de luta-fuga" (p. 72). 18 O segundo pressuposto básico identificado por Bion é que "está por vir um novo grupo melhorado" ou que o grupo futuramente atenderá às necessidades pessoais de seus membros e o autor às vezes se refere a este pressuposto como "esperança messiânica", mas o denominou como "acasalamento" em uma clara acepção à origem psicanalítica do termo. O grupo de acasalamento foi inicialmente observado em pares que conversavam assuntos diversos, à parte, sem que o grupo se incomodasse com eles ou chamasse a sua atenção, aceitando-os. Eles pareciam-se com casais de namorados, embora não tratassem de nenhum assunto de conteúdo explicitamente sexual. O líder do grupo, neste pressuposto básico, está por nascer, e pode ser uma "pessoa ou ideia" que salvará o grupo. Bion entende que está "salvação" é, na verdade, dos sentimentos de ódio, destrutividade e desespero com relação ao seu próprio grupo ou a outro (daí a referência ao messias). Os membros de um grupo que está agindo sob a influência deste pressuposto básico, de forma geral, não estabelecem conversas com o "líder formal" ou chefe do grupo. A emoção mais presente no grupo de acasalamento é a esperança, e a atenção de seus membros, acha-se voltada ao tempo futuro. O terceiro pressuposto básico é o de luta-fuga e pode ser exposto da seguinte forma: "estamos reunidos para lutar com alguma coisa ou dela fugir". Os membros do grupo discutem sobre pessoas ausentes (que são um perigo para a coerência do grupo), estão tomados pela sensação de que a adesão do grupo é um fim em si mesmo, eles ignoram outras atividades, que não sejam este debate infrutífero, fogem delas. Eles acreditam, ou agem como se acreditassem, que o bem- estar individual é menos importante que a continuidade do grupo. O líder reconhecido como tal por este grupo é o que concede oportunidades para a fuga (que é a mesma coisa que a luta das discussões infrutíferas em torno da conservação do grupo). É ignorado quando não atua desta forma. Pressupostos Básicos e Grandes Organizações O psiquiatra inglês procura aplicar os conhecimentos obtidos no estudo de pequenos grupos na análise do funcionamento de grandes grupos. 19 Assim como Freud, ele se atém à igreja, afirmando que se trata de um grupo especializado de trabalho sujeita à interferência de fenômenos de grupo de dependência. O segundo qual estaria sujeito a fenômenos de grupo de luta-fuga. Ele considera a aristocracia como um grande grupo mobilizado por fenômenos de acasalamento. Conclui-se, portanto, que neste momento de sua obra ele considera válida a aplicação dos conceitos relacionados à dinâmica dos grupos de base às grandes organizações, não estando muito atento aos problemas que se criam ao se retirar conceitos do seu território de origem. Cultura de Grupos Como o grupo reage aos efeitos de uma mentalidade de grupos? Ele elabora uma cultura característica sua. Bion (1975) empregou o termo cultura de grupo de forma intencionalmente vaga como mostra a citação abaixo: Expressão que empreguei para descrever aqueles aspectos do comportamento do grupo que pareciam nascer do conflito entre a mentalidade do grupo e os desejos do indivíduo. (p. 47) No início do seu trabalho ele emprega metáforas genéricas para descrever as culturas de grupo, como "teocracia em miniatura" e "cultura de pátio de recreio". À medida que ele vai desdobrando o conceito de mentalidade grupal nos seus três padrões de comportamento ele associa a cultura a estes últimos, referindo-se a ela como "cultura de luta-fuga" ou "cultura de grupo dependente". Infelizmente o psiquiatra inglês se ateve pouco ao grupo de trabalho, focalizando sua análise sobre cultura na mentalidade de grupos. Ele crê que a intervenção nos grupos fortemente influenciados pela mentalidade de grupo se dá através de uma prática clínica. O terapeuta de grupo vai interpretando as manifestações da mentalidade de grupos à medida que elas se manifestam, evitando ocupar o lugar de líder que seria desejado pelo grupo influenciado por um padrão de comportamento. Ele deve lidar com emoções desagradáveis, algumas vezes agressivas, que surgem.1 1 Texto extraído do link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 65642002000200015 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000200015 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000200015 20 4 A TEORIA DO CONHECIMENTO Fonte:pt.slideshare.net Bion em sua prática clínica chegou à conclusão deque os pensamentos não existem sem as emoções, e que é necessário que exista na mente uma função que construa o sentido das experiências emocionai. Essa função ele denominou de vinculo K: o conhecimento. Uma criança pode tanto aprender a tolerar como modificar a realidade com a atividade do pensar e do conhecer. No que se refere ao vinculo mãe/bebê, Bion enfatiza a criação do vínculo primário que é a REBIERE materna. No desenvolvimento do vínculo do conhecimento surgem três possibilidades: Se a capacidade de RÊVERIE da mãe for adequada e suficiente, a criança terá condições de fazer uma aprendizagem com as experiências positivas e negativas vividas, impostas pelas privações e frustrações. A criança, nesse caso, desenvolve uma função K que possibilita enfrentar novos desafios em um círculo benéfico de aprender com a experiência, à medida que introjeta a função K da mãe. Caso contrário, se a capacidade de RÊVERIE da mãe para conter a angústia da criança