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DIREITO DO CONSUMIDOR - vício do produto e do serviço

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2020 - 04 - 30 
Manual de
Direito do
Consumidor -
Edição 2017
Revista dos Tribunais
This PDF Contains
VII. VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO
https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title//rt/monografias/91713421/v8.3/document/136388888/anchor/a-136388888
2020 - 04 - 30 
Manual de Direito do Consumidor - Edição 2017
VII. VÍCIO DO PRODUTO E DO SERVIÇO
(Autor)
Leonardo Roscoe Bessa
1. Introdução
Nada mais natural e justo que os produtos e serviços oferecidos no mercado de consumo
tenham qualidade, atendam à sua finalidade própria e, consequentemente, às necessidades e
expectativas dos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor determina que,
independentemente da garantia oferecida pelo fornecedor (garantia de fábrica), os produtos e
serviços devem ser adequados aos fins a que se destinam, ou seja, devem funcionar bem, atender
às legítimas expectativas do consumidor. Devem ainda observar as indicações de qualidade e
quantidade constantes na oferta e mensagem publicitária. Esta é a garantia legal, decorrente de
norma de ordem pública (art. 1.º): não pode, portanto, ser afastada ou diminuída por vontade do
fornecedor (arts. 24 e 25).
Com fundamento na teoria da qualidade (Capítulo V), a lei de proteção ao consumidor, logo após
a disciplina concernente à responsabilidade por fato do produto e do serviço, ou seja,
responsabilidade decorrente dos acidentes de consumo (arts. 12 a 17), regulamenta os chamados
vícios dos produtos e dos serviços (arts. 18 a 25). Estabelece, também, a necessidade de qualidade e
continuidade dos serviços públicos (art. 22).
Enquanto na responsabilidade pelo fato a preocupação maior é com a segurança dos produtos e
serviços, na responsabilidade pelo vício o foco principal é a sua adequação real às finalidades
próprias, ou seja, o ar condicionado deve esfriar o ambiente, a televisão transmitir imagens e sons,
a caneta possibilitar a escrita, o serviço de colocação de telhas impedir que a água da chuva
ingresse no imóvel etc.
A disciplina dos vícios dos produtos é paralela à regulamentação dos vícios redibitórios (arts.
441-446 do Código Civil). Assim, havendo relação de consumo, aplicam-se primordialmente os arts.
18 a 25 do CDC. Caso contrário, incide, em favor do comprador, a disciplina própria do Código
Civil.
Ressalte-se, desde já: a incidência do Código de Defesa do Consumidor não dispensa a
realização de diálogo das fontes com o Código Civil (Capítulo IV). As soluções jurídicas, tanto para
um setor como para o outro, decorrem de análise simultânea e comparativa dos diplomas legais
(CDC e CC), com pretensão de harmonia entre as fontes, considerando principalmente o projeto
constitucional de tutela dos interesses do consumidor (art. 5.º, XXXII). Sobre diálogo das fontes v.,
também, obra coletiva coordenada por Claudia Lima Marques, Diálogo das fontes: do conflito à
coordenação de normas do direito brasileiro, São Paulo: Ed. RT, 2012.
2. Referências históricas: vícios redibitórios
Para a adequada compreensão da disciplina dos vícios dos produtos no CDC, faz-se breve
digressão histórica sobre os vícios redibitórios.
J. M. Carvalho Santos assim define o vício redibitório: “É o vício, ou defeito, oculto, que torna a
coisa imprópria ao uso, a que é destinada, ou lhe diminui o valor, de tal sorte que a parte, se o
conhecesse, ou não contrataria, ou lhe daria preço menor” (Código Civil brasileiro interpretado, p.
335). A maioria das legislações cuida dos vícios redibitórios no capítulo referente à disciplina do
contrato de compra e venda, pois esse é o campo em que ordinariamente o problema se propõe.
No Brasil, tanto o CC/1916 como o CC/2002 trataram da matéria na parte geral dos contratos,
admitindo-se seu aparecimento em todos os negócios comutativos.
Embora seja possível verificar traços dos vícios redibitórios no Código de Hammurabi (por
volta de 1694 a.C.) e no direito grego, em geral se atribui a origem histórica da disciplina dos vícios
redibitórios ao direito romano, provavelmente porque sua estrutura atual, nas mais diversas
legislações, manteve-se com poucas alterações do modelo romano.
José Fernando Simão sustenta que a disciplina do vício oculto tem suas origens remotas na
Grécia antiga para proteger o adquirente de escravos que sofressem de moléstias físicas ou
psíquicas. Esclarece o autor que a ação estimatória era desconhecida dos gregos, ou seja, admitia-
se apenas a redibição do contrato (Vícios do produto no novo Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor, p. 43-45). Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, embora confirme a maior importância
do direito romano em perspectiva histórica, refere-se ao direito babilônico (Código de
Hammurabi) e ao direito grego (Vícios do produto e do serviço por qualidade, quantidade e
insegurança, p. 25-45). Esclarece Moreira Alves que houve época em que o vendedor não respondia
pelos vícios da coisa, salvo se entre as partes houvesse sido celebrado acordo em sentido contrário.
Posteriormente, no tempo de Cícero, o comprador podia, quando o vendedor tinha conhecimento
do vício, obter, por ação específica, a devolução do preço mediante a entrega da coisa ou apenas a
redução do preço. (Direito romano, p. 188). Em Portugal, tanto as Ordenações Afonsinas (1446) as
Manuelinas (1521) como as Filipinas (1603) possuíam disposições específicas relacionadas à
proteção do comprador em caso de vício oculto da coisa.
No Código Civil de 1.916, os vícios redibitórios eram tratados nos arts. 1.101 a 1.106, na seção
relativa aos contratos.
Em síntese, a disciplina aplicava-se aos contratos comutativos e doações onerosas, o vício
deveria ser oculto, grave e anterior à tradição. As ações edilícias estavam previstas no art. 1.105. O
adquirente podia rejeitar a coisa, redibindo o contrato ou, alternativamente, ficar com a coisa e
reclamar o abatimento do preço. O prazo decadencial para exercício do direito em relação aos
bens móveis era de 15 dias, “contados da tradição da coisa” (art. 178, § 2.º), e de 6 meses para
imóveis (art. 178, § 5.º, IV), “contado o prazo da tradição da coisa”.
O art. 1.102 possibilitava a exoneração contratual da responsabilidade apenas na hipótese de
ignorância dos vícios. Assim, em caso de ciência prévia do vício, não teria efeito qualquer
disposição contratual que objetivasse excluir a responsabilidade do alienante.
O conhecimento do vício por parte do alienante, a par de impedir a estipulação de cláusula
exoneratória de responsabilidade, trazia consequências concernentes à indenização por perdas e
danos. Se o alienante conhecia o vício, além de restituir o que havia recebido, deveria indenizar os
prejuízos decorrentes do ato; se o vício não era conhecido, deveria apenas restituir o valor
recebido mais as despesas do contrato (art. 1.103).
A culpa do alienante em relação aos vícios redibitórios não era, no Código Civil de 1916,
pressuposto para possibilitar o exercício das alternativas colocadas à disposição do comprador
(redibição do contrato ou abatimento proporcional do preço). A lei apenas se referia ao
conhecimento ou não do vício, sem qualquer preocupação em vincular a origem do defeito à ação
ou omissão anterior do alienante. A ciência do vício – e não a culpa – era relevante apenas para
analisar a validade de cláusula exoneratória (art. 1.102) e definir o cabimento de indenização por
perdas e danos, ao lado da restituição do bem (art. 1.103).
3. Vícios redibitórios no Código Civil de 2002
O atual Código Civil, cuja vigência iniciou-se em janeiro de 2003 – ou seja, após a promulgação
do CDC –, trata dos vícios redibitórios nos arts. 441 a 446, em seção que integra o título Dos
contratos em geral.
Salvo alguns relevantes pontos concernentes aos prazos decadenciais, sua forma de contagem e
relação com a garantia contratual, manteve-se, em linhas gerais, a mesma estrutura do Código Civil
revogado: 1) aplicação aos contratos comutativos e doações onerosas; 2) o vício deve ser oculto; 3)
o adquirente pode rejeitar a coisa (ação redibitória) ou, alternativamente, reclamar abatimentoproporcional do preço (ação estimatória); 4) o conhecimento do vício pelo alienante traz como
consequência, além da devolução do bem, o dever de indenizar o adquirente pelos prejuízos
sofridos.
O Código Civil de 2002 ampliou os prazos decadenciais para exercício das ações edilícias. O art.
445 estabelece: “O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no
prazo de 30 (trinta) dias se a coisa for móvel, e de 1 (um) ano se for imóvel, contado da entrega
efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade”.
Além de aumentar os prazos decadenciais, estipulou expressamente prazo de garantia, ou seja,
período máximo de aparecimento do vício oculto: “Quando o vício, por sua natureza, só puder ser
conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo
máximo de 180 (cento e oitenta) dias, em se tratando de bens móveis; e de 1 (um) ano, para os
imóveis” (art. 445, § 1.º).
O dispositivo possui enorme importância prática, pois, na verdade, todo vício oculto, pela sua
própria definição e natureza, só se manifesta após decorrido lapso temporal da entrega (tradição)
do bem.
No caso de venda de animais, os prazos de garantia serão os indicados em lei especial, ou, na
ausência dessa norma, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no § 1.º do art. 445, se não houver
regras disciplinando a matéria (§ 2.º do art. 445). Nesse aspecto, o CC/2002 segue orientação atual
de diversos países que editaram normas específicas que definem o prazo de garantia,
especialmente para surgimento de doenças em animais. As leis alienígenas, além de indicarem os
prazos para cada espécie de vício, elencam os tipos de doença que são consideradas vícios ocultos
(José Fernando Simão, Vícios do produto, p. 151-153).
