Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
As hepatites são um conjunto de lesões necróticas e inflamatórias que acometem o fígado de modo difuso. Ela é resultado da ação de agentes agressores diversos e resposta do hospedeiro. A etiologia é bem variada, podendo ser causada por vírus, mas também por alguns medicamentos, distúrbios autoimunes e até transtornos metabólicos. Antes da descoberta dos vírus, a diferenciação dos tipos de hepatite só era possível pela observação do tempo de incubação da doença e pela forma provável de contágio. Assim, eram identificados apenas dois tipos de hepatite: • De transmissão fecal-oral • De transmissão sanguínea Na década de 1960, ao pesquisar proteínas do sangue, Blumberg observou, no soro de um australiano, a presença de um antígeno que denominou “antígeno Austrália”, hoje reconhecido como o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (AgHBs). Desde então, a rápida evolução da pesquisa científica possibilitou a descoberta de diferentes vírus capazes de causar hepatites na espécie humana. Nos anos de 1970, foram descritas as partículas do vírus da hepatite B, do vírus da hepatite A e da hepatite D. Na década de 1980, Choo descobriu o vírus da hepatite C e Balayan, o vírus da hepatite E. Com o isolamento dos diferentes vírus e a evolução dos estudos sobre a resposta imune contra eles, foram desenvolvidos testes de identificação para esses agentes infecciosos. Isso tornou possível o diagnóstico preciso dessas infecções. Nas hepatites virais, há vários vírus que podem causá-la, mas os mais importantes são os hepatotróficos, que possuem afinidade especial pelo fígado. Existem 5 vírus principais hepatotróficos relacionados às hepatites virais: A, B, C, D e E. As partículas virais são constituídas por uma molécula de ácido nucleico viral envolvida por uma estrutura proteica denominada capsídeo. HAV O HAV é um vírus de RNA com capsídeo formado pelo antígeno HAVAg. HBV HBV é o único cujo material genético é composto por DNA. Além disso, ele é revestido por duas camadas: H E P A T I T E S • Uma externa, chamada de envelope, constituída pelo AgHbs. • Uma interna, constituída pelo AgHbc. O HBV tem ainda, outra proteína associada ao seu core, o AgHbe – antígeno “e”. HCV É um vírus RNA que apresenta capsídeo e um envoltório mais externo, o envelope, de constituição lipoproteica. A infecção pelo HCV também leva à produção de anticorpos contra o vírus. A detecção desses anticorpos anti-HCV e do material genético viral são os marcadores para o diagnóstico da infecção pelo HCV. HDV O envoltório do HDV é constituído pelo AgHbs, que é o antígeno de superfície do vírus da hepatite B, do qual o HDV depende para penetrar na célula e se multiplicar. Por isso, a infecção pelo HDV está sempre associada à infecção pelo HBV. HEV O HEV é um vírus de RNA com capsídeo formado pelo antígeno HEVAg. DEFINIÇÃO A hepatite viral é uma infecção que gera necroinflamação do fígado, com manifestações clínicas e laboratoriais relacionadas à lesão hepática inflamatória. Ela pode estar relacionada a diversas causas, como o uso de alguns medicamentos, a intoxicação por defensivos agrícolas, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e a contaminação por agentes infecciosos. EPIDEMIOLOGIA As hepatites virais representam a maior causa de hepatopatia aguda e crônica em nosso meio, tornando importante o domínio do médico generalista sobre o assunto na prática clínica. As hepatites virais agudas constituem um problema relevante de saúde pública no Brasil. Os vírus das hepatites A, B e C são encontrados no mundo inteiro, com predominância maior ou menor, dependendo da região geográfica. A hepatite A é um vírus de RNA, do gênero hepatovirus e da família Picornaviridae, dos enterovírus. Sua transmissão é pela via fecal-oral, através da ingestão de água ou alimentos contaminados e a infecção ocorre de forma esporádica ou em surtos. Período de incubação: 2 a 6 semanas. EPIDEMIOLOGIA A distribuição desse vírus é mundial e os surtos epidêmicos resultam da contaminação de reservatórios de água e alimentos, especialmente em condições de aglomeração primária – como escolas, creches e prisões. Não à toa, a infecção é mais comum em crianças e adolescentes, e em regiões tropicais subdesenvolvidas. A precariedade das condições