não for suficiente, as projeções que tenta depositar na mãe são obrigadas a retornar a ela sob a forma de um “terror sem nome”, o qual gera mais angústia e mais ódio. 21 No lugar de K forma-se um vínculo – K, ou um não K, que são os casos mais extremos em que a mãe externa não contém e não dá significado, sentido e nome às identificações projetivas do bebê. É importante salientar que a função K não se refere somente à posse de um conhecimento ou saber, mas sim a um enfrentamento do “não saber”. Assim, o saber será o resultado da tarefa do descobrimento e do aprendizado com as experiências da vida: as boas e as más. A função do conhecimento está intimamente ligada à da formação de símbolos, sendo esses que permitem uma evolução da criança à condição de poder conceituar, generalizar e abstrair, expandindo o seu pensar e o seu conhecer. Para Bion, uma teoria é um produto de um processo de pensar e, simultaneamente, é uma preconcepção que espera realizações que se aproximem dela. A preconcepção é análoga ao pensamento vazio kantiano. A concepção é a junção de uma preconcepção com uma realização e o pensamento surge da união de uma preconcepção com uma frustração. Os conceitos têm nome, são concepções ou pensamentos firmados. O eixo central da formação do Conhecimento e do Pensamento é a maior ou menor capacidade do ego da criança em tolerar as frustrações decorrentes das privações. A criança tanto pode fugir dessas frustrações, criando mecanismos que evitem conhecê-las (ela evita o problema, mas não evita a angústia), como pode aprender a modificar a realidade, através da atividade do pensar e do conhecer. O desenvolvimento cognitivo da criança será mais ou menos exitoso dependendo de três fatores: de como a mãe real utiliza o seu próprio pensar e conhecer e de como contêm as angústias do seu filho. Da capacidade da criança quanto à formação de símbolos, do desejo de conhecer a respeito dos conteúdos mentais como estando intimamente relacionado com as emoções de amor e ódio. O termo vínculo designa uma experiência emocional pela qual duas ou mais pessoas, ou duas partes de uma mesma pessoa estão relacionadas entre si. 22 4.1 Vínculos l, h, k Vínculo do amor (L): Até 1920 o trabalho psicanalítico estava praticamente reduzido a um enfoque centralizado quase que exclusivamente nas pulsões libidinais. À medida que os conhecimentos da teoria e prática da psicanálise foram evoluindo, tornou mais claro que: as demandas por amor não são unicamente de natureza libidinal e sexual (conforme formulação original de Freud), as manifestações de amor provenientes do Instinto de Vida são inseparáveis do Instinto de Morte , as demandas por amor procedem de uma fonte original muito anterior: na relação diádica com a mãe, e elas estão representando uma necessidade de preenchimento de vazios afetivos, para garantir a sobrevivência psíquica. Vínculo do ódio (H): Principalmente a partir das concepções da escola kleiniana, os psicanalistas passaram a valorizar o vínculo do ódio como sendo um integrante fundamental de toda e qualquer relação objetal, intra ou interpessoal. Vinculo do conhecimento (K): O vínculo K foi conceituado por Bion como sendo aquele que existe entre um sujeito que busca conhecer um objeto e um objeto que se presta a ser conhecido. Representa também um indivíduo que busca conhecer a verdade acerca de si mesmo. Bion aprofundou-se nas particularidades do vínculo do Conhecimento, correlacionando-o com: outras funções do ego, como a do pensamento, linguagem, juízo crítico etc. Com os problemas relativos à verdade, falsidade e mentira, com Ataque aos Vínculos, os quais permitiriam a percepção das intoleráveis verdades, tanto as externas como as internas, a substituição do Conhecimento pela tríade: Arrogância, Estupidificação e Curiosidade Maligna. Em síntese, podemos afirmar que esses três tipos de vínculos são indissociados entre si e dependem, diretamente, tanto da disposição hereditária da criança como, e, principalmente, da capacidade de reverie da mãe. Se a capacidade de reverie da mãe for suficiente a criança terá condições de fazer uma aprendizagem com as experiências das realizações positivas e negativas impostas pelas privações e frustrações e, neste caso, ela desenvolve uma função K. Se a capacidade de reverie da mãe for insuficiente a criança desenvolve um vínculo –K (a mãe é introjetada pela criança como uma pessoa que a destitui de seus 23 objetos bons e a obriga a ficar com os objetos maus), ou pode resultar num vínculo “não K”.2 5 MEMÓRIA E DESEJO Bion traz a sua conhecida proposta de “sem memória sem desejo” ancorada em vários pressupostos. Diz que como registradora dos fatos acontecidos, a memória pode ser enganadora, pois é distorcida pela influência de forças inconscientes e os desejos interferem na operação do julgar, pela ausência de mente onde ao mais importante é a observação, já que os desejos distorcem o julgamento suprimindo o material a ser julgado. Para Bion a sessão de psicanálise não deve ter história nem futuro, a única importância para ele na sessão é o desconhecido. Ainda traz como sugestão para o psicanalista que não traga a memória às questões abordadas nas sessões anteriores priorizando uma melhor concentração do que está acontecendo na sessão corrente. Em relação ao desejo Bion, diz que o psicanalista não deve apresentar desejo de fim da terapia, da semana ou do ano, assim como desejos de