O aumento dos prazos decadenciais (de 15 para 30 dias, nos bens móveis, e de 6 meses para 1
ano, nos bens imóveis) e a previsão expressa de períodos máximos para aparecimento do vício
oculto (180 dias para bens móveis e 1 ano para imóveis) são a primeira grande novidade do Código
Civil de 2002.
A disciplina segue a distinção realizada pela jurisprudência ao interpretar o art. 1.245 do
CC/1916 (Súmula 194 do Superior Tribunal de Justiça). O prazo de 5 anos seria o limite temporal
para surgimento dos vícios nos imóveis; o prazo para ajuizamento da ação seria outro, com início
coincidindo com o aparecimento do vício. A referida disciplina, em caso de bens imóveis, restou
bem mais vantajosa ao comprador se comparada ao instituto dos vícios redibitórios, até mesmo,
em alguns aspectos, à disciplina do próprio CDC: daí a importância do diálogo das fontes (Capítulo
IV). O CC/2002 mantém, no art. 618, a mesma ideia em relação aos contratos de empreitadas de
edifícios. Há o prazo irredutível de 5 anos para surgimento dos vícios referentes à solidez do
edifício e o prazo decadencial de 180 dias contados a partir do aparecimento do defeito.
Os dois prazos devem se integrar. Assim, para exemplificar, no caso de contrato de compra e
venda no qual não incide o CDC, o comprador de um carro (bem móvel) poderá exigir a redibição
do contrato ou abatimento do preço caso o defeito na injeção eletrônica, que impede o regular
desenvolvimento do motor, se revele até 180 dias da entrega efetiva do automóvel. Assim que o
vício se manifestar (desde que no prazo de 180 dias, repita-se), o comprador terá o prazo
decadencial de 30 dias para exigir judicialmente a devolução do dinheiro ou, se for o caso, o
abatimento proporcional do preço.
Na prática, somando-se os dois prazos, os adquirentes de bens móveis terão até 210 dias, a
contar do dia do recebimento do bem, para reclamar pelos vícios ocultos e exigir a devolução ou
abatimento proporcional do preço. No CC/1916, recorde-se, não havia prazo de garantia, e o
decadencial era apenas de 15 dias, o que gerou muitas críticas, tanto em sede doutrinária como
jurisprudencial (v. item 4).
A segunda mudança relevante refere-se à possibilidade de soma do prazo decadencial com o
prazo de garantia contratual, conforme redação do art. 446 do CC/2002, verbis: “Não correrão os
prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve
denunciar o defeito ao alienante nos 30 (trinta) dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de
decadência”.
O CC/2002, com a nova redação do art. 446, consagrou tese que alguns tribunais já vinham
adotando quanto à relação temporal entre as garantias contratual e legal (decorrente da disciplina
dos vícios redibitórios). Em razão da exiguidade do prazo de 15 dias previsto no CC/1916, surgiu o
entendimento jurisprudencial no sentido de que o prazo de decadência só fluiria após o término
do prazo da garantia contratual (v. item 24).
4. Críticas à disciplina do CC/1916 e reação do Código de Defesa do Consumidor
A disciplina dos vícios redibitórios do Código Civil de 1916 recebeu fortes críticas doutrinárias,
especialmente no que diz respeito à exiguidade dos prazos decadenciais, que acabavam,
paradoxalmente, beneficiando o vendedor do bem e não o comprador, como já apontado no
Capítulo V (Teoria da qualidade).
A par das censuras relativas aos prazos decadenciais, a doutrina ressaltava que apenas o
vendedor – e não o fabricante do produto – tinha responsabilidade pelos vícios redibitórios e,
ainda, que o seu próprio conceito seria demasiadamente restrito, por não abranger defeitos
aparentes nem aqueles que não fossem considerados graves.
Para atenuar o rigor do CC/1916, a jurisprudência encontrou diversos caminhos. Apesar da
literalidade dos dispositivos relativos aos prazos decadenciais indicar que sua contagem iniciava-
se com a tradição da coisa, admitiu-se, em várias oportunidades, que o termo inicial deveria
coincidir com a data de revelação do vício. A propósito, observa Paulo Luiz Netto Lôbo: “A rigidez
do Código Civil brasileiro levou a jurisprudência dos tribunais a construir uma tutela jurídica
alternativa, sobretudo para tangenciar a limitação do prazo decadencial, chegando ao ponto de,
em alguns casos, tomar como termo inicial a descoberta do vício e não da tradição da coisa”
(Responsabilidade por vício do produto ou do serviço, p. 27). É importante registrar que, embora a
jurisprudência tenha firmado a posição de que o prazo de 15 dias não se iniciava da tradição, nem
sempre havia preocupação com o prazo máximo para revelação do defeito. Outro caminho
trilhado pelos tribunais foi, apesar das distinções conceituais, anular o negócio jurídico por erro,
espécie de vício do consentimento, valendo-se do prazo decadencial de quatro anos, bem mais
favorável ao comprador do que 15 dias. Outra alternativa consistiu em considerar a venda de coisa
com vício redibitório como hipótese de inadimplemento contratual, cujo prazo prescricional era,
no CC/1916, art. 177, de 20 anos.
A disciplina referente aos vícios de qualidade dos produtos e serviços do Código de Defesa do
Consumidor procurou justamente afastar as deficiências e insuficiências da lei civil. Tanto o CDC,
em 1990, e, posteriormente, o novo Código Civil ampliaram os prazos decadenciais. Além disso, o
Código Civil de 2002 indicou expressamente prazo para manifestação do vício oculto.
O CDC, objetivando uma tutela mais eficaz em favor do consumidor, amplia o conceito de vício,
impõe obrigação solidária entre todos os fornecedores participantes da cadeia de produção e
comercialização do produto, impossibilita, em qualquer hipótese, a exoneração contratual da
responsabilidade do fornecedor e oferece uma terceira alternativa ao comprador em caso de vício:
a substituição do produto por outro da mesma espécie.
5. Generalidades sobre a proteção do CDC
O Código de Defesa do Consumidor cuida da matéria concernente à responsabilidade por vício
do produto e do serviço nos arts. 18 a 25, em seção que integra o Capítulo IV, intitulado “Da
qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos”. Antes disso, estabelece,
como princípio, o direito básico do consumidor à “efetiva prevençãoe reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (art. 6.º, VI).
A disciplina do CDC em relação à matéria objetivou afastar as deficiências da tutela do
comprador apontadas pela doutrina e jurisprudência em relação ao CC/1916, além de considerar
as dificuldades inerentes à vulnerabilidade do consumidor no mercado. O CDC, promulgado em
setembro de 1990 – portanto, antes do Código Civil de 2002 –, foi o primeiro diploma legal a
apresentar reações à tímida proteção conferida ao comprador pelo direito privado.
De outro lado, a disciplina dos vícios dos serviços (arts. 20 e 21) é novidade trazida pelo Código
de Defesa do Consumidor sem paralelo direto com o Código Civil, vez que inexistem vícios
redibitórios em relação aos serviços. As soluções, até então, eram encontradas basicamente no
direito contratual, na disciplina do inadimplemento.
Destaque-se que a edição, em 1990, do Código de Defesa do Consumidor não revogou o Código
Civil de 1916, mas apenas estabeleceu disciplina própria para a relação de consumo, considerando
especialmente a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.
O CDC, por ser lei especial em relação ao CC/1916, não afetou a sua vigência (LINDB, art. 2.º, §
2.º), apenas conferiu proteção diferenciada a situações fáticas, delineadas principalmente a partir
dos sujeitos da relação, para, em última análise, conferir materialidade ao princípio constitucional
da isonomia (art. 5.º, caput), tratando diferentemente o desigual. Repita-se que, em razão da
necessidade atual do diálogo das fontes (Capítulo IV), nenhum diploma é aplicado isoladamente,
sem influências de outras leis. Além de base conceitual, o Código Civil sempre oferece elementos
para delimitação do sentido e alcance do CDC.
Em relação à disciplina dos vícios dos produtos e dos serviços no CDC, faz-se necessária a
configuração, na origem, de relação contratual com o fornecedor. Ressalte-se: na origem. A própria
disciplina do CDC permite que determinada pessoa, usuário final de um produto ou serviço, apesar
de não haver celebrado qualquer contrato com o fornecedor, possa se valer da proteção conferida
pelo CDC.
Ilustre-se com o exemplo de alguém que tenha recebido de presente de aniversário um
aparelho de som que, logo em seguida, deixa de funcionar. O donatário, que, repita-se, não
celebrou qualquer contrato de compra do produto, pode, respeitado o prazo decadencial, exigir
diretamente dos fornecedores (comerciante ou fabricante) que o defeito seja sanado e, num
segundo momento, a substituição do produto, o abatimento proporcional do preço ou a devolução
da quantia paga, exatamente conforme previsto § 1.º do art. 18 do CDC.
O conceito de vício do produto no CDC é bem mais amplo do que o constante no Código Civil. A
proteção não se limita ao vício oculto. Além dessa ausência de restrição, o art. 18, a rigor,
estabelece três espécies de vícios: 1) vício que torne o produto impróprio ao consumo: 2) vício que
lhe diminua o valor: 3) vício decorrente da disparidade das características dos produtos com
aquelas veiculadas na oferta e publicidade.
Institui-se noção objetiva de qualidade do produto ou serviço, em que pessoas não contratantes
podem se beneficiar – aquele que utiliza como destinatário final o produto ou serviço (art. 2.º).
Afasta-se qualquer importância da eventual culpa do fornecedor.