sanitárias em certas regiões favorece a transmissão do HAV. Embora a OMS classifique o Brasil como região de alta endemicidade, um inquérito nacional que avaliou o conjunto de capitais de cada macrorregião e o DF concluiu que a endemicidade observada era baixa ou intermediária. FISIOPATOLOGIA O mecanismo de lesão hepática parece estar relacionado não à ação direta do vírus, mas como consequência da resposta imune do hospedeiro contra antígenos expressos nos hepatócitos. O vírus se replica no fígado e é montado no citoplasma dos hepatócitos, sendo secretado na bile e no soro. DIAGNÓSTICO O diagnóstico da hepatite A se baseia no quadro clínico e nas provas sorológicas evidenciando infecção aguda. MARCADORES SOROLÓGICOS Existem dois tipos de anticorpo relacionados ao vírus da hepatite A: o anti-VHA IgG e o anti-VHA IgM. IgM: A forma IgM marca a infecção aguda, aparecendo no soro logo no início da doença e tem seu pico em poucas semanas após o início dos sintomas. Em até cinco meses, metade dos infectados não têm mais a forma IgM detectável no sangue. IgG: A forma IgG pode ser detectada na fase aguda, mas na fase de convalescência se torna predominante, atingindo seu pico em 3 a 12 meses após o início da doença e persistindo por toda a vida. PREVENÇÃO VACINA Existe uma vacina contra a hepatite A, incorporada ao calendário nacional em 2014. São altamente seguras e geram soro conversão em 95% dos vacinados. Ou seja, um indivíduo anti-VHA IgG reagente pode tanto ter tido passado de infecção pela hepatite A quanto ter sido vacinado contra a doença. De qualquer forma, ele estará imune à infecção. IMUNOGLOBULINA Também existe a imunoglobulina, que pode ser usada logo antes da exposição ou logo após – até duas semanas após o contato. Ela não impede a infecção, mas suaviza as manifestações clínicas. ATENÇÃO! infecção pela hepatite A nunca se torna crônica. Doença benigna e raramente tem curso fulminante (0,1% dos casos). O VHB é o único vírus de DNA dentre os cinco tipos. Ele pode determinar um amplo espectro de doença, desde infecção aguda a infecção crônica. Essencialmente, o maior determinante do curso da infecção é a idade do indivíduo ao adquiri-la: cerca de 95% dos bebês e 30% das crianças infectados por transmissão vertical evoluirão para a forma crônica da doença, ao passo que apenas 5% dos adultos infectados terão essa evolução. Período de incubação: 4 a 26 semanas. A transmissão da hepatite B ocorre por contato sexual desprotegido, contato com sangue infectado – como em transfusões e compartilhamento de seringas – e transmissão vertical (mãe – filho). FISIOPATOLOGIA Seu DNA possui algumas fases de leitura, que codificam os genes para: • antígeno de superfície (gene S, AgHbs) – sendo o AgHbs marcador de infecção tanto aguda quanto crônica; é o mais comumente utilizado para avaliação da infecção viral. Ele aparece desde antes das manifestações clínicas e se estende, em pacientes que não tem cronificação da infecção, por volta de 12 semanas. • antígeno-core (gene C, AgHbc); antígeno de difícil detecção no soro, mas pode-se utilizar os anticorpos reativos produzidos contra ele para a avaliação do antígeno (anti-Hbc). • polimerase do HBV (gene P) – importante alvo dos antivirais, terapêutico. • e uma pequena proteína com funções transativadoras (gene X, AgHbx), chamada proteína transformadora. Além disso, ogene C tem dois códons de iniciação, podendo produzir dois produtos diferentes: • AgHbc, retido nas células hepáticas até a montagem e incorporados aos vírions; • e o AgHbe, secretado no soro – por isso o AgHbe é um marcador de replicação viral para quadros de cronificação. O vírus se replica predominantemente nos hepatócitos, podendo ocorrer sua replicação também nas células-tronco do baço, pâncreas e medula óssea. O mecanismo de lesão hepática não está relacionado a um efeito citopático direto do vírus, mas à resposta imune dos hospedeiros. Linfócitos T citotóxicos geram apoptose das células hepáticas infectadas, gerando a lesão. DETECÇÃO DOS MARCADORES PERÍODO DE INCUBAÇÃO: detectam-se AgHbs e DNA do vírus no soro. O primeiro marcador a ser detectado é o DNA viral. AgHbs é o primeiro que circula, aparecendo aproximadamente um mês após a exposição e desaparecendo cerca de 6 meses para as infecções com cura. INÍCIO DA FASE AGUDA: detectam-se