resultados, de “cura” ou mesmo de compreensão. Agindo desta forma o psicanalista terá no início muita ansiedade, mas que com o passar do tempo adquirirá a certeza de que cada sessão se completa por si própria. Bion em sua visão de tratamento pontua que não se deve polemizar com o paciente e nem contrapor a sua verdade com a do analista e sim abrir novos caminhos para visualizar um fato em comum, porque através disso ele possibilita o paciente a refletir. Com relação ao setting analítico, ele nos dá a entender que não se refere somente a horários, espaço físico e honorário, mas a um campo analítico, onde analista e paciente vão interagir, influenciando e sendo influenciado um pelo outro. Podendo assim a encontrar novas soluções. Bion atribui importância relevante a dor psíquica, pois através do fato de sentir dor e, é necessário sofrê-la, poderá crescer com a experiência. Todo processo de mudança de um indivíduo no processo de análise, sempre virá acompanhada de dor 2 Texto extraído do link: http://gtcomparin.blogspot.com/2012/12/teoria-de-bion_30.html 24 e sofrimento, sendo que o mesmo pode fugir da dor ou enfrentá-la, sendo que este último caminho é o que traz a transformação. Para Bion um paciente está em condições de terminar sua análise quando adquiriu uma função psicanalítica, ou seja, longe fisicamentede seu analista consegue dialogar com suas diversas partes. Segundo a psicanálise não deveria ficar só nos consultórios, pois é uma prática de vida. Por isso que não existe uma crise da psicanálise, pois a função analítica é inerente ao ser humano e enquanto existir o homem existirá a psicanálise. 6 A FUNDAMENTAÇÃO PSICANALÍTICA DO PENSAMENTO DE BION Não há questionamentos sobre a fidelidade de Bion ao método e ao pensamento psicanalítico. A estranheza que suas contribuições provocam refere-se aos desenvolvimentos teóricos e clínicos que trouxe, partindo das descobertas de Freud e de Klein: Bion tem um olhar próprio, um outro vértice para pensar os fenômenos psíquicos descritos por esses autores seminais, além de ter feito acréscimos originais à compreensão psicanalítica da mente. Para situarmo-nos nessas mudanças, vamos partir de uma inequívoca manifestação de Freud: o nome "psicanálise" pode ser usado "para qualquer terapia que reconheça a importância da resistência ao inconsciente, da transferência e das raízes genéticas da neurose na infância" (Freud, 1914/1974a). Como Freud não incluiu em sua afirmação que esses fenômenos teriam de necessariamente ser pensados por meio das teorias que ele formulara, entendemos duas coisas: A primeira Freud tinha clareza da distinção entre as experiências vividas na sessão analítica e as teorias criadas para descrevê-las ou explicá- las. Ou seja, a distinção entre o que é essencial e o que é a transformação do essencial e a segunda é que o selo da condição psicanalítica é dado pela conjunção de uma teoria do funcionamento mental baseada no reconhecimento da resistência ao inconsciente, de uma teoria da relação analítica baseada na transferência e de uma teoria do desenvolvimento mental baseada em Édipo. Podemos rastrear, no conjunto da obra de Bion, a presença dessas três raízes seminais: 25 Quanto à resistência ao contato com o inconsciente, Bion não só toma está compreensão como seu ponto de partida, como também faz contribuições originais ao entendimento das dificuldades da mente em integrar aspectos rejeitados ou incompatíveis de si mesma. Ficam dúvidas de que Bion está operando com a ideia de resistência quando destaca a gama de elementos que podemos abrigar nas colunas 2 da Grade? Todas as suas recomendações sobre o estado da mente do analista, que favorecem o alcançar contato com o não simbolizado, não são indicações úteis para o contato com o que é inconsciente? Sua conjectura, ao final da vida, sobre a cesura e a discriminação entre estados de mente consciente/inconsciente e inacessível, não traz esclarecimentos sobre formas diferentes de vivermos o inconsciente? Quando nos elucida sobre seu pensamento não estar contemplando a polarização consciente/inconsciente, mas sim a de finito/infinito, não está ele nos apontando o fato de que, em dimensões fundantes da mente, o movimento útil é em direção a um inconsciente infinito e não apenas a um inconsciente capaz de vir a ser consciente (->finito)? Sabemos como Freud explorou a mente tendo a transferência como instrumento. Melanie Klein deu continuidade a esses esforços, tanto utilizando o instrumental freudiano quanto o ampliando por meio da teoria da identificação projetiva. Bion também se valeu da transferência e da identificação projetiva, assim como criou outros instrumentos para explorar a relação analítica, como sua teoria do pensar, e também as teorias da observação: A grade e a teoria das transformações. Nesta última, para organizar as experiências da sessão analítica Bion integra as teorias da transferência (transformações em movimento rígido) e da identificação projetiva (transformações projetivas) ao lado de outras formas de transformações que ele descreve, ao discrimina Pensamento Alucinose Operações opostas ao conhecer As transformações em ser ou tornar-se a realidade (diferenciando, assim, os movimentos para conhecer e ser daqueles próprios à gênese do pensar). Temos aí uma teoria do funcionamento mental, mais 26 sofisticada e bem mais abrangente que as do funcionamento neurótico e psicótico. A teoria do conhecimento de Bion (1962/1966, 1963/2004 a 1965/2004b) é uma teoria do desenvolvimento mental. Podemos mesmo afirmar tratar-se da mais sofisticada teoria sobre o conhecer já surgida no campo psicanalítico. E também percebê-la como uma teoria sobre fenômenos mentais ainda anteriores aos edípicos como descritos por Freud e Klein; é igualmente fácil perceber que no conceito de vínculos de amor, de ódio e de conhecimento (Bion, 1962/1966) estão contemplados os três vínculos presentes na proposta freudiana do Complexo de Édipo. De forma convergente, Bion também trouxe contribuições originais à nossa compreensão do mito edípico e do Complexo de Édipo, como os conceitos de situação edípica e de preconcepção edípica. 