O CDC estabelece hipótese de responsabilidade solidária entre todos os fornecedores que
integram a cadeia de produção e comercialização do produto. Portanto, tanto o fabricante como o
comerciante possuem deveres perante o consumidor quanto à garantia de qualidade dos produtos:
ambos podem ser acionados judicialmente.
Os prazos para reclamar pelos vícios dos produtos e serviços encontram-se estabelecidos no art.
26. Cuida-se de prazo decadencial: 30 dias para produtos e serviços não duráveis e 90 dias para os
duráveis. A contagem do prazo inicia-se com a entrega efetiva do produto ou do término da
execução dos serviços (art. 26, § 1.º). Tratando-se de vício oculto, “o prazo decadencial inicia-se no
momento em que ficar evidenciado o defeito” (§ 3.º). Consigne-se, por fim, a possibilidade de a
decadência ser obstada em duas hipóteses: 1) quando formulada reclamação perante o fornecedor,
até o dia da resposta negativa correspondente; 2) quando instaurado inquérito civil, até o seu
encerramento.
6. Conceito de vício do produto no CDC
O caput do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor estabelece: “Os fornecedores de produtos
de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou
quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações
constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as
variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes
viciadas”.
A leitura do art. 18 indica claramente a existência de três espécies de vícios: 1) vício que torne o
produto impróprio ao consumo; 2) vício que lhe diminua o valor; 3) vício decorrente da
disparidade das características dos produtos com aquelas veiculadas na oferta e publicidade.
A novidade fica por conta do vício decorrente de disparidade das características com a oferta,
vez que, historicamente, a responsabilidade por vício sempre esteve relacionada à funcionalidade
do bem ou diminuição do seu valor.
A respeito, observa Paulo Lôbo: “Nesta espécie de vício, o produto ou o serviço não apresentam
defeito intrínseco. O vício é configurado objetivamente pela desconformidade entre os dados do
rótulo, da embalagem, ou da mensagem publicitária, e os efetivamente existentes. Não há
necessidade de demonstrar a impropriedade ou a inadequação do produto ou do serviço ao uso a
que se destinam ou mesmo a diminuição de valor. Basta a desconformidade (ou disparidade) entre
o anunciado e o existente adquirido ou utilizado” (Responsabilidade, p. 66). Parte da doutrina
diferencia vício dos produtos e serviços do defeito dos produtos e serviços, justamente com base na
distinção acima. O defeito estaria relacionado ao fato do produto ou do serviço (acidente de
consumo), enquanto os vícios com a impropriedade, inadequação às finalidades, enfim, à
disciplina constante no art. 18 e seguintes. Todavia, a legislação não é rigorosa em relação aos
termos vício e defeito, utilizando um pelo outro, a exemplo do que ocorre no art. 26, § 3.º, do CDC.
Sobre a crítica, v. BESSA, Leonardo Roscoe. Responsabilidade pelo fato do produto: questões
polêmicas. Revista de Direito do Consumidor 89, set./out. 2013, p. 141-161. Em julgado proferido em
2014, o STJ considera haver vício em veículo por ausência de informação concernente ao uso do
tipo de combustível: “Configura vício do produto incidente em veículo automotor a
incompatibilidade, não informada ao consumidor, entre o tipo de combustível necessário ao
adequado funcionamento de veículo comercializado no mercado nacional e aquele disponibilizado
nos postos de gasolina brasileiros. No caso, o automóvel comercializado, importado da Alemanha,
não estava preparado para funcionar adequadamente com o tipo de diesel ofertado no Brasil. Não
é possível afirmar que o vício do produto tenha sido sanado no prazo de 30 dias, estabelecido pelo
art. 18, § 1.º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, se o automóvel, após retornar da oficina,
reincidiu no mesmo problema, por diversas vezes. A necessidade de novos e sucessivos reparos é
indicativo suficiente de que o veículo, embora substituídas as peças danificadas pela utilização do
combustível impróprio, não foi posto em condições para o uso que dele razoavelmente se
esperava” (REsp 1.443.268/DF, j. 03.06.2014, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 08.09.2014).
Ao contrário do Código Civil (arts. 441-446), o CDC não se limita aos vícios ocultos. A noção de
vício é bem mais ampla, alcançando os vícios aparentes e de fácil constatação, bem como produtos
que estejam em desacordocom normas regulamentares de fabricação, distribuição ou
apresentação. A tal conclusão se chega a partir de análise conjunta de diversos dispositivos (caput
e § 6.º do art. 18 e art. 26).
Após afirmar, no caput do art. 18, que os vícios juridicamente relevantes são aqueles que
tornam os produtos inadequados ou impróprios ao consumo, a própria lei, no § 6.º, dispõe: “São
impróprios ao uso e consumo: I – os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II – os
produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados,
nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas
regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III – os produtos que, por qualquer
motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”.
Ou seja, restou estabelecida uma impropriedade normativa que pode, eventualmente, não
corresponder a uma impropriedade real para o consumidor. Há situações em que o produto
atende inteiramente às necessidades do consumidor, mas que, por inobservar norma
regulamentar de apresentação – ausência do número do registro em órgão público –, é
considerado impróprio, ensejando a tríplice alternativa do consumidor (troca, devolução do
dinheiro, abatimento proporcional do preço). Na prática, este consumidor simplesmente não irá
exercitar os seus direitos. Entretanto, principalmente sob perspectiva preventiva, podem ser
realizadas providências para tutela dos direitos coletivos dos consumidores (Capítulo XIV).
Portanto, está bastante claro que, para se invocar a proteção do CDC, não se requer a
configuração de vício grave. A propósito, observa Odete Queiroz: “Dispensa-se no Código de Defesa
do Consumidor a característica da gravidade do vício, uma vez criado um regime de
responsabilidade por vício de qualidade, por impropriedade ou inadequação, bastando que tal
produto se apresente viciado para ser suscetível de garantia” (Da responsabilidade por vício do
produto e do serviço, p. 114). Na mesma linha, destaca Paulo Scartezzini Guimarães: “Não só os
vícios graves caracterizarão o cumprimento imperfeito, mas também aqueles de menor
importância, desde que não sejam insignificantes” (Vícios do produto e do serviço, p. 228).
Para finalizar, destaque-se importante distinção entre o vício e o fato do produto. Enquanto não
ocorrer acidente de consumo, ainda que o vício seja relativo a item de segurança (vício por
insegurança), ou seja, com potencial de ofensa à integridade psicofísica do consumidor e seu
patrimônio, a questão deve ser analisada sob a ótica do art. 18 do CDC, cabendo ao consumidor
escolher uma entre as três alternativas (devolução do dinheiro, troca do produto, abatimento
proporcional do preço). A disciplina do fato do produto (arts. 12 e 13) só deve ser invocada após
ocorrência de acidente de consumo. O STJ já se manifestou nessa linha, como se observa pelo
seguinte resumo: “A questão referente a eventuais danos ao consumidor por defeito do produto
(fato do produto, CDC, art. 12), decorrentes do problema no sistema de freio do automóvel, não foi
analisada, pois a autora nunca argumentou sobre tal fato, delimitando seu pedido na restituição de
valores pagos pelo bem e por consertos deste, ou seja, por danos patrimoniais devidos à
inadequação do produto, na forma do art. 18 do CDC (vício do produto). Embora o defeito no
sistema de freio de um automóvel configure defeito de segurança, com potencial para acarretar
dano ao consumidor, isto é, acidente de consumo, conforme previsto no art.12 do Código, quando
inexistir alegação de tal dano ao consumidor, ter-se-á a responsabilidade do fornecedor por mero
vício do produto, por inadequação deste, de acordo com o art. 18 do CDC, e não por fato do
produto.” (EDcl no REsp 567.333/RN, j. 20.06.2013, rel. Min. Raul Araújo, DJe 28.06.2013)
7. Vício aparente e de fácil constatação
A disciplina do Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do Código Civil, abrange os
vícios aparentes (arts. 18 e 26).
Na disciplina dos vícios redibitórios, exige-se que o vício seja oculto, presumindo-se uma
concordância ou falta de cuidado do comprador em relação aos vícios aparentes. A propósito,
esclarece Scartezzini Guimarães: “Sempre se impôs como condição para a caracterização do vício
que ele fosse oculto. Desde o direito antigo, dizia-se não ser admissível para desfazimento do
negócio ou abatimento do preço o vício que pudesse ser facilmente descoberto, aquele passível de
verificação por uma análise superficial da coisa ou ainda aquele que foi informado pelo alienante
ao comprador. (...) Prevalecia a regra imperitia culpae adnumeratur e, para tanto, dever-se-ia
analisar cada caso concreto, inclusive a pessoa do adquirente, a qual, se tivesse conhecimento
técnico, seria exigível que o vício para ela fosse mais facilmente descoberto” (Vícios do produto e
do serviço, p. 218).
Embora a doutrina procure diferenciar “aparente” de “fácil constatação” (art. 26, caput), há que
se fazer interpretação funcional, ou seja, que considere a finalidade do instituto, principalmente os
efeitos da distinção em relação ao vício oculto. Ora, a qualidade ou não de aparente irá depender
diretamente da maior ou menor complexidade do produto ou serviço e, ao mesmo tempo, do nível
de conhecimento técnico do consumidor. O que é aparente para determinado consumidor não é
nada aparente para tantos outros. Em época de crescente complexidade dos produtos e serviços, o
que pode ser constatado por alguns consumidores, não ocorre com outros: é justamente esta
vulnerabilidade técnica que se pretende tutelar.
