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historia_do_brasil_do_inicio_da_colonizacao_as_conjuracoes (1)

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Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6304-8
9 788538 763048
História do Brasil: do Início da Colonização às Conjurações
M
aristela Carneiro
2017
História do Brasil: do início da 
Colonização às Conjurações
Maristela Carneiro
Apresentação
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: Shutterstock
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C289h Carneiro, Maristela
História do Brasil: do início da colonização às conjurações / Maristela 
Carneiro. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017.
154 p. :il.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-387-6308-6
1. Brasil - História - Período colonial, 1500-1822. I. Título.
17-41907
CDD: 981
CDU: 94(81)
© 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito 
dos autores e do detentor dos direitos autorais.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 3
Apresentação
O propósito deste livro é abordar a história do Brasil Colônia, pe-
ríodo de início da formação política e cultural da América portuguesa e 
da configuração territorial que compreendemos hoje como o Estado bra-
sileiro. Muitos historiadores dissertaram sobre variados aspectos do co-
tidiano, do pensamento, da religiosidade e, principalmente, dos grandes 
ciclos econômicos que pautaram as atividades produtivas e as práticas de 
sociabilidade em uma colônia fundada, sobretudo, para suprir Portugal 
com riquezas como o pau-brasil, o açúcar, as “drogas do sertão” e o ouro.
Persistem atualmente, todavia, muitas interpretações folclóricas a res-
peito do período, baseadas mais no senso comum do que em fontes biblio-
gráficas, iconográficas ou materiais. Por isso, é fundamental que os estudos 
sobre a Colônia sejam constantemente revistos e reavaliados, permitindo a 
construção de uma imagem mais completa desse momento de nossa história.
Esse período formativo tem início no século XVI, com a chegada dos 
primeiros portugueses, capitaneados por Pedro Álvares Cabral, às praias 
do Atlântico, e se encerra com o estabelecimento da corte lusitana no Rio de 
Janeiro, no começo do século XVIII. Naquele momento, o centro de poder 
foi deslocado da Metrópole para a Colônia, a fim de resguardar Portugal 
da ofensiva que o império de Napoleão lançava sobre toda a Europa.
Tendo isso em vista, os dez capítulos que compõem esta obra con-
templam as principais questões que envolveram cerca de três séculos de 
história: a presença indígena no Brasil pré-Cabralino, o sistema colonial 
português, as religiosidades coloniais, o ciclo do açúcar, o ciclo do ouro, a 
escravidão, as revoltas na Colônia e a eventual crise do projeto português 
nas Américas, ao fim do século XVIII.
Para além daquilo que se encontra cristalizado no senso comum, 
ainda que seja parte fundamental do modo como muitos brasileiros veem 
a si mesmos e sua história, esperamos que a abordagem desses assun-
tos instigue um olhar pesquisador e crítico, de modo a problematizar a 
complexa cadeia de permanências e rupturas da qual emergiu um Brasil 
imensamente plural em religiosidades e práticas culturais, marcado por 
conflitos e sociabilidades cujas raízes remontam ao passado colonial.
Boa leitura!
Sobre a autora
Maristela Carneiro
Pós-Doutoranda em História, pela Universidade Federal do Mato 
Grosso (2017). Doutora em História, pela Universidade Federal de Goiás 
(2016). Mestre em Ciências Sociais Aplicadas, pela Universidade Estadual 
de Ponta Grossa (2012). Licenciada em História, na mesma instituição 
(2007) e em Filosofia pela Faculdade Santana (2011). Atua como docen-
te nas áreas de História e Filosofia nos mais diversos níveis de ensino. 
Autora de livros e materiais didáticos.
6 História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
SumárioSumário
1 Considerações sobre a historiografia da colonização brasileira 9
1.1 Interpretações clássicas do projeto colonial 10
1.2 Periodização da história do Brasil Colônia 15
1.3 Fontes para o estudo da história da colonização brasileira 17
2 Grupos indígenas brasileiros 25
2.1 Organização social e cultural das comunidades indígenas 26
2.2 Os aldeamentos e a escravidão indígena 30
2.3 Costumes e permanências culturais 33
3 Portugal e a colonização das terras tropicais 41
3.1 A estruturação econômica e política da colônia 42
3.2 União Ibérica: conflitos e expansão das fronteiras do Brasil colonial 45
3.3 Domínio holandês e o legado de Nassau 48
4 O Santo Ofício no Brasil colonial 57
4.1 A Contrarreforma, os jesuítas e a catequese indígena 58
4.2 A inquisição e os cristãos-novos 
 na sociedade colonial 62
4.3 Sincretismo e negociações religiosas no Brasil Colônia 63
5 A manufatura do açúcar 71
5.1 Aspectos da economia açucareira colonial 72
5.2 Sociedade e cultura do açúcar 75
5.3 Declínio do ciclo açucareiro 77
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 7
SumárioSumário
6 Tráfico negreiro e escravismo 85
6.1 Caracterização do tráfico negreiro: 
ideologias e justificativas do trabalho cativo 86
6.2 Revoltas e resistência africana: o caso de Palmares 90
6.3 Costumes e permanências culturais 92
