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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Quadro Clínico ............................................................. 3 3. Etiologia e diagnóstico ............................................. 6 4. Tratamento ................................................................... 9 5. Hepatites Virais: etiologias e cursos da infecção ....................................................11 Referências Bibliográficas .........................................21 3HEPATITES VIRAIS 1. INTRODUÇÃO Existem 5 vírus principais relaciona- dos às hepatites virais, sendo eles es- sencialmente hepatotrópicos: são es- tes os vírus A, B, C, D e E. Entretanto, outros vírus podem cursar com hepa- tite como uma de suas manifestações sistêmicas, a exemplo do citomegalo- vírus, herpes vírus, Epstein-Barr, vari- cela, dentre outros. De maneira geral, devido à importância epidemiológica dos vírus A, B, C, D e E; bem como à importância etiológica destes na hepatite virais, quando falamos – e por “falamos”, quero dizer: profis- sionais de saúde, pesquisadores, e a comunidade científica no geral - em hepatites virais, geralmente es- tamos nos referindo a esses 5 vírus. CONCEITO! A hepatite viral é uma in- fecção que gera necroinflamação do fí- gado, com manifestações clínicas e la- boratoriais relacionadas à lesão hepática inflamatória. As hepatites virais representam a maior causa de hepatopatia aguda e crônica em nosso meio, tornando importante o domínio do médico ge- neralista sobre o assunto na prática clínica. Veremos, primeiramente, a apresen- tação das hepatites virais agudas e, em seguida, abordaremos cada um dos cinco tipos de hepatite viral, in- cluindo as formas crônicas. As hepatites virais agudas constituem um problema relevante de saúde pú- blica no Brasil. São infecções autoli- mitadas ou estágios da infecção que precedem a sua cronificação. Nesse contexto, veremos que podem ser causadas por cinco principais tipos de vírus, mas que as manifestações clínicas não são patognomônicas dessa enfermidade e que a distin- ção entre os cinco tipos de vírus é impossível de ser feita com base nos sinais e sintomas clínicos – em- bora alguns dados possam favorecer a suspeita de um ou outro tipo. 2. QUADRO CLÍNICO O quadro clínico das hepatites virais agudas é muito variável em sua in- tensidade e gravidade, podendo ser desde oligossintomáticos a quadros fulminantes requerendo transplante hepático. Por outro lado, consideran- do os cinco principais tipos de vírus mais precisamente identificados até agora como agentes causadores, não dá para distinguir clinicamente os cinco tipos de vírus, tornando difícil a identificação etiológica sem recorrer a exames laboratoriais. A hepatite viral aguda pode ter apre- sentação assintomática ou sinto- mática, anictérica ou ictérica ou, ainda, como formas colestáticas. Temos, primeiramente, a fase pré-ic- térica: os sintomas são inespecíficos, 4HEPATITES VIRAIS tais como mal-estar, astenia, febre, cefaleia, mialgia, diarreia ou obsti- pação, fadiga, náuseas, anorexia e leve dor em quadrante superior di- reito do abdome. Pode ainda incluir tosse, rinorreia e artralgia. Ou seja, dá para entender que esse período possui sintomas que não nos dizem lá muita coisa e são altamente ines- pecíficos. Esse período pré-ictérico dura geral- mente uma semana, podendo esten- der-se até três semanas. Algumas manifestações podem falar a favor de uma etiologia, como artralgia/artrite, urticária, glomerulonefrite, doença do soro e exantema sendo mais comuns na hepatite B. Além disso, a doença tende a apresentar-se de forma mais aguda na hepatite A e, mais insidiosa, na hepatite C. No entanto, lembre-se que são apenas tendências! Os anticorpos específicos tendem a aparecer nessa face pré-ictérica, os títulos virais são geralmente mais al- tos e as aminotransferases começam a se elevar. SE LIGA! É importante ressaltar que essa fase pré-ictérica pode acabar du- rando por todo o curso da infecção agu- da, em formas subclínicas ou anictéricas de hepatite aguda. A forma anictérica é muito frequente, então é importante que a gente não se limite a desconfiar de hepatite viral apenas quando o quadro evolui para icterícia, ok? O