Ademais, as circunstâncias da compra também são importantes para aferir se o vício é oculto
ou de fácil constatação. Imagine-se a aquisição de um aparelho de televisão que é retirado da loja
na caixa e lá mantido por dois meses, em razão de reforma no cômodo onde será colocado o
produto. Findas as obras, percebe-se que o volume de som do aparelho não funciona e que faltam
alguns componentes físicos, como o dispositivo que liga e desliga o televisor. Nestas circunstâncias
da venda, em que não houve oportunidade de examinar, sequer superficialmente, o aparelho, os
vícios indicados não podem ser considerados de fácil constatação: são vícios ocultos. Em
consequência, a contagem do prazo decadencial inicia-se no momento em que se testou o bem (art.
26, § 3.º), e não no dia que o consumidor recebeu o produto encaixotado (art. 26, § 1.º).
Com o adjetivo aparente pretendeu-se, em última análise, aludir à facilidade ou não de
identificação imediata do vício, o que conduz justamente à ideia de fácil constatação, que varia
conforme a complexidade do produto e as características individuais do consumidor e as
circunstancias da compra do bem. Portanto, aparente e fácil constatação são expressões que se
equivalem. Não há distinção entre vício aparente e vício de fácil constatação, e sim um esforço
normativo para esclarecer que a aparência ou não do vício decorre das circunstâncias da
aquisição do produto ou do serviço.
Ressalte-se: a distinção entre vício oculto e aparente (= de fácil constatação) é relevante não
para excluir a proteção do CDC, mas apenas para determinar o início da contagem dos prazos
decadenciais. Quando o vício é oculto (a grande maioria dos casos), “o prazo decadencial inicia-se
no momento em que ficar evidenciado o defeito” (art. 26, § 3.º). De outro lado, se o vício é aparente
e de fácil constatação, o prazo começa a correr “a partir da entrega efetiva do produto” (art. 26, §
1.º).
8. Vício conhecido pelo consumidor
O CDC veda as promoções, as pontas de estoque, em que os produtos estão com preços
reduzidos, considerando a existência de “pequenos defeitos”? Nestes casos, pode o consumidor,
após a compra, invocar a tríplice alternativa (troca, devolução do dinheiro, abatimento
proporcional do preço) justamente em razão do vício que ensejou o preço diferenciado?
O CDC não proíbe a comercialização de produtos usados, com vida útil reduzida, assim como
não proíbe a venda de produtos com pequenosvícios. Nesta última hipótese, em homenagem ao
princípio da boa-fé objetiva (art. 4.º, III, e art. 51, IV), há que existir ampla divulgação e
transparência quanto ao vício e, ainda, ser esclarecido que o preço diferenciado (menor) decorre
justamente daquele vício.
Nessa linha, Scartezzini Guimarães distingue vício aparente de vício conhecido para concluir
que, no caso de vício conhecido, considerando o princípio da boa-fé, não há responsabilidade do
fornecedor (Vícios do produto e do serviço, p. 224). Aludindo às vendas de ocasião (pontas de
estoque), observa o autor que, nestes casos, “não se poderá falar em vícios se o consumidor teve
conhecimento de eventual imperfeição na coisa. Em outras palavras, se o adquirente tomou
ciência de que determinado produto estava viciado e mesmo assim comprou, mas descobriu
posteriormente à aquisição outra imperfeição, por esta poderá propor as ações redibitórias, a
substituição do bem ou a sanação do vício” (p. 187).
Acrescente-se que, no caso de vício conhecido, é fundamental verificar se houve efetivamente
uma vantagem para o consumidor, como a redução do preço. Ademais, não é possível aceitar
vícios que comprometam substancialmente a finalidade do produto ou que aumentem os riscos de
acidentes de consumo. Nestas hipóteses, ganha relevo o caráter público e de interesse social das
normas de proteção ao consumidor (art. 1.º). A comercialização de produtos nestas circunstâncias,
ainda que com a concordância do consumidor, enseja, além do exercício de uma das três opções
(troca do produto, devolução do dinheiro, abatimento do preço), a aplicação de sanções
administrativas pelos órgãos públicos de defesa do consumidor (art. 55 e ss.) (Capítulo XII).
9. Vício de quantidade
Os vícios dos produtos podem ser de qualidade ou de quantidade. Dispõe o art. 19 do CDC: “Os
fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que,
respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às
indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária,
podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – o abatimento proporcional do
preço; II – complementação do peso ou medida; III – a substituição do produto por outro da mesma
espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV – a restituição imediata da quantia paga,
monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos”.
Invariavelmente, a venda de algum produto em quantidade ou tamanho menor configura
inadimplemento contratual, vez que a especificação da quantidade e dimensão decorre de
obrigação contratual. De fato, são elementos essenciais do contrato de compra e venda a definição
do preço e da coisa (arts. 481 e 482 do CC). A coisa (produto) possui identificação por diversas
características, inclusive as relativas à quantidade e dimensão.
Daí a propriedade da observação de Paulo Netto Lôbo: “No direito tradicional, a falta de
quantidade dificilmente poderia ser concebida como vício. A hipótese enquadrar-se-ia muito mais
na espécie de inadimplemento contratual, designadamente de adimplemento defeituoso ou
incompleto, ao menos no direito brasileiro. A matéria era de configuração pouco clara, residindo
em zona limítrofe” (Responsabilidade, p. 64). O Código Civil apresenta disciplina própria para os
imóveis cuja dimensão não esteja de acordo com a área estipulada contratualmente (arts. 500 e
501), distinguindo a venda ad mensuram da venda ad corpus. Prevê-se prazo decadencial de um
ano, “a contar do registro do título” (art. 501), para exigir o complemento da área e, em caso de
impossibilidade, a resolução do contrato ou abatimento proporcional do preço. Tal prazo, por ser
maior do que o previsto no art. 26 do CDC (90 dias), deve ser aplicado nas relações de consumo
(art. 7.º do CDC). Há algum tempo os órgãos de defesa do consumidor têm recebido reclamações
referentes à redução da quantidade de produtos comercializados tradicionalmente em quantidade
maior, sem mudança significativa da embalagem e com informação inadequada (maquiagem de
produto). Por exemplo, um produto é comercializado por muitos anos em embalagens que contêm
500 g e passa em embalagem semelhante a vender 400 g. O STJ teve oportunidade recente de julgar
o caso para concluir por ofensa a direito do consumidor. O principal fundamento para reconhecer
a ilegalidade da conduta refere-se à falha ao dever de informar e não à disparidade da quantidade
informada do produto em relação ao conteúdo. O resumo do julgamento esclarece o caso: “No
caso, o Procon estadual instaurou processo administrativo contra a recorrente pela prática da
infração às relações de consumo conhecida como ‘maquiagem de produto’ e ‘aumento disfarçado
de preços’, por alterar quantitativamente o conteúdo dos refrigerantes ‘Coca Cola’, ‘Fanta’, ‘Sprite’
e ‘Kuat’ de 600 ml para 500 ml, sem informar clara e precisamente aos consumidores, porquanto a
informação foi aposta na parte inferior do rótulo e em letras reduzidas. (...) O direito à informação,
garantia fundamental da pessoa humana expressa no art. 5.°, XIV, da Constituição Federal, é
gênero do qual é espécie também previsto no Código de Defesa do Consumidor. A Lei 8.078/1990
traz, entre os direitos básicos do consumidor, a ‘informação adequada e clara sobre os diferentes
produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição,
qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam’ [sic] (art. 6.º, III). Consoante o
Código de Defesa do Consumidor, ‘a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem
assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas
características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem,
entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos
consumidores’ (art. 31), sendo vedada a publicidade enganosa, ‘inteira ou parcialmente falsa, ou,
por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito
da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer
outros dados sobre produtos e serviços’ (art. 37). O dever de informação positiva do fornecedor
tem importância direta no surgimento e na manutenção da confiança por parte do consumidor. A
informação deficiente frustra as legítimas expectativas do consumidor, maculando sua confiança.”
(REsp 1.364.915/MG, j. 14.05.2013, rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.05.2013).
A principal novidade do CDC, no tocante aos vícios de quantidade, está em estabelecer
expressamente a responsabilidade solidária entre todos os fornecedores da cadeia de produção e
circulação. Qualquer um pode ser acionado pelo consumidor, conforme explicações apresentadas
no item seguinte.
A exceção da responsabilidade solidária entre os integrantes da cadeia de produção e
comercialização dos produtos fica por conta de a hipótese de pesagem e medição ser realizada
pelo comerciante (fornecedor imediato), conforme previsto no art. 19, § 2.º: “O fornecedor
imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não
estiver aferido segundo os padrões oficiais”.
Neste caso, afasta-se a solidariedade entre os fornecedores, por expressa disposição legal (art.
19, § 2.º): somente o comerciante está obrigado a cumprir a escolha do consumidor (abatimento do
preço, complemento do peso ou medida, substituição do produto ou restituição da quantia paga).
O disposto no § 2.º do art. 19 do CDC requer interpretação teleológica. A sua redação não é a
melhor. Quando há medição da quantidade no momento da venda, fica demasiadamente evidente
a responsabilidade do fornecedor imediato, seja por falta de aferição do instrumento, seja por má-
fé do vendedor, e daí se deduz o objetivo normativo de afastar excepcionalmente a
responsabilidade solidária dos demais integrantes da cadeia de fornecedores. Portanto, havendo
diferença de quantidade, ainda que o instrumentoesteja aferido, a responsabilidade é exclusiva
do fornecedor imediato.
Destaque-se, por fim, que, na hipótese de vícios de quantidade, não incide o prazo de 30 dias
para o fornecedor providenciar a correção do vício, como previsto na hipótese de vício de
qualidade (art. 18, § 1.º). Qualquer das quatro opções indicadas pelo art. 19 (abatimento do preço,
complemento do peso ou medida, substituição do produto ou restituição da quantia paga) pode ser
imediatamente exercida pelo consumidor.