7 A mineração e o Brasil colonial setecentista (séc. XVIII) 97
7.1 Circunstâncias da instituição da economia mineradora 98
7.2 Conflitos entre os paulistas e os emboabas 102
7.3 A sociedade das Minas Gerais 103
8 As revoltas coloniais e as contestações políticas 111
8.1 Conjuntura das contestações políticas 112
8.2 Tensões provinciais, conflitos de fronteira e revoltas nativistas 113
8.3 Revoltas emancipacionistas 117
9 Ideias iluministas e a Inconfidência Mineira 125
9.1 A influência das ideias iluministas 126
9.2 O caso da Inconfidência Mineira 129
9.3 As reconfigurações do império português 132
10 Crise do sistema colonial 139
10.1 Rumos da economia 140
10.2 Novas relações de poder e sociabilidade 143
10.3 Demandas locais e crise do sistema colonial 146
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 9
1
Considerações 
sobre a historiografia da 
colonização brasileira
O período compreendido entre os séculos XV e XVI apresentou um significativo 
crescimento comercial na Europa, com uma demanda cada vez maior por artigos de 
luxo vindos de fora, estimulando o florescimento do comércio marítimo, no que se tor-
naria conhecido como a Era das Grandes Navegações. Nesse contexto, burgueses ricos 
e reis começaram a articular capital para investir em trocas internacionais, facilitadas 
pela chegada de tecnologias como a pólvora, a bússola, o astrolábio e o papel. A inven-
ção da imprensa, por Johannes Gutenberg, popularizou conhecimentos antes restritos 
a poucos, e os novos modelos de embarcação permitiram viagens mais longas e com 
tripulações menores. Enquanto isso, narrativas famosas, como a de Marco Polo, atiça-
vam a curiosidade de empreendedores europeus, com relatos de riquezas incríveis. 
A Igreja Católica, por sua vez, viu nessas viagens uma oportunidade de catequizar os 
gentios e reagir contra o crescimento das igrejas reformistas.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 10
A expansão das navegações também representou o início de um processo de incorpora-
ção das Américas na mentalidade e no imaginário europeu do período, além de se constituir 
como um período de difusão cultural e início de um processo de mundialização. Todos esses 
fatores, em maior ou menor medida, deram vida à colonização brasileira, conforme será 
exposto ao longo deste livro.
1.1 Interpretações clássicas do projeto colonial
A Era dos Descobrimentos mudaria de forma crucial o modo como os europeus viam 
o mundo, abrindo seus horizontes de forma radical e irreversível. No início do século XVI, 
os limites geográficos dos povos do “Velho Mundo”, acomeçar pelos ibéricos, seriam ex-
pandidos extraordinariamente, e a variedade de mercadorias disponíveis alcançaria novos 
níveis. Essa dilatação dos territórios sob influência europeia inevitavelmente alcançaria as 
terras americanas, já ocupadas por milhares de etnias indígenas. Entre estas, encontravam-
-se as terras reivindicadas pelo reino de Portugal, conformando, assim, parte do império 
ultramarino português.
As décadas iniciais de exploração promovidas pela Coroa portuguesa se resumiram a 
expedições de reconhecimento do território recém-adquirido. Instalações precárias foram 
estabelecidas a fim de explorar o pau-brasil (Paubrasilia echinata, antigamente Caesalpinia 
echinata), madeira nobre que podia ser empregada para tinturaria. Além disso, foi necessá-
rio garantir a defesa desse território contra incursões empreendidas por outros europeus, 
como os franceses, os quais também tinham interesse na extração do pau-brasil, que podia 
ser obtido por meio de alianças com povos indígenas, como os tupinambás, declaradamente 
inimigos dos portugueses.
Embora existam registros do estabelecimento de uma feitoria em Cabo Frio em 1503, 
quando da expedição de Américo Vespúcio e Gonçalo Coelho, as primeiras ocupações defini-
tivas empreendidas por portugueses se deram somente em meados de 1530, quando a Coroa 
dividiu a costa brasileira em grandes lotes, adotando o sistema de Capitanias Hereditárias. 
Foi a partir desse momento, portanto, que efetivamente se iniciou o processo de colonização 
do que chamamos de América portuguesa. Os donatários, senhores dessas capitanias, tinham 
autoridade para explorar amplamente as riquezas locais, bem como instituir cargos burocrá-
ticos e amealhar tributos. O vínculo entre o donatário e a Coroa era regulamentado em dois 
documentos, que estabeleciam quanto dos rendimentos da capitania deveria ser transmitido 
a Portugal, bem como os deveres do donatário: a Carta de Doação e a Carta de Foral.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
1
11
Figura 1 – TEIXEIRA, Luís. Divisão da costa brasileira em capitanias hereditárias. 1574. Cópia 
elaborada a partir do original. Biblioteca da Ajuda, Lisboa.
Fonte: Wikimedia Commons.
Dentro dos limites legais, o senhor podia escravizar índios cativos em sua capitania, 
capturados nas Guerras Justas1. Também podia repartir seu território em sesmarias, ceden-
do lotes a cristãos portugueses, que assumiam o compromisso de colonizar a terra. Assim 
a administração portuguesa buscava garantir mão de obra para as atividades produtivas e 
forças para a defesa da Colônia, desonerando a Coroa da obrigação de realizar investimen-
tos exclusivos para esses fins.