início de urina com coloração escura marca o início da fase ictérica. Nessa fase, a icterícia surge e a náusea e a fadiga se agravam. As fezes podem ficar esbranquiçadas nos casos de icterícia grave e pode haver prurido. Anorexia, disgeusia e perda ponderal podem estar presentes. Ao exame físico, geralmente, há icte- rícia e dor à palpação de hipocôndrio direito; e a hepatomegalia e espleno- megalia podem estar presentes nos casos mais graves. Exames laborato- riais mostram hiperbilirrubinemia, - à custa de bilirrubina conjugada – e as aminotransferases estão elevadas em mais de dez vezes o limite superior da normalidade (LSN). Nessa fase, os ní- veis virais começam a decair no san- gue e no fígado. A duração dessa fase pode variar, bem como sua intensidade. Alguns dias até uma semana são geralmente os períodos de duração, podendo es- tender-se por quatro a oito semanas. Deve-se atentar para sinais de gravi- dade, como mudança no comporta- mento e no ritmo de sono e prolon- gação do tempo de protrombina, que podem sugerir insuficiência hepática aguda e sinalizam evolução para for- ma fulminante. Na fase de convalescência, a recu- peração geralmente dá os primei- ros sinais com o retorno do apetite, normalização sérica de bilirrubinas e aminotransferases e depuração viral. 5HEPATITES VIRAIS A maioria dos pacientes evolui para cura, em particular nas hepatites A e E. Porém, 55% a 80% dos casos de hepatite C e 2% a 10% dos adultos com hepatite B irão evoluir para for- ma crônica – além disso, no caso da hepatite B, 95% dos recém-nascidos e 20% das crianças irão evoluir para forma crônica. Complicações da infecção aguda são cronificação, insuficiência he- pática fulminante, hepatite recor- rente ou colestática e síndromes extra-hepáticas. A forma fulminante ocorre em 1% a 2% dos casos, mais frequentemente nas formas B e D, e menos frequentemente na C. Deno- mina-se fulminante quando desen- volve-se encefalopatia hepática, por isso deve-se ficar atento aos padrões de comportamento e do sono. Quan- do icterícia e prurido intenso estão presentes, podem indicar padrão co- lestático, que geralmente regride com o tempo. QUADRO CLÍNICO Fase pré-ictérica • Retorno do apetite • Normalização sérica de bilirrubinas • Depuração viral • Redução tansaminases • Cura: • Hepatite A e E • Hepateite C (20 a 45%) • Hepatite B (90 a 98%) – Em RN 95% irão cronificar e em crianças 20% irão cronificar Fase ictérica • Hepatite anictérica • Formas subclínicas Convalescência Títulos virais mais altos Antircorpos específicos surgem Início da elevação de transaminases Sintomas inespecíficos • Mal-estar • Astenia/Fadiga • Febre • Cefaleia • Mialgia • Diarreia/Obstipação • Náuseas • Anorexia • Dor QSD abdome • Síndrome colestática • Acolia fecal • Colúria • Icterícia • Agravamento da náusea e fadiga • Dor em HCD à palpação • Pode haver hepato/ esplenomegalia • Elevação franca de transaminases • Niveis virais decaem 1 a 3 semanas Sem aparecimento de sintomas colestáticos Dias a semana (até 08 semanas) 6HEPATITES VIRAIS O fator prognóstico mais confiável é o grau de prolongamento do tempo de protrombina. Outros sinais que indicam mau prognóstico incluem: progressão persistente da icterícia, ascite e diminuição do tamanho do fígado. Aminotransferases e carga viral têm pouco valor prognóstico. A avaliação minuciosa é de grande valor nesses pacientes: precisamos saber a área de procedência, conta- to com portadores, exposição a indi- víduos infectados e fatores de risco – como transfusão ou procedimen- to invasivo prévios, quadro anterior de icterícia, imunodeficiências, do- enças de base, medicamentos em uso,comportamento sexual e uso de drogas devem ser investigados. O exame físico deve avaliar estado nutricional, sinais periféricos de he- patopatia (como teleangiectasias e eritema palmar), características físi- cas do fígado (tamanho, forma, tex- tura, etc) e do baço (se palpável), presença de ascite, edema ou circu- lação colateral. Escoriações na pele podem indicar que paciente teve prurido intenso. Na hepatopatia aguda, temos um fí- gado doloroso, elástico, homogêneo e com bordas lisas. Muito infrequente- mente, haverá esplenomegalia, ede- ma ou ascite. 