anti-Hbc e as aminotransferases. Após o AgHbs aparece o anti-HBc IgM (dois marcadores de infecção aguda). O anti-HBc IgG aparece em seguida e pode ser detectável por muitos anos após a doença. Neste mesmo período agudo aparece o AgHbe, que indica replicação viral. Aqui também estão aumentados os níveis de alanina aminotransferase, enzima que indica lesão no fígado. • anti-Hbc IgM está relacionado à fase aguda da infecção e tende a desaparecer gradualmente • anti-Hbc IgG se eleva posteriormente no indivíduo infectado e permanece por toda a vida. FASE DE RECUPERAÇÃO: detectam-se anti-Hbs Após o desaparecimento dos antígenos, surgem os anticorpos. o AgHbs declina e, posteriormente, o anti-Hbs aumenta, após o desaparecimento do AgHbs. • anti-Hbs é um marcador de infecção passada ou curada, indicando imunidade ao vírus, seja também pela vacinação. É produzido por volta de 12 semanas após a infecção inicial e dura por toda vida. Neste caso, o anti-Hbc irá diferenciar aqueles com infecção passada (presente) e com imunidade por vacinação (ausente). FORMAS CLÍNICAS FASE AGUDA: pacientes podem ser assintomáticos, sintomatologia aguda (35% dos casos) e hepatite fulminante (<1% dos casos). FASE CRÔNICA: apenas 5 a 10% dos pacientes evoluem para casos grave, e desses 20 a 30% podem apresentar cirrose e 2 a 3% carcinoma hepatocelular. DIAGNÓSTICO Pode ser suspeitado em pacientes com sinais e sintomas e alterações bioquímicas no sangue, associados a um AgHbs positivo no soro. No entanto, esse marcador também está presente na infecção crônica e pode indicar que, na verdade, o paciente já era portador e, por algum motivo, agudizou a hepatopatia. Portanto, a dosagem de Anti-Hbc IgM é importante: este marcador se eleva precocemente na infecção, desaparecendo em 6 a 12 meses após o início da doença. Logo, se vier positivo, fortalece a hipótese de hepatite B aguda. AgHbe, anti-Hbe, DNA do HBV e anti-Hbs não servem para o diagnóstico, mas são valiosos no prognóstico da doença: • positividade do DNA ou AgHbe após 6 semanas do início dos sintomas indica provável cronificação da doença • desaparecimento do DNA ou AgHbe após 6 semanas do início dos sintomas indica evolução favorável • desaparecimento do AgHbs e o surgimento de anti-Hbs indica recuperação. PREVENÇÃO A hepatite B possui formas eficientes de prevenção: • o uso da camisinha nas relações sexuais • descarte de seringas ou materiais perfurocortantes após o uso • realização do pré-natal e vacinação VACINA A vacinação contra o vírus faz parte do calendário nacional de imunizações e está indicado em todos os neonatos, crianças e adolescentes, bem como adultos em risco de contrair HBV, como: • profissionais de saúde • usuários de drogas injetáveis • com comportamento sexual de risco • viajantes a regiões endêmicas • pessoas com contato próximo com indivíduos cronicamente infectados IMUNOGLOBULINA A imunoglobulina está indicada em neonatos filhos de mães portadoras e pessoas com contato parenteral ou sexual desprotegido recente com pessoas infectadas. COMPLICAÇÕES Dentre as complicações da hepatite B, destacamos aqui a cirrose, insuficiência hepática e o carcinoma hepatocelular. CASO CRÔNICO Primeiramente, o paciente deve ser orientado quanto à prevenção da infecção pelo HBV em contatos próximos: evitar compartilhar materiais perfurocortantes e utilizar camisinha nas relações sexuais. O paciente deve também ser orientado a seguir o acompanhamento e, se possível, abster-se do álcool. A partir daí, iniciamos as avaliações, identificamos casos em que o tratamento está in- dicado e, nessas situações, tratamos. O paciente com hepatite B crônica irá necessitar de acompanhamento médico com consultas no mínimo 2 a 4 vezes ao ano. Além disso, alguns exames laboratoriais e de imagem serão necessários para avaliar o grau de acometimento hepático, como: Outros exames podem ser necessários conforme indicação médica, idade e presença de cirrose. TRATAMENTO Os critérios de tratamento para hepatite B são: Outros critérios incluem: • histórico familiar de carcinoma hepatocelular • manifestações extra-hepáticas (artrite, vasculites, glomerulonefrite etc.) • coinfecção com HIV ou HCV • hepatite aguda grave • reativação da hepatite B crônica • cirrose/insuficiência hepática • biópsia hepática METAVIR > ou igual a A2F2 ou