10. Solidariedade entre fornecedores
Aspecto relevante da disciplina do CDC em relação aos vícios dos produtos diz respeito à
responsabilidade solidária entre todos os fornecedores que participaram da cadeia de produção e
comercialização do produto. Cuida-se de solidariedade legal, decorrente direta e expressamente do
caput do art. 18 do CDC: “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis
respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo (...)” (grifou-se).
Como sintetiza João Batista de Almeida, “a regra geral, na lei de proteção, é a responsabilidade
solidária de todos os fornecedores, abrangendo, portanto, não apenas o vendedor ou comerciante,
que manteve contato direito com o consumidor, mas este e os demais fornecedores em cadeia:
fabricante, produtor, construtor, importador e incorporador” (Manual de direito do consumidor, p.
70). A respeito da solidariedade entre os fornecedores, registre-se o REsp 1.118.302, no qual o STJ
destaca: “A responsabilidade civil nos ilícitos administrativos de consumo tem a mesma natureza
ontológica da responsabilidade civil na relação jurídica base de consumo. Logo, é, por disposição
legal, solidária. 4. O argumento do comerciante de que não fabricou o produto e de que o
fabricante foi identificado não afasta a sua responsabilidade administrativa, pois não incide, in
casu, o § 5.º do art. 18 do CDC” (REsp 1.118.302-SC, 2.ª T., j. 01.10.2009, rel. Min. Humberto Martins,
DJe 14.10.2009). Registre-se, ainda, o seguinte julgado: “1. A melhor exegese dos arts. 14 e 18 do
CDC indica que todos aqueles que participam da introdução do produto ou serviço no mercado
devem responder solidariamente por eventual defeito ou vício, isto é, imputa-se a toda a cadeia de
fornecimento a responsabilidade pela garantia de qualidade e adequação. (...) 3. No sistema do
CDC fica a critério do consumidor a escolha dos fornecedores solidários que irão integrar o polo
passivo da ação. Poderá exercitar sua pretensão contra todos ou apenas contra alguns desses
fornecedores, conforme sua comodidade e/ou conveniência” (REsp 1.077.911-SP, rel. Min. Nancy
Andrighi, j. 04.10.2011, DJe 14.10.2011). Em julgamento realizado em outubro de 2012, o STJ
confirma a solidariedade prevista no art. 18 do CDC em hipótese de vício em veiculo: “(...) 2. A
constatação de defeito em veículo zero-quilômetro revela hipótese de vício do produto e impõe a
responsabilização solidária da concessionária (fornecedor) e do fabricante, conforme preceitua o
art. 18, caput, do CDC.” (REsp 611.872/RJ, j. 02.10.2012, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe
23.10.2012). Na mesma linha, consigne-se também o AgRg no AREsp 195.336/RJ, j. 28.08.2012, rel.
Min. Sidnei Beneti, DJe 17.09.2012). Acrescente-se decisão recente, na qual se destaca a existência
de “responsabilidade solidária da instituição financeira vinculada à concessionária do veículo
("banco da montadora"), pois parte integrante da cadeia de consumo.“ (AgInt no AREsp 829.380/RJ,
3.ª T., j. 18.08.2016, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 25.08.2016
Isto significa que a pretensão do consumidor em relação à substituição do produto, à devolução
do valor pago ou ao abatimento proporcional do preço, além das perdas e danos (§ 1.º do art. 18),
pode ser dirigida tanto ao comerciante, como ao fabricante ou a qualquer outro fornecedor
intermediário que tenha participado da cadeia de produção e circulação do bem (importador,
distribuidor etc.).
Trata-se de hipótese legal de solidariedade passiva. O credor (consumidor) possui o direito a
exigir de um ou de alguns dos devedores (comerciante, fabricante, distribuidor etc.), parcial ou
totalmente, a “dívida comum”. Se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores
“continuam obrigados solidariamente pelo resto”, tudo em conformidade com o disposto no art.
275 e ss. do Código Civil.
A responsabilidade solidária é, sem dúvida, decorrência do direito básico de “efetiva prevenção
e reparação de danos patrimoniais e morais”, previsto no art. 6.º, VI, do CDC. De fato, muitas vezes
a “efetiva reparação” só é possível em virtude da existência de pluralidade de responsáveis, pois
não é incomum, fornecedores simplesmente desaparecerem da noite para o dia sem deixar
qualquer patrimônio para responder pelas suas dívidas.
Após satisfação do direito do consumidor, podem os fornecedores, entre si, discutir quem, ao
final, irá assumir, de modo individual ou concorrente, o valor despendido. Cabe destacar a
impossibilidade de denunciação da lide, nos termos do art. 88 do CDC, que, embora se refira
unicamente à hipótese relativa a fato do produto (art. 13), deve ser aplicado analogicamente para
todos os casos de responsabilidade solidária previstos no CDC. Assim entende a doutrina,
considerando que a solução da demanda do consumidor poderia ser injustificadamente adiada.
A respeito, resume Kazuo Watanabe: “A denunciação da lide foi vedada para o direito de
regresso de que trata o art. 13, parágrafo único, do Código, para evitar que a tutela jurídica
processual dos consumidores pudesse ser retardada e também porque, por via de regra, a dedução
dessa lide incidental será feita com a invocação de um causa de pedir distinta” (Código Brasileiro
de Defesa do Consumidor, p. 871-872).
Ora, as mesmas razões podem ser invocadas para as outras hipóteses de solidariedade passiva
previstas no CDC, justificando a aplicação analógica da proibição de denunciação da lide em todos
os casos (ubi eadem ratio, ibi eadem jus).
Nessa linha, sustenta Arruda Alvim ser correto “o entendimento da não admissibilidade do uso
dos institutos de intervenção de terceiros nas ações subordinadas ao Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, porque, em sua maioria, são institutos destinados a favorecer o réu, enquanto o
Código de Proteção e Defesa do Consumidor tem como objetivo precípuo o favorecimento do autor-
consumidor. Ainda, porque o uso desses institutos fatalmente causaria maior demora na decisão
respeitante à relação de consumo propriamente dita (...). Releva notar, então, ser facultado ao
fornecedor, após indenizar o consumidor, promover ação autônoma contra os outros
fornecedores, pela parte que lhes couber na indenização, por força da precedente solidariedade”
(Código do Consumidor comentado, p. 147). Há vários acórdãos no STJ nesse sentido, ou seja, de
vedação da denunciação da lide quando a ação envolver relação de consumo. Como ilustração,
registre-se: “1. Em se tratando de relação de consumo, protegida pelo Código de Defesa do
Consumidor, descabe a denunciação da lide (art. 88 do CDC). Precedente da 4.ª Turma, REsp
660.113-RJ” (STJ, REsp 782.919, j. 12.12.2005, rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 01.02.2006).
Acrescente-se, na mesma linha, o julgamento do REsp 1.052.244-MG (j. 26.08.2008, rel. Min. Nancy
Andrighi, DJ 05.09.2008). Em sentido contrário, consignem-se decisões mais recentes: REsp 439.233
(j. 04.10.2007) e REsp 1.123.195 (j. 16.12.2010). Este último registra: “Nas relações de consumo, a
denunciação da lide é vedada apenas na responsabilidade pelo fato do produto (art. 13 do CDC),
admitindo-o nos casos de defeito no serviço (art. 14 do CDC), desde que preenchidos os requisitos
do art. 70 do Código de Processo Civil, inocorrentes na espécie”. Julgado mais recente entende que
a vedação se refere tanto à responsabilidade pelo fato do produto (art. 12 do CDC) como à
responsabilidade pelo fato do serviço (art. 14 do CDC): “1. A vedação à denunciação da lide
prevista no art.88 do CDC não se restringe à responsabilidade de comerciante por fato do produto
(art. 13 do CDC), sendo aplicável também nas demais hipóteses de responsabilidade civil por
acidentes de consumo (arts. 12 e 14 do CDC). 2. Revisão da jurisprudência desta Corte” (REsp
1.165.279/SP, j. 22.05.2012, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 28.05.2012).
11. As três alternativas do consumidor
Ao lado da solidariedade, ampliação do conceito de vício, o CDC alarga as opções do adquirente
ou usuário de produto viciado. O § 1.º do art. 18 concede ao consumidor três alternativas: 1) a
substituição do produto por outro da mesma espécie; 2) a restituição da quantia paga; 3) o
abatimento proporcional do preço.
A lei é bastante clara no sentido de que a escolha entre as três alternativas é decisão do
consumidor. Em julgado proferido em outubro de 2011, o STJ confirma esta autodeterminação do
consumidor: “(...) Nos termos do § 1.º do art. 18 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, caso o
vício de qualidade do produto não seja sanado no prazo de 30 dias, o consumidor poderá, sem
apresentar nenhuma justificativa, optar entre as alternativas ali contidas, ou seja: (I) a substituição
do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; (II) a restituição imediata
da quantia paga; ou (III) o abatimento proporcional do preço. 3. Assim, a faculdade assegurada no
§ 1.º do art. 18 do Estatuto Consumerista permite que o consumidor opte pela substituição do
produto no caso de um dos vícios de qualidade previstos no caput do mesmo dispositivo, entre eles
o que diminui o valor do bem, não exigindo que o vício apresentado impeça o uso do produto. 4.
No presente caso, a substituição do veículo por outro em perfeitas condições de uso foi a
alternativa escolhida pelo consumidor. Então, não poderia o Juízo de piso alterar essa escolha,
ainda que a pretexto de desonerar o consumidor, sob pena de maltrato ao art. 18, § 1.º, do CDC.
Precedente.”(REsp 1.016.519/PR, j. 11.10.2011, rel. Min. Raul Araújo, DJe 25.05.2012). Na mesma
linha: AgRg no REsp 1.368.742/DF, j. 17.03.2015, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, DJe 24.03.2015.