7 TEORIA DO PENSAMENTO Em “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911) Freud afirma: “a decepção ante a ausência da satisfação esperada motivou o abandono de sua tentativa de satisfação por meio de alucinações e para substituí-lo, o aparelho psíquico teve que se decidir a representar intrapsiquicamente as circunstâncias reais do mundo exterior, e tender à sua modificação real”.3 O pensamento, as emoções e o conhecimento são indissociados entre si, sendo que o pensamento precede o conhecimento, porquanto o indivíduo necessita pensar e criar o que não existe, ou o que ele não conhece. Bion, nos trabalhos: “Uma Teoria do Pensamento” (1962) e “Elementos em Psicanálise” (1963), introduziu as seguintes concepções: Da mesma forma como para Freud, também a teoria do pensamento de Bion tem como ponto de partida a frustração das necessidades básicas que são impostas ao lactante. Para Bion o essencial é a maior ou menor capacidade do ego do lactante poder tolerar o ódio resultante dessas frustrações. Ele considera fundamental se vai haver uma fuga em relação à frustração ou uma modificação desta. Bion introduz a noção de que é necessária uma distinção entre elementos do pensamento e os pensamentos propriamente ditos. Para Bion, “o pensar é um 27 desenvolvimento forçado sobre o psiquismo, pela pressão dos elementos dos pensamentos, e não o contrário”. Na realização positiva há uma confirmação de que o objeto necessitado está realmente presente e atende às suas necessidades. Na realização negativa, o lactante não encontra um seio disponível para a satisfação e essa ausência é vivenciada como a presença de um seio ausente e mau dentro dele. Para Bion todo objeto necessitado, em princípio, é sentido como sendo mal porque se ele o necessita é porque não tem posse dele; logo, esses objetos são maus porque a sua privação provoca muito sofrimento. Se a capacidade inata do ego para tolerar as frustrações for suficiente, a experiência do “não seio” torna-se um elemento do pensamento (protopensamento) e se desenvolve um aparelho psíquico para “pensá-lo”. Se a capacidade inata para tolerar as frustrações for insuficiente, o “não seio” mau, deve ser evadido e expulso pelo emprego de maciças identificações projetivas. As experiências de realização negativa são inerentes e indispensáveis à vida humana, e elas podem seguir dois modelos de desenvolvimento: Se o ódio resultante da frustração não for excessivo à capacidade do ego do lactante em suportá-lo, o resultado será uma sadia formação do pensamento, através da “função α”, a qual integra as sensações e as emoções. A função α é a primeira que existe no aparelho psíquico e é ela quem vai transformar as sensações e as primeiras experiências emocionais em elementos α. Os elementos α são processados pela função α, são utilizados pela mente para a formação de sonhos, recordações e para as funções de simbolizar. Os elementos α formam um conjunto denominado de “barreirade contato” que resulta do conjunto formado pelos elementos α, demarca a fronteira de contato e de separação entre o consciente e o inconsciente. Se o ódio resultante da frustração for excessivo, os elementos do pensamento que se formam, denominados “elementos β”, não se prestam para a função de serem pensados e precisam ser imediatamente aliviados, portanto, descarregados pela criança. Os elementos β são protopensamentos, ou seja, experiências emocionais e sensoriais primitivas e que, portanto, não puderam ser pensadas até um nível de conceituação ou de abstração, elas devem ser expulsas e evacuadas para fora. Os elementos β formam um conjunto denominado de “pantalha ou tela β” a qual não 28 possibilita uma diferença entre o inconsciente e o consciente, entre a fantasia e a realidade e nem a elaboração de sonhos. A essência da formação dos pensamentos úteis depende não só da capacidade de tolerância às frustrações, como também da capacidade em suportar as depressões, ou seja, vai depender basicamente do modo da passagem da posição esquizo-paranóide para a posição depressiva. A relação entre o pensador e o pensamento, sob o modelo continente- conteúdo, foi estudada por Bion e, segundo ele, adquire três formas: A primeira é a forma parasitária: Na qual o pensador e o pensamento novo se desvitalizam, se destroem entre si e se nutrem de mentiras que funcionam como uma barreira contra a verdade. A segunda é a forma comensal: Em que o pensador convive com o seu pensamento sem grandes atritos e, se não impede a evolução, também não possibilita grandes mudanças. A terceira é a forma simbiótica: Pela qual o pensador e o pensamento se harmonizam e se beneficiam mutuamente entre si. 8 FUNÇÃO-ALFA E ESTILO DE PENSAMENTO EM BION O