elastografia hepática > 7 kPa • prevenção para pacientes que receberão quimioterapia ou imunossupressores. O tratamento da hepatite B crônica inclui o uso de: • inibidores de transcriptase reversa • imunomoduladores e antivirais: entecavir, tenofovir e alfapeguinterferona são as primeiras escolhas, sendo este último um regime alternativo reservado para os AgHbe reagente. A hepatite C é um vírus de RNA, pertencente à família Flaviridae, e possui elevada diversidade genética, contando com alto número de genótipos. PERÍODO DE INCUBAÇÃO: 15 a 150 dias EPIDEMIOLOGIA É epidemiologicamente relevante no contexto brasileiro, na medida em que pesquisas conduzidas a nível nacional demonstraram uma prevalência de anti-HCV de 1,5% nas capitais brasileiras. Sua transmissão ocorre principalmente por contato parenteral, o que coloca os usuários de drogas e pacientes com exposições parenterais as mais susceptíveis à infecção. A transmissão sexual ocorre, mas muito incomum; já a transmissão materno-infantil também é possível e facilitada em casos de mães com alta carga viral, parto precoce e ruptura precoce das membranas. A hepatite C pós-transfusional, importante até a década de 90, se tornou rara após aprimoramento da testagem do sangue. FISIOPATOLOGIA vírus se replica intensamente no fígado e os linfócitos citotóxicos têm papel essencial na resposta imune, assim como na lesão hepática. Esses linfócitos geram diretamente os hepatócitos por apoptose, semelhantemente ao que ocorre na hepatite B. A resposta imune, no entanto, é menos intensa, raramente resultando em hepatite fulminante. A evolução para a infecção crônica é muito frequente (de 55% a 80% dos casos). E fatores associados à maior taxa de cura são: idade menor que 40 anos, sexo feminino e fase aguda sintomática. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é sugerido a partir do quadro clínico e da presença do Anti-HCV no soro do paciente, mas este marcador não distingue entre a infecção aguda e crônica. Além disso, o anti-HCV é detectado de um a dois meses após a infecção, ou seja, pode estar negativo mesmo em um quadro de infecção aguda. O que fazemos, então? Usamos o RNA viral, que pode ser detectado pouco tempo após o contato, pelo método PCR. Este indica infecção ativa e replicação viral. Contudo, o RNA viral pode apresentar um padrão flutuante, vindo negativo e, posteriormente,positivo. Um dado importante é que sua persistência de 2 a 3 meses do início do quadro indicam alta probabilidade de cronificação. No caso da hepatite C aguda, aguardamos 12 semanas após o início dos sintomas e, se a viremia persistir, iniciamos tratamento anti-viral – interferon convencional por 24 semanas. Nos casos em que houve diagnóstico e o indivíduo está assintomático, não se tendo ideia de quando ocorreu a infecção, inicia-se a terapia logo após o diagnóstico. Não há vacina contra hepatite C, tampouco imunoglobulina ou profilaxias pré e pós-exposição. CASO CRÔNICO Todos os pacientes com hepatite C crônica merecerão tratamento, mas uma avaliação é necessária antes do seu início, para classificar a hepatopatia e, assim, decidir o melhor regime. Logo, todo paciente com HCV deve passar por estadiamento da doença hepática, sendo a biópsia hepática é o exame padrão-ouro, mas havendo outros métodos de estadiamento. Alguns exames complementares devem ser pedidos a todos os pacientes infectados pelo HCV, tanto no acompanhamento ambulatorial. Essencialmente, todo paciente com diagnóstico de HCV deve ser tratado, caso não apresentem critérios de exclusão: • idade < 3 anos; • pacientes oncológicos com cirrose child- pugh B ou C, ou cuja sobrevida estimada não ultrapasse 12 meses; • pacientes com cirrose descompensada e indicação de transplante com MELD > ou igual a 20; • pacientes cuja sobrevida não ultrapasse os 12 meses e pacientes com sensibilidade ou intolerância). Os fármacos utilizados para o tratamento são: • Alfapeginterferona, ribavirin • daclatasvir • sofosbuvir • ledipasvir/sofosbuvir • elbasvir/grazoprevir • glecaprevir/ pibrentasvir O esquema e combinação de fármacos, doses e duração do tratamento irão depender do genótipo da hepatite C, dado que genótipos diferentes respondem de maneira distinta aos vários esquemas. O objetivo do tratamento é a resposta sustentada, caracterizada pela ausência do