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Mário José Dias FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO: A PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA *Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência. Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Copyright Universidade Positivo 2016 Rua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300 – Campo Comprido Curitiba-PR – CEP 81280-330 Superintendente Reitor Pró-Reitor Acadêmico Coordenador Geral de EAD Coordenadora Editorial Autoria Supervisão Editorial Parecer Técnico Validação Institucional Layout de Capa Prof. Paulo Arns da Cunha Prof. José Pio Martins Prof. Carlos Longo Prof. Renato Dutra Profa. Manoela Pierina Tagliaferro Prof. Mário José Dias Aline Scaliante Coelho Renata Waleska Pimenta Caroline Chaves de França, Silvia Mara Hadas e Regiane Rosa Valdir de Oliveira FabriCO KOL Soluções em Gestão do Conhecimento Ltda EPP Análise de Qualidade, Edição de Texto, Design Instrucional, Edição de Arte, Diagramação, Imagem de Capa, Design Gráfico e Revisão Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da Universidade Positivo – Curitiba – PR D541 Dias, Mário José. Fundamentos da educação: a perspectiva antropológica [recurso eletrônico]. / Mário José Dias. – Curitiba : Universidade Positivo, 2016. 158 p. : il. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader. Modo de acesso: <http://www.up.edu.br> Título da página da Web (acesso em 28 set. 2017). ISBN: 978-85-8486-285-6. 1. Educação – filosofia. 2. Professores – formação. I. Título. CDU 37.01 Ícones Afirmação Contexto Biografia Conceito Esclarecimento Dica Assista Curiosidade Exemplo Sumário Apresentação .................................................................................................................. 13 O autor .............................................................................................................................14 Capítulo 1 O fenômeno educativo em seus fundamentos antropológicos ...................................... 15 1.1 Introdução ao estudo dos conceitos de antropologia e educação ............................ 15 1.1.1 A natureza dos conceitos ....................................................................................................................................... 16 1.1.2 Construindo uma matriz referencial ...................................................................................................................... 16 1.1.3 O conceito de antropologia .....................................................................................................................................18 1.1.4 O conceito de educação ..........................................................................................................................................18 1.2 A questão da antropologia ........................................................................................ 19 1.2.1 História da antropologia .........................................................................................................................................19 1.2.2 O homem e sua natureza ...................................................................................................................................... 21 1.2.3 As interfaces da antropologia ............................................................................................................................... 22 1.2.4 O homem: um ser relacional ..................................................................................................................................24 1.3 A questão da educação .............................................................................................25 1.3.1 Educar o homem ................................................................................................................................................... 25 1.4 Antropologia e educação ...........................................................................................28 1.4.1 O lugar da antropologia no contexto educacional................................................................................................. 28 1.4.2 O lugar da educação no contexto antropológico .................................................................................................. 29 1.4.3 A ação educativa como condição humana............................................................................................................ 29 1.4.4 Identidade e diferença ........................................................................................................................................... 30 Referências ......................................................................................................................32 Capítulo 2 Cultura, educação e escola em perspectiva antropológica .............................................33 2.1 O processo civilizatório ..............................................................................................33 2.1.1 A sociedade da barbárie ......................................................................................................................................... 33 2.1.2 As primeiras civilizações ........................................................................................................................................ 35 2.1.3 Comunicação e sociedade ..................................................................................................................................... 36 2.1.4 Educando a sociedade ........................................................................................................................................... 37 2.2 Descobrindo a cultura ...............................................................................................38 2.2.1 O conceito de cultura ............................................................................................................................................. 38 2.2.2 Cultura e culturas .................................................................................................................................................. 39 2.2.3 Alteridade cultural ................................................................................................................................................. 40 2.2.4 O outro e o mesmo ................................................................................................................................................41 2.3 Os desafios de uma educação para cultura ..............................................................43 2.3.1 O processo de educação em busca da valorização da cultura .............................................................................. 43 2.3.2 A sociedade e o complexo cultural ....................................................................................................................... 45 2.3.3 Educação e cultura ................................................................................................................................................ 46 2.3.4 Pensando a sociedade ........................................................................................................................................... 47 2.4 As tendências sociais e a natureza humana ..............................................................48 2.4.1 O olhar da antropologia ......................................................................................................................................... 48 2.4.2 Educar o humano para conviver com os outros .................................................................................................... 49 2.4.3 Vivendo a realidade ...............................................................................................................................................50 2.4.4 Para além da barbárie ........................................................................................................................................... 52 Referências .....................................................................................................................54 Capítulo 3 O ser humano e sua relação com a sociedade ................................................................57 3.1 Conhecendo a sociedade ...........................................................................................57 3.1.1 A sociedade e os indivíduos ................................................................................................................................... 57 3.1.2 As estruturas sociais ............................................................................................................................................. 58 3.1.3 A complexa relação social...................................................................................................................................... 59 3.1.4 Os fenômenos sociais ............................................................................................................................................. 60 3.2 A sociedade dos símbolos e do consumo .................................................................61 3.2.1 Os paradoxos sociais ...............................................................................................................................................61 3.2.2 A sociedade do efêmero ....................................................................................................................................... 62 3.2.3 O significado dos símbolos ................................................................................................................................... 63 3.2.4 Por uma educação de valores ............................................................................................................................... 