3. ETIOLOGIA E DIAGNÓSTICO Todos os cinco tipos de hepatite po- dem apresentar a forma aguda. As hepatites A e E são os dois tipos que nunca se tornam crônicos; enquan- to as hepatites B, C e D apresentam uma fase aguda inicialmente e, pos- teriormente, podem evoluir para a for- ma crônica. Vamos falar de cada um desses tipos posteriormente. Mas, no geral, o diagnóstico da etiologia é fei- to a partir da presença de marcadores sorológicos virais e de anticorpos. O diagnóstico da hepatite viral agu- da ocorre a partir do quadro clínico do paciente e da demonstração labora- torial de infecção aguda por vírus da hepatite. Como não existe um sinal patognomônico da doença, cabe ao profissional, diante de um quadro clínico sugestivo, suspeitar da do- ença e buscar confirmação labora- torial. O diagnóstico laboratorial se baseia na elevação das transaminases – que indica lesão dos hepatócitos – e da bilirrubina; na positividade dos mar- cadores sorológicos e, em algumas situações, no tempo de protrombina, albumina, fosfatase alcalina, leuco- grama e sumário de urina. O diagnóstico etiológico é feito pela presença dos marcadores virais. Al- 7HEPATITES VIRAIS guns exames podem ser necessários para diagnóstico diferencial, como do- sagem de autoanticorpos séricos, co- bre, ceruloplasmina, alfa-1-antitripsi- na e cobre urinário de 24 horas, além de afastar lesão hepática por drogas. A história, epidemiologia e uso de medicamentos do paciente ajudam a favorecer uma ou outra causa. As aminotransferases (AST e ALT) começam a se elevar antes mesmo do aparecimento dos sintomas, em ambas as formas ictérica e anictérica. Estão frequentemente elevadas em pelo menos 10 vezes o LSN, porém suas elevações não se correlacionam com a gravidade do quadro. As bilirrubinas conjugada e não-con- jugada se elevam na vigência da he- patite viral, com predomínio da forma conjugada. Essa elevação pode variar bastante, mas dificilmente ultrapas- sam os 20mg/dL. Nas formas coles- táticas, em indivíduos com insuficiên- cia renal ou com deficiência de G6PD, podem ultrapassar os 30mg/dL. Como os fatores de coagulação são, em sua maioria, produzidos pelo fí- gado, pode haver prolongamento do tempo de protrombina em casos de lesão grave. Na maioria dos casos, esse prolongamento não é significa- tivo; mas nas formas graves ou fulmi- nantes, pode prolongar-se bastante. Convém ressaltar que, ao contrário das aminotransferases, o tempo de protrombina tem valor prognóstico em quadros de hepatite aguda. A fosfatase alcalina se eleva discre- tamente, com exceção das formas colestáticas, em que o aumento é significativo. 8HEPATITES VIRAIS ETIOLOGIA E DIAGNÓSTICO Diagnóstico ↑ Transaminases Laboratorial Etiológico ↑ Bilirrubina + marcadores etiológicos Função hepática Leucograma Sumário de urina Marcadores virais Cobre Ceruplasmina Alfa-1-antitripsina Cobre urinário Afastar outras etiologias (ex. drogas, autoimune) Alanina aminotransferase (ALT ou TGP) Aspartato aminotransferase (AST ou TGO) Tempo de protrombina (TP) Albumina Bilirrubina Anti-VHA (IgG e IgM) AgHBs; AgHBc; AgHBe; Anti-HBs Anti-HCV Anti-HCV Anti-HDV (IgG e IgM) Anti-VHE (IgG e IgM) 9HEPATITES VIRAIS A biópsia do fígado não é recomen- dada, a menos que o diagnóstico permaneça confuso. Caso necessá- ria, achados histológicos compatíveis incluem inflamação generalizada e focos de necrose. As lesões das cé- lulas hepáticas predominam sobre as mesenquimais. Há infiltrado inflama- tório, com predomínio de linfócitos, macrófagos e histiócitos. Não há fi- brose, geralmente não é possível di- ferenciar dentre os cinco tipos virais pela histopatologia e colorações imu- no-histoquímicas para antígenos vi- rais são geralmente negativos. 