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2 0 - Contribuições de Bion

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2 
 
SUMÁRIO 
1 CONTRIBUIÇÕES DE BION ...................................................................... 3 
1.1 Início da carreira como psicanalista ..................................................... 4 
2 TEORIAS DESENVOLVIDAS POR BION ................................................... 4 
3 TEORIA DE GRUPO ................................................................................ 12 
3.1 Os grupos terapêuticos ...................................................................... 13 
3.2 A teoria de funcionamento dos grupos ............................................... 14 
4 A TEORIA DO CONHECIMENTO ............................................................ 20 
4.1 Vínculos l, h, k .................................................................................... 22 
5 MEMÓRIA E DESEJO .............................................................................. 23 
6 A FUNDAMENTAÇÃO PSICANALÍTICA DO PENSAMENTO DE BION .. 24 
7 TEORIA DO PENSAMENTO .................................................................... 26 
8 FUNÇÃO-ALFA E ESTILO DE PENSAMENTO EM BION ........................ 28 
9 BION E A CAPACIDADE DE PENSAR .................................................... 33 
10 RELAÇÃO CONTINENTE-CONTEÚDO, FUNÇÃO Α, RÊVERIE .......... 36 
11 TRANSFERÊNCIA E TRANSFORMAÇÕES ......................................... 41 
12 O FENÔMENO AUTÍSTICO .................................................................. 44 
13 O UNIVERSO AUTÍSTICO .................................................................... 45 
14 AS DIFERENÇAS ENTRE A ANÁLISE E A PSICOTERAPIA 
PSICANALÍTICA ....................................................................................................... 46 
15 OBJETIVOS TERAPÊUTICOS PARA PSICANÁLISE E PSICOTERAPIA 
PSICANALÍTICA: BION ............................................................................................. 48 
16 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 50 
 
 
 
 
 
3 
 
1 CONTRIBUIÇÕES DE BION 
 
Fonte: pt.slideshare.net 
Wilfred Bion nasceu na cidade de Muttra, na Índia, em 1897. Filho de pais 
britânicos, foi enviado à Inglaterra aos oito anos para estudar, alistou-se no exército 
aos dezenove e saiu após a Primeira Guerra para ingressar na universidade de 
Oxford. Lá estudou História, Filosofia, Teologia e licenciou-se em Letras. Após entrar 
em contato com as obras de Freud, resolveu cursar medicina e formou-se aos trinta e 
três anos. 
Bion começou a estudar psicanálise durante um período de dois anos como 
trainee do psicanalista inglês John Rickmann, e mais tarde foi supervisionado por 
Melanie Klein. Durante a Segunda Guerra Mundial, dedicou bastante tempo na análise 
de grupos e essa experiência lhe rendeu algumas obras, Intra-group tensions in 
therapy, Leaderless group Project e Group dynamics: a review. Bion abandonou as 
pesquisas nessa área para se dedicar a psicanálise, ingressou na Sociedade Britânica 
de Psicanálise e foi presidente da associação entre os anos de 1956 e 1962. 
No final dos anos 1960, as ideias de Bion não batiam com as dos demais 
psicanalistas da Sociedade Britânica e essas divergências fizeram com que o médico 
se mudasse para Los Angeles, mas enfrentou nos Estados Unidos o mesmo impasse 
que encarou em Londres. Bion, então, decidiu viajar o mundo divulgando suas ideias 
em palestras e conferências, passando pelo Brasil durante a década de 1970. 
 
4 
 
1.1 Início da carreira como psicanalista 
Em vários momentos de sua obra Bion foi influenciado pelos princípios 
filosóficos de Kant. Esses princípios se mostram, principalmente, nos conceitos de 
valorização da relação humana, ética, e a relação médico/paciente. 
Bion se interessa pela psicanálise quando faz análise com Rickman, que foi 
analisando de Freud. Após fazer sua formação analítica com Melanie Klein, Bion se 
torna seu mais importante discípulo. 
Nos anos 60, efetua uma revisão filosófica do texto freudiano fundamentando-
a, ao mesmo tempo em Kant e Klein. Nesta revisão, divide o aparelho psíquico em 
duas funções mentais: Alfa e a Beta. Assim denominadas para evitar a acumulação 
de significados que um nome específico traria consigo. 
Alfa é definida como investigação que se ocupa do pensar: do pensamento e 
da aprendizagem pela experiência emocional. Os elementos Alfa seriam os 
precursores da memória que teriam uma grande capacidade de articulação. Quando 
a função Alfa, entre a mãe e o bebê, fracassa, o aparelho psíquico não fabrica 
elementos Alfa. Não metabolizando as experiências emocionais. 
Com esse fracasso, os elementos Betas que são os facilitadores da 
identificação projetiva, não produzem sonhos e não são transformados em elementos 
Alfa. Mas suas reflexões não tiveram boa repercussão na sociedade britânica. No ano 
de 1968, Bion juntamente com sua família foi se instalar na Califórnia. 
2 TEORIAS DESENVOLVIDAS POR BION 
Parte Psicótica da Personalidade: 
Bion designa a PPP não como uma questão psiquiátrica, mas como um modo 
de funcionamento mental coexistente a outros tantos. Assim todo o paciente psicótico 
tem uma parte neurótica em sua personalidade, os neuróticos também têm uma parte 
psicótica oculta. 
As características básicas que estão presentes na PPP são: 
 Fortes pulsões destrutivas com predomínio da inveja e da voracidade 
 Baixa tolerância as frustrações, no lugar de modificá-las 
 
5 
 
 As relações interpessoais mais intimas são caracterizadas pelo vinculo 
sadomasoquista. 
 Uso excessivo de dissociações e identificações projetivas patológicas 
 Uso excessivo de projeções, sentimentos e pensamentos persecutórios. 
 Grande ódio à realidade interna e externa, com preferência pelo mundo 
das ilusões. 
 Ataque aos vínculos de percepção e aos de juízos críticos, resultando 
num prejuízo do pensamento verbal, da formação de símbolos e do uso 
da linguagem. 
 A onipotência, a onisciência e a imitação substituem o processo de 
aprender com experiência. O orgulho dá lugar à arrogância, o 
desconhecimento leva a estupidez e a curiosidade se transforma em 
intrusividade. 
 A pouca capacidade de descriminação leva a uma confusão entre o 
verdadeiro e o falso, tanto do próprio self como do que está fora. 
 Fuga a verdade, prevalecendo à negação através de distorções. 
Camuflagens, omissões ou mentiras deliberadas. 
Ao construir a proposição da existência de uma parte psicótica da 
personalidade, Bion não se referia à equivalência de um diagnóstico psiquiátrico, mas 
sim, a um espectro quantitativo e qualitativo acerca da área da mente em contrapartida 
à área não psicótica preservada. Isso se refere muito mais ao tipo de angústia e 
características do estado mental do que a manifestações clinicamente psicóticas com 
grau máximo de ruptura com a realidade. Refere-se a um modo de funcionamento 
mental coexistindo com outro modo de funcionamento (Bion, 1991a, 1991b, 1991c, 
1992). No entendimento e nas palavras de Grinberg (1973), Bion explica que “todo 
indivíduo, mesmo o mais evoluído, contém potencialmente funcionamentos mentais e 
respostas derivadas da personalidade psicótica e que se manifestam como uma séria 
hostilidade contra o aparelho mental, a consciência e a realidade interna e externa” 
(p. 45). 
Zimerman (2004a), em seu livro dedicado à obra de Bion, descreve 
mecanismos característicos do funcionamento dessa parte psicótica da mente que se 
encenam tanto na prática analítica diante das angústias e do crescimento mental 
quanto no cotidiano, diante das frustrações e da realidade: 
 
6 
 
Qualidade das identificações projetivas: 
De acordo com Bion (1991b), é de uma disposição constitucional com 
predomínio pulsional destrutivo, capaz de forte inveja e voracidade, aliada ao baixo 
limiar de tolerânciaà frustração, que nasce, em determinados bebês, uma pré-
condição de atacar tudo de que ele depende, de tal modo que um pêndulo psicótico 
começa a tocar já na relação com o seio materno. 
Por conta do ataque invejoso já destinado ao seio gratificador, alguns bebês 
deixam até de mamar, mas para não morrer de fome, disparam na mente o emprego 
de uma defesa primitiva, através do mecanismo de dissociação (splitting) voltam a 
depender do seio-leite, mas congelam a relação com o seio-amor, promovendo uma 
lacuna entre necessidade material e gratificação psíquica (Grinberg, 1973). 
Esse funcionamento mental primitivo, como revela Grinberg (1973), é 
reconhecido, na clínica psicanalítica, em pacientes que, tratam de conseguir 
comodidades materiais de uma maneira insaciável sem gozar delas nem reconhecer 
a existência dos seres vivos de quem dependem para obter tais benefícios. Não 
podem experimentar gratidão nem interesse por eles e os tratam como objetos 
inanimados (p. 62). 
Não obstante, voltando a compreender a gênese deste funcionamento nos 
primeiros meses de vida, Bion explica que é a capacidade de continência materna, 
através da qualidade de rêverie1, a essas angústias projetadas tão cedo na mãe, que 
se dará destino à força destas pulsões agressivas no universo mental do bebê. 
Delouya (1998), em referência à teoria de Bion, lembra que, se a mãe dispõe desta 
condição de rêverie, a qual, por meio da metabolização psíquica, permite transformar 
as angústias em sentir e pensar, o bebê não só ingere as angústias transformadas, 
mas também introjeta o modelo de continência e transformação, construindo seu 
próprio aparelho de pensar os pensamentos. 
Nas palavras de Hartke (2005) sobre esta tarefa materna como chave das 
compreensões de Bion acerca do funcionamento psíquico, essa função é descrita 
como a atividade mental, desempenhada nos primeiros tempos pela mãe em relação 
ao bebê, de transformar em pensamentos as impressões sensoriais e emoções brutas 
que emergem com as vivências. 
Assim, para Hartke (2005, p. 51), a falha nessa atividade faz com que tais 
impressões sensoriais e emoções permaneçam como fatos não digeridos 
 