64 3.3 A importância do sagrado na configuração social ....................................................65 3.3.1 O sentido do sagrado ............................................................................................................................................. 65 3.3.2 Para além dos mitos e ritos ................................................................................................................................... 66 3.3.3 Educar para viver em sociedade ............................................................................................................................ 66 3.3.4 Dos símbolos aos ritos ........................................................................................................................................... 67 3.4 A contribuição da antropologia na construção da sociedade ...................................67 3.4.1 A evolução da humanidade ................................................................................................................................... 67 3.4.2 O homem e a sociedade ........................................................................................................................................ 69 3.4.3 As relações interpessoais ....................................................................................................................................... 69 3.4.4 Por uma educação da humanidade ....................................................................................................................... 70 Referências ......................................................................................................................71 Capítulo 4 A sociedade e a cultura: desafios e perspectivas educativas ..........................................73 4.1 A antropologia em sua dimensão cultural ................................................................73 4.1.1 Antropologia e cultura ............................................................................................................................................74 4.1.2 O ser humano e a cultura....................................................................................................................................... 75 4.1.3 Educar e socializar o ser humano .......................................................................................................................... 75 4.1.4 O espaço da diversidade .........................................................................................................................................76 4.2 O processo cultural e a socialização da humanidade ................................................77 4.2.1 Humanização da sociedade ................................................................................................................................... 77 4.2.2 Os desafios da sociedade de hoje ......................................................................................................................... 78 4.2.3 Estar na companhia dos outros............................................................................................................................. 78 4.2.4 Identidade cultural ................................................................................................................................................ 79 4.3 Os temas que envolvem a cultura e a educação da humanidade .............................80 4.3.1 Ética e cultura ........................................................................................................................................................ 80 4.3.2 A tendência ao relativismo cultural ....................................................................................................................... 81 4.3.3 O etnocentrismo na sociedade .............................................................................................................................. 82 4.3.4 O fenômeno da cultura moderna .......................................................................................................................... 84 4.4 A escola como um ambiente cultural e de preservação do legado da humanidade .......... 85 4.4.1 Os processos de educação cultural ........................................................................................................................ 85 4.4.2 A estética da sala de aula ...................................................................................................................................... 86 4.4.3 O ambiente educativo e formativo ........................................................................................................................ 87 4.4.4 Os desafios de uma sala de aula ........................................................................................................................... 88 Referências ......................................................................................................................89 Capítulo 5 Os espaços do saber pedagógico em sua dimensão antropológica ................................91 5.1 Etnografia como forma de conhecer e contribuir com o fazer docente ....................91 5.1.1 Conhecendo o método etnográfico ....................................................................................................................... 92 5.1.2 Conhecendo a realidade da escola ......................................................................................................................... 92 5.1.3 Cultura imaterial .................................................................................................................................................... 93 5.1.4 Tradição e cultura .................................................................................................................................................. 94 5.2 Textos e contextos presentes no ambiente educativo ..............................................945.2.1 Dar voz aos alunos ................................................................................................................................................. 94 5.2.2 Alguns desafios: pensar a condição antropológica na perspectiva do aluno ....................................................... 95 5.2.3 Imersão na realidade ............................................................................................................................................. 95 5.2.4 Desafios e possibilidades ....................................................................................................................................... 96 5.3 As dimensões do fazer docente ................................................................................97 5.3.1 Contribuição da antropologia ............................................................................................................................... 97 5.3.2 Conhecendo a realidade social ............................................................................................................................. 98 5.3.3 O entorno social do aluno .................................................................................................................................... 98 5.3.4 Fazer-se presente na vida do aluno ....................................................................................................................... 99 5.4 Da etnografia a etnologia: ressignificando a prática docente ..................................99 5.4.1 Por uma nova etnologia do saber ....................................................................................................................... 100 5.4.2 O encontro com o outro .......................................................................................................................................101 5.4.3 O lugar e o significado do diálogo .......................................................................................................................101 5.4.4 O ambiente da acolhida educativa ......................................................................................................................102 Referências ....................................................................................................................103 Capítulo 6 Antropologia e educação no contexto brasileiro...........................................................105 6.1 As teorias culturais que marcaram a história ..........................................................105 6.1.1 A percepção evolucionista ................................................................................................................................... 106 6.1.2 Os desdobramentos das teorias .......................................................................................................................... 107 6.1.3 A força do estruturalismo .................................................................................................................................... 109 6.1.4 A indústria cultural ...............................................................................................................................................110 6.2 As contribuições e a análise antropológica dos impactos das teorias culturais no campo social ............................................................ 110 6.2.1 O papel mediador da antropologia ......................................................................................................................111 6.2.2 As possíveis mediações culturais .........................................................................................................................111 6.2.3 Das teorias à sala de aula ....................................................................................................................................112 6.2.4 Construindo novos paradigmas ...........................................................................................................................112 6.3 O comportamento humano e as estruturas antropológicas ................................... 