Na mesma linha: “Na hipótese, não sendo reparado o vício pela assistência técnica no prazo de 30
(trinta) dias, o consumidor poderá exigir do fornecedor, à sua escolha, as três alternativas
constantes dos incisos I, II e III do § 1º do artigo 18 do CDC.” (REsp 1.459.555/RJ, 3.ª T., Rel. Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 14.02.2017, DJe 20.02.2017)
Assim, ao lado das alternativas tradicionais do Código Civil (restituição do bem ou abatimento
proporcional do preço), o CDC propicia ao consumidor, em caso de vício, exigir dos fornecedores
outro produto da mesma espécie e em perfeitas condições de uso.
A propósito do entendimento relativo a produto da mesma espécie, Herman Benjamin
esclarece: “O produto é da mesma espécie quando reúne características idênticas às do portador
do vício de qualidade por inadequação. Aí se inclui marca, modelo, potência, configuração e até
cor” (Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor, p. 91). Rizzatto Nunes, ao comentar o
dispositivo, observa: “A norma disse menos do que devia, necessitando ser, então, interpretada
extensivamente (...). O certo seria dizer ‘mesma espécie, marca e modelo’. Essa é a intenção da
norma, tanto que, ao tratar de uma outra alternativa dada ao consumidor, quando ele não pode
obter o mesmo tipo de produto, o CDC fala em ‘espécie, marca ou modelo’ (cf. o § 4.º do art. 18)”
(Curso de direito do consumidor, p. 215).
Caso o estabelecimento não possua produto da mesma espécie em estoque, o § 4.º do art. 18,
estabelece que poderá haver a opção por produto diverso “mediante complementação ou
restituição de eventual diferença.” No julgado acima referido (REsp. 1.016.519), tal aspecto
também foi ressaltado pela Corte: “Não havendo outro veículo nas mesmas condições do adquirido
pelo autor nos estoques das recorridas, é de se aplicar o disposto no § 4.º do art. 18 do CDC, que
permite a substituição por outro produto de espécie, marca ou modelo diversos, mediante
complementação ou restituição da diferença de preço, permanecendo abertas as alternativas dos
incs. II e III daquele § 1.º.”
O consumidor, além das três alternativas indicadas (substituição, restituição do dinheiro,
abatimento do preço), pode exigir indenização pelas perdas e danos. Embora a expressão “sem
prejuízo de eventuais perdas e danos” esteja apenas no inciso II do § 1.º do art. 18, e também, de
modo semelhante, no inciso II do art. 20, relativo aos vícios dos serviços, sempre será possível ao
consumidor exigir adicional indenização integral (danos materiais e morais) nas duas outras
hipóteses indicadas nos incisos I e III (substituição do produto, abatimento proporcional do preço).
Este ponto é pacífico na doutrina, em razão do direito básico do consumidor de efetiva reparação
dos danos patrimoniais e morais (art. 6.º, VI).
Cabe destacar jurisprudência do STJ no sentido de configurar dano moral a situação decorrente
de vícios reiterados em veículo novo que obriga o consumidor a levar o automóvel diversas vezes
à concessionária para reparo. A respeito, consigne-se:“Recurso especial em que se discute se o
consumidor faz jus à indenização por danos morais em virtude de defeitos reiterados em veículo
zero-quilômetro que o obrigam a levar o automóvel diversas vezes à concessionária para reparos,
bem como o dies a quo do cômputo dos juros de mora. O defeito apresentado por veículo zero-
quilômetro e sanado pelo fornecedor, via de regra, se qualifica como mero dissabor, incapaz de
gerar dano moral ao consumidor. Todavia, a partir do momento em que o defeito extrapola o
razoável, essa situação gera sentimentos que superam o mero dissabor decorrente de um
transtorno ou inconveniente corriqueiro, causando frustração, constrangimento e angústia,
superando a esfera do mero dissabor para invadir a seara do efetivo abalo psicológico. Hipótese
em que o automóvel adquirido era zero-quilômetro e, em apenas 6 meses de uso, apresentou mais
de 15 defeitos em componentes distintos, parte dos quais ligados à segurança do veículo,
ultrapassando, em muito, a expectativa nutrida pelo recorrido ao adquirir o bem”. (REsp
1.395.285/SP, j. 03.12.2013, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 12.12.2013). Na mesma linha: “A
jurisprudência do STJ orienta-se no sentido de ser cabível indenização por dano moral quando o
consumidor de veículo zero quilômetro necessita retornar à concessionária por diversas vezes,
para reparos” (REsp 1.443.268/DF, j. 03.06.2014, rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 08.09.2014).
Acrescentem-se julgados mais recentes: 1) REsp 1.632.762/AP, (3.ª T., j. 14.03.2017, Rel. Min. Nancy
Andrighi, DJe 21.03.2017);2) AgInt no AREsp 403.237/ES (4.ª T., Rel. Min. Raul Araújo, j. 07.03.2017,
DJe 20.03.2017); 3) AgInt no AREsp 142.903/RJ (4.ª T., Rel. Min. Raul Araújo, j. 07.03.2017, DJe
17.03.2017).
12. Culpa e ignorância do fornecedor
Com redação semelhante ao CC/1916, o Código Civil atual estabelece: “Se o alienante conhecia o
vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão
somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato” (art. 443).
Portanto, a ignorância – e não culpa – em relação ao vício serve apenas para verificar a
possibilidade de adicional condenação em perdas e danos decorrentes do vício.
O art. 443 do Código Civil, correspondente ao art. 1.103 do Código de 1916, permite a
exoneração contratual da responsabilidade apenas na hipótese de ignorância dos vícios. Ressalte-
se: somente na hipótese de desconhecimento dos vícios. Em outros termos, em caso de ciência prévia
do vício, não teria efeito qualquer disposição contratual que objetivasse excluir a responsabilidade
do alienante. A propósito, M. Carvalho Santos, ao comentar o dispositivo (art. 1.103 do CC/1916),
observa com absoluta propriedade: “Nunca (...) será permitido ao alienante estipular a sua
exoneração da garantia, se já souber dos vícios ocultos. (...) De outraforma, como ensinam os
doutores, haveria dolo em semelhante estipulação” (Código Civil brasileiro interpretado, p. 360).
Tanto no CC como, com muito mais razão, no CDC, não se perquire se o vício decorre de
conduta culposa ou dolosa do vendedor ou de qualquer outro integrante da cadeia de produção e
circulação do bem. Constatado o vício, surge a responsabilidade. Portanto, parece desnecessário,
como faz parcela da doutrina, discutir se a responsabilidade por vício é objetiva ou subjetiva.
“Ademais, se nem o Código Civil exige culpa tratando-se de vício redibitório, seria um
retrocesso exigi-la pelos vícios do produto e do serviço disciplinados no Código do Consumidor,
cujo sistema adotado é da responsabilidade objetiva” (Sérgio Cavalieri Filho, Programa de
responsabilidade civil, p. 495).
No direito civil, a culpa do alienante em relação aos vícios redibitórios não era nem é
pressuposto para possibilitar o exercício das alternativas colocadas à disposição do comprador
(redibição do contrato ou abatimento proporcional do preço). A lei apenas alude ao conhecimento
ou não do vício, sem qualquer preocupação em vincular a origem do problema à ação ou omissão
anterior do alienante.
Em relação ao conhecimento pelo fornecedor do vício, o CDC estabelece que em nada ficam
afetados os direitos do consumidor, inclusive em relação à indenização por perdas e danos. Assim
dispõe o art. 23 do CDC: “A ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação
dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade”.
A propósito, registre-se: “A garantia legal por vícios preexistente tem por finalidade proteger o
adquirente, em razão de imperfeições de informação, estabelecendo instrumentos que assegurem
a manutenção do sinalagma contratual mesmo nas hipóteses em que o alienante desconhecia o
vício” (REsp 1.520.500/SP, j. 27.10.2015, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 13.11.2015).
13. O prazo de 30 dias (art. 18, § 1.º)
O § 1.º do art. 18 estipula que, antes da escolha de uma das três alternativas que se abrem em
favor do consumidor na hipótese de vício do produto (substituição do bem, devolução do dinheiro,
abatimento do preço), o fornecedor possui prazo de 30 dias para sanar o vício.
Este prazo, que pode ser reduzido para até 7 dias ou ampliado para até 180 dias, mediante
acordo de vontade entre as partes (§ 2.º do art. 18), deve ser afastado se o produto for considerado
essencial ou se a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade do produto ou
diminuir-lhe o valor (§ 3.º do art. 18).
O prazo de 30 dias também não incide na hipótese de vício decorrente de disparidade com a
oferta ou publicidade (art. 18, caput, c/c os arts. 30 e 35) e ainda quando o vício for de quantidade
(art. 19).
É evidente que se trata de disposição, no mínimo, estranha, vez que incongruente em relação à
própria concepção protetiva do CDC. As críticas doutrinárias foram inevitáveis, ora exigindo
interpretação absolutamente restritiva, ora sustentando tratar-se de prazo que pode ser elidido
por vontade do consumidor.
Inicialmente, cabe destacar que o próprio Código prevê, no § 3.º do art. 18, situações nas quais o
prazo de 30 dias deve ser afastado, ao dispor que o consumidor poderá fazer uso imediato das
alternativas do § 1.º (troca, devolução do dinheiro ou abatimento proporcional do preço) “sempre
que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a
qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial”.