7 
 
psiquicamente, que servem apenas para evacuação por identificação projetiva, 
gerando atuações, fenômenos psicossomáticos e alucinações. 
Grinberg (1973), ainda se apoiando nas compreensões de Bion, ressalta, por 
outro lado, que a capacidade de tolerância à frustração também é uma condição inata 
do bebê, portanto influi na responsividade da personalidade à carga pulsional 
destrutiva e às condições de continência do ambiente. O autor acrescenta que 
devemos considerar então, no desenvolvimento do funcionamento psicótico, uma 
disposição destrutiva primária, assim como também a relação com uma mãe que foi 
incapaz de realizar sua função de receber, conter e modificar as violentas emoções 
projetadas pela criança” (p. 53). 
Nesse contexto, as condições psicóticas se inauguram pela flacidez ou 
privação do continente mental materno diante das excessivas cargas agressivas 
projetadas pelo bebê, de modo que, ou elas não puderam ser suportadas e 
simbolizadas pela, ou a própria mente do bebê, pela ação do ódio e da inveja, não 
permitiu à mãe exercer está estruturante função continente. 
Assim, as emoções brutas voltam a habitar a mente do bebê pela mesma via 
pela qual foram expelidas, e muitas vezes acrescidas das angústias da própria mãe, 
com os afetos agressivos, sem representação e destino, atacando os vínculos afetivos 
e perceptivos. 
Como decorrência, as identificações projetivas são empregadas como forma 
de defesa primitiva, não verbal, de comunicar o registro que foi impresso sem nome e 
sem palavra no psiquismo, porque não foi pensado e significado, e como forma de 
descarregar de maneira evacuativa as ideias e angústias intoleráveis para a condição 
mental. 
As identificações projetivas equiparam-se aos acting, trocando pensamento por 
ação, já que se formou de maneira muito rudimentar o aparelho para pensar os 
pensamentos, ficando então o uso excessivo destas a serviço da parte psicótica da 
personalidade (Bion, 1991c). 
Desta maneira, como lembra Grinberg (1973), compreende-se a intersecção 
que Bion destacou entre a capacidade de tolerar frustração e a capacidade de 
transformá-la em pensamento, ou, no reverso, sob o domínio da parte psicótica, de 
evadir-se da frustração e abortar a capacidade de pensar os pensamentos. 
 
8 
 
Clinicamente, como explica Zimerman (2004b), a necessidade desta descarga 
projetiva pode, por meio de sucessivos splittings, dar origem a outro produto: as 
somatizações, no campo do corpo, e aos sentimentos persecutórios, no campo da 
psique. Isto significa que nesse funcionamento psíquico, conforme esclarece 
Sapienza (1992), pelo impacto das defesas de dissociação e identificação projetiva, 
os objetos internos e externos ficam distorcidos em polos de idealização e 
persecutoriedade e as relações [ficam] calcadas em vivências paranoides e soluções 
homicidas (p. 309). 
Grinberg (1973) acrescenta que na identificação projetiva utilizada pela parte 
psicótica predominam a inveja e a voracidade, despojando a própria personalidade de 
vitalidade; ou seja, um psiquismo trabalhando sob o motor ávido de inveja acidenta a 
satisfação amorosa e a gratidão, enquanto se intoxica e prolifera na personalidade, 
sendo, comparável a um ‘câncer’ mental [que corrói] as bases da sanidade mental 
(Sapienza, 1992, p. 309). 
Cumpre, por outro lado, não perder de vista que a proposição de Bion (1991a) 
admite que, enquanto a parte psicótica opera sob o sistema de defesa da cisão e 
identificação projetiva, a outra parte da personalidade, sob o funcionamento neurótico, 
emprega a repressão para dar conta dos conflitos do ego. Isso significa, conforme 
explica Grinberg (1973), que a parte psicótica da personalidade coloca no mundo real 
o que a parte não psicótica reprimiu, caracterizando a dinâmica e a 
multidimensionalidade da mente. 
A respeito desta ideia, já em um dos seus primeiros textos de referência, “O 
Gêmeo Imaginário”, subsidiado pela teoria kleiniana, Bion (1994b) explica o 
funcionamento cindido da personalidade como um sistema de dupla imaginária: 
enquanto uma parte da personalidade se relaciona com elementos arcaicos do próprio 
paciente, a outra trancafia seus processos intrapsíquicos e lança mão do uso maciço 
de identificações projetivas. Pela incapacidade de tolerar realidades psíquicas 
internas que coexistam em si, está nega não só a realidade interna, mas também a 
realidade externa. 
Ataques aos vínculos: 
Sandler (2009), outro autor brasileiro de importante referência dedicado ao 
estudo da obra de Bion, coloca que, na psicose do cotidiano, a personalidade 
conserva uma parte preservada pela amorosidade, realidade e tolerância, mas 
 
9 
 
apresenta também uma porção de seu funcionamento estéril, imaturo e por vezes 
cruel, ou seja, na parte da personalidade que funciona psicoticamente, o ódio, além 
de ser destinado à realidade externa, é também voltado aos sentidos, às emoções e 
à própria vida. 
Nessa perspectiva, na personalidade psicótica predominam os impulsos 
destrutivos. O produto mental evacuado, entendido como destroços egoicos e 
superegoicos, torna-se persecutório e distorce, contamina a percepção do real. A 
parte psicótica da personalidade emprega esse produto mental evacuado e 
reintrojetado como material para formar o pensamento (Grinberg, 1973). 
A respeito disto, para Junqueira de Mattos (1992a), Bion contribuiu de maneira 
inovadora com a psicanálise ao aperceber-se de que as vivências psicóticas estão 
sob o primado do princípio do “antipensamento” (p. 325), por “(...) evadir-se do 
conhecimento” (p. 459). 
Assim, tanto a qualidade do pensamento como a do pensador, isto é, do 
aparelho para pensar, ficam comprometidas, de modo a converter o desenvolvimento 
do pensamentode estado dinâmico em um estado estático. O ataque extensivo à 
consciência e ao aparelho das percepções, para Sandler (2009), obstrui estas 
capacidades, configurando-as com um traçado rudimentar e imobilizando o 
pensamento para permanecer em uma só perspectiva, promovendo falhas na 
“capacidade da mente de vincular pensamentos” (p. 23). 
Rezende (1995) sintetiza esse entendimento na proposição: psicotizando é que 
absolutizo, não vendo outras possibilidades” (p. 28), e mais: a versão psicótica, 
quando não inverte o sentido, privilegia um sentido só, absolutizando-o de maneira 
unívoca e sem saída (p. 31). 
Ademais, Rezende (1997) também explica que o pensar psicótico distorce o 
princípio da realidade de modo a coincidir com o princípio do prazer, negando a 
frustração. É por isso que, com o predomínio dos mecanismos psicóticos, o contato 
com a realidade fica contaminado e impossibilitado de fazer, experiência da verdade 
enquanto correspondência ao real” (p. 330). 
Nos termos de Junqueira Filho (2009, p. 57, grifo do autor), essa “distorção do 
entendimento” opera como armadilha que dissimula a verdade e se constitui como 
barragem de defesa para lidar com o impasse criado pelo confronto com o real. 
 
10 
 
Desse modo, em análise pode-se perceber que o paciente tem uma relação 
parcial consigo mesmo, realizando ataques destrutivos ao elo entre ele e a realidade, 
ou entre diferentes aspectos de sua própria realidade interna, tornando-se um 
desconhecido de si mesmo e avesso ao conhecimento das próprias verdades. Esse 
mecanismo, descrito por Bion como ataques aos vínculos, produz inibições na 
capacidade do pensamento, linguagem e conhecimento e na formação de símbolos 
(Bion, 1991b). 
Bion, levado pela influência kleiniana, ressaltou em muito sua compreensão 
acerca da intersecção entre a onipotência e a atividade de pensar psicoticamente, de 
tal modo que chegou a firmar que a onipotência é o contrário da gratidão e que, em 
tese, nas palavras de Rezende (1995, p. 224), “o onipotente é invejoso”. 
Assim, segundo Grinberg (1973), no estado mental psicótico se desenvolverá 
a onipotência e a onisciência como substitutos do processo de aprendizagem e não 
existirá uma função ou uma atividade psíquica que possa discriminar entre o 
verdadeiro e o falso; tão pouco haverá um tipo de pensamento capaz de autênticas 
simbolizações (p. 54). 
Da mesma forma, a função do superego, na sua porção construída de 
fragmentos primitivos de destrutividade, alcança tamanha severidade que prevalece 
uma superioridade moral no trato com o outro, marcada pela arrogância e estupidez 
em substituição ao juízo crítico, à inteligência e ao orgulho sadio. Desse modo, 
inscreve e impõe leis próprias não só ao próprio ego, mas também aos demais, ficando 
tomado de cólera quando contrariado, visto que está na perspectiva de que tudo sabe, 
pode, condena e controla. 
Contribuindo com esse sentido, Rezende (2003) lembra a proposição de Bion 
de que o orgulho, quando associado à pulsão de vida, sinaliza autovalorização, mas, 
se associado à pulsão de morte, converte-se em arrogância. 
Assim também, Rezende (1995) afirma que, na versão psicótica “‘as coisas têm 
que ser do jeito que eu quero que sejam’” (p. 176), e carente de pensamento e dotado 
de intolerância, o agir psicótico adiciona vivências na seguinte equação: “quanto mais 
intolerante, mais atuante; quanto mais atuante, mais frustrado” (p. 179). 
Para Grinberg (1973), Bion compreendeu que a parte com funcionamento 
psicótico se organiza com um superego que rege sua moral sob critérios de uma 
“superioridade destrutiva” (p. 52), privando o outro (o não-eu) de existência própria. 
 