113 6.3.1 Do conceito ao preconceito .................................................................................................................................114 6.3.2 Localizando a antropologia em seu universo cultural .........................................................................................114 6.3.3 Das teorias culturais à perspectiva antropológica ...............................................................................................115 6.3.4 Educação e antropologia: diálogos necessários ..................................................................................................115 6.4 Sintomas do mundo contemporâneo e a realidade brasileira ................................. 115 6.4.1 O paradoxo social: o Brasil e o mundo desenvolvimentista .................................................................................115 6.4.2 “O homem cordial”: uma releitura crítica do Brasil ..............................................................................................116 6.4.3 A percepção social da realidade ...........................................................................................................................117 6.4.4 Aprendendo com a realidade e a alteridade ........................................................................................................118 Referências .................................................................................................................... 119 Capítulo 7 Temas contemporâneos da educação em perspectiva antropológica ..........................121 7.1 A presença indígena na cultura brasileira ...............................................................121 7.1.1 A identidade cultural indígena ............................................................................................................................. 122 7.1.2 A resistência indígena .......................................................................................................................................... 122 7.1.3 Projetos de educação indígena .............................................................................................................................124 7.1.4 Aprender com os índios ....................................................................................................................................... 125 7.2 A presença do afrodescendente na cultura brasileira ..............................................125 7.2.1 A identidade cultural afro .....................................................................................................................................126 7.2.2 A resistência dos escravos ....................................................................................................................................127 7.2.3 A luta pela liberdade e a necessidade das cotas ..................................................................................................128 7.2.4 Por um projeto de educação afro: a riqueza cultural do encontro .......................................................................128 7.3 O multiculturalismo em debate ...............................................................................129 7.3.1 O espaço da sala de aula como encontro das diferenças ..................................................................................... 130 7.3.2 O que nos faz pensar que somos diferentes? ...................................................................................................... 130 7.3.3 As resistências a uma política de inclusão social .................................................................................................131 7.3.4 Multiculturalismo e interculturalidade: aproximações e distanciamentos ...........................................................1327.4 O projeto de educação dos valores em defesa de uma cultura plural .....................133 7.4.1 Por uma educação plural ......................................................................................................................................133 7.4.2 O outro como um valor ........................................................................................................................................ 134 7.4.3 Desafios de uma sala de aula .............................................................................................................................. 134 7.4.4 Globalização cultural? ...........................................................................................................................................135 Referências ....................................................................................................................136 Capítulo 8 Desafios e possibilidades para uma antropologia educacional contemporânea ..........139 8.1 A complexidade do mundo em rede tanto em seus aspectos virtuais quanto reais .........139 8.1.1 O privado se tornou público ................................................................................................................................. 140 8.1.2 As redes sociais invadem a sala de aula ...............................................................................................................141 8.1.3 Educar em rede .....................................................................................................................................................142 8.1.4 Somos uma teia ....................................................................................................................................................143 8.2 A condição humana em tempos de redes sociais ...................................................144 8.2.1 Complexidade e desafios ..................................................................................................................................... 144 8.2.2 O humano nas redes ............................................................................................................................................145 8.2.3 O olhar invisível do outro lado ............................................................................................................................ 146 8.2.4 Os paradigmas da condição humana ...................................................................................................................147 8.3 O espaço da sala de aula e o mundo digital ............................................................147 8.3.1 Ressignificando os espaços escolares .................................................................................................................. 148 8.3.2 Sociedade e cultura digital ...................................................................................................................................149 8.3.3 Os novos campos do saber ................................................................................................................................. 150 8.3.4 Liberdade para pensar ......................................................................................................................................... 150 8.4 Novos tempos e desafios contemporâneos ............................................................151 8.4.1 Informação e conhecimento .................................................................................................................................152 8.4.2 O percurso cultural das novas gerações ...............................................................................................................152 8.4.3 As novas “tribos” ................................................................................................................................................. 153 8.4.4 Educar a humanidade .......................................................................................................................................... 154 Referências ....................................................................................................................156 Este material é um convite à reflexão pessoal e coletiva sobre a importância e a contribuição de um legado construído ao longo de toda a tradição da humanidade e seus impactos na compreensão que o homem tem de si mesmo, do outro e do mundo. Nesse espaço de aprendizagem, esperamos que você descubra que a nossa singularida- de é carregada de uma herança que não nos condena à solidão, ao contrário, nos con- vida a viver sempre na companhia dos outros, estejam eles onde estiverem com suas crenças, tradições, culturas e etnias. A antropologia, como veremos, faz parte do gru- po das ciências que estudam o homem em todas essas dimensões. Juntos, faremos esse percurso a partir da origem dos conceitos que atribuímos à humanidade, à sociedade, à natureza e ao mundo. Descobriremos que a antropologia é uma ciência interdisciplinar e por que seu elo fundamental está ligado à educação. Neste sentido, há um caminho e um método próprio que tem sido percorrido pelos antropólogos para refazer os passos do homem primitivo até os dias de hoje. A proposta e o objetivo desta disciplina é que você descubra a importância deste processo civilizatório na construção do projeto de sociedade na qual estamos inseridos e, como futuro educador, persiga a formação inte- gral do cidadão. Você terá a oportunidade de rever seus conceitos sobre o mundo, aprender com as outras culturas, descobrir o universo em todas as suas dimensões: temporais e