conceito de função-alfa foi formulado por Bion no início da década de 1960, com base nas exigências de sua clínica, associadas a inadequações que, para ele, existiam nas teorias de Freud e de Melanie Klein e pediam novas considerações e abordagens epistemológicas. Seu desenvolvimento ocorreu por meio do atendimento de pacientes considerados difíceis (como esquizofrênicos, neuróticos graves, dependentes químicos) nos anos 50, combinado a um estilo característico, passível de ser percebido desde suas investigações sobre o funcionamento mental de grupos realizadas nos anos 40. Apesar de o trabalho com grupos e o conceito de função-alfa não estarem diretamente relacionados em termos teóricos; de o primeiro representar uma via de abordagem psíquica diferente daquela do atendimento individual, é possível notar um vínculo implícito entre essas atividades, dado por algo de essencial no modo de Bion pensar e elaborar suas ideias. 29 Esse modo levará autores como Donald Meltzer a buscar, nas diferentes facetas do estilo de Bion, uma linha de inteligibilidade para seu método de exposição teórica e o objetivo subjacente a ele. Acredito que uma característica essencial dessa faceta seja o modo como a alteridade se apresenta em seu pensamento. Em linhas gerais, o conceito de função-alfa representa uma qualidade da personalidade para lidar de modo criativo e pessoal com os dados de uma experiência emocional que, sem essa função, permaneceriam presentes, mas não assimilados pelo eu. Os dados não trabalhados por essa função, nomeados de elementos beta, são associados por Bion na forma de uma analogia à matéria não digerida e tóxica do processo digestivo. Assim, a operatividade da função-alfa está diretamente relacionada com esses dados e não pode ser pensada independentemente deles – seja por sua existência, seja por características do processo de conversão da matéria bruta em alimento, ou melhor, em uma abstração. Essa função age no início do processo de sofisticação do pensamento, modificando o que há de concreto na experiência com o mundo interno ou externo, em direção à formação do pensamento simbólico. Pode-se afirmar, então, que essa função pressupõe a presença de uma alteridade, por vezes radical, e seu bom funcionamento implica admissão e sustentação psíquica e emocional da mesma. Prosseguindo com associações abstraídas do trato digestivo, a assimilação de dados de uma experiência não é, para Bion, o mesmo que dissolver ou eliminar algo de sua alteridade, e representa os primeiros passos para que esta venha a ser tratada como tal. Guardadas as devidas proporções, as características da personalidade ligadas à função-alfa estão relacionadas à maneira como Bion desenvolve e apresenta suas próprias ideias. A observação da proximidade existente entre essas características, seu estilo e suas elaborações mais abstratas pode facilitar a apreensão do conceito e o contato com sua teoria. Para esse autor, há uma via de mão dupla constante entre as abstrações teóricas e a prática, ainda que ela nem sempre esteja clara em suas discussões. Como diz Lansky, “em termos de formação de teoria, o trabalho de Bion sempre lida com o concreto, não importa o quão abstrato e matemático pareça ser”. 30 Minha proposta será, portanto, destacar o que há de essencial no conceito de função- alfa e formar uma ideia sobre aquilo que tornou necessária sua concepção. O processo de criação desse conceito em particular e as teorizações de Bion em geral estiveram intimamente ligados a um interesse filosófico pelos fundamentos da Psicanálise e do processo analítico, assim como à caracterização de seus elementos essenciais. Em sua teoria, são frequentes as reflexões sobre o método e as condições de possibilidade para o acesso da personalidade à realidade de uma experiência emocional, tanto do lado do paciente quanto do lado do analista. O conceito de função-alfa procurou dar conta de descrever a maneira como a realidade se tornaria psiquicamente disponível e, além de ser um dos principais componentes de sua teoria do pensar, é um dos dispositivos que levaram à elaboração dessa mesma teoria. Para desenvolver essa ideia proponho que, em vez de entrarmos em um terreno mais característico da filosofia, realizemos uma aproximação com algumas questões que a prática clínica colocava aos psicanalistas naquela época. Bion destacou a dimensão do desconforto, da incerteza e do desamparo do analista, associada à dispersão e à fragmentação dos dados da experiência clínica. Contudo, seus relatos de caso também evidenciam uma franca disposição para suportar situações de intensa pressão emocional, por meio da qual podemos apreender algo do lugar e do modo de ser analista. Seu artigo “On arrogance”, de 1957, ilustra bastante bem a situação precária vivida pela dupla analítica em um determinado momento da análise, quando as interpretações conhecidas não serviam mais e o paciente mal podia articular-se verbalmente. Aos poucos, apresenta a saída inusitada a que consegue chegar com a ajuda do paciente, a partir da sensação de estar perdido, e ainda assim ser capaz de sustentar (stand) a situação. Vale a pena conferir no dicionário a riqueza de sentidos da palavra inglesa stand, presente no texto original e utilizada por Bion para descrever seu estado mental durante a sessão. Em trabalhos posteriores, serão amplamente desenvolvidas as características das funções analíticas, como a capacidade de conter e de sonhar, na sessão, experiências primárias como essa. Foi com base nesse tipo de situação que o conceito de função- alfa foi desenvolvido. 