Para as populações nativas, esse modelo de ocupação representou duas mudanças trau-
máticas em seu modo de vida: a expropriação de suas terras por um Estado oficial, com 
limites artificialmente estabelecidos, e a conformação forçada a uma rotina de trabalho com-
pulsória, que não era de modo algum semelhante aos modelos produtivos que conheciam.
Povos indígenas como os tupiniquins não apenas serviriam como soldados nos com-
bates contra corsários franceses, como também, por muito tempo ainda, seriam a principal 
1 O conceito de “guerra justa” foi defendido por pensadores cristãos, entre os quais Santo Agostinho. 
Para ele, as autoridades seculares têm o dever de auxiliar a Igreja em seu combate contra as iniquida-
des humanas, sendo então lícito e justo empregar armas para enfrentar inimigos externos ou oposito-
res da fé. Na América Ibérica, o conceito seria empregado para empreender guerra contra indígenas 
que se negassem à conversão. Para saber mais sobre o tema, ver: VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos 
índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 12
fonte de força produtiva a ser empregada em atividades como a coleta do pau-brasil, a cons-
trução de engenhos e fortificações e o cultivo da terra.
Esse primeiro sistema de governo da colônia brasileira produziu resultados precários, 
de modo que a Coroa optou por implementar um modelo centralizado, instaurando no ter-
ritório representantes diretos da Metrópole. A partir dessa iniciativa foi gestado o sistema de 
Governo-Geral, no qual um governador nomeado pelo monarca deveria conduzir a explora-
ção econômica na Colônia, a fundação de vilas e o combate a ameaças, como os corsários de 
outras nações europeias. A primeira sede do Governo-Geral foi situada na cidade de Salvador.
Um sistema centralizado como esse demandava uma burocracia considerável. O gover-
nador-geral contava, entre os funcionários de seu gabinete, com o auxílio de um ouvidor-mor, 
que cuidava da aplicação da justiça, um provedor-mor, que deveria tratar da arrecadação de 
impostos e das finanças da colônia, e um capitão-mor, cuja função era combater os inimigos 
da Colônia.
Fundamental para a manutenção dos interesses da Coroa, ao menos a princípio, foi a 
ação das ordens religiosas, especialmente da Ordem de Jesus. Designando-se a missão de 
catequizar os gentios do Brasil colonial, os jesuítas forneciam aos portugueses uma justifica-
tiva moral para sua presença em terras distantes: a salvação das almas daqueles que desco-
nheciam a “luz de Cristo”. Assim, a política de disseminação do cristianismo dava suporte 
à exploração econômica dos colonos.
Eventualmente, porém, a escravidão indígena viria a ser substituída pela escravidão 
negra, em razão de fatores conjunturais: 1) o imaginário de que os indígenas eram natural-
mente inadequados para o trabalho intenso das lavouras; 2) a resistência de diversos grupos 
indígenas ao trabalho compulsório; 3) a disseminação de doenças europeias, às quais os 
nativos não eram resistentes, o que gerou grande mortalidade entre essas populações e, 
consequentemente, uma diminuição na disponibilidade de mão de obra; e 4) a intensificação 
e a lucratividade do tráfico de mão de obra escravizada oriunda da África. A escravidão, as 
grandes propriedades hereditárias e a prática da monocultura visando à importação – em 
suma, o modelo de agricultura que é conhecido hoje como plantation – se tornariam pilares 
da vida econômica da América portuguesa. Esse modelo de administração centralizada tra-
ria grandes lucros para a metrópole portuguesa por cerca de três séculos, causando impacto 
indelével na configuração do país que emergiria desse território.
A visão predominante em livros didáticos e exames vestibulares sobre a história colo-
nial do Brasil é significativamente influenciada pela abordagem do historiador Caio Prado 
Júnior (1907-1990) na obra Formação do Brasil contemporâneo, de 1942. A visão de Prado Júnior 
sedimentou-se no imaginário nacional, consolidando sua imagem como um grande intér-
prete da cultura brasileira, comparável a Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre.
Na interpretação de Prado Júnior, esse Brasil Colônia surge estritamente em função 
da Metrópole, não com um desenvolvimento orgânico, mas como um projeto exploratório. 
Estabelecendo o conceito de Sentido da Colonização, o autor situa a Colônia como uma 
extensão da empresa comercial ibérica, um fruto do capitalismo mercantil português, con-
denada à produção de artigos de importação para a Metrópole e às práticas do latifúndio, 
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
1
13
da monocultura e da escravidão. Restritos pelo Pacto Colonial a fazer comércio apenas com 
Portugal, que detinha o monopólio dos bens manufaturados consumidos em território colo-
nial, os brasileiros foram tolhidos da possibilidade de possuir uma indústria manufatureira 
e um empreendedorismo próprios. O autor argumenta que,
No seu conjunto e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos 
trópicostoma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais complexa do que 
a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar 
os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. 