es- paciais. Poderá descobrir-se para ressignificar seu próprio mundo. Para isso, é funda- mental aprimorar nossa visão crítica, reflexiva e formativa na direção de uma sociedade plural capaz de conviver e aprender com as diferenças individuais. Por isso, sinta-se par- ceiro na construção de um saber que busque sempre o respeito às diferenças para en- contrar nelas a riqueza de seu próprio e único ser no mundo. Apresentação Escrevo às pessoas a quem aprendi a amar, por fazerem parte do legado de minha história: minha mãe, família, uns poucos amigos e, principalmente à Vera e o Airton Dias, companheira e filho que partilham comigo a afirmação da vida. À Jerolina, minha primeira professora, como deixar de lembrar! O autor O professor Mário José Dias é Doutor em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Unirio e Mestre em História Social pela Universidade Severino Sombra – USS. Especialista em Gestão de Ensino a Distância pela Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e Graduado em Filosofia, História e Pedagogia. É professor universitário e também professor pesquisador. Por 20 anos, exerceu a função de diretor de instituição de ensino. Currículo Lattes: <lattes.cnpq.br/7868916450213196> 1 O fenômeno educativo em seus fundamentos antropológicos A educação é um processo de busca e apreensão do saber que deve impactar a vida em sociedade. O homem, enquanto ser social, necessita buscar o sentido e o significado de seu existir, dessa forma, se torna importante o estudo do legado da tradição enquanto matriz referencial de uma cultura que aproxima os povos, nações e os indivíduos entre si. 1.1 Introdução ao estudo dos conceitos de antropologia e educação O nosso ponto de partida nesse estudo se ba- seia na concepção de que todos nós, enquanto pes- soas, precisamos viver na companhia dos outros. Essa condição de sociabilidade é que dá sentido e significado ao que o filósofo Aristóteles definiu como “animal racional”. Viver em sociedade passa a ser parte integrante da racionalidade humana. Somente pelo uso dessa razão é que criamos normas, regras e padrões de comportamentos que nos ligam uns aos outros, tendo como pressuposto o “viver bem”. Tal garantia, própria do estar no mundo com e para os outros, precisa ser tratada do ponto de vista da ciênciacom objetividade e, ao mesmo tempo, com a medida certa de subjetividade. O campo da antropologia, enquanto um conceito que busca compreender o ho- mem em sua relação com o mundo, encontra eco no campo educativo, que se preocu- pa, nesse âmbito, em informar e formar indivíduos cada vez mais aptos a descobrir-se a si mesmos e a transformar a sociedade que os circunda. A objetividade do campo da antropologia pressupõe, antes de tudo, que a ciência não se restrinja a analisar como o homem surgiu, mas que se aprofunde na multiplicidade de ações que dele decorrem ao longo da história da humanidade. A subjetividade está centrada no estudo dos homens em sua relação com o mun- do. É fundamental, nessa perspectiva, que se encontre o elo entre a objetividade e a subjetividade, daí o papel da Educação, enquanto uma ciência cujo objetivo é introdu- zir a criança, jovem e adulto ao mundo complexo e diverso das relações sociais. Nossa questão inicial parte desses pressupostos, por isso, precisamos começar pelo caminho originário que une a antropologia e a educação: o estudo sobre os conceitos, sua im- portância e representatividade para as relações com o eu, o outro e o mundo. © w av eb re ak m ed ia // S hu tt er st oc k Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 16 1.1.1 A natureza dos conceitos Já parou para pensar que tudo o que sabemos sobre nós mesmos, o outro e o mundo é mediado por conceitos? O nosso próprio nome já é um conceito, tal como a família, a sociedade, as coisas que nos circundam. Ele é parte integrante da linguagem e esta, por sua vez, representa o que somos e possibilita nosso entendimento do mun- do. Quanto mais amplo um conceito, melhor e maior é a nossa compreensão do mun- do. Muitos deles são considerados universais e dificilmente podem ser modificados, por exemplo, aqueles ligados à natureza, tais como dia, noite, sol, lua. Esta é a ga- rantia da aproximação da linguagem com o mundo. Podemos afirmar que os concei- tos são originários do contato humano com a natureza expressa pela linguagem que reúne, em si, a cultura, a tradição e a forma como interagimos com o mundo, quer por uma imagem esculpida na rocha ou um clássico da literatura. Compreender o mundo significa, portan- to, a possibilidade de entender o sentido e o significado dos conceitos. A escrita, datada de aproximadamente 3.000 a.C., foi a primeira ma- nifestação desses conceitos legados à humani- dade. A antropologia, como um campo do saber sobre o estudo da humanidade, necessita dessas informações conceituais para mapear o conheci- mento do homem e as diversas formas como ele vive e atua em sociedade. Quanto mais o indivíduo se apropria de um conceito, maior é sua compreensão do mundo e, portanto, menores as dúvidas que tem sobre a origem do homem e sua relação con- sigo mesmo, com o outro e com o mundo. Este é um campo aberto para entender os fundamentos da educação em perspectiva antropológica. 1.1.2 Construindo uma matriz referencial Quando afirmamos que a linguagem é o elo que funda o conceito, podemos fazer as devidas apropriações para entender como, ao longo da história da humanidade, eles foram sendo construídos. A pergunta que nos move é: qual a importância de uma ma- triz referencial? Pode um conceito ser modificado? No passado, tínhamos como certo, por exemplo, que a Terra era um ponto fixo no universo e, com base nessa matriz, construímos os significados fundamentais da pessoa, da sociedade e do mundo. A par- tir da evolução da humanidade e, principalmente, nos séculos XV e XVI, o universo se abriu a este conceito: a América (encontrada pelos espanhóis em 1492) o Brasil (com a chegada dos portugueses em 1500) e os novos caminhos trilhados pelo mar deram ao homem uma nova perspectiva do mundo. O que era fixo se tornou móvel. O que era © S ha w n Pa dr ão // S hu tt er st oc k Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 17 uma verdade incontestável precisou passar por um longo processo de aculturação. Era preciso reeducar a humanidade para novas descobertas que aconteciam no mundo e, a partir delas, buscar e construir uma nova matriz conceitual. Aculturação é o processo de assimilação que ocorre a partir do convívio entre duas ou mais cul- turas. Ela pode se dar de maneira natural, respeitando o tempo histórico, ou intencionalmen- te, utilizando-se de mecanismos ideológicos de força e domínio sobre o outro, como foi o caso dos colonizadores. Primeiro: todos os conceitos que não de- rivam dos universais (dia, noite, nascer, mor- rer) podem ser modificados ao longo do tempo, principalmente por conta da evolução da ciência e, consequentemente, da humani- dade: por exemplo, não se admitia nas forças armadas a presença feminina em seus qua- dros, por considerar que era uma função exclusivamente masculina, o que não ocorre nos dias de hoje. Segundo: vivemos em tempos de grandes transformações que nos co- locam diretamente em contato com outros povos, culturas e civilizações. O mundo se transformou em um “clique” proporcionando uma proximidade de segundos entre as distâncias que nos separam fisicamente uns dos outros. É possível acreditar que estamos vivendo em um processo contínuo de mudanças e, por isso mesmo, precisamos reapren- der a conviver com os outros. O mundo não é mais linear, como antes se pensava. Não temos garantias de que o amanhã será um reflexo do hoje e, portanto, novas verdades precisam aparecer, redesenhadas. Ao mudar a matriz, mudamos os conceitos. Nunca se falou tanto em diversidade cultural, tolerância e respeito às diferenças. Esta é a nova matriz referencial que se está construindo no mundo contemporâneo. A nossa hipótese é de que somente a partir da desconstrução da matriz referencial é possível construir um novo conceito de mundo, de pessoa, sociedade. Anote as mudanças que estão ocorrendo a sua volta e desenhe uma projeção para o futuro. Compare com o que seus avós pensavam sobre o mundo. Certamente você constatará atos incríveis que fazem parte do processo natural que é próprio da maneira como os homens veem o mundo. © R aw pi x. co m // S hu tt er st oc k Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 18 1.1.3 O conceito de antropologia A definição mais comum da antropo- logia parte de sua raiz etimológica grega: anthropos – homem em toda a sua inteire- za – e logos – conhecimento. Se juntarmos as duas raízes, teremos uma matriz conceitual es- truturada: antropologia é a ciência do conhe- cimento do homem em toda a sua extensão e compreensão, ou seja, desde sua primitiva existência até sua relação com os outros e o mundo. Podemos classificar a antropologia no conjunto das ciências que têm o homem como centro e objeto de estudo. Por conse- guinte, ela é interdisciplinar por natureza, pois precisa das outras ciências, não como au- xiliares, mas como complementares ao estudo mais amplo do homem e da humanidade: História, Sociologia, Filosofia, Cultura, Biologia. Podemos afirmar, portanto, que toda ciência que tem o homem como seu objeto se torna interesse da antropologia. 