RNA viral na 12a ou 24ª semana de uso. A metodologia do exame deve ser pelo PCR, com limite de detecção de <12UI/mL. Vale ressaltar que a hepatite C não confere imunidade contra reinfecção, podendo o indivíduo infectar-se novamente pelo vírus. PREVENÇÃO O HCV pode ser transmitido pelo contato com sangue contaminado. Por isso, pessoas transfundidas antes de 1993 – quando foram instituídos os testes de triagem obrigatórios – apresentam maior possibilidade de terem sido infectadas. Equipamentos de hemodiálise devem ser limpos e desinfetados após seu uso para proteger doentes renais da exposição ao vírus da hepatite C. Agulhas e seringas (incluindo as de tatuagem) devem ser descartadas após o uso, evitando assim o compartilhamento. Materiais hospitalares e de manicure devem ser esterilizados para evitar a possível transmissão do HCV. A transmissão do vírus por relação sexual desprotegida e durante o parto é menos comum, mas também é possível. O vírus da hepatite D é um vírus de RNA de fita única, pertencente à família Deltaviridae e ao gênero deltavírus. FISIOPATOLOGIA Trata-se de um vírus defectivo, o que significa que ele necessita do vírus da hepatite B para conseguir infectar o organismo, pois seu envelope é composto por lipídios e por antígenos AgHbs. Assim, ele necessita da presença dos AgHbs da hepatite B para conseguir sobreviver. A hepatite aguda causada por esse vírus tende a ser grave, evoluindo a óbito em 5% dos casos. No aspecto fisiopatológico, a lesão decorre do efeito citopático direto do vírus e frequentemente evolui para cronicidade. EPIDEMIOLOGIA No Brasil, a prevalência é elevada na região amazônica, ficando em torno de 1,7% da população estudada, mas praticamente nula no resto do país. PROGNÓSTICO Sua transmissão é, principalmente, pela via parenteral e sexual. Grupos de risco incluem usuários de drogas intravenosas, pessoas com contato sexual com portadores e portadores crônicos do VHB com hemofilia, em situação carcerária ou com comportamento sexual de risco. INFECÇÃO A infecção pode ocorrer em dois padrões: como coinfecção – em que o indivíduo se infecta simultaneamente pelo HDV e pelo HBV – e superinfecção aguda do HDV em portadores de HBV. Na maioria dos casos de coinfecção, a doença apresenta-se de forma aguda e benigna, com alguns casos evoluindo para hepatite fulminante. PROGNÓSTICO O prognóstico é bom e, na maioria dos casos, há cura de ambas as infecções. Já os casos de superinfecção, o vírus D já encontra no fígado infectado pelo HBV um ambiente propício para replicação, produzindo grave dano hepático. Por isso, geralmente se manifesta como hepatite fulminante. DIAGNÓSTICO Os principais marcadores são os Anti-HDV IgG e IgM, que podem indicar infecção em andamento ou resolvida. Altos títulos sugerem replicação viral e se correlacionam com outros marcadores, como o AgVHD e RNA viral. TRATAMENTO Todos os pacientes portadores de hepatite delta são candidatos ao tratamento, que é composto por alfapegintereferona 2a e/ou um análogo de nucleotídeo (tenofovir ou entecavir) durante 48 semanas, podendo ser renovadas por mais 48 semanas. O objetivo do tratamento é o controle do dano hepático. A hepatite E se trata de um vírus de RNA, da família Caliciviridae. TRANSMISSÃO Sua principal forma de transmissão é pela via fecal- oral e sua ocorrência está relacionada a más condições de higiene e baixos níveis socioeconômicos. A transmissão do HEV tem sido relacionada, desde sua descoberta, à veiculação por água. No entanto, a maior ocorrência da infecção pelo HEV em adultos jovens tem sugerido a possibilidade de sua transmissão por via sexual. Na maioria dos casos, o curso é assintomático, ou insidioso e autolimitado. Em algumas populações especiais, é mais frequente que haja sintomas e curso mais grave, podendo culminar na forma fulminante. A hepatite E é outra forma de hepatite que não evolui para a infecção crônica. DIAGNÓSTICO Os testes sorológicos incluem Anti-VHE IgG e IgM. Aquele representa infecção passada e pode persistir no soro por anos, enquanto este indica forma aguda da doença QUADRO CLÍNICO O quadro clínico das hepatites virais agudas é muito variável em sua intensidade e gravidade, podendo ser desde oligossintomáticos a quadros fulminantes requerendo transplante hepático. Por outro lado, considerando os