É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das 
resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como 
no social, da formação e evolução históricas dos trópicos americanos. (PRADO 
JÚNIOR, 1957, p. 16)
A abordagem seguida por Prado Júnior, e por outros historiadores que seguem sua 
linha de pensamento, tende a subvalorizar os indivíduos que de alguma forma existiam à 
margem do modo de vida agrícola, homens livres que não eram senhores de terras, menos-
prezando seu possível papel na economia colonial.
Abre-se assim um vácuo imenso entre os extremos da escala social: os senhores 
e os escravos [...]. [Esses] dois grupos são os dos bem classificados na hierarquia 
e na estrutura social da colônia: os primeiros serão dos dirigentes da colonização 
nos seus vários setores; os outros, a massa trabalhadora. Entre essas duas cate-
gorias nitidamente definidas e entrosadas na obra da colonização comprime-se o 
número, que vai avultando com o tempo, dos desclassificados, dos inúteis e ina-
daptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias ou sem 
ocupação alguma. Aquele contingente vultoso em que Couty, mais tarde, veria o 
“povo brasileiro”, e que pela sua inutilidade, daria como inexistente, resumindo 
a situação social do país com aquela sentença que ficaria famosa: “le Brésil n’a 
pas de peuple”.2 (PRADO JÚNIOR, 1957, p. 279-280)
Essa condição de “inutilidade” reduziria, por exemplo, o valor de pequenas manufa-
turas domésticas, como a fabricação de tecidos, que poderia empregar tanto a mão de obra 
escrava quanto a livre, ou a presença de pequenas propriedades rurais, muitas vezes cedidas 
a escravos alforriados, a título de recompensa por produtividade, ou a cargos de homens 
brancos pobres.
Em razão dessa contradição da abordagem pradiana, surgiram outras perspectivas his-
toriográficas, centradas justamente na autonomia dos elementos mercantis brasileiros “inú-
teis e inadaptados”. Uma vasta produção bibliográfica a respeito ganhou fôlego a partir da 
década de 1970, com particular força nas duas décadas seguintes, norteada principalmente 
por fontes primárias. Essas pesquisas de base mais empírica buscaram apontar, para além 
do paradigma da produção colonial predominantemente exportadora, elementos produti-
vos voltados ao consumo interno, fosse em pequenas unidades de subsistência, fosse por 
meio da circulação de gêneros alimentícios dentro das fronteiras da Colônia.
2 “O Brasil não tem povo.”
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 14
Iraci del Nero da Costa (1992), por exemplo, observou a existência de diversos núcleos 
populacionais, em várias regiões brasileiras, entre os séculos XVIII e XIX, onde indivíduos 
livres e não proprietários tinham relevância para a economia local, trabalhando em setores 
como a manufatura rural, o comércio e o transporte de mercadorias.
Figura 2 – DEBRET, Jean-Baptiste. Negra tatuada vendendo caju. 1827. Aquarela sobre papel, co-
lor.: 15,5 x 21 cm. Museu da Chácara do Céu, Rio de Janeiro, RJ.
Um estudo marcante acerca das particularidades do período que se opõe ao conceito de 
Sentido da Colonização foi proposto por João Luís Fragoso e Manolo Florentino (2001), em 
O Arcaísmo como projeto. Esses autores, que estudaram a economia fluminense na passagem 
do século XVIII para o XIX, sustentaram que, ao menos em seu período tardio, a economia 
colonial desfrutava de considerável autonomia, haja vista que, embora o Pacto Colonial es-
tabelecesse regras rígidas para o comércio e as relações entre Colônia e Metrópole, como 
apontado por Prado Júnior, essas normativas estavam sujeitas à flexibilidade do cotidiano 
brasileiro no período e à dinâmica da vida econômica, que nem sempre podia ser devida-
mente regulada.
Qual seria a grave limitação do modelo interpretativo de Caio Prado Júnior? 
[...] A nosso juízo tal limitação deveu-se ao fato de ele haver transposto para o 
plano fenomênico, sem as necessárias e devidas mediações, elementos próprios 
do que considerou a essência de nossa formação e da sociedade aqui constituída. 
Reduzido, assim, o plano do concreto [...] a elementos de sua pretensa essência 
[...], resta-nos uma caricatura de vida econômica e social, desfigurada, rígida, 
descarnada, apartada da experiência do dia a dia [...] que faz com que nos sinta-
mos tão incomodados, tão “desconfortáveis” quando confrontamos nossa visão 
daquela sociedade com a que derivamos da leitura dos escritos de Caio Prado 
Júnior. (COSTA, 1995, p. 18)
Isso se daria porque o projeto colonial não teria sido rigorosamente uma extensão do 
capital mercantil burguês de Portugal, mas, antes, uma perpetuação do Antigo Regime em 
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
1
15
Portugal, um reino no qual não era contraditória a figura do fidalgo-mercador, um nobre 
que não se aplicava apenas à administração do meio rural, mas ao comércio e à vida urba-
na. O tráfico negreiro se tornaria, em particular, uma força motriz da economia colonial, 
e muitos de seus agenciadores ficariam mais ricos que os grandes proprietários rurais. Do 
ponto de vista de O Arcaísmo, o projeto colonial é muito mais uma perpetuação do poder da 
velha aristocracia, exercendo seu modelo de domínio lusitano, que um fruto da iniciativa do 
capital burguês em associação com o Estado.