1.1.4 O conceito de educação Todo projeto de humanidade pressupõe um legado, uma herança, um tesouro que precisa constantemente ser revisitado, sob pena de se perder na escuridão da ig- norância. Este é o papel fundamental da educação: permitir aos seres humanos se dei- xarem conhecer a si mesmos, ao outro e o mundo que os circunda. Se buscarmos a raiz dessa palavra, encontraremos o sentido pleno, quer seja, sair para fora, o que pode ser traduzido por conduzir o indivíduo de um lugar para outro. Educação é um processo di- nâmico, sempre necessário e contínuo. Sempre temos algo para tirar de nós mesmos e colocar à disposição do mundo e, como uma via de mão dupla, reconhecemos que há sempre uma porta para abrir no passado que se faz presente e deste lançar-se para o futuro. No centro de toda essa atividade está o “animal homem”, que, como afirmou o filósofo Aristóteles, precisaencontrar sua racionalidade. A partir dessas ideias que apresentamos neste primeiro momento, podemos con- cluir que todo processo que envolve o ser humano parte de uma matriz referencial dei- xada por um legado da tradição. Os conceitos que formulamos, a visão que temos sobre o mundo e as coisas podem e devem ser, constantemente, revistas e analisadas. Não se entende a vida em sociedade sem pressupostos que possam aliar a história da humani- dade, por isso vamos, no próximo tópico, entender melhor o caminho da antropologia. © K on st an ti n C ha gi n // Sh ut te rs to ck Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 19 1.2 A questão da antropologia Como já afirmado, a antropologia é uma ciência que tem como seu objeto, sua matriz referencial, o homem em toda a sua inteireza. Isso significa que, para compreen- der o mundo, a civilização e o homem, necessariamente passamos pelo estudo antro- pológico. Não há como pensar o homem desassociado de seu passado, das relações com a evolução do mundo, da ciência, da sociedade e da cultura. Nosso objetivo é cen- trar nosso estudo nesse contexto de mundo e de civilização, entendendo que a antro- pologia não se preocupa em analisar uma sociedade específica, mas as sociedades em sua abrangência e complexidade. Ela é o fruto natural da necessidade e curiosidade do homem em se descobrir pertencente a um universo infinito, em que os outros homens, com sua cultura e conhecimento, contribuem para seu próprio estar no mundo. 1.2.1 História da antropologia Pode-se afirmar que o mundo, tal como o conhecemos, foi pensado e estudado durante décadas com os olhares atentos da filosofia. Ela é considerada, pela literatura, a “mãe de todas as outras ciências”. Pensar o mundo, o homem e suas relações sociais é o objeto de estudo e de admiração dos filósofos. Constata-se, portanto, que os ho- mens da ciência eram, antes de tudo, filósofos. Pense, por exemplo, que antes de formular um cálculo matemático, um dado da física, Pitágoras, Descartes, Newton e outros estavam preocupados com as coisas do mundo, da natureza e tudo o que envolvia o homem. Esse pensamento acompanhou a civilização desde o encontro da cultura grega com o mundo romano, ultrapassando épocas até chegar aos primeiros indícios de que as verdades construídas pelo homem pela simples observação da natureza poderiam ser repensadas. A invasão dos chama- dos bárbaros ao império romano construído por César foi o início desse longo processo iniciado no século V, que marcou a história denominada “Idade Média”. Nesse período, marcado pelo Teocentrismo – Deus como centro do Universo e o homem apenas seu servo fiel –, ocorreu aos poucos a aculturação desses “povos invasores” e, com isso, uma nova perspectiva de civilização se desponta. Na visão de Duby (1998), historiador medievalista, o homem sempre teve em sua companhia o medo do outro, da fome, da miséria, da violência e do que ocorre no “além da vida”. Aos poucos, esse mundo medieval foi conhecendo novas fronteiras, primeiro por conta das Cruzadas – movimento religioso para reconquista de Jerusalém –, de- pois com a abertura das universidades. Para que houvesse o conhecimento do “mundo Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 20 novo”, foi preciso que antes o homem começasse a redescobrir o conhecimento, a pes- quisa e a investigação. Papel fundamental para entender o mundo, passava pelas uni- versidades, criadas em meados da Idade Média com o objetivo primordial de investir em pesquisas e preparar o homem para o novo momento que já se apresentava. O sé- culo XV se abre para as possibilidades de conquistas e de rupturas, de aventuras em busca das novidades que vinham do “além-mar”. A questão passa a ser: o que muda quando do encontro do homem com a “civili- zação além-mar” (América, África)? Novas perspectivas se abriram e, com isso, era preciso repensar a matriz referencial dos conceitos até então conhecidos. Nesse pro- cesso de redesenhar o mundo, a sociedade começa a ter outros olhares sobre a nature- za e, consequentemente, sobre o homem. O movimento para entender a racionalidade e a potencialidade do homem ocupa o espaço da investigação da vida, da ciência e dos negócios. O auge do período monárquico tem sua centralidade não somente na figura de um rei, mas na abertura para o diferente: a cultura do outro, tão diverso e comple- xo. A fé cede espaço para o conflituoso e necessário debate com a ciência. A filosofia não estava mais sozinha no contexto desse novo cenário do mundo. É o tempo do hu- manismo, do rompimento com o pensamento único e da dificuldade em se lidar com as diferentes formas de ver o mundo. A razão ilumina as ações dos homens e as reações ao pensamento hegemônico cedem es- paço às disputas políticas e religiosas que con- duziriam aos movimentos revolucionários na Inglaterra, na França e na América. Os símbo- los da realeza e da centralidade do poder cedem espaço aos ideais democráticos cravados na co- nhecida trilogia francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Esses ideais passam a fazer parte do homem moderno que faz renascer as velhas questões filosóficas: quem é o homem? De onde veio e para onde vai? Nesse contexto, pode-se afirmar que as respostas filosóficas se tornaram insuficientes e, por isso, era necessário que outras ciências assumissem igual responsabilidade pelas ques- tões tão complexas que envolviam a vida do homem na sociedade. Se, para os antropólogos Hoebel e Frost (1989), caberia à antropologia o papel e a função de ser uma ciência da humanidade e da cultura, sua função passaria a ser a de entender desde o comportamento até as ações do homem em sua relação consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Em uma visão perspectiva, é possível entender a dinâmica vinda da sociedade em toda sua ação cultural, biológica e filosófica. Como toda ação humana é um contínuo processo de evolução, era de se esperar que os ideais revolucionários que citamos marcassem o surgimento de outras ciências © B er ko m as te r / / S hu tt er st oc k Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 21 do homem no século XIX. A grande questão posta à antropologia foi assumir o com- promisso de estudar o homem em suas diversidades étnicas, culturais e políticas. Não há como se propor a fazer um estudo antropológico com uma visão fechada à alterida- de e à pluralidade própria da condição humana. A dificuldade histórica que marca esse campo do saber é constituí-la não como uma ciência narradora de fatos culturais ocorridos no passado, mas de propor uma alternativa sempre essencial de compreensão do homem e das necessárias e importantes relações interpessoais. Ao se reportar à época dos “homens da caverna”, não se deseja voltar ao passado para dele se constituir uma morada permanente. As marcas e os registros deixados por eles, quer na configuração de alguns traços nas paredes da caverna, nos instrumentais de uso para preservação da vida ou mesmo na suposta realidade de convivência entre esses homens primitivos, devem servir de parâmetro para os estudos do “comportamento“ social, biológico e cultural na compreensão do nosso tempo. Um filme de animação que ilustra o que estamos afirmando é “Os croods” (2013), que narra a aventura de uma família isolada do mundo, vivendo apenas da rotina. A riqueza de detalhe re- mete aos padrões de comportamento e ao processo de leitura dos conceitos que se apresen- tam sempre que descobrimos algo novo. 1.2.2 O homem e sua natureza Seguindo por esse caminho de uma antropologia que se ocupe das “coisas” do homem e de sua relação com o mundo, é possível entender a dinâmica estabelecida no complexo mundo de suas relações. A concepção originária do homem como um ser em relação constitui sua natureza social, política, econômica, religiosa e cultural. Falar em natureza humana pressupõe admitir que a existência é um processo ininterrupto de formação e adaptação do homem para o viver em sociedade.Isso significa afirmar que estamos em um processo contínuo de aprendizagem social. Ao longo do percurso e da evolução histórica da humanidade, as relações sociais, culturais e políticas foram sendo modificadas, ou melhor, adaptadas às novas realida- des do mundo, porém, a natureza do homem permaneceu centrada em sua concepção de ser social e, por isso mesmo, racional. A racionalidade é a justificativa mais adequada para concebê-lo como social. Pode-se afirmar, nesse contexto, que ela é a capacidade própria do homem para se fa- zer relação entre os outros e deriva-se da necessidade do homem de estabelecer parâ- metros de convivência e, por conta disso, determinar as formas, as regras e as matrizes Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 22 de comportamentos sociais adequados ao estilo de cultura próprio do ambiente, re- gião, estado, país no qual está inserido. Como constitutivo dessa natureza, há de se ressaltar a importância dos símbolos e ritos manifestados pelo uso da linguagem como instrumento mediador entre a racionalidade e a sociabilidade. Isso significa afirmar que a linguagem é parte integrante dessa natureza do ho- mem. Não é possível estabelecer relações se- não pelo uso da linguagem, mesmo entendida em seu contexto mais amplo, como manifes- tação de uma cultura simbólica que reúne os homens a fim de viverem e construírem um projeto constante e renovado da sociedade na qual estão inseridos. Essa capacidade humana de estar na companhia dos outros é fato marcante e característico de sua natureza. Ao tratar dessa questão, o antropólo- go Boas (2010) afirma que há uma história singular própria de um grupo social e que é preciso compreendê-la em seu contexto cultural, linguístico, sem a pretensão de uni- versalidade conceitual, mas como constitutivo da natureza do homem que é capaz de se adaptar ao ambiente em que está inserido. 