cinco principais tipos de vírus mais precisamente identificados até agora como agentes causadores, não dá para distinguir clinicamente os cinco tipos de vírus, tornando difícil a identificação etiológica sem recorrer a exames laboratoriais. Com ou sem sintomas, as hepatites podem evoluir de maneira aguda ou crônica, entre outros fatores, em função do tipo de vírus. Não há formas crônicas nas hepatites A e E. Na hepatite B a evolução para a forma crônica está relacionada à idade em que o indivíduo adquiriu a infecção. A hepatite viral aguda pode ter apresentação assintomática ou sintomática, anictérica ou ictérica ou, ainda, como formas colestáticas. FASE PRÉ-ICTÉRICA Os sintomas são inespecíficos, tais como mal-estar, astenia, febre, cefaleia, mialgia, diarreia ou obstipação, fadiga, náuseas, anorexia e leve dor em quadrante superior direito do abdome. Pode ainda incluir tosse, rinorreia e artralgia. Ou seja, dá para entender que esse período possui sintomas que são altamente inespecíficos. Esse período pré-ictérico dura geralmente uma semana, podendo estender-se até três semanas. Algumas manifestações podem falar a favor de uma etiologia, como artralgia/artrite, urticária, glomerulonefrite, doença do soro e exantema sendo mais comuns na hepatite B. Além disso, a doença tende a apresentar-se de forma mais aguda na hepatite A e, mais insidiosa,na hepatite C. No entanto, lembre-se que são apenas tendências! Os anticorpos específicos tendem a aparecer nessa fase pré-ictérica, os títulos virais são geralmente mais altos e as aminotransferases começam a se elevar. É importante ressaltar que essa fase pré-ictérica pode acabar durando por todo o curso da infecção aguda, em formas subclínicas ou anictéricas de hepatite aguda. A forma anictérica é muito frequente, então é importante que a gente não se limite a desconfiar de hepatite viral apenas quando o quadro evolui para icterícia!! FASE ICTÉRICA O início de urina com coloração escura marca o início da fase ictérica. Nessa fase, a icterícia surge e a náusea e a fadiga se agravam. As fezes podem ficar esbranquiçadas nos casos de icterícia grave e pode haver prurido. Anorexia, disgeusia e perda ponderal podem estar presentes. Ao exame físico, geralmente, há icterícia e dor à palpação de hipocôndrio direito; e a hepatomegalia e esplenomegalia podem estar presentes nos casos mais graves. Exames laboratoriais mostram hiperbilirrubinemia, - à custa de bilirrubina conjugada – e as aminotransferases estão elevadas em mais de dez vezes o limite superior da normalidade (LSN). Nessa fase, os níveis virais começam a decair no sangue e no fígado. A duração dessa fase pode variar, bem como sua intensidade. Alguns dias até uma semana são geralmente os períodos de duração, podendo es- tender-se por quatro a oito semanas. Deve-se atentar para sinais de gravidade, como mudança no comportamento e no ritmo de sono e prolongação do tempo de protrombina, que podem sugerir insuficiência hepática aguda e sinalizam evolução para forma fulminante. CONVALESCÊNCIA Na fase de convalescência, a recuperação geralmente dá os primeiros sinais com o retorno do apetite, normalização sérica de bilirrubinas e aminotransferases e depuração viral. A maioria dos pacientes evolui para cura, em particular nas hepatites A e E. Porém, 55% a 80% dos casos de hepatite C e 2% a 10% dos adultos com hepatite B irão evoluir para forma crônica – além disso, no caso da hepatite B, 95% dos recém- nascidos e 20% das crianças irão evoluir para forma crônica. Complicações da infecção aguda são cronificação, insuficiência hepática fulminante, hepatite recorrente ou colestática e síndromes extra- hepáticas. A forma fulminante ocorre em 1% a 2% dos casos, mais frequentemente nas formas B e D, e menos frequentemente na C. Denomina-se fulminante quando desenvolve-se encefalopatia hepática, por isso deve-se ficar atento aos padrões de comportamento e do sono. Quando icterícia e prurido intenso estão presentes, podem indicar padrão colestático, que geralmente regride com o tempo. O fator prognóstico mais confiável é o grau de prolongamento do tempo de protrombina. Outros sinais que indicam mau prognóstico incluem: • progressão persistente da icterícia • ascite • diminuição do tamanho do fígado. Aminotransferases e carga viral têm pouco valor prognóstico. A