É válido observar que os dois grandes modelos explicativos apresentados aqui, por serem 
contraditórios entre si, são passíveis de tensões. O ponto de vista pradiano indica com clareza 
os principais fatores envolvidos nas políticas oficiais de colonização exercidas pelo Estado 
português, enquanto a mirada da autonomia colonial aponta para brechas nessas políticas, ex-
ploradas em casos que devem ser estudados de acordo com suas especificidades conjunturais.
1.2 Periodização da história do Brasil Colônia
Entre as décadas de 1500 e 1530, a experiência colonial portuguesa no Brasil foi essen-
cialmente limitada a visitas exploratórias para a aquisição de pau-brasil. Em 1531, Martim 
Afonso de Sousa foi enviado à Colônia com uma expedição militar, a fim de eliminar a 
presença francesa na costa brasileira. A partir dessa expedição, teve início um processo de 
povoamento de facto, com a inauguração da vila de São Vicente, em 1532. Esse povoamento 
deveria servir aos propósitos de repelir invasores, amealhar escravos, organizar a Colônia 
por meio da divisão de terras e iniciar o cultivo da cana-de-açúcar.
Em 1534, a terra foi dividida em quinze capitanias hereditárias, em um modelo de go-
verno que sofreu com inúmeros problemas, a começar pela dificuldade dos colonos de se 
adaptarem às terras tropicais. Além disso, havia a necessidade de investimentos maciços 
para a construção de engenhos – onde a cana deveria ser processada para a produção do 
açúcar –, sem previsão de retornos imediatos, bem como a dificuldade de se obter mão de 
obra para o trabalho pesado nas lavouras de monocultura.
Essas questões causaram o insucesso de boa parte das capitanias, o que levou a Coroa 
portuguesa a instituir o Governo-Geral, de 1548 a 1549, centralizando a administração colo-
nial brasileira nas mãos de Tomé de Sousa. Ainda assim, é relevante pontuar que, mesmo 
com a formalização desse sistema, houve a permanência de algumas das capitanias heredi-
tárias – ou seja, a implantação desse governo não significou a desarticulação completa das 
capitanias3. Ao longo desse período, a cana-de-açúcar se tornou um dos mais importan-
tes produtos de importação do mundo, trazendo riquezas para o território, especialmente 
3 Segundo o historiador e professor JoãoPaulo Garrido Pimenta, da Universidade de São Paulo ( USP),o 
sistema de capitanias hereditárias foi abolido juridicamente no Brasil apenas no século XVIII, em 1759, 
sendo que a última capitania foi extinta somente no século XIX. Esse aspecto é indicativo tanto da 
inadequação de periodizações muito rígidas da história do Brasil quanto da convivência de diferentes 
formas de governo ou modelos de organização. Saiba mais assistindo ao vídeo História do Brasil Colonial 
I, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=l4683aqImi0&list=PLpJ5wGT4jMZx5-f7nQ-dIc-
YeGu8GbaDdV>. Acesso em: 7 abr. 2017.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 16
para as regiões de Pernambuco e São Vicente, onde o cultivo intensivo havia se mostrado 
mais exitoso. À medida que crescia a exportação de açúcar, crescia também a importação de 
escravos, alimentando o tráfico negreiro no Atlântico.
Embora o Tratado de Tordesilhas, assinado pelas Coroas de Portugal e Espanha em 
1494, dividindo entre os dois Estados a posse dos “territórios por descobrir”, desse aos por-
tugueses o direito de exploração sobre a costa brasileira, muitos corsários, especialmente 
de nacionalidade francesa, buscaram tirar proveito das riquezas do território ao longo do 
século XVI, atacando embarcações ibéricas no Atlântico.
Entre 1555 e 1560, os franceses procuraram estabelecer-se em definitivo na América 
portuguesa, aliando-se à tribo tupinambá para formar a França Antártica, empreendimento 
que viria a fracassar em razão de conflitos internos e batalhas com os portugueses e seus 
aliados indígenas. Uma nova tentativa seria feita com a França Equinocial, entre 1612 e 
1615, novamente suprimida pelos portugueses.
Os próprios portugueses acabaram por desobedecer às normas do Tratado de 
Tordesilhas, permitindo o fluxo de entradas e bandeiras, através do interior do território e 
invadindo os limites dos domínios espanhóis na porção sul da América.
A tensão entre os reinos espanhol e português atingiria seu ápice em 1580, com uma 
unificação dinástica que se estendeu até 1640. Ao longo desse período, a Coroa portuguesa 
foi integrada à espanhola, na unidade política conhecida como União Ibérica, gerando im-
pacto nas colônias e colocando o território brasileiro em rotas de conflito. Por exemplo, uma 
das consequências da Guerra Anglo-Espanhola, combate entre as Coroas inglesa e ibérica, 
resultaria em um ataque do corsário inglês James Lancaster ao porto de Recife.
Entre 1630 e 1654, seria a vez dos holandeses buscarem estabelecer domínios em solo 
brasileiro. Fixando-se na região Nordeste, sob o comando de Maurício de Nassau, eles tira-
ram proveito da riqueza açucareira e implementaram diversas mudanças em Pernambuco, 
até sua expulsão pelos portugueses.
Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a Colônia passaria por um período de consolidação 
e formação de uma identidade local. No decorrer das décadas e dos séculos de colonização, 
os colonos desenvolveram afinidades entre si e com a região onde viviam, o que viria a con-
tribuir para a formação dessa identidade e a progressiva acentuação das diferenças entre os 
“portugueses da Colônia” e os “portugueses da Metrópole”.
A descoberta de ouro nas Minas Gerais alimentaria um novo ciclo econômico. As ten-
sões sociais desse período, envolvendo a demanda dos colonos por maior autonomia, de-
sembocaria em revoltas como a Inconfidência Mineira (1789), que tentaria organizar uma 
conspiração para impor fim ao domínio português sobre a região das Minas.
O período colonial teria fim em 1815, quando a Família Real portuguesa, então exila-
da no Rio de Janeiro, em razão da invasão de Portugal por tropas napoleônicas, instituiu 
várias reformas. O Brasil foi então elevado da categoria de Colônia a reino par de Portugal, 
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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17
constituindo a união política conhecida como Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. 
O Quadro 1, a seguir, apresenta uma breve cronologia dos principais acontecimentos do 
período colonial brasileiro.
Quadro 1 – Linha do tempo do Brasil Colônia.
1500-1530 Período exploratório do pau-brasil
1530 Início da colonização – expedição de Martim Afonso de Sousa
1532 Fundação da Vila de São Vicente
1534 Divisão das capitanias hereditárias
1548 Reforma político-administrativa: Governo-Geral
1580-1640 União Ibérica
1808 Vinda da Família Real ao Brasil
1815 Fim do Período Colonial – elevação do Brasil a reino par de Portugal: Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves
Fonte: Elaborado pela autora.
1.3 Fontes para o estudo da história 
da colonização brasileira
O estudo do período colonial no Brasil dispõe de uma diversidade de fontes primárias, 
já que os registros que oferecem vislumbres da época têm proveniência oficial e literária. 
Documentos referentes à administração colonial ultramarina portuguesa, como os comuni-
cados oficiais e as cartas régias – por exemplo, como o Decreto de Abertura dos Portos às Nações 
Amigas, assinado pelo príncipe-regente Dom João de Bragança (Dom João VI de Portugal) –, 
abrem uma janela para a observação das políticas assumidas por Portugal em relação a seu 
território além-mar.
Deve-se lembrar, contudo, que essas fontes foram produzidas por europeus, de modo 
que carregam um discurso eurocêntrico. O historiador deve se atentar para esse filtro cul-
tural, sendo especialmente cuidadoso em seu trato com a fonte, questionando-a e buscan-
do contemplar mais do que um ponto de vista dominante. Também é importante lembrar 
que documentos oficiais não são as únicas fontes válidas. Esses documentos, que carregam 
certamente um discurso oficial, podem ser enriquecidos pelos indícios da vida cotidiana, 
oferecidos por bilhetes trocados com finalidades não oficiais, diários e listas de compras, 
por exemplo.
As cartas, por exemplo, são documentos relativamente abundantes desse período. Escritas 
por missionários ou exploradores, com finalidades diversas, como relatar as potencialidades 
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 18
do novo território para a empresa colonial, pedir auxílio ou reportar conquistas, as missivas 
abrem espaço para muitas interpretações acerca do período. Um caso célebre é o da carta la-
vrada por Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral. Trata-se de um 
comunicado oficial dirigido ao rei Dom Manuel acerca das terras recém-descobertas, oferecen-
do informações sobre o território e os povoamentos pré-Cabralinos ali existentes. Ao mesmo 
tempo que dá pistas sobre a configuração do território e o modo de vida dos nativos, essa carta 
também possibilita uma reflexão sobre o olhar europeu, ao evidenciar o deslumbramento de 
Caminha (e presumivelmente de seus conterrâneos) diante de um ambiente completamente 
novo, marcado por fauna, flora e culturas distintas de tudo que os portugueses haviam conhe-
cido até então.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cui-
dar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ove-
lha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos 
homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente 
e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos 
e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. 