4. TRATAMENTO O tratamento é feito no domicílio e baseado em medidas de suporte. Não há evidências de que restrição de atividade física seja necessária, bem como não há indicação de uma die- ta específica. Contudo, convém pedir que o paciente não realize atividades extenuantes e mantenha repouso relativo até a normalização das ami- notransferases, a partir da qual o pa- ciente já pode gradualmente retornar suas atividades físicas; e que a dieta seja de mais fácil aceitação, conside- rando que frequentemente há náuse- as e vômitos no início do quadro. Evitar analgésicos, sedativos, narcó- ticos e medicamentos em geral; bem como o álcool, que deve ser evitado mesmo em doses baixas. Se náuseas e vômitos estiverem muito intensos, antieméticos podem ser usados. No acompanhamento desses pacien- tes, deverá haver consulta de reava- liação, sendo as duas primeiras a cada 2 semanas. As consultas seguintes devem ter intervalo de 4 semanas entre si, com seguimento laborato- rial das aminotransferases, tempo de protrombina, bilirrubinas e albuminas, até que haja duas dosagens normais com intervalos de 4 semanas. Inicialmente, convém dosar também gama-GT, fosfatase alcalina e proteí- nas totais e frações, com repetições a cada 4 semanas, no máximo. Os critérios de alta são: remissão dos sintomas, com no máximo adinamia discreta e sintomas digestivos vagos; normalização das bilirrubinas; norma- lização do tempo de protrombina e normalização das aminotransferases (estas com intervalo mínimo de 4 se- manas). A hepatite C aguda tem algumas con- dições especiais que podem indicar início do tratamento. Falaremos disso mais adiante. Só devem ser hospitalizados os pa- cientes com vômitos muito intensos e queda significativa do estado geral; tempo de protrombina muito prolon- gado; bilirrubinas persistentemente muito elevadas (>15mg/dL a 20mg/ dL) ou se evoluir com encefalopatia hepática. 10HEPATITES VIRAIS TRATAMENTO TRATAMENTO Repouso relativo Tratamento ambulatorial Internamento hospitalar Dieta branda Evitar medicamentos em geral Evitar álcool Repetição de provas hepáticas Vômitos intensos TP muito alargado Bilirrubina persistentemente elevada Encefalopatia hepática 11HEPATITES VIRAIS Em casos fulminantes preconiza-se a transferência para UTI, preferencial- mente em centros que disponham de estrutura para transplante hepático. 5. HEPATITES VIRAIS: ETIOLOGIAS E CURSOS DA INFECÇÃO Hepatite A A hepatite A é um vírus de RNA, do gênero hepatovirus e da família Pi- cornaviridae. Sua transmissão é pela via fecal-o- ral, e a infecção ocorre de forma es- porádica ou em surtos. Quanto à sua epidemiologia, a distribui- ção desse vírus é mundial e os surtos epidêmicos resultam da contaminação de reservatórios de água e alimentos, es- pecialmente em condições de aglome- ração primária – como escolas, creches e prisões. Não à toa, a infecção é mais comum em crianças e adolescentes, e em regiões tropicais subdesenvolvidas. Embora a OMS classifique o Brasil como região de alta endemicidade, um inqué- rito nacional que avaliou o conjunto de capitais de cada macrorregião e o DF concluiu que a endemicidade observada era baixa ou intermediária. Com relação à fisiopatologia, o me- canismo de lesão hepática parece estar relacionado não à ação direta do vírus, mas como consequência da resposta imune do hospedei- ro contra antígenos expressos nos hepatócitos. O vírus se replica no fí- gado e é montado no citoplasma dos hepatócitos, sendo secretado na bile e no soro. O diagnóstico da hepatite A se baseia no quadro clínico e nas provas soro- lógicas evidenciandoinfecção aguda. Existem dois tipos de anticorpo re- lacionados ao vírus da hepatite A: o anti-VHA IgG e o anti-VHA IgM. A forma IgM marca a infecção aguda, aparecendo no soro logo no início da doença e tem seu pico em pou- cas semanas após o início dos sinto- mas. Em até cinco meses, metade dos infectados não têm mais a forma IgM detectável no sangue. A forma IgG pode ser detectada na fase aguda, mas na fase de convalescência se torna predominante, atingindo seu pico em 3 a 12 meses após o início da doença e persistindo por toda a vida. Figura 1, Marcadores sorológicos na hepatite A. Fonte: Clínica Médica – USP, Manole, 2017. 