Nestas situações (§ 3.º do art. 18), pode e deve o consumidor exigir imediatamente uma entre as
alternativas de troca do produto, devolução do dinheiro ou abatimento proporcional do preço. Se
o reparo do bem viciado acarreta a diminuição posterior do valor de mercado, não se deve sequer
cogitar na oportunidade de o fornecedor realizar o conserto. O mesmo se diga em relação a
produtos essenciais. O bem essencial é aquele que possui importância para as atividades
cotidianas do consumidor ou que foi comprado para um evento específico que irá ocorrer em
breve. O consumidor que adquire um sapato para ocasião especial (formatura, casamento) não
pode esperar o seu reparo, no prazo de 30 dias. Também, não é razoável exigir que o consumidor
deixe seu novo computador pessoal para conserto pelo prazo de 30 dias, quando o bem é
fundamental para desenvolver atividades acadêmicas. Em síntese, a análise da essencialidade do
produto deve se pautar nas necessidades concretas do consumidor.
O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor – DPDC (Secretaria Nacional do
Consumidor, Ministério da Justiça), por meio da Nota Técnica n. 62, de 15.06.2010, interpretando o
§ 3.º do art. 18 do CDC, considerou que o aparelho celular é produto essencial, cabendo a troca
imediata do bem ou devolução do dinheiro ao consumidor em caso de vício. Embora não tenha
efeito vinculante para outros órgãos de defesa do consumidor (ver Capítulo XII), cuida-se de
relevante iniciativa tendo em vista o crescente descaso de parcela de fornecedores em relação aos
interesses dos consumidores que, logo após a aquisição de produtos novos, se surpreendem com o
mau funcionamento do bem.
A questão da essencialidade dos produtos, para os fins previstos no § 3.º do art. 18, do CDC tem
sido objeto de discussão no âmbito do Governo Federal, em razão do disposto no art. 16 do Dec.
7.963/2013. O referido decreto foi editado em 15 de março de 2013 e instituiu o Plano Nacional de
Consumo (Plandec). O objetivo do Plandec é “promover a proteção e defesa do consumidor em
todo o território nacional, por meio de integração e articulação de políticas, programas e ações”.
De acordo com o art. 16, o Conselho Nacional de Ministros da Câmara Nacional das Relações de
Consumo (que é integrado por vários Ministros de Estado, conforme art. 10, § 1.º) deve apresentar
“proposta de regulamentação do § 3º do art. 18 da Lei 8.078, de 1990, para especificar produtos de
consumo considerados essenciais e dispor sobre procedimentos para uso imediato das alternativas
previstas no § 1.º do art. 18 da referida Lei”.
O prazo inicial para apresentação da proposta seria de 30 (trinta) dias após publicação do
Decreto. Realizadas várias reuniões do Conselho Nacional de Ministros da Câmara Nacional das
Relações de Consumo ao longo de 2013, ao contrário do que foi amplamente anunciado, não se
editou o tão esperado ato normativo com lista de produtos essenciais. De qualquer modo, embora
mereça registro a iniciativa, haveria inevitável discussão se a matéria poderia ser definida por ato
do Poder Executivo.
Ao lado das hipóteses do § 3.º do art. 18, há duas outras em que não se aplica o prazo de 30 dias
para conserto. A primeira é quando se trata de vício decorrente de disparidade com a oferta. O
consumidor pode, principalmente com fundamento no art. 35 do CDC, exigir o cumprimento
imediato da oferta, produto equivalente, resolução do contrato e devolução dos valores pagos. A
segunda hipótese refere-se ao vício de quantidade, vez que o art. 19 não faz remissão ou qualquer
referência ao prazo de 30 dias, previsto no § 1.º do art. 18.
Cumpre lembrar que o Código Civil – que não se preocupa em oferecer proteção diferenciada
ao comprador, como faz o CDC – não exige qualquer prazo prévio para que o adquirente do bem
possa exigir a devolução ou abatimento proporcional do preço. Assim, a perplexidade é inevitável,
pois, em relação a este aspecto específico, a disciplina do Código Civil é, ao menos numa primeira
análise, mais vantajosa ao comprador.
A interpretação adequada da matéria deve-se pautar por um diálogo das fontes entre o CDC e o
CC, primando pela coerência entre os dois diplomas, o que significa interpretação restritiva da
exigência do prazo de 30 dias e sua conjugação com a noção de abuso do direito.
Não se desconhece o propósito da instituição do prazo de 30 dias: evitar situações em que um
pequeno vício, facilmente sanável e que em nada afetaria a qualidade ou valor do produto,
pudesse ensejara troca. Imagine-se, para ilustrar, um vício no dispositivo que regula a posição do
espelho retrovisor de um veículo novo e a desproporcional exigência de troca imediata do carro
ou devolução do dinheiro. A ideia da lei, ao instituir prazo para sanar o vício, foi justamente evitar
posturas despropositadas no exercício do direito do consumidor.
Ora, para tanto, embora não fosse expressa no Código Civil de 1916, existe a figura do abuso do
direito, o qual se configura justamente quando o titular do direito, “ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons
costumes” (art. 187 do CC/2002).
“A categoria do abuso do direito surgiu justamente no intuito de reprimir os atos que, embora
praticados com estrita observância da lei, violavam o seu espírito” (Gustavo Tepedino et al, Código
Civil interpretado, p. 341). Em que pese a diversidade de conceitos e critérios de aferição de
abusividade, “sustenta-se na atualidade a noção abuso como uma conduta que, embora lícita,
mostra-se desconforme com a finalidade que o ordenamento pretende naquela circunstância
fática alcançar e promover” (idem, ibidem).
Em razão dessa noção, há muito defendida pela doutrina, existem limites para o exercício de
qualquer direito, até mesmo dos direitos do consumidor. É verdade que os contornos desses
limites são, invariavelmente, desenhados no caso concreto. Todavia, o que se quer ressaltar é que
a noção de abuso do direito, atualmente expressa no Código Civil, é a única referência lógica para,
em diálogo das fontes, buscar coerência entre a disciplina do Código Civil e a do CDC.
Não há dúvida de que o comprador de um bem, ao exercitar o seu direito de redibir o contrato
e ter o preço de volta, está limitado pela noção de abuso do direito (art. 187) justamente em
situações como a descrita no exemplo acima (pequeno vício no retrovisor e consequente exigência
de devolução do dinheiro). Ou seja, tanto no CC como no CDC, o direito do comprador está limitado
pela finalidade do negócio, pela boa-fé objetiva e “pelos bons costumes”. O CDC foi além e
procurou, nos §§ 1.º e 3.º do art. 18, definir expressamente alguns parâmetros para configuração
do excesso no exercício do direito, os quais são extraídos, contrario sensu, da leitura do § 3.º do art.
18.
Na verdade, a regra é o uso imediato da tríplice alternativa (troca, devolução ou abatimento do
preço), salvo hipótese configuradora de abuso, qual seja: quando o produto não for essencial para
aquele consumidor – a essencialidade varia conforme as circunstâncias do caso – e,
adicionalmente, a substituição das partes viciadas não comprometer a qualidade do produto nem
diminuir-lhe o valor. Neste caso excepcional – e apenas neste – tem incidência o prazo máximo de
30 dias em favor do fornecedor para sanar o vício. Em síntese, o diálogo das fontes entre os dois
diplomas reforça a ideia de excepcionalidade da incidência do prazo de 30 dias, referido pelo § 1.º
do art. 18.
Com essa interpretação, alcança-se a desejável coerência com a disciplina do Código Civil. Tanto
no CC como no CDC, o exercício do direito do comprador pode, eventualmente, configurar abuso
do direito (art. 187 do CC).
14. Forma de contagem do prazo de 30 dias
No tocante à forma de contagem do prazo de 30 dias, é certo que o fornecedor possui uma única
possibilidade de correção do vício. Afronta o princípio de proteção integral do consumidor (art. 6.º,
VI) entender que, se o vício ressurgir após o conserto, terá o fornecedor a possibilidade de invocar
novamente o prazo de 30 dias ou até mesmo os dias eventualmente restantes.
Se o mesmo vício surgir novamente, o consumidor pode fazer uso das opções indicadas pelos
incisos I, II e III do § 1.º do art. 18, ou seja, pode exigir a substituição do produto, a restituição
imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do preço, tudo sem prejuízo, nas três
hipóteses, de eventual indenização por perdas e danos.
Na linha do raciocínio acima, cabe registrar recente julgado do STJ: “(...) Caso em que o
consumidor adquiriu veículo “zero-quilômetro”, o qual apresentou sucessivos vícios, ensejando a
privação do uso do bem, ante os reiterados comparecimentos à rede de concessionárias. Efetivação
da solução a destempo, consideradas as idênticas imperfeições manifestadas no que tange ao
“desempenho” do veículo, segundo as balizas fáticas firmadas pelas instâncias ordinárias.
Hipótese de cabimento da devolução da quantia paga. Em havendo sucessiva manifestação de
idênticos vícios em automotor novo, o aludido lapso conferido para o fornecedor os equacionar é
computado de forma global, isto é, não se renova cada vez que o veículo é entregue à fabricante ou
comerciante em razão do mesmo problema. 3. A solução para o imperfeito funcionamento do
produto deve ser implementada dentro do prazo de trinta dias, norma que, uma vez inobservada,
faz nascer para o consumidor o direito potestativo de optar, segundo sua conveniência, entre a
substituição do produto, a restituição imediata da quantia paga ou o abatimento proporcional do
preço (art. 18, § 1.º, I, II e III, do CDC). Não é legítimo esperar que um produto novo apresente
defeitos imediatamente após a sua aquisição e que o consumidor tenha que, indefinidamente,
suportar os ônus da ineficácia dos meios empregados para a correção dos problemas
apresentados. O prazo de 30 dias constante do art. 18, § 1.º, do CDC, consoante o princípio da
proteção integral (art. 6.º, VI), deve ser contabilizado de forma a impedir o prolongamento do
injusto transtorno causado ao consumidor, na medida em que é terminantemente vedada a
transferência, pelo fornecedor de produtos e serviços, dos riscos da sua atividade econômica.”