11 
 
Nesse estado, a função do superego alcança enorme severidade e prevalece, na 
dinâmica psíquica do paciente, como uma superioridade moral no trato com o outro, 
marcada pela arrogância e estupidez em substituição ao juízo crítico, à inteligência, 
ao orgulho sadio e à criatividade. 
Além do ataque ao ego e à matriz de pensamento, esse mecanismo de 
funcionamento do Superego ataca também a capacidade de reparação, de modo que 
transforma o sentimento de culpa normal em patológico, pelo aspecto cruel de culpa 
persecutória extrema. Segundo Sapienza (1992), este Superego aterroriza tanto o ego 
que lhe impõe o peso de “ sacrifícios melancolizantes e trilhas suicidas” (p.309). 
A serviço deste funcionamento, a curiosidade se transforma em intrusão, e a 
linguagem, para evacuar a ansiedade, faz par com acting-out e, pela via da 
identificação projetiva, produz efeitos dissociativos e confusionais no outro também. 
Com a capacidade de pensamento comprimida, o símbolo é substituído pela 
equação simbólica, de modo que os pensamentos, palavras e sentimentos são 
distorcidos enquanto capazes de causar danos reais, e então precisam ser expulsos 
para fora do psiquismo como em uma evacuação mental. 
Em sucintas palavras, Zimerman (2004a), apresentando as ideias de Bion, 
explica que esta área de hipertrofia mental está sob o primado do funcionamento 
mágico, do “pensamento vazio” e do estado psíquico de angústia batizado como 
“terror sem nome” (p. 133, grifos do autor). 
Neste sentido, Sapienza (1992), fazendo referência à teoria psicanalítica de 
Bion, explica que na parte psicótica da mente, predominam configurações de fantasias 
primitivas inconscientes” que produzem jogos mentais “esterilizadores” e “atividades 
mentais predatórias e degenerativas” entre os objetos internos, imperando um 
“pandemônio de relações objetais impregnadas de desespero e malignidade 
vampiresca”. Além disso, “a atividade desse vetor favorece a dispersão, negativação 
de vínculos emocionais”, sobretudo ataca os vínculos de amor e conhecimento, pois 
“opõe-se à simbolização”. 
Promove uma confusão entre objetos internos fragmentados e mortos, que 
procuram “vorazmente existência, com momentos de intenso estupor e violência 
impulsiva”, e disto se faz a argamassa emocional que constrói a “barragem defensiva” 
que interrompe o “livre trânsito da oscilação dinâmica” entre a parte psicótica e não 
 
12 
 
psicótica da personalidade. (Sapienza, 1992, p. 303, grifos do autor). Em outro 
trabalho, Sapienza (2009) caracteriza esse estado como “inércia psíquica” (p. 37). 
Não obstante, como continua o mesmo autor (1992), no estado de 
funcionamento mental não psicótico prevalecem forças mentais de fertilidade e 
criatividade entre os objetos internos, de modo que qualidades de confiança, 
restauração e simbolização arquitetam uma construção interna de crescimento. 
Esse estado, conforme explica Sapienza (2009), alberga um fluxo dinâmico de 
transformação dos vínculos estabelecidos entre os objetos internos, de tal forma que 
lhes confere condições cíclicas equivalentes a questões humanas universais, as 
quais, assim como os vínculos, podem nascer, viver, crescer, ligar-se, desligar-se, 
morrer e renascer. 
3 TEORIA DE GRUPO 
A teoria dos grupos de Bion parte de uma distinção inicial, existe o que é 
denominado de grupo de trabalho de grupo refinado ou grupos de base, ou 
mentalidade grupal, ou ainda de grupo de pressupostos básicos. 
Grupo de trabalho: diz respeito a reunião de pessoas para realizar uma tarefa 
específica, cada um dá sua contribuição de acordo com o que tem a oferecer, assim 
consegue – se manter um bom espírito de grupo. 
Mentalidade de grupos: é definida por Bion como “ a expressão unânime da 
vontade do grupo, à qual o indivíduo da vontade do grupo, à qual o indivíduo contribui 
por maneiras das quais ele não se dá conta, influenciando desagradavelmente sempre 
que ele pensa ou se comporta de um modo que varie desacordo com os pressupostos 
básicos, ou seja, o indivíduo contribui com o grupo não percebendo quando pensa se 
comporta favoravelmente a vontade do grupo. 
Pressupostos básicos Bion identificou três tipos de padrões de comportamento 
próprios dos fenômenos de mentalidadede grupo, denominados como dependência, 
acasalamento e luta – fuga. O primeiro diz respeito da necessidade que o grupo tem 
por um líder, podendo ser uma ideia, pessoa ou história do grupo. O segundo, o 
acasalamento, é que o grupo futuro atenderá ás necessidades pessoais de seus 
membros, como um grupo melhorado, uma esperança no futuro. 
 
13 
 
O terceiro pressuposto básico está relacionado a luta – fuga, ou seja, o grupo 
junto pode escolher lutar com alguma coisa ou fugir. 
Cultura de grupos – o grupo reage aos efeitos da mentalidade do grupo 
elaborando uma cultura própria sua. Bion usou essa expressão para descrever os 
aspectos que nasciam do conflito entre a mentalidade do grupo e as vontades dos 
indivíduos. 
Como Bion dedicou pouco esforço ao entendimento dos grupos de trabalho, 
algumas questões ficaram sem respostas, como por exemplo: os fenômenos próprios 
da mentalidade de grupo ocorrem em grupos de trabalho onde existe um objetivo claro 
uma agente e uma liderança formal? Não foi possível descobrir também como evitar 
ou reduzir a perturbação que os pressupostos básicos impõem aos grupos de trabalho 
na redução do conceito de cultura de grupo a mentalidade de grupos pois com essa 
redução, Bion reduz seu estudo da cultura dos grupos de trabalho a dos grupos 
organizados. Outra questão diz respeito a redução das relações de poder a uma 
perspectiva psicológica, incidindo então em reducionismo psicológico. 
3.1 Os grupos terapêuticos 
A leitura de Bion (1975) e Bléandonu (1993) nos permitiu identificar os 
seguintes grupos terapêuticos estudados pelo psicanalista inglês: um grupo de 
diretores de empresas na clínica Tavistock, um grupo de analistas que haviam 
trabalhado com grupos em consultório particular, um grupo composto por terapeutas 
da clínica Tavistock e, posteriormente, grupos de pacientes psiquiátricos, em 1948. 
No grupo terapêutico, Bion não estabelecia nenhuma regra de procedimento e 
não adiantava qualquer agenda. Ele procurava convencer "grupos de doentes a 
aceitar como tarefa o estudo de suas tensões". 
Como, aparentemente, o grupo não tinha nada a fazer, tinha tempo para 
observar um fenômeno análogo ao da associação livre. Os participantes se voltavam 
a ele esperando que ele fizesse alguma coisa. Baseado na psicanálise, Bion 
enfrentava está espera com uma interpretação. Transformado no centro do grupo, ele 
comunicava aos outros participantes o que sentia na situação. (Bléandonu, 1993, p. 
75). 
 
14 
 
Ele se expressava em uma linguagem clara e direta, fazendo-se compreender 
por todos os membros do grupo. Eric Trist (citado por Bléandonu, 1993) afirma que 
suas intervenções eram raras e concisas e poder-se-ia guardá-las na memória, 
porque ele esperava um volume de evidências razoável antes de fazê-las. Se um 
membro do grupo as fizesse, ele se abstinha de fazê-la. 
Destes grupos Bion retirou o material empírico para constituir a sua teoria de 
funcionamento dos grupos. 
3.2 A teoria de funcionamento dos grupos 
A teoria dos grupos de Bion parte de uma distinção inicial. Existe o que o 
psicanalista inglês denominou de grupo de trabalho ou grupo refinado e os grupos de 
base, ou mentalidade grupal ou ainda grupos de pressupostos básicos. 
Grupo de Trabalho 
Por grupo de trabalho entende-se a reunião de pessoas para a realização de 
uma tarefa específica, onde se consegue manter um nível refinado de comportamento 
distinguido pela cooperação. Cada um dos membros contribui com o grupo de acordo 
com suas capacidades individuais, e neste caso, consegue-se um bom espírito de 
grupo. Por espírito de grupo, Bion (1975, p. 18) entende que se trata de: 
 A existência de um propósito comum 
 Reconhecimento comum dos limites de cada membro, sua posição e sua 
função em relação às unidades e grupos maiores 
 Distinção entre os subgrupos internos 
 Valorização dos membros individuais por suas contribuições ao grupo 
 Liberdade de locomoção dos membros individuais dentro do grupo 
 Capacidade de o grupo enfrentar descontentamentos dentro de si e de 
ter meios de lidar com ele 
Um grupo se encontra em trabalho terapêutico quando ele adquire 
conhecimentos e experiências sobre os fatores que contribuem para o 
desenvolvimento de um bom espírito de grupo. 
Na visão deste autor, o grupo é "essencial para a realização da vida mental de 
um homem, tão essencial para isto quanto para a economia e a guerra" (p. 46). 
 
15 
 
Entretanto, os grupos que ele foi observando na sua experiência clínica não se 
comportavam desta forma. Eles pareciam mobilizados por forças estranhas, que 
levavam seus participantes a agirem de forma diversa à que era esperada deles na 
busca da realização dos objetivos em torno dos quais eles próprios concordaram em 
reunir-se. Este fenômeno levou-o a observar atentamente aquilo que ele denominou 
inicialmente como mentalidade de grupos. 
Mentalidade de Grupos 
A mentalidade de grupos é "a expressão unânime da vontade do grupo, à qual 
o indivíduo contribui por maneiras das quais ele não se dá conta, influenciando-o 
desagradavelmente sempre que ele pensa ou se comporta de um modo que varie de 
acordo com os pressupostos básicos" (Bion, 1975, p. 57). Ela funcionaria de forma 
semelhante ao inconsciente para o indivíduo. 
Ela seria responsável pelo "fracasso dos grupos" que Bion reputa à "expressão 
num grupo de impulsos que os indivíduos desejam satisfazer anonimamente e a 
frustração produzida no indivíduo pelas consequências que para si mesmo decorrem 
desta satisfação" (p. 46). 
Em suas observações ele destaca diversas situações onde o grupo parece 
estar mobilizado pela mentalidade de grupo. Conversas fúteis, ausência de juízo 
crítico, situações "sobrecarregadas de emoções" a exercerem influências sobre o 
indivíduo, estímulo às emoções independentemente do julgamento, em suma: 
"perturbações do comportamento racional do grupo" (p. 31). 
Desta forma, os grupos seriam como uma moeda, que possui duas faces, uma 
voltada à consecução dos seus objetivos e uma outra regida por impulsos dos seus 
membros, impulsos estes que se manifestariam quando se está reunido em um grupo 
de pessoas. 
Um dos termos que Bion utiliza para definir a mentalidade dos grupos é "padrão 
de comportamento". Humbert (1985) afirma que o termo "pattern of behavior", foi 
desenvolvido pelos biólogos e que havia sido incorporado por Jung para a definição 
dos arquétipos. Este conceito articula a ideia de herança genética às contribuições 
dadas pela cultura, diferentemente do conceito de instinto, muito empregado por 
psicólogos do século XIX. Este conceito assemelha-se também à ideia de estrutura. 
 