12HEPATITES VIRAIS Existe uma vacina contra a hepatite A, incorporada ao calendário nacional em 2014. São altamente seguras e geram soro conversão em 95% dos vacinados. Ou seja, um indivíduo an- ti-VHA IgG reagente pode tanto ter tido passado de infecção pela he- patite A quanto ter sido vacinado contra a doença. De qualquer for- ma, ele estará imune à infecção. Também existe a imunoglobulina, que pode ser usada logo antes da expo- sição ou logo após – até duas sema- nas após o contato. Ela não impede a infecção, mas suaviza as manifesta- ções clínicas. SE LIGA! importante ressaltar que, na sua história natural, a infecção pela he- patite A nunca se torna crônica. Hepatite B O VHB é o único vírus de DNA den- tre os cinco tipos que abordaremos aqui. Ele pode determinar um amplo espectro de doença, desde infecção aguda a infecção crônica. Essencial- mente, o maior determinante do cur- so da infecção é a idade do indiví- duo ao adquiri-la: cerca de 90% dos bebês e 30% das crianças infectados por transmissão vertical evoluirão para a forma crônica da doença, ao passo que apenas 5% a 10% dos adultos in- fectados terão essa evolução. A transmissão da hepatite B ocorre por contato sexual desprotegido, contato com sangue infectado – como em transfusões e compartilha- mento de seringas – e transmissão vertical. Quanto a sua fisiopatologia, seu DNA possui quatro fases de leitura, que co- dificam os genes para: o antígeno de superfície (gene S, HbsAg) – sendo o HbsAg marcador de infecção tanto aguda quanto crônica; antígeno-co- re (gene C, HbcAg); a polimerase do HBV (gene P) – importante alvo dos antivirais – e uma pequena proteína com funções transativadoras (gene x, HbxAg). Além disso, o gene C tem dois códons de iniciação, podendo produzir dois produtos diferentes: HbcAg, retido nas células hepáticas até a montagem e incorporados aos vírions; e o HbeAg, secretado no soro – por isso o HbeAg é um marcador de replicação viral. O vírus se replica predominantemen- te nos hepatócitos, podendo ocorrer sua replicação também nas células- -tronco do baço, pâncreas e medula óssea. O mecanismo de lesão hepá- tica não está relacionado a um efei- to citopático direto do vírus, mas à resposta imune dos hospedei- ros. Linfócitos T citotóxicos geram apoptose das células hepáticas in- fectadas, gerando a lesão. No período de incubação, detec- tam-se HbsAg, HbcAg e DNA do vírus no soro. Já no início da fase aguda, o anti-Hbc e as aminotrans- ferases também se elevam – an- 13HEPATITES VIRAIS ti-Hbc IgM está relacionado à fase aguda da infecção e tende a desapa- recer gradualmente, enquanto o anti- -Hbc IgG se eleva posteriormente no indivíduo infectado e permanece por toda a vida. Na fase de recuperação, o HbsAg declina e, posteriormente, o anti-Hbs aumenta, após o desa- parecimento do HbsAg. O anti-Hbs é um marcador de infecção passada ou curada, indicando imunidade ao vírus. Neste caso, o anti-Hbc irá diferenciar aqueles com infecção passada e com imunidade por vacinação: ele estará presente no primeiro caso e ausente no segundo. Figura 2. Marcadores sorológicos na hepatite B aguda sem cronificação. Fonte: Clínica Médica – USP, Manole, 2017. No que tange o diagnóstico da he- patite B, ele pode ser suspeitado em pacientes com sinais e sintomas e alterações bioquímicas no sangue, associados a um HbsAg positivo no soro. No entanto, esse marcador tam- bém está presente na infecção crôni- ca e pode indicar que, na verdade, o paciente já era portador e, por algum motivo, agudizou a hepatopatia. Por- tanto, a dosagem de Anti-Hbc IgM é importante: este marcador se eleva precocemente na infecção, desapa- recendo em 6 a 12 meses após o início da doença. Logo, se vier posi- tivo, fortalece a hipótese de hepatite B aguda. HbeAg, anti-Hbe, DNA do HBV e an- ti-Hbs não servem para o diagnóstico, mas são valiosos no prognóstico da doença: uma positividade do DNA ou HbeAg após 6 semanas do início dos sintomas indica provável cronificação da doença; enquanto o desapareci- mento de um desses indica evolução favorável. Já o desaparecimento do AgHbs e o surgimento de anti-Hbs indica recuperação, como falamos anteriormente. A hepatite B possui formas eficien- tes de prevenção: o uso da camisinha nas relações sexuais, descarte de se- ringas ou materiais perfurocortantes após o uso, realização do pré-natal e vacinação estão entre as principais formas de prevenção. A vacinação contra o vírus faz parte do calendário nacional de imunizações e está indi- cado em todos os neonatos, crianças e adolescentes, bem como adultos em risco de contrair HBV (profissio- nais de saúde, profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis, indiví- duos com comportamento sexual de risco, viajantes a regiões endêmicas 14HEPATITES VIRAIS e pessoas com contato próximo com indivíduos cronicamente infectados). A imunoglobulina