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Otorrino – MED 7 – Juliana Branco. OTITE MÉDIA AGUDA A otite média aguda (OMA) é o processo inflamatório da mucosa da orelha média, com presença de secreção, de início agudo ou repentino, acompanhado de sinais e sintomas de inflamação. FISIOPATOLOGIA O processo inflamatório da orelha média que culmina com a OMA inicia-se, geralmente, nas vias aéreas superiores, mais precisamente na rinofaringe. A tuba auditiva é crucial nos mecanismos de proteção, ventilação e drenagem de secreções da orelha média. Infelizmente, esse delicado mecanismo ainda é muito vulnerável, mesmo nos seres humanos adultos. Nas crianças, com tubas ainda pouco desenvolvidas, curtas, horizontalizadas e associadas a infecções frequentes das vias aéreas superiores, fica claro o cenário desfavorável que culmina com a alta prevalência de OMA. Mais ainda: é desse mecanismo frágil que depende a resolução completa do quadro infeccioso agudo, ou sua recorrência ou cronificação, com possíveis sequelas funcionais, especialmente relacionadas à audição. O mecanismo de abertura periódica da tuba auditiva, com consequente entrada de ar nos espaços da fenda auditiva, pode ser altamente comprometido por diversos fatores. O mais comum é o edema da mucosa da rinofaringe e tuba auditiva ao longo de um quadro de infecção viral das vias aéreas superiores. A contaminação por ascensão de vírus e bactérias da rinofaringe até a orelha média é o fator determinante na fisiopatologia da OMA. • A inflamação acompanhada de transudações da mucosa da orelha média dará origem à efusão, que, ao aumentar progressivamente de volume, provocará otalgia e abaulamento da membrana timpânica (MT). • Os vasos submucosos da orelha média e da própria MT ficam ingurgitados e tornam-se visíveis a otoscopia. • A pressão exercida pelas secreções projeta lateralmente de tal forma a MT que pode haver ruptura espontânea dela, com drenagem para a orelha externa. • Caracteristicamente a dor diminui no momento em que há saída de secreções pelo conduto auditivo externo (CAE). A fase de recuperação ou convalescença da OMA caracteriza-se pela gradativa diminuição do edema e ingurgitamento vascular, bem como a reabsorção e drenagem, através da tuba auditiva, das secreções acumuladas. Essa fase é chamada de otite com efusão pós-OMA e pode durar de uma semana até três meses. EPIDEMIOLOGIA E IMPORTÂNCIA CLÍNICA A OMA é primariamente uma doença da infância, tendo seu pico de prevalência entre 6 e 36 meses de vida → Essa prevalência aumentada deve-se a fatores relacionados à imaturidade imunológica da criança e a uma tuba auditiva curta e horizontalizada, além de pouco funcional, observada nessa faixa etária. → Classicamente, descreve-se um segundo pico de prevalência dos 4 aos 7 anos de idade, relacionado ao período de ingresso da criança na escola, com maior convívio social e possibilidade de infecções. Além de muito prevalente, a OMA é relacionada a complicações com mortalidade, tais como meningite bacteriana e abscesso cerebral. O índice de recorrência das otites parece estar relacionado com a idade da primeira crise: quando antes dos 6 meses de vida, aumenta muito a incidência de novas crises ao longo da infância. Em relação às sequelas, especialmente na OMA recorrente, muitos estudos avaliam o impacto da perda auditiva condutiva, ainda que transitória, na aquisição da linguagem e suas consequencias em relação à aprendizagem e Otorrino – MED 7 – Juliana Branco. escrita. A OMA também pode ser o evento inicial de uma cascata de processos (continuum) que levam à otite média crônica. ETIOLOGIA Os principais patógenos bacterianos envolvidos na OMA são o Streptococcus pneumoniae (pneumococo), o Haemophilus influenzae (hemófilo) e a Moraxella catarrhallis (moraxela). Tanto