16 
 
Ao prosseguir seus estudos, Bion foi distinguindo três padrões distintos, mas 
intercambiáveis, que seriam uma constante na mentalidade de grupos. Ele os 
denominou pressupostos básicos (basic assumptions). 
A teoria dos pressupostos básicos possui suas raízes na teoria freudiana, que 
tenta explicar os fenômenos grupais a partir da libido (instinto sexual). No seu famoso 
estudo intitulado "A Psicologia de Grupo e Análise do Ego" ele abandona a proposta 
de Trotter, que formulara a existência de um instinto gregário primário e inato para 
explicar os fenômenos de grupo, para sustentar a hipótese psicanalítica de que os 
fenômenos grupais possuem como origem um investimento afetivo sobre um objeto 
que não pode ser obtido, seguido pela identificação com os supostos "rivais". 
O pai da psicanálise ilustra seu ponto de vista com o nascimento de um 
segundo filho na família (que gera inveja no primeiro, e que é punida pelos pais, 
gerando uma identificação e um sentimento de comunidade, como forma possível de 
conviver com esta ambivalência), a identificação entre as fãs de um cantor ou pessoa 
de destaque e a competição pelo favoritismo entre as crianças na escola, seguida de 
uma ênfase e exigência de igual tratamento. 
Para Freud, o que "posteriormenteaparece na sociedade sob a forma 
de Gemeingeist, esprit de corps, espírito de grupo etc., não desmente a sua derivação 
do que foi originalmente inveja" (Freud, 1921/1969b). Há, portanto, na origem do 
sentimento social, segundo a psicanálise freudiana, a "influência de um vínculo 
afetuoso comum com uma pessoa fora do grupo". Ele é uma "formação reativa contra 
atitudes hostis de rivalidade". 
No pós-escrito deste artigo, Freud afirma que os impulsos diretamente sexuais 
são desfavoráveis à formação de grupos, e ilustra sua posição com a busca de 
privacidade do casal, a sua autossuficiência enquanto enamorados e os sentimentos 
de ciúme. Em outro trabalho conhecido, "O mal-estar na civilização", Freud 
(1930/1969a) trata dos instintos agressivos, argumentando pela existência de 
situações onde eles se manifestam de forma associada aos instintos eróticos. 
Os casos de sadismo e masoquismo são ilustrativos. Os trabalhos de Bion, 
entretanto, possuem um enfoque e interesses diferentes aos do pai da psicanálise, 
como se pode ver no próximo bloco. 
Pressupostos Básicos 
 
17 
 
À medida que vai observando os grupos, Bion identifica três tipos de "padrões 
de comportamento" próprios dos fenômenos de mentalidade de grupo. Ele 
denominou-os como dependência, acasalamento e luta-fuga. Bléandonu (1993, p. 52) 
destaca a semelhança entre estes três tipos e a teoria de um dos mestres de Bion, o 
médico e psicólogo Hadfield. 
Hadfield diferenciava uma tríade de pulsões, a saber: a libido-sexual, a 
agressão ou afirmação de si mesmo, e a dependência. (notar-se-á, de passagem, a 
semelhança com os três pressupostos básicos propostos por Bion). 
Um dos primeiros fenômenos observados por Bion (1975) foi a demanda que 
seus grupos apresentavam por um líder, capaz de satisfazer aos seus membros. “O 
grupo é bastante incapaz de enfrentar as emoções dentro dele, sem acreditar que 
possui alguma espécie de Deus que é inteiramente responsável por tudo o que 
acontece" (p. 30). 
Este pressuposto básico é o de que "existe um objeto externo cuja função é 
fornecer segurança para o organismo imaturo". Este objeto pode ser uma pessoa, 
uma ideia ou a história do grupo. 
O líder que age segundo este pressuposto básico se comporta como se fosse 
"onipotente" ou "onisciente", características próprias de uma divindade. Qualquer 
pessoa que queira ocupar o lugar de líder, uma vez já ocupado (ou pelo menos 
atribuído pelos membros do grupo), pode ser rechaçada, desdenhada ou 
menosprezada. Quando o suposto líder recusa-se a agir segundo o papel que se 
espera dele, cria-se um mal-estar no grupo, que pode recorrer a explicações 
fantasiosas para manter-se coeso. 
Os membros do grupo, agindo segundo este padrão de comportamento, 
disputam a atenção do líder e podem sentir "culpa pela voracidade" com que o fazem. 
Eles frequentemente consideram suas experiências insatisfatórias e insuficientes para 
lidar com a realidade, desconfiam da sua capacidade em aprender pela experiência. 
Seus sentimentos mais frequentes são os de inadaptação (à vida, às suas 
experiências etc., e não apenas ao grupo) e de frustração. 
Bion (1975) acredita que as pessoas aceitam estar em um grupo de 
dependência para "evitar experiências emocionais peculiares aos grupos de 
acasalamento e de luta-fuga" (p. 72). 
 
18 
 
O segundo pressuposto básico identificado por Bion é que "está por vir um novo 
grupo melhorado" ou que o grupo futuramente atenderá às necessidades pessoais de 
seus membros e o autor às vezes se refere a este pressuposto como "esperança 
messiânica", mas o denominou como "acasalamento" em uma clara acepção à origem 
psicanalítica do termo. 
 O grupo de acasalamento foi inicialmente observado em pares que 
conversavam assuntos diversos, à parte, sem que o grupo se incomodasse com eles 
ou chamasse a sua atenção, aceitando-os. Eles pareciam-se com casais de 
namorados, embora não tratassem de nenhum assunto de conteúdo explicitamente 
sexual. 
O líder do grupo, neste pressuposto básico, está por nascer, e pode ser uma 
"pessoa ou ideia" que salvará o grupo. Bion entende que está "salvação" é, na 
verdade, dos sentimentos de ódio, destrutividade e desespero com relação ao seu 
próprio grupo ou a outro (daí a referência ao messias). 
Os membros de um grupo que está agindo sob a influência deste pressuposto 
básico, de forma geral, não estabelecem conversas com o "líder formal" ou chefe do 
grupo. A emoção mais presente no grupo de acasalamento é a esperança, e a atenção 
de seus membros, acha-se voltada ao tempo futuro. 
O terceiro pressuposto básico é o de luta-fuga e pode ser exposto da seguinte 
forma: "estamos reunidos para lutar com alguma coisa ou dela fugir". 
Os membros do grupo discutem sobre pessoas ausentes (que são um perigo 
para a coerência do grupo), estão tomados pela sensação de que a adesão do grupo 
é um fim em si mesmo, eles ignoram outras atividades, que não sejam este debate 
infrutífero, fogem delas. Eles acreditam, ou agem como se acreditassem, que o bem-
estar individual é menos importante que a continuidade do grupo. 
O líder reconhecido como tal por este grupo é o que concede oportunidades 
para a fuga (que é a mesma coisa que a luta das discussões infrutíferas em torno da 
conservação do grupo). É ignorado quando não atua desta forma. 
Pressupostos Básicos e Grandes Organizações 
O psiquiatra inglês procura aplicar os conhecimentos obtidos no estudo de 
pequenos grupos na análise do funcionamento de grandes grupos. 
 
19 
 
Assim como Freud, ele se atém à igreja, afirmando que se trata de um grupo 
especializado de trabalho sujeita à interferência de fenômenos de grupo de 
dependência. O segundo qual estaria sujeito a fenômenos de grupo de luta-fuga. 
Ele considera a aristocracia como um grande grupo mobilizado por fenômenos 
de acasalamento. Conclui-se, portanto, que neste momento de sua obra ele considera 
válida a aplicação dos conceitos relacionados à dinâmica dos grupos de base às 
grandes organizações, não estando muito atento aos problemas que se criam ao se 
retirar conceitos do seu território de origem. 
Cultura de Grupos 
Como o grupo reage aos efeitos de uma mentalidade de grupos? Ele elabora 
uma cultura característica sua. 
Bion (1975) empregou o termo cultura de grupo de forma intencionalmente 
vaga como mostra a citação abaixo: 
 Expressão que empreguei para descrever aqueles aspectos do comportamento do 
grupo que pareciam nascer do conflito entre a mentalidade do grupo e os desejos do 
indivíduo. (p. 47) 
No início do seu trabalho ele emprega metáforas genéricas para descrever as 
culturas de grupo, como "teocracia em miniatura" e "cultura de pátio de recreio". À 
medida que ele vai desdobrando o conceito de mentalidade grupal nos seus três 
padrões de comportamento ele associa a cultura a estes últimos, referindo-se a ela 
como "cultura de luta-fuga" ou "cultura de grupo dependente". 
 Infelizmente o psiquiatra inglês se ateve pouco ao grupo de trabalho, 
focalizando sua análise sobre cultura na mentalidade de grupos. 
 Ele crê que a intervenção nos grupos fortemente influenciados pela 
mentalidade de grupo se dá através de uma prática clínica. O terapeuta de grupo vai 
interpretando as manifestações da mentalidade de grupos à medida que elas se 
manifestam, evitando ocupar o lugar de líder que seria desejado pelo grupo 
influenciado por um padrão de comportamento. Ele deve lidar com emoções 
desagradáveis, algumas vezes agressivas, que surgem.1 
 