está indicada em neonatos filhos de mães portadoras e pessoas com contato parenteral ou sexual desprotegido recente com pessoas infectadas. Dentre as complicações da hepatite B, destacamos aqui a cirrose, insufi- ciência hepática e o carcinoma he- patocelular. SE LIGA! Paciente infectado com hepa- tite B cronificou, e agora? Primeiramente, o paciente deve ser orientado quanto à prevenção da in- fecção pelo HBV em contatos pró- ximos: evitar compartilhar materiais perfurocortantes e utilizar camisi- nha nas relações sexuais. O paciente deve também ser orientado a seguir o acompanhamento e, se possível, abster-se do álcool. A partir daí, ini- ciamos as avaliações, identificamos casos em que o tratamento está in- dicado e, nessas situações, tratamos.] O paciente com hepatite B crônica irá necessitar de acompanhamento médico com consultas no mínimo 2 a 4 vezes ao ano. Além disso, alguns exames laboratoriais e de imagem se- rão necessários para avaliar o grau de acometimento hepático, sendo eles: Anti-HAV IgG Anti-HDV Anti-HCV Anti-HIV HbsAg/HbeAg/Anti-Hbs/Anti-Hbe Beta-HCG EDA Biópsia hepática ou elastografia hepática (esses com frequência individualizada) Hemograma INR TGO/AST e TGP/ALT Fosfatase alcalina/ gamaGT / bilirrubinas totais e frações Glicemia de jejum Proteína total/albumina TSH/T4L Na/K/Ureia/Creatinina Urina tipo 1 (EAS) Clearance de creatinina HBV-DNA Perfil lipídico Densitometria óssea Outros exames podem ser necessá- rios conforme indicação médica, ida- de e presença de cirrose. Os critérios de tratamento para hepa- tite B são mostrados a seguir: HbeAg reagente + ALT>2x LSN; Adulto com mais de 30 anos e HbeAg reagente; Paciente HbeAg não-reagente, HBV-DNA > 2.000UI/mL e ALT > 2x LSN. 15HEPATITES VIRAIS Outros critérios incluem: histórico fa- miliar de carcinoma hepatocelular, manifestações extra-hepáticas (artri- te, vasculites, glomerulonefrite, etc), coinfecção com HIV ou HCV, hepatite aguda grave, reativação da hepatite B crônica, cirrose/insuficiência hepática, biópsia hepática METAVIR > ou igual a A2F2 ou elastografia hepática > 7 kPa e prevenção para pacientes que receberão quimioterapia ou imunos- supressores. O tratamento da hepatite B crônica inclui o uso de inibidores de trans- criptase reversa, imunomoduladores e antivirais: entecavir, tenofovir e al- fapeguinterferona são as primeiras escolhas, sendo este últimoum re- gime alternativo reservado para os HbeAg reagente. Hepatite C A hepatite C é um vírus de RNA, per- tencente à família Flaviridae, e possui elevada diversidade genética, con- tando com alto número de genóti- pos. É epidemiologicamente relevan- te no contexto brasileiro, na medida em que pesquisas conduzidas a nível nacional demonstraram uma preva- lência de anti-HCV de 1,38% nas ca- pitais brasileiras. Sua transmissão ocorre principal- mente por contato parenteral, o que coloca os usuários de drogas e pa- cientes com exposições parente- rais as mais susceptíveis à infecção. A transmissão sexual ocorre, mas é muito incomum; já a transmissão ma- terno-infantil também é possível e fa- cilitada em casos de mães com alta carga viral, parto precoce e ruptura precoce das membranas. A hepatite C pós-transfusional, importante até a década de 90, se tornou rara após aprimoramento da testagem do san- gue. Quanto à sua fisiopatologia, vírus se replica intensamente no fígado e os linfócitos citotóxicos têm papel essen- cial na resposta imune, assim como na lesão hepática. Esses linfócitos geram diretamente os hepatócitos por apop- tose, semelhantemente ao que ocorre na hepatite B. A resposta imune, no entanto, é menos intensa, raramente resultando em hepatite fulminante. A evolução para a infecção crônica é muito frequente (de 55% a 80% dos casos). E fatores associados à maior taxa de cura são: idade menor que 40 anos, sexo feminino e fase aguda sin- tomática. O diagnóstico é sugerido a partir do quadro clínico e da presença do Anti-HCV no soro do paciente, mas este marcador não distingue entre a infecção aguda e crônica. Além disso, o anti-HCV é detectado de um a dois meses após a infecção, ou seja, pode estar negativo mes- mo em um quadro de infecção agu- da. O que fazemos, então? Usamos o RNA viral, que pode ser detectado pouco tempo