31 Uma das principais inquietações de Bion diz respeito ao que é feito ou como se reage ao novo e ao desconhecido, procurando, com isso, chamar a atenção dos psicanalistas para a experiência de intolerância às emoções e ao estranhamento e desconforto gerado pelo encontro com o outro e com o outro de si mesmo. Desse modo, em vez de a dimensão do desconforto, da frustração e da incerteza revelar uma dificuldade de ordem exclusivamente pessoal do analistaou um problema do paciente e de suas psicopatologias, ela expressa algo da dinâmica psíquica na relação analítica, compondo parte das reflexões de Bion sobre as consequências de se investigar a vida mental, suas emoções e seus distúrbios. É possível considerá-la uma presença ora silenciosa, ora ruidosa, que marca grande parte das elaborações teóricas do autor, influencia as discussões epistemológicas e metodológicas e, inclusive, transborda para o estilo de sua escrita e de suas comunicações. É desde seu trabalho com grupos que se pode notar um posicionamento clínico e uma atitude mental de curiosidade e de abertura a certas particularidades dos fenômenos, referentes a seus aspectos primitivos. Bion percebeu, nos grupos, uma simultaneidade entre comunicações verbais e não-verbais, que o levou a sugerir a existência de uma mentalidade grupal de origem protomental ou proto-somática, onde o físico e o psíquico estariam indiferenciados. Em cogitações, Bion cunha usa o termo “trabalho onírico alfa”, para representar a atividade mental que armazena e que torna disponível ao conhecimento, à recordação, ao pensamento inconsciente e ao trabalho onírico, tal como descrito por Freud, os dados da experiência emocional. Do contrário, estes permaneceriam presentes, porém desconhecidos e tóxicos. O termo “alfa” é uma incógnita que serviu para enfatizar a elaboração de um postulado, ou de uma hipótese teórica acerca de uma atividade mental em si mesma desconhecida, e que, para Bion, exigia uma formulação conceitual. O “trabalho onírico alfa” foi mais tarde nomeado de “função-alfa”, para que não fosse confundida com o trabalho de sonho, tal como Freud o compreendia. Essa função representou tanto uma estratégia do pensamento de Bion quanto uma função da personalidade para lidar com eventos que pediam compreensão e que, portanto, estariam dispersos e fragmentados (os elementos-beta). 32 As incógnitas alfa e beta indicam que os termos são, em si mesmos, incognoscíveis, mas passíveis de adquirirem significado na experiência; eles foram propostos com a intenção de evitar que os termos fossem associados a significados definitivos e, desse modo, permanecem abertos ao desconhecido da experiência. Segundo o autor, a cristalização do pensamento na psicose poderia ser análoga ao risco que os analistas correm ao se apegarem, demasiadamente, a certos conceitos, dando a eles uma concretude que dificulta a flexibilidade que precisariam ter em cada situação. Bion evidencia a existência da incógnita no pensamento analítico e, no caso da função-alfa, na própria personalidade; ela representa, assim, a condição de abertura ao impensado de si e do outro, ao desconhecido e ao que está para ser sonhado e pensado. Ela é mais do que uma função metodológica da personalidade para a investigação e para observação da realidade; a função-alfa converte as impressões em material onírico e estabelece ligações entre os elementos da experiência emocional, de modo a suprir a mente de realidade, do que parece ser verdadeiro e de existência. A alteridade é uma presença constante no pensamento de Bion e está entranhada nas peculiaridades do estilo, na teoria e na prática desse autor. Com o conceito de função-alfa, ele encontrou um modo de se aproximar do mundo bizarro e idiossincrático do psicótico e de elaborar as condições para essa aproximação com base nessa mesma experiência, sem ignorar o que é desconhecido ou evitar o que é intolerável, e admiti-lo enquanto tal. Nós temos, como analistas, ao menos a possibilidade de encontrar na obra desse autor intuições profundas sobre a importância e sobre o significado de sustentar e de estar aberto ao desconhecido, e sobre o quanto essa atitude pode representar para vida emocional de nossos pacientes. 33 9 BION E A CAPACIDADE DE PENSAR Fonte:almapapel.blogspot.com Um dos principais temas do trabalho do psicanalista Wilfred Bion se desenvolveu em torno da capacidade de pensar, cujo livro "Seconds Thoughts" reuniu suas principais ideias sobre o assunto. Para o autor (Bion, 1994), o pensar é uma atividade que depende do resultado satisfatório de dois desenvolvimentos mentais – dos pensamentos e do aparelho que proporciona a atividade do pensamento. Os pensamentos podem ser classificados conforme a natureza de sua história evolutiva, como preconcepções, concepções ou pensamentos propriamente ditos, além de conceitos. Para a psicanálise, tal como Bion a compreende, a capacidade para pensar no bebê se dá a partir da expectativa que ele tem em relação ao seio materno. Quando o bebê entra em contato com o seio, o produto final da ação do seu pensamento é uma "concepção" do seio, ou seja, uma expectativa inata de um seio que advém na mente do bebê. Trata-se de um "a priori" ou pensamento vazio. Mas se o bebê tem uma frustração