avaliação minuciosa é de grande valor nesses pacientes: precisamos saber a área de procedência, contato com portadores, exposição a indivíduos infectados e fatores de risco – como transfusão ou procedimento invasivo prévios, quadro anterior de icterícia, imunodeficiências, doenças de base, medicamentos em uso, comportamento sexual e uso de drogas devem ser investigados. EXAME FÍSICO O exame físico deve avaliar estado nutricional, sinais periféricos de hepatopatia (como teleangiectasias e eritema palmar), características físicas do fígado (tamanho, forma, textura, etc) e do baço (se palpável), presença de ascite, edema ou circulação colateral. Escoriações na pele podem indicar que paciente teve prurido intenso. Na hepatopatia aguda, temos um fígado doloroso, elástico, homogêneo e com bordas lisas. Muito infrequentemente, haverá esplenomegalia, edema ou ascite. ETIOLOGIA E DIAGNÓSTICO Todos os cinco tipos de hepatite podem apresentar a forma aguda. As hepatites A e E são os dois tipos que nunca se tornam crônicos; enquanto as hepatites B, C e D apresentam uma fase aguda inicialmente e, posteriormente, podem evoluir para a forma crônica. No geral, diagnóstico da etiologia é feito a partir da presença de marcadores sorológicos virais e de anticorpos. O diagnóstico da hepatite viral aguda ocorre a partir do quadro clínico do paciente e da demonstração laboratorial de infecção aguda por vírus da hepatite. Como não existe um sinal patognomônico da doença, cabe ao profissional, diante de um quadro clínico sugestivo, suspeitar da doença e buscar confirmação laboratorial. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL O diagnóstico laboratorial se baseia na elevação das transaminases – que indica lesão dos hepatócitos – e da bilirrubina; na positividade dos marcadores sorológicos e, em algumas situações, no tempo de protrombina, albumina, fosfatase alcalina, leucograma e sumário de urina. DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO O diagnóstico etiológico é feito pela presença dos marcadores virais. Alguns exames podem ser necessários para diagnóstico diferencial, como dosagem de autoanticorpos séricos, cobre, ceruloplasmina, alfa-1-antitripsina e cobre urinário de 24 horas, além de afastar lesão hepática por drogas. A história, epidemiologia e uso de medicamentos do paciente ajudam a favorecer uma ou outra causa. AMINOTRASNFERASES As aminotransferases (AST e ALT) começam a se elevar antes mesmo do aparecimento dos sintomas, em ambas as formas ictérica e anictérica. Estão frequentemente elevadas em pelo menos 10 vezes o LSN, porém suas elevações não se correlacionam com a gravidade do quadro. BILIRRUBINAS As bilirrubinas conjugada e não-conjugada se elevam na vigência da hepatite viral, com predomínio da forma conjugada. Essa elevação pode variar bastante, mas dificilmente ultrapassam os 20mg/dL. Nas formas colestáticas, em indivíduos com insuficiência renal ou com deficiência de G6PD, podem ultrapassar os 30mg/dL. PROTROMBINA Como os fatores de coagulação são, em sua maioria, produzidos pelo fígado, pode haver prolongamento do tempo de protrombina em casos de lesão grave. Na maioria dos casos, esse prolongamento não é significativo; mas nas formas graves ou fulminantes, pode prolongar-se bastante. Convém ressaltar que, ao contrário das aminotransferases, o tempo de protrombina tem valor prognóstico em quadros de hepatite aguda. FOSFATASE ALCALINA A fosfatase alcalina se eleva discretamente, com exceção das formas colestáticas, em que o aumento é significativo. BIÓPSIA A biópsia do fígado não é recomendada, a menos que o diagnóstico permaneça confuso. Caso necessária, achados histológicos compatíveis incluem inflamação generalizada e focos de necrose. As lesões das células hepáticas predominam sobre as mesenquimais. Há infiltrado inflamatório, com predomínio de linfócitos, macrófagos e histiócitos. Não há fibrose, geralmente não é possível diferenciar dentre os cinco tipos virais pela histopatologia e colorações imuno-histoquímicas para antígenos virais são geralmente negativos. TRATAMENTO AMBULATORIAL O tratamento é feito no domicílio e baseado em medidas de suporte. Não há evidências de que restrição de atividade física seja necessária, bem como não há indicação de uma dieta específica. Contudo, convém pedir que o