após o contato, pelo mé- 16HEPATITES VIRAIS todo PCR. Este indica infecção ativa e replicação viral. Contudo, o RNA viral pode apresentar um padrão flutuan- te, vindo negativo e, posteriormente, positivo. Um dado importante é que sua persistência de 2 a 3 meses do início do quadro indicam alta probabi- lidade de cronificação. No caso da hepatite C aguda, aguar- damos 12 semanas após o início dos sintomas e, se a viremia persistir, ini- ciamos tratamento anti-viral – inter- feron convencional por 24 semanas. Nos casos em que houve diagnóstico e o indivíduo está assintomático, não se tendo ideia de quando ocorreu a infecção, inicia-se a terapia logo após o diagnóstico. Não há vacina contra hepatite C, tam- pouco imunoglobulina ou profilaxias pré e pós-exposição. Paciente com hepatite C aguda cronificou, e agora? Todos os pacientes com hepatite C crônica merecerão tratamento, mas uma avaliação é necessária antes do seu início, para classificar a hepatopa- tia e, assim, decidir o melhor regime. Logo, todo paciente com HCV deve passar por estadiamento da doença hepática, sendo a biópsia hepática é o exame padrão-ouro, mas havendo outros métodos de estadiamento – como o APRI, FIB 4, elastografia he- pática. Além disso, alguns exames comple- mentares devem ser pedidos a todos os pacientes infectados pelo HCV, tanto inicialmente quando no acom- panhamento ambulatorial. São eles: Teste rápido – HBV, sífilis e HIV Vacina para hepatite A e B Beta-HCG EDA em pacientes com evidência de doença avan- çada USG de abdome superior, na vigência de cirrose Biópsia hepática, elastografia hepática, APRI, FIB 4 (individualizar) Hemograma Coagulograma Na/K Ureia/creatinina (clearence estimado de creatinina) AST/TGO e ALT/TGP FA, GGT, bilirrubina total e frações Glicemia de jejum Proteína total/albumina Urina tipo 1 TSH/T4L HCV-RNA quantitativo Perfil lipídico E quais os critérios de inclusão para tratar os pacientes com HCV? Es- sencialmente, todo paciente com diagnóstico de HCV deve ser trata- do, caso não apresentem critérios de exclusão (idade <3 anos; pacientes oncológicos com cirrose child-pugh B 17HEPATITES VIRAIS ou C, ou cuja sobrevida estimada não ultrapasse 12 meses; pacientes com cirrose descompensada e indicação de transplante com MELD > ou igual a 20; pacientes cuja sobrevida não ultrapasse os 12 meses e pacientes com sensibilidade ou intolerância). E, por fim, quais os fármacos utiliza- dos para tratar a hepatite C? Alfapeginterferona, ribavirina, dacla- tasvir, sofosbuvir, ledipasvir/sofosbu- vir, elbasvir/grazoprevir, glecaprevir/ pibrentasvir, velpatasvir/sofosbuvir, alfaepoetina, flgrastim. O esquema e combinação de fárma- cos, doses e duração do tratamento irão depender do genótipo da hepa- tite C, dado que genótipos diferentes respondem de maneira distinta aos vários esquemas. O objetivo do tratamento é a respos- ta sustentada, caracterizada pela au- sência do RNA viral na 12ª ou 24ª semana de uso. A metodologia do exame deve ser pelo PCR, com limite de detecção de <12UI/mL. Vale res- saltar que a hepatite C não confere imunidade contra reinfecção, po- dendo o indivíduo infectar-se no- vamente pelo vírus. Hepatite D O vírus da hepatite D é um vírus de RNA de fita única, pertencente à fa- mília Deltaviridae e ao gênero delta- vírus. Trata-se de um vírus defectivo, o que significa que ele necessita do vírus da hepatite B para conseguir in- fectar o organismo, pois seu envelope é composto por lipídios e por antíge- nos AgHbs. Assim, ele necessita da presença dos AgHbs da hepatite B para conseguir sobreviver. A hepatite aguda causada por esse vírus tende a ser grave, evoluindo a óbito em 5% dos casos. No aspec- to fisiopatológico, a lesão decorre do efeito citopático direto do vírus e fre- quentemente evolui para cronicidade. No Brasil, a prevalência é elevada na região amazônica, ficando em torno de 1,7% da população estudada, mas praticamente nula no resto do país. Sua transmissão é, principalmente, pela via parenteral e sexual. Grupos de risco incluem usuários de drogas intravenosas, pessoas com contato sexual com portadores e portadores crônicos do VHB com hemofilia, em situação carcerária ou com compor- tamento sexual de risco. A infecção pode ocorrer em dois pa- drões: como coinfecção – em que o indivíduo se infecta simultaneamente pelo HDV e pelo HBV – e superin- fecção aguda do HDV em portado- res de HBV. Na maioria dos casos de coinfecção, a doença apresenta-se de forma aguda e benigna, com al- guns casos evoluindo para hepatite fulminante. O prognóstico é bom e, na maioria dos casos, há cura de ambas as infecções. Já os casos de superin- 18HEPATITES VIRAIS fecção, o vírus D já encontra no fíga- do infectado pelo HBV um ambiente propício para replicação, produzindo grave dano hepático. Por isso, geral- mente se manifesta como hepatite fulminante. Os principais marcadores são os An- ti-HDV IgG e IgM, que podem indicar infecção em andamento ou resolvida. Altos títulos sugerem replicação viral e se correlacionam com outros mar- cadores, como o AgVHD e RNA viral. Todos os pacientes portadores de hepatite delta são candidatos ao tra- tamento, que é composto por alfape- gintereferona 2ª e/ou um análogo de núcleos(t)ídeo (tenofovir ou enteca- vir) durante 48 semanas, podendo ser renovadas por mais 48 semanas. O objetivo do tratamento é o controle do dano hepático. Hepatite E A hepatite E se trata de um vírus de RNA, da família Caliciviridae. Sua principal forma de transmissão é pela via fecal-oral e sua ocorrência está re- lacionada a más condições de higiene e baixos níveis socioeconômicos. Na maioria dos casos, o curso é assin- tomático, ou insidioso e autolimitado. Em algumas populações especiais, é mais frequente que haja sintomas e curso mais grave, podendo culminar na forma fulminante. A hepatite E é outra forma de hepatite que não evolui para a infecção crôni- ca. Os testes sorológicos incluem An- ti-VHE IgG e IgM. Aquele representa infecção passada e pode persistir no soro por anos, enquanto este indicaforma aguda da doença [inserir box “hora da revisão”, com o se- guinte conteúdo: vamos agora, através das imagens abaixo, revisar os princi- pais conceitos e características das principais hepatites virais no contexto brasileiro: as hepatites A, B e C. Figura 3. Hepatites Virais: formas de transmissão. Fon- te: Clínica Médica – USP e Medicina Interna – Cecil. 19HEPATITES VIRAIS Hepatite A 70% a 80% dos adultos 2 doses (0, 6) Não cronifica Hepatite fulminante Hepatite B 30% 3 doses (0, 2, 6) 5% a 10% dos adultos Cirossse hepática Carcinoma celular Hepatite C 20% Não existe 70% a 85% Cirossse hepática Carcinoma celular Tabela 1. Hepatites Virais: características da infecção. Fonte: Clínica Médica – USP e Medicina Interna – Cecil. Figura 4. Hepatites Virais: marcadores sorológicos. Fonte: Clínica Médica – USP e Medicina Interna – Cecil. 20HEPATITES VIRAIS MAPA MENTAL RESUMO Hepatites virais Tratamento Etiológico Convalescência DiagnósticoFase pré-ictérica Fase ictérica Laboratorial Sumário de urina Leucograma Função hepática ↑ Bilirrubina + marcadores etiológico ↑ Transaminases Bilirrubina Albumina Tempo de protrombina (TP) Aspartato aminotransferase (AST ou TGO) Alanina aminotransferase (ALT ou TGP) Cobre urinário Alfa-1-antitripsina Ceruplasmina Cobre Marcadores virais Afastar outras etiologias (ex. drogas, autoimune) Anti-HDV (IgG e IgM) Anti-HCV Anti-HCV AgHBs; AgHBc; AgHBe; Anti-HBs Anti-VHA (IgG e IgM) Anti-VHE (IgG e IgM) Tratamento geral Específico Antieméticos se sintomático Repouso relativo Evitar álcool Evitar drogas hepatotóxicas Imunomoduladores Inibidores de transcriptase reversa Anti virais 21HEPATITES VIRAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GOLDMAN L., AUSIELLO D. Cecil: Medicina. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2009. Clínica Médica, volume 4:Doenças do Aparelho Digestivo, Nutrição e Doenças Nutricionais. – 2 ed. – Barueri, SP; Manole, 2016. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Contro- le das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2019. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite B e Coinfecções / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017. Hepatites virais : o Brasil está atento / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saú- de, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – 3. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2008. 22HEPATITES VIRAIS
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