(BRASIL, 2017)
Documentos emitidos por autoridades governamentais ou eclesiásticas também podem 
lançar luzes sobre a vida da Colônia, oferecendo amostras dos caminhos institucionais que 
caracterizavam a vida local. Um exemplo é o seguinte trecho de Primeira Visitação do Santo 
Officio ás Partes do Brasil, que relata a primeira passagem pela Américaportuguesa de um 
visitador licenciado, encarregado de reforçar as normativas do Santo Ofício português nas 
possessões ultramarinas da Metrópole:
Em 1573 foi queimado um francez herético na Bahia. As circumstancias não vie-
ram a nosso conhecimento. Estava nas attribuições episcopaes velar pela pureza 
da fé, dar combate ás heresias, castigar os herejes. Quando as heresias medievaes 
appareceram sob as formas mais diversas, reclamando especialistas theologos 
para as desmascararem, e surgiram nos pontos mais afastados, exigindo unidade 
de acção para debellalas, a autoridade episcopal foi diminuindo, embora não 
desaparecesse de todo diante da autoridade dos inquisidores. (MENDONÇA, 
1922 [1591-92], p. 5)
O documento em questão traz detalhes reveladores a respeito dos procedimentos, pu-
nições e modelos de investigação empregados pela Inquisição portuguesa, bem como o al-
cance de sua influência fora do território continental português, além da visão que se tinha 
das práticas religiosas, oficiais ou não, desenvolvidas na Colônia.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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De forma comparável às cartas, os relatos de viajantes são também discursos que po-
dem ser lidos sob duas perspectivas: 1) informações relevantes sobre os povos encontra-
dos por indivíduos como Hans Staden, Jean de Léry, Pero de Magalhães Gândavo, Fernão 
Cardim, Claude D’Abbeville e Yves D’Evreux, incluindo estudos das línguas e costumes 
dos povos tupis e descrições da flora e da fauna nativas, muitas vezes acompanhadas de 
ilustrações pitorescas; e 2) o que esses autores, europeus e cristãos, expressavam acerca da 
terra e de seus habitantes e o que isso pode revelar sobre o pensamento eurocêntrico do pe-
ríodo, frequentemente focado na assimilação do exótico – como no excerto a seguir, em que 
Fernão Cardim trata da sexualidade tupi:
Nenhum mancebo se acostumava casar antes de tomar contrário, e perseverava 
virgem até que o tomasse e matasse correndo-lhe primeiro suas festas por espaço 
de dois ou três anos; a mulher da mesma maneira não conhecia homem até lhe 
não vir sua regra, depois da qual lhe faziam grandes festas; ao tempo de lhe en-
tregarem a mulher faziam grandes vinhos, e acabada a festa ficava o casamento 
perfeito, dando-lhe uma rede lavada, e depois de casados começavam a beber, 
porque até aí não o consentiam seus pais, ensinando-os que bebessem com tento, 
e fossem considerados e prudentes em seu falar, para que o vinho lhe não fizes-
se mal, nem falassem cousas ruins, e então com uma cuia lhe davam os velhos 
antigos o primeiro vinho, e lhe tinham a mão na cabeça para que não arreves-
sassem, porque se arrevessava tinham para si que não seria valente e vice-versa. 
(CARDIM, 2009 [1583-1601], p. 176-177)
Evidentemente, é importante observar que cada um desses relatos guarda em si um dis-
curso próprio, não podendo ser tomado sem a confrontação com outros relatos disponíveis 
e uma avaliação crítica. Por exemplo: relatos de viagens e cartas que fazem referências aos 
povos nativos do Brasil são unilaterais, posto que apresentam a visão de clérigos e admi-
nistradores portugueses, mas não contemplam qualquer visão que os próprios indígenas 
tivessem de si. Com frequência, tais documentos expressam a clara intenção de preparar o 
terreno para a evangelização e a escravização dos povos nativos, o que pode resultar em um 
viés “barbarizante” acerca destes, justificando ações intrusivas, ou mesmo violentas, como 
as promovidas reiteradamente por bandeirantes, missionários e autoridades coloniais.
Em razão dessas questões, como qualquer outra fonte, os registros coloniais4 devem ser 
abordados com cuidado, sempre com a confrontação de dados divergentes em natureza e 
de procedências diferentes, evitando-se a simples reprodução de discursos já sedimentados.
4 Atualmente, podem ser encontradas compilações de fontes do período colonial, como o material 
organizado pelo professor Luiz Carlos Villalta, da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulado 
Coletânea de documentos e textos de História do Brasil Colonial, o qual compreende testemunhos de nature-
zas diversas datados do período. Esses registros podem ser acessados no endereço eletrônico: <http://
www.fafich.ufmg.br/pae/colonia/documentos/coletaneadedocumentos.pdf>. Acesso em: 21 mar. 2017.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 20
 Ampliando seus conhecimentos
Escritor e político, nascido em São Paulo, Caio Prado Júnior (1907-1990) 
teorizou sobre a formação do Brasil em vista de seu passado colonial. 
Pesquisador de viés marxista, Prado Júnior buscava abordar os eventos 
coloniais a partir da ótica do materialismo histórico, vinculando a histó-
ria brasileira à natureza de sua relação econômica com Portugal e sempre 
relacionando, em seu entendimento, esses acontecimentos às repercussões 
contemporâneas. Sua obra Formação do Brasil contemporâneo é frequen-
temente considerada equivalente em importância a Casa-grande e senzala, 
de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. Seu 
conceito de “sentido da colonização” situa a fundação do Brasil como um 
centro de produção de bens de exportação. Essa conjuntura seria vista pelo 
autor como problemática para o desenvolvimento da América portuguesa 
como colônia, posto que teria tolhido a formação de um mercado interno 
e, consequentemente, de um país independente e economicamente forte.