1.2.3 As interfaces da antropologia Seguindo a lógica aqui estabelecida de que a antropologia enquanto ciência não pode pensar o homem, enquanto matéria-prima de seu estudo, desassociado de seu contexto histórico, social, político, econômico, cultural e religioso, pode-se deduzir que ela necessita do suporte teórico e prático dos diversos campos do saber. É possível afirmar que a antropologia é uma ciência interdisciplinar e transdisciplinar, pois não se esgota em si mesma, necessita ir além do formalismo cientificista enquadrado em úni- co referencial e suporte teórico. A antropologia é adjetivada de outros estudos sobre o homem, porém, tem uma especificidade que garante a ela uma ação interpretativa peculiar sobre os fatos sociais que marcam a trajetória do homem. Por isso, seguindo a divisão proposta por Marconi e Presotto (2014), a antropologia pode ser analisada em suas interfaces com a Física ou a Biologia e na perspectiva cultural. No quadro a seguir, podemos observar seus des- dobramentos específicos: © W ill ia m P er ug in i / / S hu tt er st oc k Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 23 Antropologia física ou biológica Paleontologia humana Antropometria Somatologia Estudos comparativos do crescimento Raciologia Antropologia cultural Arqueologia Linguística Antropologia social Cultura e personalidade Etnologia Etnografia Folclore Podemos ainda acrescentar a esses dois campos próprios do estudo da Antro- pologia a necessidade de se reportar às outras ciências sociais e humanas no sentido de ampliar sua compreensão do homem, como, por exemplo, Sociologia, Psicologia, História, Economia, Ciências Políticas, Geografia. A dimensão da interdisciplinaridade se faz presen- te quando se utilizam as técnicas científicas próprias desses campos específicos do saber: Quando se recorre ao tempo histórico que marcou um determinado evento do passado a fim de ampliar os conhecimentos sobre o presente. Método histórico Como instrumento de medida quantitativa e qualitativa que possa colaborar para analisar um determinado fenômeno e seus impactos sociais na vida do homem. Método estatístico A sociedade necessita de coleta de dados e registros sobre os diversos estilos de vida e de cul- tura específicos de grupos originários e primitivos como forma de preservação e de garantia de sobrevivência da memória e do resgate dessas civilizações ágrafas ou rurais. Método etnográfico © F ab ri CO Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 24 A partir do levantamento de dados, amplia-se o estudo da evolução do homem para, em posse dessas informações, fazer as devidas apropriações, distinções e comparações pertinentes à na- tureza, civilização e cultura na qual a humanidade está fixada. Método comparativo ou enológico Cada vez mais se torna importante analisar os registros e os sinais da presença do homem na vida em sociedade. As marcas do passado de um determinado agrupamento social se tornam imprescindíveis para a compreensão e o resgate da memória de um povo e de toda sua riqueza cultural, política e econômica. Sem o estudo atento do etnógrafo, é possível que a herança do passado de uma determinada civilização se perca. Método monográfico ou estudo de caso Um dos campos mais tradicionais do saber está centrado na análise das raízes culturais oriun- das do mapeamento familiar com finalidade específica de reunir informações históricas que possam contribuir para entender melhor o legado das primeiras gerações. É mais do que uma simples constatação, pois envolve aspectos profundos de análise cultural, econômica, política e social ocorridos durante um longo período histórico. Método genealógico Tem em sua especificidade a peculiaridade de levantar informações referentes aos impactos que uma determinada cultura exerce na relação e na formação de uma identidade societária. Em posse dessas informações, é possível aferir e qualificar melhor os movimentos e os proces- sos civilizatórios ao longo da trajetória humana. Método funcionalista Por meio dessa variedade de abordagens, podemos verificar as várias interfaces da antropologia. Passaremos agora às especificidades do objeto de estudo dessa ciência. 1.2.4 O homem: um ser relacional No intuito de reforçar o que foi abordado anteriormente, destaca-se a necessi- dade de ampliar a discussão sobre a natureza do homem enquanto um ser relacional. Não se pode entender o homem senão enquanto ser que se faz e se constitui na re- lação consigo mesmo, com o outro e o mundo. Lançar-se à aventura do desconheci- do é admitir que sua presença é fonte primordial para ressignificar a ação do mundo. Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 25 Conhecer suas origens, mapear suas ações e reações ao longo da trajetória civilizató- ria da humanidade é parte constitutiva do saber antropológico que analisa cada fato, acontecimento e perspectivas sociais que possibilitem conhecer melhor a intervenção humana no processo de construção da vida em sociedade. Não é mera coincidência que, no século XIX, a antropologia se torna, entre outras ciências, o foco de atenção das sociedades industriais. A estruturação social baseada no mapeamento econômico, simbolizada pela organização do capital, gerou manifes- tos e protestos tanto do ponto de vista teórico-filosófico, tendo Marx como seu prin- cipal interlocutor, como do ponto de vista prático, analisado por August Comte, mais tarde Durkheim e Weber. O ponto comum entre estes e outros autores era compreender como a vida em sociedade se configuraria no “futuro.“ A certeza era (e continua sendo) de que o ho- mem precisaria se reinventar para viver em sociedade. Se, por um lado, o capitalismo afirmava e prometia vida longa e próspera àqueles que se adaptassem à dinâmica do capital, por outro lado, o socialismo denunciava a exploração do trabalhador e, conse- quentemente, o abismo social entre aqueles que detinham a força e o poder do capital e os outros que deles dependiam para sobreviver. Era uma questão de perspectiva e de análise sobre a sociedade na qualos homens fazem e constituem sua morada. Vivemos um período de mudanças de paradigmas e modelos, levando-se em conta a socie- dade da informação e a velocidade com que o mundo digital nos aproxima uns dos outros (CASTELLS, 2013). 1.3 A questão da educação Sempre que nos reportamos à questão da educação, somos impelidos a acredi- tar que ela é um processo ininterrupto de formação e transformação da sociedade. O princípio básico desse processo é pensar que a sociedade só se compreende na e com a presença dos homens e, por isso mesmo, precisa ser ressignificada, papel este comple- xo no qual a educação tem uma função fundamental de reafirmar compromissos e des- cobrir as potencialidades humanas presentes em toda e qualquer relação. 1.3.1 Educar o homem Admitindo que o homem é um ser em relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo, é possível reforçar o conceito e o papel da educação na formação e na condução do destino da "sociedade". Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 26 A função clássica da educação está ligada à necessidade de transmitir o lega- do cultural herdado da tradição histórica. Isso significa que ela pode ser considerada como responsável pela formação comportamental do indivíduo/cidadão. Tudo isso pa- rece ser validado pelos discursos explícitos e implícitos de qualquer política institucio- nalizada: formar bons e honestos cidadãos. No entender de Delors (2003), a educação contemporânea deve se concentrar em fortalecer quatro pilares fundamentais: o sa- ber, o saber fazer, o saber ser e o saber conviver. Estabelece-se, com isso, não apenas um compromisso, mas um movimento dia- lético entre educação, sociedade e processo civilizatório. O papel fundamental passa a ser compreender como é possível educar o homem senão nos dispusermos a entendê-lo a partir do passado, de seu legado cultural, sua formação étnica e os valores herdados e ressignificados ao longo de sua evolução. O desafio que se tem pela frente passa a ser construir redes de relações que se interconectam com o mundo, a vida em sociedade e seus mecanismos de poder e cultura. Ao partir do pressuposto comum de que a “educação“ é parte integrante do processo de amadurecimento da sociedade e ao aceitar como finalidade da educação a formação integral da pessoa, admite-se, igualmente, que ele, o homem, é fruto de um tempo histórico presente em um complexo contexto social. Sendo assim, está sujeito a várias matrizes culturais, nas quais é chamado a responder às expectativas e deman- das sociais próprias dessa realidade em que está inserido. Os compromissos funda- mentais da educação passam a ser aqueles nos quais o foco principal está centrado nos consagrados princípios de Delors (2003): aprender a ser, aprender a conviver, apren- der a aprender e aprender fazer. Isso significa afirmar o quanto é importante assumir como princípio fundante a formação integral do indivíduo e sua autêntica atuação na vida em sociedade. Todo e qualquer pressuposto de compromisso com a educação que tenha como ponto de partida e chegada o pressuposto teórico/prático, enquanto for- ma de contemplação e reflexão sobre a ação, corre um sério risco de ficar apenas no campo do ideal e se afastar da realidade vivida na sociedade. A Unesco, preocupada com os desafios do mundo contemporâneo, organizou, no final da dé- cada de 1990, um texto contendo questões fundamentais para orientar a educação no século XXI (DELORS, 2003). Sempre que se toma como referência