1 Texto extraído do link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
65642002000200015 
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000200015
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000200015
 
20 
 
4 A TEORIA DO CONHECIMENTO 
 
Fonte:pt.slideshare.net 
Bion em sua prática clínica chegou à conclusão deque os pensamentos não 
existem sem as emoções, e que é necessário que exista na mente uma função que 
construa o sentido das experiências emocionai. Essa função ele denominou de vinculo 
K: o conhecimento. Uma criança pode tanto aprender a tolerar como modificar a 
realidade com a atividade do pensar e do conhecer. No que se refere ao vinculo 
mãe/bebê, Bion enfatiza a criação do vínculo primário que é a REBIERE materna. 
No desenvolvimento do vínculo do conhecimento surgem três 
possibilidades: 
 Se a capacidade de RÊVERIE da mãe for adequada e suficiente, a 
criança terá condições de fazer uma aprendizagem com as experiências 
positivas e negativas vividas, impostas pelas privações e frustrações. A 
criança, nesse caso, desenvolve uma função K que possibilita enfrentar 
novos desafios em um círculo benéfico de aprender com a experiência, 
à medida que introjeta a função K da mãe. 
 Caso contrário, se a capacidade de RÊVERIE da mãe para conter a 
angústia da criança não for suficiente, as projeções que tenta depositar 
na mãe são obrigadas a retornar a ela sob a forma de um “terror sem 
nome”, o qual gera mais angústia e mais ódio. 
 
21 
 
 No lugar de K forma-se um vínculo – K, ou um não K, que são os casos 
mais extremos em que a mãe externa não contém e não dá significado, 
sentido e nome às identificações projetivas do bebê. 
 É importante salientar que a função K não se refere somente à posse de 
um conhecimento ou saber, mas sim a um enfrentamento do “não 
saber”. Assim, o saber será o resultado da tarefa do descobrimento e do 
aprendizado com as experiências da vida: as boas e as más. A função 
do conhecimento está intimamente ligada à da formação de símbolos, 
sendo esses que permitem uma evolução da criança à condição de 
poder conceituar, generalizar e abstrair, expandindo o seu pensar e o 
seu conhecer. 
 Para Bion, uma teoria é um produto de um processo de pensar e, 
simultaneamente, é uma preconcepção que espera realizações que se 
aproximem dela. A preconcepção é análoga ao pensamento vazio 
kantiano. A concepção é a junção de uma preconcepção com uma 
realização e o pensamento surge da união de uma preconcepção com 
uma frustração. Os conceitos têm nome, são concepções ou 
pensamentos firmados. 
 O eixo central da formação do Conhecimento e do Pensamento é a 
maior ou menor capacidade do ego da criança em tolerar as frustrações 
decorrentes das privações. A criança tanto pode fugir dessas 
frustrações, criando mecanismos que evitem conhecê-las (ela evita o 
problema, mas não evita a angústia), como pode aprender a modificar a 
realidade, através da atividade do pensar e do conhecer. 
 O desenvolvimento cognitivo da criança será mais ou menos exitoso 
dependendo de três fatores: de como a mãe real utiliza o seu próprio 
pensar e conhecer e de como contêm as angústias do seu filho. Da 
capacidade da criança quanto à formação de símbolos, do desejo de 
conhecer a respeito dos conteúdos mentais como estando intimamente 
relacionado com as emoções de amor e ódio. 
 O termo vínculo designa uma experiência emocional pela qual duas ou 
mais pessoas, ou duas partes de uma mesma pessoa estão 
relacionadas entre si. 
 
22 
 
4.1 Vínculos l, h, k 
Vínculo do amor (L): 
Até 1920 o trabalho psicanalítico estava praticamente reduzido a um enfoque 
centralizado quase que exclusivamente nas pulsões libidinais. À medida que os 
conhecimentos da teoria e prática da psicanálise foram evoluindo, tornou mais claro 
que: as demandas por amor não são unicamente de natureza libidinal e sexual 
(conforme formulação original de Freud), as manifestações de amor provenientes do 
Instinto de Vida são inseparáveis do Instinto de Morte , as demandas por amor 
procedem de uma fonte original muito anterior: na relação diádica com a mãe, e elas 
estão representando uma necessidade de preenchimento de vazios afetivos, para 
garantir a sobrevivência psíquica. 
Vínculo do ódio (H): 
Principalmente a partir das concepções da escola kleiniana, os psicanalistas 
passaram a valorizar o vínculo do ódio como sendo um integrante fundamental de 
toda e qualquer relação objetal, intra ou interpessoal. 
Vinculo do conhecimento (K): 
O vínculo K foi conceituado por Bion como sendo aquele que existe entre um 
sujeito que busca conhecer um objeto e um objeto que se presta a ser conhecido. 
Representa também um indivíduo que busca conhecer a verdade acerca de si 
mesmo. Bion aprofundou-se nas particularidades do vínculo do Conhecimento, 
correlacionando-o com: outras funções do ego, como a do pensamento, linguagem, 
juízo crítico etc. Com os problemas relativos à verdade, falsidade e mentira, com 
Ataque aos Vínculos, os quais permitiriam a percepção das intoleráveis verdades, 
tanto as externas como as internas, a substituição do Conhecimento pela tríade: 
Arrogância, Estupidificação e Curiosidade Maligna. 
Em síntese, podemos afirmar que esses três tipos de vínculos são 
indissociados entre si e dependem, diretamente, tanto da disposição hereditária da 
criança como, e, principalmente, da capacidade de reverie da mãe. 
Se a capacidade de reverie da mãe for suficiente a criança terá condições de 
fazer uma aprendizagem com as experiências das realizações positivas e negativas 
impostas pelas privações e frustrações e, neste caso, ela desenvolve uma função K. 
Se a capacidade de reverie da mãe for insuficiente a criança desenvolve um 
vínculo –K (a mãe é introjetada pela criança como uma pessoa que a destitui de seus 
 
23 
 
objetos bons e a obriga a ficar com os objetos maus), ou pode resultar num vínculo 
“não K”.2 
5 MEMÓRIA E DESEJO 
Bion traz a sua conhecida proposta de “sem memória sem desejo” ancorada 
em vários pressupostos. Diz que como registradora dos fatos acontecidos, a memória 
pode ser enganadora, pois é distorcida pela influência de forças inconscientes e os 
desejos interferem na operação do julgar, pela ausência de mente onde ao mais 
importante é a observação, já que os desejos distorcem o julgamento suprimindo o 
material a ser julgado. 
Para Bion a sessão de psicanálise não deve ter história nem futuro, a única 
importância para ele na sessão é o desconhecido. Ainda traz como sugestão para o 
psicanalista que não traga a memória às questões abordadas nas sessões anteriores 
priorizando uma melhor concentração do que está acontecendo na sessão corrente. 
Em relação ao desejo Bion, diz que o psicanalista não deve apresentar desejo 
de fim da terapia, da semana ou do ano, assim como desejos de resultados, de “cura” 
ou mesmo de compreensão. Agindo desta forma o psicanalista terá no início muita 
ansiedade, mas que com o passar do tempo adquirirá a certeza de que cada sessão 
se completa por si própria. 
Bion em sua visão de tratamento pontua que não se deve polemizar com o 
paciente e nem contrapor a sua verdade com a do analista e sim abrir novos caminhos 
para visualizar um fato em comum, porque através disso ele possibilita o paciente a 
refletir. Com relação ao setting analítico, ele nos dá a entender que não se refere 
somente a horários, espaço físico e honorário, mas a um campo analítico, onde 
analista e paciente vão interagir, influenciando e sendo influenciado um pelo outro. 
Podendo assim a encontrar novas soluções. 
Bion atribui importância relevante a dor psíquica, pois através do fato de sentir 
dor e, é necessário sofrê-la, poderá crescer com a experiência. Todo processo de 
mudança de um indivíduo no processo de análise, sempre virá acompanhada de dor 
 
2 Texto extraído do link: http://gtcomparin.blogspot.com/2012/12/teoria-de-bion_30.html 
 
24 
 
e sofrimento, sendo que o mesmo pode fugir da dor ou enfrentá-la, sendo que este 
último caminho é o que traz a transformação. 
Para Bion um paciente está em condições de terminar sua análise quando 
adquiriu uma função psicanalítica, ou seja, longe fisicamentede seu analista 
consegue dialogar com suas diversas partes. Segundo a psicanálise não deveria ficar 
só nos consultórios, pois é uma prática de vida. Por isso que não existe uma crise da 
psicanálise, pois a função analítica é inerente ao ser humano e enquanto existir o 
homem existirá a psicanálise. 
6 A FUNDAMENTAÇÃO PSICANALÍTICA DO PENSAMENTO DE BION 
Não há questionamentos sobre a fidelidade de Bion ao método e ao 
pensamento psicanalítico. A estranheza que suas contribuições provocam refere-se 
aos desenvolvimentos teóricos e clínicos que trouxe, partindo das descobertas de 
Freud e de Klein: Bion tem um olhar próprio, um outro vértice para pensar os 
fenômenos psíquicos descritos por esses autores seminais, além de ter feito 
acréscimos originais à compreensão psicanalítica da mente. 
Para situarmo-nos nessas mudanças, vamos partir de uma inequívoca 
manifestação de Freud: o nome "psicanálise" pode ser usado "para qualquer terapia 
que reconheça a importância da resistência ao inconsciente, da transferência e das 
raízes genéticas da neurose na infância" (Freud, 1914/1974a). Como Freud não 
incluiu em sua afirmação que esses fenômenos teriam de necessariamente ser 
pensados por meio das teorias que ele formulara, entendemos duas coisas: 
 A primeira Freud tinha clareza da distinção entre as experiências vividas 
na sessão analítica e as teorias criadas para descrevê-las ou explicá-
las. Ou seja, a distinção entre o que é essencial e o que é a 
transformação do essencial e a segunda é que o selo da condição 
psicanalítica é dado pela conjunção de uma teoria do funcionamento 
mental baseada no reconhecimento da resistência ao inconsciente, de 
uma teoria da relação analítica baseada na transferência e de uma teoria 
do desenvolvimento mental baseada em Édipo. 
Podemos rastrear, no conjunto da obra de Bion, a presença dessas três 
raízes seminais: 
 