(REsp 1.297.690/PR, j. 04.06.2013, rel. Min. Marco Buzzi, DJe 06.08.2013). Cumpre registrar
jurisprudencia do STJ que destaca ser cabível indenizaçao por dano moral em favor do
consumidor que precisa retornar à concessionária “por diversas vezes para reparo de defeitos
apresentados no veículo adquirido.” (REsp 1.632.762/AP, 3.ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
14.03.2017, DJe 21.03.2017). No mesmo sentido: 1) AgInt no AREsp 403.237/ES (4.ª T., Rel. Min. Raul
Araújo, j. 07.03.2017, DJe 20.03.2017); 2) AgInt no AREsp 142.903/RJ (4.ª T., Rel. Min. Raul Araújo, j.
07.03.2017, DJe 17.03.2017)
Se for outro vício, há, no mínimo, um indicativo de desvalorização do produto, o que atrai o
disposto no § 3.º do art. 18, permitindo ao consumidor o uso da tríplice alternativa (substituição do
bem, restituição do preço, abatimento proporcional).
15. Indenização pela utilização do prazo de 30 dias
Acrescente-se que, mesmo na situação excepcional de aplicação do prazo de 30 dias para
sanação do vício, o fornecedor, em razão do direito básico de “efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais” (art. 6.º, VI), possui o dever de indenizar os prejuízos sofridos pelo
consumidor, oriundos da privação do uso do bem durante o prazo de conserto, que, recorde-se,
pode ser ampliado até 180 dias (art. 18, § 2.º).
Embora não seja a regra, o direito privado aceita e regula situações em que o exercício normal
de um direito enseja indenização a pessoas lesadas. Recordem-se as hipóteses previstas no art. 188
c/c o art. 929 do CC: atos praticados em legítima defesa ou estado de necessidade com danos a
terceiros. No caso, exercita-se um direito, mas há o dever de indenizar.
O mesmo ocorre com o fornecedor ao retirar o bem da posse do consumidor para realizar o
reparo: há exercício do direito e, concomitantemente, o dever de indenizar o consumidor pelos
prejuízos sofridos (art. 6.º,VI). Daí ser recomendável, para afastar ou diminuir a indenização, que,
no período de conserto, o fornecedor entregue ao consumidor produto semelhante (ex.: um outro
veículo, até a troca do retrovisor do carro do consumidor).
No julgamento do REsp 1.297.690, indicado no item anterior, o STJ considerou corretamente
que o prazo de 30 dias deve ser considerado para calcular o valor da indenização do consumidor.16. Vício dos serviços (art. 20)
Com o mesmo objetivo da disciplina relativa aos vícios dos produtos, o CDC inova ao disciplinar
no art. 20 os vícios dos serviços. A preocupação básica é que os serviços oferecidos no mercado de
consumo atendam a um grau de qualidade e funcionalidade que não deve ser aferido unicamente
pelas cláusulas contratuais, mas de modo objetivo, considerando, entre outros fatores, as
indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, a inadequação para os fins que
razoavelmente se esperam dos serviços, normas regulamentares de prestabilidade.
Nessa linha, assim dispõe o caput do art. 20 do CDC: “O fornecedor de serviços responde pelos
vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como
por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem
publicitária (...)”. A noção de impropriedade do serviço é indicada pelo § 2.º do art. 20: “São
impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se
esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade”.
Verificada a impropriedade do serviço, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua
escolha, uma das seguintes opções, indicadas no art. 20: “I – a reexecução dos serviços, sem custo
adicional e quando cabível; II – a restituição imediata da quantia paga monetariamente atualizada,
sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço”.
A indenização, embora expressamente referida apenas no inciso II, é sempre devida, em face
do direito básico do consumidor de “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e
morais” (art. 6.º, VI), na mesma linha da interpretação ao § 1.º do art. 18. A doutrina é pacífica
neste sentido.
Em relação à escolha do consumidor pela reexecução dos serviços, o § 1.º do art. 20 estabelece a
possibilidade de ser realizada por terceiro, mas por conta e risco do fornecedor: “A reexecução dos
serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do
fornecedor”.
A disciplina dos vícios dos serviços é novidade, para o ordenamento jurídico brasileiro, trazida
pelo Código de Defesa do Consumidor.
De fato, “uma das grandes inovações do Código do Consumidor é a inserção dos serviços no
âmbito da responsabilidade por vício do objeto. A tradição milenar dos vícios redibitórios nunca
as tinha contemplado” (Lôbo, Responsabilidade, p. 57). Na sequência, o autor elogia a preocupação
do CDC: “Avança a legislação brasileira, neste campo, mas por certo ao encontro da atual realidade
econômica que aponta para um crescimento surpreendente do setor de serviços. Os serviços
passaram à dianteira na produção e circulação de riquezas, convertendo-se na área mais dinâmica
da economia dos povos. Seu crescimento é acompanhado de complexidade, vulnerabilidade do
consumidor e massificação das relações negociais”. Bruno Miragem, por seu turno, observa que o
Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer eficácia jurídica própria aos vícios do serviço,
institui categoria nova “estendendo aos serviços proteção equivalente a dos vícios redibitórios, que
no direito civil comum só é admitido com relação às obrigações relativas às coisas (obrigações de
dar) e não obrigações de fazer, cuja violação de dever resolvia-se na determinação dos efeitos do
inadimplemento” (Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 424).
As soluções, até então, eram encontradas no direito contratual, especialmente na disciplina do
inadimplemento. A novidade é que a noção do vício passa a ser objetiva, considerando os
parâmetros legais: as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, a inadequação
para os fins que razoavelmente se esperam dos serviços, normas regulamentares de
prestabilidade. Ou seja, não é mais unicamente no contrato e nas suas cláusulas que se deve
verificar se houve uma adequada e eficaz prestação do serviço. A noção do serviço inadequado é
objetivada, até porque depender do teor do contrato é colocar tudo nas mãos e no controle do
fornecedor, o qual, invariavelmente, utiliza-se de contratos de adesão e redige as cláusulas
considerando unicamente os próprios interesses econômicos.
Portanto, para se constatar o atendimento das obrigações do fornecedor relativas à
propriedade do serviço, o contrato deve ser analisado em conjunto com outros elementos (oferta,
publicidade, fins que razoavelmente se esperam do serviço, normas regulamentares de
prestabilidade). Ou seja, cuida-se de regime misto que absorve aspectos contratuais e
extracontratuais. O contrato, normalmente redigido pela parte mais forte (fornecedor), deve ser
analisado circunstancialmente, considerando os elementos indicados.
No sistema protetivo do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas contratuais que, direta
ou indiretamente, diminuam a garantia legal de qualidade dos serviços são nulas de pleno direito,
sem qualquer valor jurídico, em face do disposto nos arts. 24, 25, 51, IV e XV.
A noção objetiva da qualidade do serviço, vedando-se um “padrão” unicamente contratual de
qualidade, significa, a par de oferecer garantia básica de adequação e funcionalidade dos serviços,
retirar a importância da análise da diligência do fornecedor (culpa).
A propósito, destaca Claudia Lima Marques: “A nova ideia de vício do serviço, capaz de originar
até a rescisão do contrato, facilita a satisfação do contratante e agiliza o processo de cobrança da
prestação ou da reexecução do serviço, isto porque concentra-se na funcionalidade, na adequação,
do serviço prestado e não na subjetiva existência da diligência normal ou de uma eventual
negligência do prestador de serviços e de seus prepostos. A prestação de um serviço adequado
passa a ser a regra, não bastando que o fornecedor tenha prestado o serviço com diligência”
(Comentários, p. 359).
Esta objetivação da qualidade do serviço, embora mitigue, não afasta completamente a
importância da distinção entre obrigação de meio e de resultado.
“A concentração feita, do sistema do CDC, no ‘serviço prestado’ não significa que todas as
obrigações de fazer passam a ser obrigações de resultado. Se a obrigação é de meio (por exemplo,
um tratamento médico, uma cirurgia), só se pode exigir que o fornecedor preste um serviço
adequado para os fins que razoavelmente delese espera (salas de cirurgia com o material
necessário, limpas, preparadas para emergências; ou um tratamento médico com remédios e
exames normais para aquele caso), mas não se pode exigir que o serviço alcance um determinado
resultado (cura do paciente ou evitar a sua morte)” (Claudia Lima Marques, Comentários, p. 360-
361).
17. Solidariedade dos fornecedores na prestação de serviços
Ao contrário do que estabelece o caput do art. 18, o art. 20 não é explícito quanto à
solidariedade dos fornecedores em relação aos serviços. Todavia, a doutrina, principalmente em
razão do disposto no art. 7.º e no art. 25, § 1.º, sustenta que há solidariedade quando o serviço é
prestado por vários fornecedores.
A verdade é que a solidariedade prevista nos arts. 7.º, parágrafo único, e 25 e §§ do CDC difere
daquela estabelecida, por exemplo, no caput do art. 18 do CDC. A primeira decorre do ato ilícito e
requer demonstração, no caso concreto, de que mais de um fornecedor colaborou de algum modo
para o ato lesivo ao consumidor. De outro lado, a solidariedade passiva, estipulada no art. 18 do
CDC (relativa a vício do produto), é automática, não exige prova de participação.
Discorda-se, portanto, da posição da doutrina que acaba por equiparar as duas espécies de
solidariedade e concluir que sempre há solidariedade passiva entre fornecedores em face de vício
de serviço. O mais correto é analisar o caso concreto, verificar a forma de atuação de cada
fornecedor e analisar eventual incidência do disposto no art. 34 (solidariedade automática) ou do
art. 7.º, parágrafo único (solidariedade decorrente de ato ilícito que requer prova específica).
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