o pneumococo quando o hemófilo e a moraxela são patógenos comumente encontrados nas vias aéreas superiores, inclusive como contaminates (portadores assintomáticos) ou como causa de infecções bacterianas nasossinusais. O pneumococo está em primeiro lugar em frequência, seguido do hemófilo e da moraxela. O pneumococo é o mais prevalente, atualmente com cepas não contempladas na vacina 7- valente sendo mais comuns. Em crianças portadoras de conjuntivite bacteriana purulenta, o hemófilo é o patógeno mais comum, e esse fator deve ser considerado na escolha do antimicrobiano. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é eminentemente clínico. O surgimento abrupto de otalgia é o sintoma mais frequente na OMA, especialmente em crianças mais velhas. A presença de febre é também bastante característica, mas não obrigatória. Em lactentes, a otalgia pode não ser óbvia, e sinais como irritabilidade, recusa alimentar, choro. Otorreia de surgimento agudo e recente também sugere o diagnóstico. A concomitância de sintomas de infecção de vias aéreas superiores, tais como obstrução nasal e coriza, é também comum e deve ser questionado na anamnese. Os sinais típicos de OMA à otoscopia são: 1. Presença de líquido ou efusão na orelha média; 2. Hipervascularização da MT com hiperemia; 3. Abaulamento da MT, demonstrando o aumento de volume da orelha média devido à presença de secreção inflamatória sob pressão; 4. Presença de otorreia de início recente não causada por otite externa. As características da otorreia proveniente da orelha média são visualmente diferentes daquela proveniente da orelha externa. ➔ A secreção de uma OMA supurada é tipicamente mucopurulenta, eventualmente sanguinolenta. ➔ A presença do componente mucoide diferencia com boa precisão otite externa de otite média, visto que as células produtoras de muco não estão presentes na orelha externa. A secreção da ot1te externa tem características mais descamativas e não apresenta muco. Otorrino – MED 7 – Juliana Branco. TRATAMENTO O tratamento da OMA envolve o uso de analgésicos, o acompanhamento da evolução da doença e, principalmente, a decisão criteriosa do uso ou não de antibióticos. Essa decisão leva em consideração a certeza diagnóstica de OMA, a gravidade dos sintomas e sinais e a idade do paciente. ➔ A analgesia é de fundamental importância, pois a dor é o principal fator incapacitante (paracetamol, o ibuprofeno e a dipirona) O uso dos antibióticos parece não ter impacto direto na evolução da doença (autolimitada e benigna). Regra: 1. Tratar com antibiótico (ATB) a OMA (uni ou bilateral) grave em todas as crianças: dor moderada a grave por pelo menos 48 horas ou febre de mais de 39°. 2. Tratar com ATB OMA não grave bilateral em lactentes de 6 a 23 meses. 3. Opção de tratar ou não com ATB OMA não grave unilateral em lactentes de 6 a 23 meses. Decisão tomada com os responsáveis e facilidade de contato para reavaliação. 4. Opção de tratar ou não com ATB OMA não grave uni ou bilateral em crianças de 24 meses ou mais. Decisão tomada com os responsáveis e facilidade de contato para reavaliação. Deve-se considerar que esses critérios para escolha do tratamento são válidos para crianças não sindrômicas, sem imunodeficiências ou anomalias craniofaciais, tais como fenda palatina. Nestas, a decisão individualizada tende a seguir uma conduta mais intervencionista ou agressiva. →ESCOLHA DO ANTIMICROBIANO: Considerando-se a epidemiologia dos patógenos mais prevalentes na OMA, a cobertura para o pneumococo deve ser uma prioridade, mesmo em crianças vacinadas. →Amoxicilina na dose de 40 a 50 mg/kg/dia, utilizada por via oral, a cada 12 horas, durante 10 dias, é o esquema inicial preconizado para crianças não alérgicas e sem conjuntivite purulenta associada. ➔ Na América do Norte, a incidência