25 
 
 Quanto à resistência ao contato com o inconsciente, Bion não só toma está 
compreensão como seu ponto de partida, como também faz contribuições originais ao 
entendimento das dificuldades da mente em integrar aspectos rejeitados ou 
incompatíveis de si mesma. 
 Ficam dúvidas de que Bion está operando com a ideia de resistência quando 
destaca a gama de elementos que podemos abrigar nas colunas 2 da Grade? Todas 
as suas recomendações sobre o estado da mente do analista, que favorecem o 
alcançar contato com o não simbolizado, não são indicações úteis para o contato com 
o que é inconsciente? Sua conjectura, ao final da vida, sobre a cesura e a 
discriminação entre estados de mente consciente/inconsciente e inacessível, não traz 
esclarecimentos sobre formas diferentes de vivermos o inconsciente? 
Quando nos elucida sobre seu pensamento não estar contemplando a 
polarização consciente/inconsciente, mas sim a de finito/infinito, não está ele nos 
apontando o fato de que, em dimensões fundantes da mente, o movimento útil é em 
direção a um inconsciente infinito e não apenas a um inconsciente capaz de vir a ser 
consciente (->finito)? 
Sabemos como Freud explorou a mente tendo a transferência como 
instrumento. Melanie Klein deu continuidade a esses esforços, tanto utilizando o 
instrumental freudiano quanto o ampliando por meio da teoria da identificação 
projetiva. Bion também se valeu da transferência e da identificação projetiva, assim 
como criou outros instrumentos para explorar a relação analítica, como sua teoria do 
pensar, e também as teorias da observação: 
A grade e a teoria das transformações. Nesta última, para organizar as 
experiências da sessão analítica Bion integra as teorias da transferência 
(transformações em movimento rígido) e da identificação projetiva (transformações 
projetivas) ao lado de outras formas de transformações que ele descreve, ao 
discrimina 
 Pensamento 
 Alucinose 
 Operações opostas ao conhecer 
 As transformações em ser ou tornar-se a realidade (diferenciando, 
assim, os movimentos para conhecer e ser daqueles próprios à gênese 
do pensar). Temos aí uma teoria do funcionamento mental, mais 
 
26 
 
sofisticada e bem mais abrangente que as do funcionamento neurótico 
e psicótico. 
A teoria do conhecimento de Bion (1962/1966, 1963/2004 a 1965/2004b) é uma 
teoria do desenvolvimento mental. Podemos mesmo afirmar tratar-se da mais 
sofisticada teoria sobre o conhecer já surgida no campo psicanalítico. 
 E também percebê-la como uma teoria sobre fenômenos mentais ainda 
anteriores aos edípicos como descritos por Freud e Klein; é igualmente fácil perceber 
que no conceito de vínculos de amor, de ódio e de conhecimento (Bion, 1962/1966) 
estão contemplados os três vínculos presentes na proposta freudiana do Complexo 
de Édipo. De forma convergente, Bion também trouxe contribuições originais à nossa 
compreensão do mito edípico e do Complexo de Édipo, como os conceitos de situação 
edípica e de preconcepção edípica. 
7 TEORIA DO PENSAMENTO 
Em “Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental” (1911) 
Freud afirma: “a decepção ante a ausência da satisfação esperada motivou o 
abandono de sua tentativa de satisfação por meio de alucinações e para substituí-lo, 
o aparelho psíquico teve que se decidir a representar intrapsiquicamente as 
circunstâncias reais do mundo exterior, e tender à sua modificação real”.3 
O pensamento, as emoções e o conhecimento são indissociados entre si, 
sendo que o pensamento precede o conhecimento, porquanto o indivíduo necessita 
pensar e criar o que não existe, ou o que ele não conhece. 
Bion, nos trabalhos: “Uma Teoria do Pensamento” (1962) e “Elementos em 
Psicanálise” (1963), introduziu as seguintes concepções: Da mesma forma como para 
Freud, também a teoria do pensamento de Bion tem como ponto de partida a 
frustração das necessidades básicas que são impostas ao lactante. 
Para Bion o essencial é a maior ou menor capacidade do ego do lactante poder 
tolerar o ódio resultante dessas frustrações. Ele considera fundamental se vai haver 
uma fuga em relação à frustração ou uma modificação desta. 
Bion introduz a noção de que é necessária uma distinção entre elementos do 
pensamento e os pensamentos propriamente ditos. Para Bion, “o pensar é um 
 
27 
 
desenvolvimento forçado sobre o psiquismo, pela pressão dos elementos dos 
pensamentos, e não o contrário”. 
Na realização positiva há uma confirmação de que o objeto necessitado está 
realmente presente e atende às suas necessidades. Na realização negativa, o lactante 
não encontra um seio disponível para a satisfação e essa ausência é vivenciada como 
a presença de um seio ausente e mau dentro dele. 
 Para Bion todo objeto necessitado, em princípio, é sentido como sendo mal 
porque se ele o necessita é porque não tem posse dele; logo, esses objetos são maus 
porque a sua privação provoca muito sofrimento. 
Se a capacidade inata do ego para tolerar as frustrações for suficiente, a 
experiência do “não seio” torna-se um elemento do pensamento (protopensamento) e 
se desenvolve um aparelho psíquico para “pensá-lo”. Se a capacidade inata para 
tolerar as frustrações for insuficiente, o “não seio” mau, deve ser evadido e expulso 
pelo emprego de maciças identificações projetivas. 
As experiências de realização negativa são inerentes e indispensáveis à vida 
humana, e elas podem seguir dois modelos de desenvolvimento: 
Se o ódio resultante da frustração não for excessivo à capacidade do ego do 
lactante em suportá-lo, o resultado será uma sadia formação do pensamento, através 
da “função α”, a qual integra as sensações e as emoções. A função α é a primeira que 
existe no aparelho psíquico e é ela quem vai transformar as sensações e as primeiras 
experiências emocionais em elementos α. 
Os elementos α são processados pela função α, são utilizados pela mente para 
a formação de sonhos, recordações e para as funções de simbolizar. Os elementos 
α formam um conjunto denominado de “barreirade contato” que resulta do conjunto 
formado pelos elementos α, demarca a fronteira de contato e de separação entre o 
consciente e o inconsciente. 
Se o ódio resultante da frustração for excessivo, os elementos do pensamento 
que se formam, denominados “elementos β”, não se prestam para a função de serem 
pensados e precisam ser imediatamente aliviados, portanto, descarregados pela 
criança. Os elementos β são protopensamentos, ou seja, experiências emocionais e 
sensoriais primitivas e que, portanto, não puderam ser pensadas até um nível de 
conceituação ou de abstração, elas devem ser expulsas e evacuadas para fora. Os 
elementos β formam um conjunto denominado de “pantalha ou tela β” a qual não 
 
28 
 
possibilita uma diferença entre o inconsciente e o consciente, entre a fantasia e a 
realidade e nem a elaboração de sonhos. 
A essência da formação dos pensamentos úteis depende não só da capacidade 
de tolerância às frustrações, como também da capacidade em suportar as 
depressões, ou seja, vai depender basicamente do modo da passagem da posição 
esquizo-paranóide para a posição depressiva. 
A relação entre o pensador e o pensamento, sob o modelo continente-
conteúdo, foi estudada por Bion e, segundo ele, adquire três formas: 
A primeira é a forma parasitária: Na qual o pensador e o pensamento novo se 
desvitalizam, se destroem entre si e se nutrem de mentiras que funcionam como uma 
barreira contra a verdade. 
A segunda é a forma comensal: Em que o pensador convive com o seu 
pensamento sem grandes atritos e, se não impede a evolução, também não possibilita 
grandes mudanças. 
A terceira é a forma simbiótica: Pela qual o pensador e o pensamento se 
harmonizam e se beneficiam mutuamente entre si. 
8 FUNÇÃO-ALFA E ESTILO DE PENSAMENTO EM BION 
O conceito de função-alfa foi formulado por Bion no início da década de 1960, 
com base nas exigências de sua clínica, associadas a inadequações que, para ele, 
existiam nas teorias de Freud e de Melanie Klein e pediam novas considerações e 
abordagens epistemológicas. Seu desenvolvimento ocorreu por meio do atendimento 
de pacientes considerados difíceis (como esquizofrênicos, neuróticos graves, 
dependentes químicos) nos anos 50, combinado a um estilo característico, passível 
de ser percebido desde suas investigações sobre o funcionamento mental de grupos 
realizadas nos anos 40. 
Apesar de o trabalho com grupos e o conceito de função-alfa não estarem 
diretamente relacionados em termos teóricos; de o primeiro representar uma via de 
abordagem psíquica diferente daquela do atendimento individual, é possível notar um 
vínculo implícito entre essas atividades, dado por algo de essencial no modo de Bion 
pensar e elaborar suas ideias. 
 