relacionada à não apresentação do seio (ou dito de outro modo, de um "não seio"), o que ele pode experimentar é uma realização do seio em sua mente e uma frustração pela apresentação do "não seio". Assim, ele empreende um esforço para fugir da frustração, modificando-a. Se sua capacidade de tolerar a frustração for suficiente, o "não seio" se transforma em 34 pensamento e o bebê desenvolve um aparelho para poder pensar. Portanto, a capacidade de tolerar a frustração oriunda da apresentação do "não seio" possibilita que a psique do bebê desenvolva o pensamento como um meio de superar a frustração vivida internamente. Por outro lado, a incapacidade de tolerar a frustração pode ser prejudicial para o desenvolvimento do bebê, obstruindo o desenvolvimento dos pensamentos e a sua capacidade de pensar. A função-alfa, concebida por Bion, diz respeito a um instrumento de trabalho na análise dos distúrbios de pensamento, com o qual o analista sustentará, por meio da função de rêverie, a possibilidade que o paciente tem para conseguir pensar ou sonhar. De acordo com Ogden (2010), Bion criou o termo "função-alfa" para se referir ao processamento dos "elementos-beta" proveniente das impressões sensoriais brutas, sob forma de pensamento e oriundas das experiências emocionais. Os "elementos-beta" são impressões sensoriais não processadas, e não podem ser ligados entre si nem utilizados em funções mentais tais como pensar, sonhar ou armazenar memória. Os "elementos-alfa", por outro lado, são elementos da experiência que podem ser ligados entre si no processo consciente e inconsciente de funções mentais. Por exemplo, se houver uma falha na função-alfa, isto significa que o paciente é incapaz de dormir e, consequentemente, sonhar, pois a função-alfa torna as impressões sensoriais em experiências emocionais disponíveis para a ação do pensamento. Se o paciente não é capaz de dormir, ele também não é capaz de sonhar, e se ele não se recolhe ao sono, ele é incapaz de despertar. Senão, vejamos: Sonhar é um processo constante que ocorre tanto no sono quanto na vida de vigília inconsciente. Se uma pessoa é incapaz de transformar impressões sensórias brutas em elementos inconscientes da experiência que possam ser ligados, ela é incapaz de gerar pensamentos-sonho inconscientes e, consequentemente, não pode sonhar (seja durante o sono ou na vida de vigília inconsciente). A experiência de impressões sensórias brutas (elementos-beta) no sono não é diferente da experiência de elementos-beta na vida de vigília. Portanto, o indivíduo não pode dormir e não pode despertar, ou seja, ele não é capaz de diferenciar estar desperto e estar dormindo, percebendo e alucinando, a realidade externa e a realidade interna (Ogden, 2010, p. 19). 35 Assim, no curso de uma análise, tudo o que o analista pode fazer é possibilitar ao paciente "sonhar sonhos não sonhados e choros interrompidos" (Dream undreamed dreams and interrupted cries) na acepção de Ogden (2010). O analistaprecisa ter a capacidade e a responsabilidade de reinventar a psicanálise para cada paciente e continuar a reinventá-la durante o curso da análise e a cada nova sessão, pensando e sonhando, aprendendo e esquecendo (Thinking and dreaming, learning and forgetting) (Ogden, 2009). Com efeito, de acordo com André Green (1977), a análise não se constitui meramente como um método de tornar consciente o inconsciente, de remover o recalque e libertar o afeto daquilo que produziu o sintoma, pelo contrário. A análise trata de uma intimidade a dois, por meio da qual o analista "cuida" (care) do seu paciente e o sustenta (holding) durante o seu processo. O sentido dado a "cuidar" (care), refere-se a bem mais do que isso. Trata-se de um cuidado especializado, dar atenção, importar-se, inquietar-se ou preocupar-se com o sujeito que tem diante de si. Isso é possível, quando o analista, na sua prática clínica, ajuda o paciente a se constituir como sujeito, servindo-se, às vezes, de ego auxiliar por meio da regressão em análise. O objetivo aqui não é apenas o de promover a cura do paciente. Lembremos, pois, que todo paciente é fiel ao seu sintoma. De acordo com o próprio Winnicott, com certa frequência, temos que nos contentar em deixar o paciente ter de manipular a sintomatologia, sem tentar curá-lo do seu adoecimento (Winnicott, 1994g). Essa afirmação também é compartilhada por Masud Khan (1989) quando ele afirma que, no trabalho clínico, algumas vezes é mais importante sustentar (holding) uma pessoa viva do que livrá-la da sua doença. Na maioria das vezes, uma análise pode proporcionar ao indivíduo o desenvolvimento da capacidade de cuidar de si mesmo. Em vez de rejeitar os pacientes cuja estrutura psíquica não consegue se adaptar ao enquadramento, cabe ao enquadramento modificar-se em função da estrutura do paciente. Os objetivos do tratamento serão também modificados. Não se trata tanto de "curar" o paciente, mas de torná-lo apto a tratar de si mesmo, a encarregar-se de si mesmo. O que equivale a dizer que o tratamento fornecerá ao paciente o enquadramento que lhe falta para conter seus conflitos. Isso não quer dizer reprimi-los, mas permitir-lhes o desaparecimento dos sintomas que o despertar e a conservação da vitalidade psíquica (Green, 1977, p. 8). 