a educação e sua relação com a socieda- de, o senso comum é unânime em afirmar que é necessário e importante que esse diá- logo aconteça e se estabeleça de maneira profícua e atuante. Nesse sentido, há uma complexidade inerente a todo e qualquer projeto educativo. Por isso, a ação educativa Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 27 tem uma intencionalidade e, quando falamos na perspectiva de uma formação inte- gral, defendemos o princípio de que ela cumpre seu papel quando possibilita ao in- divíduo pensar e agir livremente em sintonia com a leitura de um mundo do qual ele participa como agente proativo, portanto, apto a refletir e agir sobre e com o mundo. Esta é uma ação complexa, pois envolve uma dimensão que vai além das instituições estabelecidas pela e na sociedade. Isso significa afirmar que não é uma tarefa fácil, pois necessita repensar os valores que, ao longo da história, se constituíram marcas de um legado da tradição. A educação enquanto um processo amplo de inserção do homem no mundo da vida, entre seus muitos objetivos, tem por princípio desenvolver nele suas capacida- des de sociabilidade, ou seja, agir e interagir entre os outros. A sociabilidade e a ra- cionalidade, presentes nessa perspectiva, permitem que as potencialidades humanas sejam colocadas a serviço dos outros. Um dos aspectos importantes, do ponto de vis- ta antropológico, é entender o homem em toda sua complexidade, diferenças e singu- laridades. Para atingir tais pretensões, é necessário percorrer a história da civilização e encontrar as diversas culturas que, de forma direta ou indireta, colaboraram para a for- mação de nossa identidade. Para Marconi e Presotto (2014), é fundamental compreender que essas culturas, por mais simples ou complexas que sejam, contribuem para o despertar das potenciali- dades do homem: criatividade, convivência com as diferenças, tolerância etc. Isso per- mite ao homem, enquanto indivíduo, viver a vida em toda sua inteireza criativa. Não há limites para a potencialidade humana, basta que ele se abra para o mundo. Nesse contexto, ele se depara com crenças, mitos, culturas diversas e plurais, ideologias e modos de pensar a vida, tradições e costumes, legados familiares, violência, solidarie- dade, desigualdade e justiça. Todos esses elementos e situações estão presentes na vida do homem e, por isso mesmo, influenciam no despertar de suas características individuais e na descoberta constante de suas potencialidades. Para Roberto da Matta (1987), essas potencialida- des se evidenciam a cada encontro com as demais culturas, em que podemos nos de- parar com as diferenças que, somadas às nossas, permitem ao homem se “reinventar”. Com isso, podemos concordar com Nobert Elias (1994) e outros estudiosos: o homem tende a encontrar novos sentidos e significados para sua vida em sociedade. As poten- cialidades humanas são inúmeras e sua capacidade de se adaptar a novas realidades parte de sua intensa e complexa descoberta de si, do outro e do mundo. Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 28 1.4 Antropologia e educação O nosso desafio agora é tornar explíci- ta a indissociabilidade entre antropologia e Educação. A leitura do mundo e das pessoas se insere nesse processo de descoberta do ho- mem e de seu real papel na vida em socieda- de. Essa ação educativa revela a identidade e a diferença própria de cada um e a riqueza da pluralidade da vida em sociedade. 1.4.1 O lugar da antropologia no contexto educacional Ao estabelecer as especificidades desses campos do saber e suas possíveis inter- faces, é possível concluir que há uma interdependência necessária e fundamental entre a antropologia e a educação. Para Adorno (1999), a educação cumpre seu papel quan- do emancipa o homem e o torna autônomo. Encontrar um lugar para a educação com esse propósito é possível se igualmente entendermos que todo processo da evolução humana precisa encontrar seu espaço no contexto educacional. Algumas das questões fundamentais a serem respondidas nessa perspectiva são: • Qual o espaço, no atual contexto educacional brasileiro, dedicado ao conheci- mento e aprofundamento das diversas visões de mundo presentes nas culturas indígenas e afro-brasileiras? • Quais os conceitos fundantes da humanidade a partir da evolução do homem no percurso de sua história? Poderíamos ainda elencar outros questionamentos que revelariam a importância e o momento em que a antropologia se torna uma das ciências que ajudariama melhor compreender o homem em todo seu processo evolutivo. O contexto educacional, normalmente, trata dessas questões de forma “peri- férica”, sem a necessária compreensão das leituras presentes no mundo ao longo do processo de humanização da sociedade. Para o antropólogo e educador Darcy Ribeiro (2015), é necessário que a educação, em sua concepção mais ampla, conduza o proces- so de resgate da memória dos povos para que o legado da tradição não seja perdido em nome do progresso e do cientificismo prático que tenta homogeneizar a ação hu- mana aniquilando a riqueza cultural presente em cada geração distinta de povos. © T is ch en ko Ir in a // Sh ut te rs to ck Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 29 1.4.2 O lugar da educação no contexto antropológico A educação, como já foi abordada, tem em sua raiz a necessidade de “conduzir” e, ao mesmo tempo, de “seduzir” o homem a viver em sociedade. Não se trata apenas de uma tarefa de transmissão de conteúdos que precisam ser “decorados” ou “decodifica- dos” pelo homem, mas de uma profunda reflexão sobre “quem ele é” e para qual futuro desejamos que ele projete a sociedade. Viver a pluralidade da riqueza das diferenças exi- ge um esforço de encontrar no contexto antropológico a inserção do homem na vida em sociedade, desde seu estilo de vida primitiva até o momento tecnológico dos dias de hoje. Torna-se, portanto, necessário para o con- vívio social perceber, em cada manifestação de um povo, o que agregamos e o que segregamos em nosso mundo contemporâneo. Como ciên- cia relativamente nova destinada, no século XIX, a compreender os processos de aculturação do homem à vida industrial, a antropologia decla- ra sua preocupação com as estruturas de pen- samento, cultura, linguagem, mito e tradições com que as diversas manifestações do legado da tradição conduziram e formaram o modo de viver em sociedade. Para Elias (1994, p. 56), essa tarefa exige, antes de tudo, compreender que as re- lações entre os homens se dá de maneira natural e que, portanto, a história necessita ser constantemente revisitada, pois o “[...] indivíduo só pode ser entendido em termos de sua vida em comum com os outros. A estrutura e a configuração do controle com- portamental de um indivíduo dependem da estrutura das relações entre os indivíduos”. 1.4.3 A ação educativa como condição humana Todo processo educativo pressupõe uma ação do homem na sociedade. A refle- xão teórica e fundamentada no argumento da intencionalidade educativa está bem próxima do que nós denominamos “civilização da cultura” e do projeto exercido pela educação em sua ação sobre o mundo. A barbárie e a cultura permitem que esse pro- cesso de aculturação possa ser constantemente revisitado como forma de compreen- der como esse homem age em sociedade. Arendt (2005), cientista política e filosófica do século XX, utiliza-se da expressão “condição humana” para aprofundar a ação do homem “em concerto com o mundo”, ou seja, há uma pluralidade sempre emergente que alimenta a esperança do diálogo entre as diferenças presentes na singularidade humana. Este parece ser o papel funda- mental para a efetivação da ação do homem no mundo. Para agir, é preciso entender o © Y ut ta sa k Ja nn ar on g // Sh ut te rs to ck Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 30 legado do homem no mundo, desde as pinturas nas cavernas, sua condição de sobrevi- vência, da demarcação de seu território, de sua submissão e busca da liberdade. A trilogia sempre presente nas sociedades – barbárie, civilização e cultura – exi- ge uma valorização cada vez mais forte no mundo. A ação educativa deve se centrar nessa perspectiva de tornar o cidadão cada vez mais próximo da realidade e dese- jar transformá-la. Nesse processo ininterrupto de releitura do mundo, há sempre de se ter presente a condição humana que é dotada de vontade, instinto e razão. A sociabilidade humana e sua vocação à alteridade é o princípio fundante para um proje- to que seja capaz de pensar o outro como um complemento do “meu ser pessoa”. Não há projetos exitosos se não estivermos aptos a buscar a nossa identidade e encontrar no outro a diferença que me completa. 