29 
 
Esse modo levará autores como Donald Meltzer a buscar, nas diferentes 
facetas do estilo de Bion, uma linha de inteligibilidade para seu método de exposição 
teórica e o objetivo subjacente a ele. Acredito que uma característica essencial dessa 
faceta seja o modo como a alteridade se apresenta em seu pensamento. 
Em linhas gerais, o conceito de função-alfa representa uma qualidade da 
personalidade para lidar de modo criativo e pessoal com os dados de uma experiência 
emocional que, sem essa função, permaneceriam presentes, mas não assimilados 
pelo eu. 
Os dados não trabalhados por essa função, nomeados de elementos beta, são 
associados por Bion na forma de uma analogia à matéria não digerida e tóxica do 
processo digestivo. Assim, a operatividade da função-alfa está diretamente 
relacionada com esses dados e não pode ser pensada independentemente deles – 
seja por sua existência, seja por características do processo de conversão da matéria 
bruta em alimento, ou melhor, em uma abstração. Essa função age no início do 
processo de sofisticação do pensamento, modificando o que há de concreto na 
experiência com o mundo interno ou externo, em direção à formação do pensamento 
simbólico. 
Pode-se afirmar, então, que essa função pressupõe a presença de uma 
alteridade, por vezes radical, e seu bom funcionamento implica admissão e 
sustentação psíquica e emocional da mesma. Prosseguindo com associações 
abstraídas do trato digestivo, a assimilação de dados de uma experiência não é, para 
Bion, o mesmo que dissolver ou eliminar algo de sua alteridade, e representa os 
primeiros passos para que esta venha a ser tratada como tal. 
Guardadas as devidas proporções, as características da personalidade ligadas 
à função-alfa estão relacionadas à maneira como Bion desenvolve e apresenta suas 
próprias ideias. A observação da proximidade existente entre essas características, 
seu estilo e suas elaborações mais abstratas pode facilitar a apreensão do conceito e 
o contato com sua teoria. Para esse autor, há uma via de mão dupla constante entre 
as abstrações teóricas e a prática, ainda que ela nem sempre esteja clara em suas 
discussões. 
 Como diz Lansky, “em termos de formação de teoria, o trabalho de Bion 
sempre lida com o concreto, não importa o quão abstrato e matemático pareça ser”. 
 
30 
 
Minha proposta será, portanto, destacar o que há de essencial no conceito de função-
alfa e formar uma ideia sobre aquilo que tornou necessária sua concepção. 
O processo de criação desse conceito em particular e as teorizações de Bion 
em geral estiveram intimamente ligados a um interesse filosófico pelos fundamentos 
da Psicanálise e do processo analítico, assim como à caracterização de seus 
elementos essenciais. Em sua teoria, são frequentes as reflexões sobre o método e 
as condições de possibilidade para o acesso da personalidade à realidade de uma 
experiência emocional, tanto do lado do paciente quanto do lado do analista. 
O conceito de função-alfa procurou dar conta de descrever a maneira como a 
realidade se tornaria psiquicamente disponível e, além de ser um dos principais 
componentes de sua teoria do pensar, é um dos dispositivos que levaram à 
elaboração dessa mesma teoria. Para desenvolver essa ideia proponho que, em vez 
de entrarmos em um terreno mais característico da filosofia, realizemos uma 
aproximação com algumas questões que a prática clínica colocava aos psicanalistas 
naquela época. 
Bion destacou a dimensão do desconforto, da incerteza e do desamparo do 
analista, associada à dispersão e à fragmentação dos dados da experiência clínica. 
Contudo, seus relatos de caso também evidenciam uma franca disposição para 
suportar situações de intensa pressão emocional, por meio da qual podemos 
apreender algo do lugar e do modo de ser analista. 
Seu artigo “On arrogance”, de 1957, ilustra bastante bem a situação precária 
vivida pela dupla analítica em um determinado momento da análise, quando as 
interpretações conhecidas não serviam mais e o paciente mal podia articular-se 
verbalmente. Aos poucos, apresenta a saída inusitada a que consegue chegar com a 
ajuda do paciente, a partir da sensação de estar perdido, e ainda assim ser capaz de 
sustentar (stand) a situação. 
Vale a pena conferir no dicionário a riqueza de sentidos da palavra inglesa 
stand, presente no texto original e utilizada por Bion para descrever seu estado mental 
durante a sessão. Em trabalhos posteriores, serão amplamente desenvolvidas as 
características das funções analíticas, como a capacidade de conter e de sonhar, na 
sessão, experiências primárias como essa. Foi com base nesse tipo de situação que 
o conceito de função- alfa foi desenvolvido. 
 
31 
 
Uma das principais inquietações de Bion diz respeito ao que é feito ou como se 
reage ao novo e ao desconhecido, procurando, com isso, chamar a atenção dos 
psicanalistas para a experiência de intolerância às emoções e ao estranhamento e 
desconforto gerado pelo encontro com o outro e com o outro de si mesmo. 
Desse modo, em vez de a dimensão do desconforto, da frustração e da 
incerteza revelar uma dificuldade de ordem exclusivamente pessoal do analistaou um 
problema do paciente e de suas psicopatologias, ela expressa algo da dinâmica 
psíquica na relação analítica, compondo parte das reflexões de Bion sobre as 
consequências de se investigar a vida mental, suas emoções e seus distúrbios. 
 É possível considerá-la uma presença ora silenciosa, ora ruidosa, que marca 
grande parte das elaborações teóricas do autor, influencia as discussões 
epistemológicas e metodológicas e, inclusive, transborda para o estilo de sua escrita 
e de suas comunicações. 
É desde seu trabalho com grupos que se pode notar um posicionamento clínico 
e uma atitude mental de curiosidade e de abertura a certas particularidades dos 
fenômenos, referentes a seus aspectos primitivos. Bion percebeu, nos grupos, uma 
simultaneidade entre comunicações verbais e não-verbais, que o levou a sugerir a 
existência de uma mentalidade grupal de origem protomental ou proto-somática, onde 
o físico e o psíquico estariam indiferenciados. 
Em cogitações, Bion cunha usa o termo “trabalho onírico alfa”, para representar 
a atividade mental que armazena e que torna disponível ao conhecimento, à 
recordação, ao pensamento inconsciente e ao trabalho onírico, tal como descrito por 
Freud, os dados da experiência emocional. Do contrário, estes permaneceriam 
presentes, porém desconhecidos e tóxicos. 
O termo “alfa” é uma incógnita que serviu para enfatizar a elaboração de um 
postulado, ou de uma hipótese teórica acerca de uma atividade mental em si mesma 
desconhecida, e que, para Bion, exigia uma formulação conceitual. 
O “trabalho onírico alfa” foi mais tarde nomeado de “função-alfa”, para que não 
fosse confundida com o trabalho de sonho, tal como Freud o compreendia. Essa 
função representou tanto uma estratégia do pensamento de Bion quanto uma função 
da personalidade para lidar com eventos que pediam compreensão e que, portanto, 
estariam dispersos e fragmentados (os elementos-beta). 
 
32 
 
As incógnitas alfa e beta indicam que os termos são, em si mesmos, 
incognoscíveis, mas passíveis de adquirirem significado na experiência; eles foram 
propostos com a intenção de evitar que os termos fossem associados a significados 
definitivos e, desse modo, permanecem abertos ao desconhecido da experiência. 
Segundo o autor, a cristalização do pensamento na psicose poderia ser análoga ao 
risco que os analistas correm ao se apegarem, demasiadamente, a certos conceitos, 
dando a eles uma concretude que dificulta a flexibilidade que precisariam ter em cada 
situação. 
Bion evidencia a existência da incógnita no pensamento analítico e, no caso da 
função-alfa, na própria personalidade; ela representa, assim, a condição de abertura 
ao impensado de si e do outro, ao desconhecido e ao que está para ser sonhado e 
pensado. 
Ela é mais do que uma função metodológica da personalidade para a 
investigação e para observação da realidade; a função-alfa converte as impressões 
em material onírico e estabelece ligações entre os elementos da experiência 
emocional, de modo a suprir a mente de realidade, do que parece ser verdadeiro e de 
existência. 
A alteridade é uma presença constante no pensamento de Bion e está 
entranhada nas peculiaridades do estilo, na teoria e na prática desse autor. Com o 
conceito de função-alfa, ele encontrou um modo de se aproximar do mundo bizarro e 
idiossincrático do psicótico e de elaborar as condições para essa aproximação com 
base nessa mesma experiência, sem ignorar o que é desconhecido ou evitar o que é 
intolerável, e admiti-lo enquanto tal. 
Nós temos, como analistas, ao menos a possibilidade de encontrar na obra 
desse autor intuições profundas sobre a importância e sobre o significado de sustentar 
e de estar aberto ao desconhecido, e sobre o quanto essa atitude pode representar 
para vida emocional de nossos pacientes. 
 
33 
 
9 BION E A CAPACIDADE DE PENSAR 
 
Fonte:almapapel.blogspot.com 
Um dos principais temas do trabalho do psicanalista Wilfred Bion se 
desenvolveu em torno da capacidade de pensar, cujo livro "Seconds Thoughts" reuniu 
suas principais ideias sobre o assunto. Para o autor (Bion, 1994), o pensar é uma 
atividade que depende do resultado satisfatório de dois desenvolvimentos mentais – 
dos pensamentos e do aparelho que proporciona a atividade do pensamento. Os 
pensamentos podem ser classificados conforme a natureza de sua história evolutiva, 
como preconcepções, concepções ou pensamentos propriamente ditos, além de 
conceitos. 
Para a psicanálise, tal como Bion a compreende, a capacidade para pensar no 
bebê se dá a partir da expectativa que ele tem em relação ao seio materno. Quando 
o bebê entra em contato com o seio, o produto final da ação do seu pensamento é 
uma "concepção" do seio, ou seja, uma expectativa inata de um seio que advém na 
mente do bebê. Trata-se de um "a priori" ou pensamento vazio. 
Mas se o bebê tem uma frustração relacionada à não apresentação do seio (ou 
dito de outro modo, de um "não seio"), o que ele pode experimentar é uma realização 
do seio em sua mente e uma frustração pela apresentação do "não seio". 
 Assim, ele empreende um esforço para fugir da frustração, modificando-a. Se 
sua capacidade de tolerar a frustração for suficiente, o "não seio" se transforma em 
 