paciente não realize atividades extenuantes e mantenha repouso relativo até a normalização das aminotransferases, a partir da qual o paciente já pode gradualmente retornar suas atividades físicas; e que a dieta seja de mais fácil aceitação, considerando que frequentemente há náuseas e vômitos no início do quadro. Evitar analgésicos, sedativos, narcóticos e medicamentos em geral; bem como o álcool, que deve ser evitado mesmo em doses baixas. Se náuseas e vômitos estiveremmuito intensos, antieméticos podem ser usados. No acompanhamento desses pacientes, deverá haver consulta de reavaliação, sendo as duas primeiras a cada 2 semanas. As consultas seguintes devem ter intervalo de 4 semanas entre si, com seguimento laboratorial das aminotransferases, tempo de protrombina, bilirrubinas e albuminas, até que haja duas dosagens normais com intervalos de 4 semanas. Inicialmente, convém dosar também gama-GT, fosfatase alcalina e proteínas totais e frações, com repetições a cada 4 semanas, no máximo. Os critérios de alta são: remissão dos sintomas, com no máximo adinamia discreta e sintomas digestivos vagos; normalização das bilirrubinas; normalização do tempo de protrombina e normalização das aminotransferases (estas com intervalo mínimo de 4 semanas). HOSPITALAR Só devem ser hospitalizados os pacientes com vômitos muito intensos e queda significativa do estado geral; tempo de protrombina muito prolon- gado; bilirrubinas persistentemente muito elevadas (>15mg/dL a 20mg/ dL) ou se evoluir com encefalopatia hepática. Em casos fulminantes preconiza-se a transferência para UTI, preferencialmente em centros que disponham de estrutura para transplante hepático. PREVENÇÃO A contaminação pode acontecer por diversos meios e ainda não existem vacinas disponíveis para todos os tipos de vírus causadores das hepatites virais. Assim, as formas de prevenção devem ir além das imunizações. Para proteger-se, a pessoa precisa: • usar preservativo nas relações sexuais; • não compartilhar seringas, agulhas ou objetos perfuro cortantes; • não compartilhar objetos de higiene pessoal tais como escova de dentes, lâminas de barbear e materiais de manicure; • consumir somente água potável; • higienizar alimentos antes de consumi-los; HEPATITES VIRAIS HIMUNOPREVENÍVEIS As hepatites A e B são doenças imunopreveníveis, ou seja, elas podem ser evitadas por meio de vacinas que estão previstas no calendário nacional de imunização do SUS. As hepatites C e E, entretanto, ainda não são imunopreveníveis, pois até agora não foi desenvolvida uma vacina para essas infecções. A hepatite D, causada pelo vírus Delta, é evitada pela mesma vacina da hepatite B. A replicação do HDV depende da presença do HBV. Hepatite medicamentosa é uma grave inflamação do fígado causada pelo uso prolongado de alguns tipos de medicamentos, especialmente aqueles que têm capacidade para causar irritação do fígado, como o Paracetamol ou a Nimesulida. PARACETAMOL (ACETAMINOFENO): é um analgésico e antipirético que causa hepatotoxicidade intrínseca por dose- dependência, provocando necrose hepatocitária e insuficiência aguda associada a insuficiência renal. Ocorre lesão significativa com doses acima de 10- 15g, tomadas na tentativa de suicídio. Principal causa de insuficiência hepática fulminante no mundo. O paciente em algumas horas apresenta náuseas, vômitos e diarreia, seguido por fase assintomática. Níveis séricos de aminotransferases > 5000U/L. A lesão grave pode resultar em insuficiência hepática progressiva com encefalopatia, coagulopatia, hipoglicemia e acidose lática. DIAGNÓSTICO Em suma, o diagnóstico de hepatopatia fármaco- induzida depende de: • história de exposição, em geral, entre 5 e 90 dias. • Achados clínicos e laboratoriais e, ocasionalmente, de biópsia hepática consistentes. • Eliminação de outras possibilidades diagnósticas. • Resolução da lesão hepática após a interrupção da toxina suspeita. TRATAMENTO consiste em medidas de suporte e descontaminação gástrica com uso de carvão ativado pela VO nas primeiras 4 horas. Administrar N-acetilcisteína a pacientes de alto risco que ingerem quantidades previsivelmente toxicas, reduzindo gravidade da necrose e da taxa de mortalidade. Atua através do fornecimento de cisteína para síntese de glutationa (regenera agente antioxidante endógeno).
Compartilhar