36 Se o enquadre pode mudar em função do sofrimento do paciente, logo, o seu silêncio pode ser compreendido em uma perspectiva diversa daquela da psicanálise clássica. De acordo com Green (1977), em alguns casos é preciso que o analista abandone a neutralidade típica com o objetivo de promover a verbalização do paciente, para que este aceite a plasticidade do objeto de transferência sem que o analista seja silencioso o que não significa promover a "tagarelice" do analista em sua face mais ativa. O silêncio do analisando, no mais das vezes, permite que o analista tenha acesso à sua dor e ao seu sofrimento psíquico, dando a medida exata do seu desespero. Seu negativo não é a fala, mas o grito, e daí a importância da vitalidade do analista em certos momentos da análise. Assim, o analista pode proporcionar ao paciente a capacidade para poder pensar e elaborar as experiências vividas dentro do seu mundo interno.3 10 RELAÇÃO CONTINENTE-CONTEÚDO, FUNÇÃO Α, RÊVERIE Realçando a importância das emoções e da primeira relação para a aquisição dos fundamentos básicos da construção do psiquismo, Bion (1962-91) desenvolve o modelo continente-conteúdo para compreender e expressar os acontecimentos intrapsíquicos e intersubjetivos, referindo ser a relação de continente (♀) – conteúdo (♂) que possibilita o bebé investigar os seus próprios sentimentos numa personalidade forte e suficiente para os conter, considerando como continente o lugar onde o objeto é projetado e conteúdo o objeto projetado. Refere ser através da identificação projetiva que um conteúdo (elementos β) é projetado para dentro de um continente que acolhe, contém temporariamente, transforma pela função de rêverie e o devolve sob a forma de elementos α, passível de ser nomeado, pensado e sonhado. O autor distingue três tipos de relação continente-conteúdo: a parasitária, na qual o conteúdo projetado é tão explosivo e malévolo que o continente destrói ambos, passando a alimentarem-se de mentiras que funcionam como uma barreira contra a verdade; a comensal, onde continente e conteúdo convivem sem grandes atritos, 3 Texto extraído do link: www.e- publicaçoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/viewn/33456/23713 http://www.e-publicaçoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/viewn/33456/23713 http://www.e-publicaçoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/viewn/33456/23713 37 desenvolvendo-se a capacidade de inventar formas de linguagem que posteriormente contribuirão para o desenvolvimento emocional, e a simbiótica na qual, tal como numa relação amorosa, continente e conteúdo se harmonizam e beneficiam mutuamente da relação (Symington & Symington, 1999; Zimerman, 1995). Para Bion as díades mãe-bebé que interagem desta maneira formam um par pensante cuja atividade ♀ - ♂ é introjetada como aparelho para pensar, enquanto parte integrante da função α, resultando no crescimento de ambos e na co-criação de novos significados. Este ato de criação partilhada resulta da inseminação do continente com experiências emocionais por processar, na expectativa que este as pense, transforme e as devolva passíveis de serem pensadas e sonhadas. Os elementos transformados devolvidos vão estimular novas criações e associações impulsionadoras do desenvolvimento (Bion, 1997, cit. por Brown, 2011). Considerando a importância da interação mãe-bebé no desenvolvimento do aparelho psíquico do bebé e o postulado que os pensamentos e as emoções são indissociáveis então, de acordo com Bion, teria de haver na mente uma função que concedesse sentido e significado às experiências. À elaboração da vivência emocional que digere a experiência e nutre o pensamento, Bion designou de função α (Martins, 2005). No período inicial de vida, a experiência mental do bebé é regida por impressões sensoriais desprovidas de sentido ou sensações sem nome que causam frustração – elementos β. Estes, não digeridos, são sentidos como corpos estranhos na mente, como a coisa-em-si mesmo apenas adequadas para serem evacuadas para o exterior, por meio da identificação projetiva, por não serem pensadas. Através da função α, os elementos β são transformados em elementos α, elementos com significado psíquico passíveis de serem pensados e sonhados. Devido à imaturidade do seu aparelho mental, quando o bebé nasce ainda não possui a capacidade de transformar o conteúdo do sistema protomental, a experiência emocional sensorial numa representação conceptual, sendo através da intervenção da mãe que o bebé desenvolve a sua própria função α (Symington & Symington, 1999). Sendo um aspecto da personalidade responsável por compreender a realidade emocional e dar significado afectivo às percepções, a função α desenvolve-se numa coreografia única com o seu par, a mãe (Bion, 1962, cit. por Brown, 2011). Assim, e de forma implícita, Bion atribui a função α a uma produção do ego responsável por 38 atribuir significado emocional à experiência, possibilitando o desenvolvimento do pensamento (Brown, 2011). A função α decorre da ação da mãe em receber a evacuação dos conteúdos angustiantes projetados pelo seu bebé elementos β, contê-los, tolerá-los, processa- los e por fim, devolvê-los transformados de modo a que a criança os possa tolerar elementos α. Se a capacidade de rêverie da mãe lhe permitir responder adequadamente às identificações projetivas do seu bebé, este sentir-se-á compreendido e reconfortado, recebendo a parte de si que foi evacuada numa versão melhorada, acompanhada da experiência de um objeto que já é capaz
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