34 
 
pensamento e o bebê desenvolve um aparelho para poder pensar. Portanto, a 
capacidade de tolerar a frustração oriunda da apresentação do "não seio" possibilita 
que a psique do bebê desenvolva o pensamento como um meio de superar a 
frustração vivida internamente. Por outro lado, a incapacidade de tolerar a frustração 
pode ser prejudicial para o desenvolvimento do bebê, obstruindo o desenvolvimento 
dos pensamentos e a sua capacidade de pensar. 
A função-alfa, concebida por Bion, diz respeito a um instrumento de trabalho 
na análise dos distúrbios de pensamento, com o qual o analista sustentará, por meio 
da função de rêverie, a possibilidade que o paciente tem para conseguir pensar ou 
sonhar. De acordo com Ogden (2010), Bion criou o termo "função-alfa" para se referir 
ao processamento dos "elementos-beta" proveniente das impressões sensoriais 
brutas, sob forma de pensamento e oriundas das experiências emocionais. 
Os "elementos-beta" são impressões sensoriais não processadas, e não 
podem ser ligados entre si nem utilizados em funções mentais tais como pensar, 
sonhar ou armazenar memória. Os "elementos-alfa", por outro lado, são elementos da 
experiência que podem ser ligados entre si no processo consciente e inconsciente de 
funções mentais. Por exemplo, se houver uma falha na função-alfa, isto significa que 
o paciente é incapaz de dormir e, consequentemente, sonhar, pois a função-alfa torna 
as impressões sensoriais em experiências emocionais disponíveis para a ação do 
pensamento. Se o paciente não é capaz de dormir, ele também não é capaz de 
sonhar, e se ele não se recolhe ao sono, ele é incapaz de despertar. 
Senão, vejamos: 
Sonhar é um processo constante que ocorre tanto no sono quanto na vida de 
vigília inconsciente. Se uma pessoa é incapaz de transformar impressões sensórias 
brutas em elementos inconscientes da experiência que possam ser ligados, ela é 
incapaz de gerar pensamentos-sonho inconscientes e, consequentemente, não pode 
sonhar (seja durante o sono ou na vida de vigília inconsciente). 
A experiência de impressões sensórias brutas (elementos-beta) no sono não é 
diferente da experiência de elementos-beta na vida de vigília. Portanto, o indivíduo 
não pode dormir e não pode despertar, ou seja, ele não é capaz de diferenciar estar 
desperto e estar dormindo, percebendo e alucinando, a realidade externa e a 
realidade interna (Ogden, 2010, p. 19). 
 
35 
 
Assim, no curso de uma análise, tudo o que o analista pode fazer é possibilitar 
ao paciente "sonhar sonhos não sonhados e choros interrompidos" (Dream 
undreamed dreams and interrupted cries) na acepção de Ogden (2010). 
O analistaprecisa ter a capacidade e a responsabilidade de reinventar a 
psicanálise para cada paciente e continuar a reinventá-la durante o curso da análise 
e a cada nova sessão, pensando e sonhando, aprendendo e esquecendo (Thinking 
and dreaming, learning and forgetting) (Ogden, 2009). 
Com efeito, de acordo com André Green (1977), a análise não se constitui 
meramente como um método de tornar consciente o inconsciente, de remover o 
recalque e libertar o afeto daquilo que produziu o sintoma, pelo contrário. A análise 
trata de uma intimidade a dois, por meio da qual o analista "cuida" (care) do seu 
paciente e o sustenta (holding) durante o seu processo. O sentido dado a "cuidar" 
(care), refere-se a bem mais do que isso. 
Trata-se de um cuidado especializado, dar atenção, importar-se, inquietar-se 
ou preocupar-se com o sujeito que tem diante de si. Isso é possível, quando o analista, 
na sua prática clínica, ajuda o paciente a se constituir como sujeito, servindo-se, às 
vezes, de ego auxiliar por meio da regressão em análise. O objetivo aqui não é apenas 
o de promover a cura do paciente. 
Lembremos, pois, que todo paciente é fiel ao seu sintoma. De acordo com o 
próprio Winnicott, com certa frequência, temos que nos contentar em deixar o paciente 
ter de manipular a sintomatologia, sem tentar curá-lo do seu adoecimento (Winnicott, 
1994g). Essa afirmação também é compartilhada por Masud Khan (1989) quando ele 
afirma que, no trabalho clínico, algumas vezes é mais importante sustentar (holding) 
uma pessoa viva do que livrá-la da sua doença. Na maioria das vezes, uma análise 
pode proporcionar ao indivíduo o desenvolvimento da capacidade de cuidar de si 
mesmo. Em vez de rejeitar os pacientes cuja estrutura psíquica não consegue se 
adaptar ao enquadramento, cabe ao enquadramento modificar-se em função da 
estrutura do paciente. Os objetivos do tratamento serão também modificados. Não se 
trata tanto de "curar" o paciente, mas de torná-lo apto a tratar de si mesmo, a 
encarregar-se de si mesmo. O que equivale a dizer que o tratamento fornecerá ao 
paciente o enquadramento que lhe falta para conter seus conflitos. Isso não quer dizer 
reprimi-los, mas permitir-lhes o desaparecimento dos sintomas que o despertar e a 
conservação da vitalidade psíquica (Green, 1977, p. 8). 
 
36 
 
Se o enquadre pode mudar em função do sofrimento do paciente, logo, o seu 
silêncio pode ser compreendido em uma perspectiva diversa daquela da psicanálise 
clássica. De acordo com Green (1977), em alguns casos é preciso que o analista 
abandone a neutralidade típica com o objetivo de promover a verbalização do 
paciente, para que este aceite a plasticidade do objeto de transferência sem que o 
analista seja silencioso o que não significa promover a "tagarelice" do analista em sua 
face mais ativa. O silêncio do analisando, no mais das vezes, permite que o analista 
tenha acesso à sua dor e ao seu sofrimento psíquico, dando a medida exata do seu 
desespero. Seu negativo não é a fala, mas o grito, e daí a importância da vitalidade 
do analista em certos momentos da análise. 
Assim, o analista pode proporcionar ao paciente a capacidade para poder 
pensar e elaborar as experiências vividas dentro do seu mundo interno.3 
10 RELAÇÃO CONTINENTE-CONTEÚDO, FUNÇÃO Α, RÊVERIE 
Realçando a importância das emoções e da primeira relação para a aquisição 
dos fundamentos básicos da construção do psiquismo, Bion (1962-91) desenvolve o 
modelo continente-conteúdo para compreender e expressar os acontecimentos 
intrapsíquicos e intersubjetivos, referindo ser a relação de continente (♀) – conteúdo 
(♂) que possibilita o bebé investigar os seus próprios sentimentos numa personalidade 
forte e suficiente para os conter, considerando como continente o lugar onde o objeto 
é projetado e conteúdo o objeto projetado. 
Refere ser através da identificação projetiva que um conteúdo (elementos β) é 
projetado para dentro de um continente que acolhe, contém temporariamente, 
transforma pela função de rêverie e o devolve sob a forma de elementos α, passível 
de ser nomeado, pensado e sonhado. 
O autor distingue três tipos de relação continente-conteúdo: a parasitária, na 
qual o conteúdo projetado é tão explosivo e malévolo que o continente destrói ambos, 
passando a alimentarem-se de mentiras que funcionam como uma barreira contra a 
verdade; a comensal, onde continente e conteúdo convivem sem grandes atritos, 
 
3 Texto extraído do link: www.e-
publicaçoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/viewn/33456/23713 
 
http://www.e-publicaçoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/viewn/33456/23713
http://www.e-publicaçoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/viewn/33456/23713
 
37 
 
desenvolvendo-se a capacidade de inventar formas de linguagem que posteriormente 
contribuirão para o desenvolvimento emocional, e a simbiótica na qual, tal como numa 
relação amorosa, continente e conteúdo se harmonizam e beneficiam mutuamente da 
relação (Symington & Symington, 1999; Zimerman, 1995). 
Para Bion as díades mãe-bebé que interagem desta maneira formam um par 
pensante cuja atividade ♀ - ♂ é introjetada como aparelho para pensar, enquanto 
parte integrante da função α, resultando no crescimento de ambos e na co-criação de 
novos significados. Este ato de criação partilhada resulta da inseminação do 
continente com experiências emocionais por processar, na expectativa que este as 
pense, transforme e as devolva passíveis de serem pensadas e sonhadas. 
Os elementos transformados devolvidos vão estimular novas criações e 
associações impulsionadoras do desenvolvimento (Bion, 1997, cit. por Brown, 2011). 
Considerando a importância da interação mãe-bebé no desenvolvimento do 
aparelho psíquico do bebé e o postulado que os pensamentos e as emoções são 
indissociáveis então, de acordo com Bion, teria de haver na mente uma função que 
concedesse sentido e significado às experiências. À elaboração da vivência emocional 
que digere a experiência e nutre o pensamento, Bion designou de função α (Martins, 
2005). No período inicial de vida, a experiência mental do bebé é regida por 
impressões sensoriais desprovidas de sentido ou sensações sem nome que causam 
frustração – elementos β. 
Estes, não digeridos, são sentidos como corpos estranhos na mente, como a 
coisa-em-si mesmo apenas adequadas para serem evacuadas para o exterior, por 
meio da identificação projetiva, por não serem pensadas. Através da função α, os 
elementos β são transformados em elementos α, elementos com significado psíquico 
passíveis de serem pensados e sonhados. Devido à imaturidade do seu aparelho 
mental, quando o bebé nasce ainda não possui a capacidade de transformar o 
conteúdo do sistema protomental, a experiência emocional sensorial numa 
representação conceptual, sendo através da intervenção da mãe que o bebé 
desenvolve a sua própria função α (Symington & Symington, 1999). 
Sendo um aspecto da personalidade responsável por compreender a realidade 
emocional e dar significado afectivo às percepções, a função α desenvolve-se numa 
coreografia única com o seu par, a mãe (Bion, 1962, cit. por Brown, 2011). Assim, e 
de forma implícita, Bion atribui a função α a uma produção do ego responsável por 
 
38 
 
atribuir significado emocional à experiência, possibilitando o desenvolvimento do 
pensamento (Brown, 2011). 
A função α decorre da ação da mãe em receber a evacuação dos conteúdos 
angustiantes projetados pelo seu bebé elementos β, contê-los, tolerá-los, processa-
los e por fim, devolvê-los transformados de modo a que a criança os possa tolerar 
elementos α. 
Se a capacidade de rêverie da mãe lhe permitir responder adequadamente às 
identificações projetivas do seu bebé, este sentir-se-á compreendido e reconfortado, 
recebendo a parte de si que foi evacuada numa versão melhorada, acompanhada da 
experiência de um objeto que já é capaz

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