de pneumococos resistentes à penicilina tem aumentadodrasticamente nas últimas décadas. Para lidar com tal problema, houve uma recomendação do aumento das doses de amoxicilina para 90 mg/kg/dia.Em nosso meio, ainda é possível o uso da dose de 40 mg/kg/dia, pois a resistência do pneumococo à penicilina ainda é menor. → São fatores de risco para resistência do pneumococo: frequentar creches ou berçários, crianças institucionalizadas, uso de antibióticos nos últimos 30 dias e hospitalização recente. Tais fatores, quando presentes, devem ser considerados para uso da dose aumentada de amoxicilina no tratamento da OMA. Otorrino – MED 7 – Juliana Branco. ➔ A cobertura do hemófilo e da moraxela exige o uso de inibidores da betalactamase em associação com a amoxicilina, já que a grande maioria dos hemófilos é produtor de betalactamase. A associação de amoxilicina com o ácido clavulânico ( clavulanato de potássio) é a mais utilizada e deve seguir as mesmas doses recomendadas para a amoxicilina, associadas a 6,4 mg/kg/dia do clavulanato. Note-se que, se a opção for dobrar a dose da amoxicilina, a dose do clavulanato deve ser mantida a mesma. ➔ Nos pacientes alérgicos a penicilinas, a principal alternativa são as cefalosporinas. Axetilcefuroxima, na dose de 30 mg/kg/dia, por via oral, em 2 doses diárias, por 10 dias, é o esquema mais preconizado em nosso meio. ➔ Os macrolídeos, o sulfametoxazol- trimetroprima e o cefaclor, anteriormente bastante utilizados, não recebem as recomendações atuais do consenso da Academia Americana de Pediatria devido à alta incidência de resistência bacteriana a esses fármacos pelos patógenos envolvidos na OMA. Alternativamente, nas falhas terapêuticas em 48 a 72 horas, ou em pacientes sem tolerância de medicações por via oral (vômitos), usar ceftriaxona, na dose de 50 mg/kg/dia, intramuscular, em dose única diária, por 1 a 3 dias. Também ainda foi colocada a opção da amoxicilina em dose-padrão, 40 a 50 mg/kg/dia, para crianças sem fatores de risco para resistência do pneumococo à penicilina. PREVENÇÃO E ACOMPANHAMENTO A timpanotomia com inserção de tubos de ventilação pode ser oferecida como uma opção de tratamento nas otites recorrentes e teve sua indicação como opcional. O critério clínico para classificar a OMA como recorrente é a presença de três episódios em 6 meses ou quatro episódios em 1 ano. As estratégias de prevenção para OMA atualmente são voltadas aos fatores de risco. a) Vacinação conjugada pneumocócica e vacinação anual para influenza. b) O aleitamento matemo exclusivo até os 6 meses de vida deve ser fortemente encorajado. c) Quando a mamadeira é utilizada, deve- se orientar a não usá-la com a criança deitada, e sim inclinada para evitar refluxo de secreções faríngeas pela tuba auditiva. d) Orientações para a ausência total de exposição ao tabaco também devem fazer parte das estratégias de prevenção. e) Cuidados para que o número de crianças em um único ambiente seja o menor possível e para que todas sejam adequadamente vacinadas devem ser sempre orientados. f) O tratamento das comorbidades, tais como rinites e rinossinusites alérgicas, hipertrofia de tonsila faríngea e refluxo gastresofágico. Consultas médicas para verificar a normalização da otoscopia, que pode levar de duas semanas até três meses, devem ser programadas. ➔ A presença de líquido ou efusão na orelha média após uma crise de OMA deve ser tratada como parte do período de convalescença da doença, mas não negligenciada. ➔ Como regra, a não resolução da efusão após três meses caracteriza cronificação e merece atenção. Exames audiológicos e timpanometrias podem ser utilizados para complementação do diagnóstico caso haja dúvida na otoscopia em relação à total resolução do quadro.
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