1.4.4 Identidade e diferença Iniciamos este capítulo apresentando a natu- reza conceitual que norteia os caminhos de qual- quer ação na qual o homem está envolvido. Suas concepções sobre o mundo, a vida, a natureza e os outros passam pelo crivo de uma matriz refe- rencial que determina sua postura frente a qual- quer desafio e projeto social. Concluímos que qualquer conceito, para ser mudado, modificado ou adaptado, precisa, antes de tudo, de uma outra matriz referencial. No entender de um filósofo da ciência, Thomas Khun (2006), um paradigma só pode ser alterado com o aparecimento de um outro que res- ponda às necessidades de um contexto cultural diverso. A antropologia, como uma ciência que estuda o homem, precisa, por isso mesmo, dialogar com o mundo que cada vez se apresenta de forma diversa e complexa. Desse modo, o caminho mais pro- pício para se encontrar o elo entre o homem e o mundo é apostando nas ciências da educação, cujo compromisso passa a ser tornar possível e claro o legado da tradição e preparar os indivíduos para viverem plenamente a vida em sociedade. Para isso, tor- na-se imprescindível compreender a natureza e as potencialidades desse indivíduo: sua identidade e diferença. A identidade, de acordo com o senso comum, pode ser resumida como “aquele que é diferente do outro”. Somos únicos, diferentes e singulares. Cada época se mos- tra e confirma essa constatação da diferença que surge a cada conceito novo de mun- do. O processo evolutivo da sociedade é revelador dessa mudança não apenas de comportamento social, mas na forma de pensar, agir e interagir com o mundo. © S an go ir i / / S hu tt er st oc k Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 31 Norbert Elias, em sua obra A Sociedade dos Indivíduos (1994), chega à constata- ção de que podemos atribuir a um fenômeno individual as ações isoladas que reforçam a ideia de que o ser humano é autônomo, correndo o risco de cair nas “armadilhas” co- muns do individualismo que anula as diferenças e tenta, sob o pretexto de aculturação, anular as diferenças pessoais, grupais, tribais, simbólicas. É a primazia de uma “iden- tidade-eu” sobre as outras identidades. Por outro lado, quando ultrapassamos as bar- reiras dessa “identidade-eu” para uma “identidade-nós”, aprendemos a conviver com as diferenças e, portanto, com a pluralidade, símbolo do respeito à dignidade do outro e do legado da cultura de cada povo, grupo, etnia etc. Identidade e diferença não são opostas, mas complementares. Ao pensar o fenômeno educativo em seus pressupostos antropológicos, verifica- mos que o ponto de partida é sempre pensar a partir de uma matriz referencial, princi- palmente por ser ela a responsável pela construção e elaboração de nossos conceitos. O mundo, cada vez mais dinâmico e globalizado, exige de cada ser humano o esfor- ço pessoal para compreender como podemos agir em sintonia conosco, com o outro e com a sociedade. Consequentemente, foi necessário resgatar os princípios fundan- tes da educação e sua inevitável proximidade com o mundo e os outros. Ao afirmar que vivemos em um mundo plural, condicionamos (positivamente) o homem a viver na companhia dos outros. Esta é uma exigência da natureza humana e que constitui sua identidade de ser pessoa presente no mundo. Referências ADORNO, T. W. Textos Escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Pensadores). ARENDT, H. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2005. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética. Seleção de textos de José Américo Motta Pessanha. 7. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Pensadores. v. 2.) BOAS, Franz. Antropologia Cultural. Trad. Celso Castro. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. CASTELLS, M. Redes de Indignação e Esperança: movimentossociais na era da internet. São Paulo: Jorge Zahar, 2013. DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 2. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC/ Unesco, 2003. DUBY, G. Ano 1000 ano 2000: na pista de nossos medos. São Paulo: Unesp, 1998. (Prismas). ELIAS, N. A Sociedade dos Indivíduos. 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São Paulo: Edusc, 1999. 2 Cultura, educação e escola em perspectiva antropológica A cultura, enquanto cultivo e cuidado, está diretamente vinculada ao legado dei- xado pelo homem às gerações futuras. Ao entramos em contato com o mundo, este já estava construído e, portanto, pronto para ser habitado por nós na companhia dos ou- tros. Pensando nisso é que nos propomos a analisar o papel maior da educação e seu espaço privilegiado: a escola. Entender a escola em uma perspectiva antropológica é dar a oportunidade de repensar o ser estar no mundo e, por conseguinte, contribuir para a emancipação do sujeito. 2.1 O processo civilizatório Ao longo de toda a trajetória da sociedade, o homem busca incessantemente en- contrar respostas para as questões fundamentais da vida humana. Encontrar um lugar seguro para morar, conviver e estabelecer relações com os outros e o mundo passou a ser seu caminho em busca da felicidade. Torna-se fundamental compreender como se processou, ao longo da história da humanidade, tal caminho que começa em sua con- cepção mais primitiva, a denominada sociedade da barbárie, passando pelas “primeiras civilizações” até a necessidade e importância da comunicação, acreditando ser possível renovar, constantemente, o papel da educação nessa construção social. Isso significa iniciar um processo de construção mental, portanto teórico, que nos faz pensar de for- ma binária (certo/errado, bem/mal, verdadeiro/falso), atribuindo o valor da civilização por seu oposto: a barbárie, do ponto de vista antropológico, nos interessa perceber o quanto essas teorias reforçam a forma dualista (civilização x barbárie) de pensar do ser humano e como elas impactam o modo dele agir e viver em sociedade. 2.1.1 A sociedade da barbárie Convencionou-se conceituar como bar- bárie toda atividade humana na qual estão presentes ações que envolvem a autopre- servação individual ou de natureza em que o instinto age de forma mais forte sobre a racionalidade e a sociabilidade humana. Normalmente se atribui tal comportamento à situação do homem primitivo que precisa- va, para sobreviver, viver do que a natureza poderia lhe proporcionar e, tal como um predador, disputava com seus pares alimento e tudo que lhe proporcionasse melhores © N ic ol as P ri m ol a // Sh ut te rs to ck Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 34 condições de sobrevivência. Seria a barbárie uma condição natural presente na essên- cia humana? É possível atribuir à barbárie uma “espécie” de transgressão à ordem? Se formos buscar a raiz etimológica da palavra, é natural que encontremos razões para acreditar nesses questionamentos. A história, durante muito tempo, foi contada pelos sujeitos que tinham o controle da vida em sociedade e, por razões que envolvem poder e cultura, a historiografia definiu os hominídeos como os homens sem histó- ria. Por isso, eles foram rotulados como primitivos, bárbaros, ou, em outras palavras, homens sem civilização. A história nos mostra como esse conceito de barbárie era per- cebido pelos povos antigos: os gregos se referiam a todos os que não pertenciam à pólis como bárbaros; os romanos atribuíam a ruína do império aos povos vindos de ou- tras regiões e a estes a história denominou de bárbaros. Essa constatação, muito comum nas leituras apressadas do tempo histórico, pode nos levar a pensar sempre como negativa a presença da diversidade e rotular como bárbaro todo aquele que ousar viver em um universo destoante da cultura formalmen- te aceita e entendida como legítima. No entanto, há outra forma de pensar a civiliza- ção como uma sociedade agregada à barbárie. O que isso significa? A evolução é um processo contínuo e possível de se atingir se admitirmos a pluralidade e a riqueza pre- sentes nas diversas culturas. Para entender esse processo, precisamos, antes de tudo, incluir a barbárie como própria da sociedade humana. O argumento que podemos levantar é que, aos poucos, esses “homens solitários” foram se agrupando e aprendendo a conviver. Com isso, houve um processo de ocu- pação dos espaços previamente demarcados, estruturados e organizados pela própria natureza instintiva dos homens. A tensão, própria da convivência, cedeu espaço para que os costumes, as tradições e a própria necessidade de subsistência organizassem um espaço social de convivência. A partir desse momento, instaura-se um processo de sedentarização dos gru- pos sociais, uma condição nômade da sociedade, ou seja, os homens se agruparam em lugares nos quais era possível sobreviver à fome, às intempéries do tempo às adver- sidades naturais. Enquanto a natureza pudesse prover o sustento, o homem ali perma- necia. Será esta a condição da barbárie ou própria da condição humana? O que queremos afirmar é que, para as discussões no campo da antropologia, tal como apresentou Wolff (2004), é possível que a civilização conviva com a barbárie. Isso não se remete somente à condição primitiva, mas também aos movimentos que percebemos na sociedade contemporânea. Para compreender melhor esse argumento, vamos partir das primeiras civilizações e tentar entender como se deu esse processo de aculturação e assimilação do outro. Fundamentos da educação: a PersPectiva antroPológica 35 2.1.2 As primeiras civilizações Para iniciar este tema, pode-se partir do conceito do antropólogo francês Lévi- Strauss (2013) de que, a partir do momento em que os homens, ao se organizarem, estabelecem normas e regras de convivência e, dessa forma, a cultura se instaura, ini- cia-se um processo civilizatório. Para nos remeter ao passado, em que se convencio- nou dividir em algumas fases o processo de civilização cultural do homem. Para Hoebel e Frost (1999), não é possível entender esse movimento se não partirmos dessas ori- gens nas quais se pode observar tanto o aspecto da evolução biológica quanto cultural. Podemos resumir esses períodos culturais, presentes nas primeiras civilizações, no seguinte quadro conceitual: Primeiras civilizações Etapa Período (+/-) Característica Curiosidade Paleolítico (Inferior/Médio/ Superior) 500 a 10 mil anos (a.C.) O homem predador e, em alguns registros, prática de canibalismo. Nesse período, evidencia-se o pro- cesso de produção de recursos de sobrevivência. Mesolítico 12 a 10 mil anos (a.C.) Técnica do aprimoramen- to das pedras lascadas. A invenção da canoa, utilização de palafitas. Neolítico 10 mil (a.C.) Pedra polida. Início do processo de “ocupação” das terras com o cultivo de alimentos. Fonte: MARCONI, 2010, p. 49. (Adaptado). Estas são as clássicas divisões e nelas po- demos inserir as diversas matrizes de ocupação civilizatória até chegar à escrita que, segun- do registros, podemos datar aproximadamen- te de 3.000 a.C. É possível afirmar que essas civilizações marcam um período importante de ocupação e desenvolvimento das primeiras or-
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