O sentido da colonização
(PRADO JÚNIOR, 1957, p. 15-22)
[...] O sentido da evolução de um povo pode variar; acontecimentos 
estranhos a ele, transformações internas profundas do seu equilíbrio ou 
estrutura, ou mesmo ambas essas circunstâncias conjuntamente, poderão 
intervir, desviando-o para outras vias até então ignoradas. Portugal nos 
traz disso um exemplo frisante que para nós é quase doméstico. [...] No 
alvorecer do século XV, a história portuguesa muda de rumo. Integrado 
nas fronteiras geográficas naturais que seriam definitivamente as suas, 
constituído territorialmente o reino, Portugal se vai transformar num país 
marítimo; desliga-se, por assim dizer, do continente, e volta-se para o 
oceano que se abria para o outro lado; não tardará, com suas empresas e 
conquistas no ultramar, em se tornar uma grande potência colonial.
[...] Isso nos leva, infelizmente, para um passado relativamente longínquo 
e que não interessa diretamente ao nosso assunto. Não podemos contudo 
dispensá-lo, e precisamos reconstituir o conjunto da nossa formação colo-
cando-a no amplo quadro, com seus antecedentes, desses três séculos de 
atividade colonizadora que caracterizam a história dos países europeus a 
partir do século XV; atividade que integrou um novo continente na sua 
órbita, paralelamente aliás ao que se realizava, embora em moldes diver-
sos, em outros continentes: a África e a Ásia. [...]
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
1
21
[...] A expansão marítima dos países da Europa, depois do século XV, 
expansão de que o descobrimento e a colonização da América constituem 
o capítulo que particularmente nos interessa aqui, se origina de simples 
empresas comerciais levadas a efeito pelos navegadores daqueles países. 
Deriva do desenvolvimento do comércio continental europeu, que até o 
século XIV é quase unicamente terrestre, e limitado, por via marítima, 
a uma mesquinha navegação costeira e de cabotagem. Como se sabe, a 
grande rota comercial do mundo europeu que sai do esfacelamento do 
Império do Ocidente é a que liga por terra o Mediterrâneo ao mar do 
Norte, desde as repúblicas italianas, através dos Alpes, os cantões suíços, 
os grandes empórios do Reno, até o estuário do rio onde estão as cidades 
flamengas. No século XIV, mercê de uma verdadeira revolução na arte de 
navegar e nos meios de transporte por mar,outra rota ligará aqueles dois 
polos do comércio europeu: será a marítima que contorna o continente 
pelo estreito de Gibraltar. Rota que, subsidiária a princípio, substituirá 
afinal a primitiva no grande lugar que ela ocupava. O primeiro reflexo 
dessa transformação, a princípio imperceptível, mas que se revelará pro-
funda e revolucionará todo o equilíbrio europeu, foi deslocar a prima-
zia comercial dos territórios centrais do continente, por onde passava a 
antiga rota, para aqueles que formam a sua fachada oceânica: a Holanda, 
a Inglaterra, a Normandia, a Bretanha e a península Ibérica.
Esse novo equilíbrio firma-se desde o princípio do século XV. Dele derivará 
não só todo um novo sistema de relações internas do continente, como, 
nas suas consequências mais afastadas, a expansão europeia ultrama-
rina. O primeiro passo estava dado e a Europa deixará de viver recolhida 
sobre si mesma para enfrentar o oceano. O papel de pioneiro nessa nova 
etapa caberá aos portugueses, os melhores situados, geograficamente, 
no extremo dessa península que avança pelo mar. Enquanto holandeses, 
ingleses, normandos e bretões se ocupam na via comercial recém-aberta, 
e que bordeja e envolve pelo mar o ocidente europeu, os portugueses vão 
mais longe, procurando empresas em que não encontrassem concorrentes 
mais antigos e já instalados, e para que contavam com vantagens geográfi-
cas apreciáveis: buscarão a costa ocidental da África, traficando aí com os 
mouros que dominavam as populações indígenas. Nessa avançada pelo 
oceano descobrirão as ilhas (Cabo Verde, Madeira, Açores), e continuarão 
perlongando o continente negro para o sul. Tudo isso se passa ainda na 
primeira metade do século XV. Lá por meados dele começa a se dese-
nhar um plano mais amplo: atingir o Oriente contornando a África. Seria 
abrir para seu proveito uma rota que os poria em contato direto com as 
opulentas Índias das preciosas especiarias, cujo comércio fazia a riqueza 
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 22
das repúblicas italianas e dos mouros por cujas mãos transitavam até o 
Mediterrâneo. Não é preciso repetir aqui o que foi o périplo africano, rea-
lizado afinal depois de tenazes e sistemáticos esforços de meio século.
[...] Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era, 
que se convencionou com razão chamar dos “descobrimentos”, articu-
lam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio 
europeu. Tudo que se passa são incidentes da imensa empresa comercial a 
que se dedicam os países da Europa a partir do século XV, e que lhes alar-
gará o horizonte pelo oceano afora. Não têm outro caráter a exploração 
da costa africana e o descobrimento e colonização das ilhas pelos portu-
gueses, o roteiro das Índias, o descobrimento da América, a exploração e 
ocupação de seus vários setores. [...]
[...] Tudo isso lança muita luz sobre o espírito com que os povos da Europa 
abordam a América. A ideia de povoar não ocorre inicialmente a nenhum. 
É o comércio que os interessa, e daí o relativo desprezo por este território 
primitivo e vazio que é a América; e inversamente, o prestígio do Oriente, 
onde não faltava objeto para atividades mercantis. A ideia de ocupar, não 
como se fizera até então em terras estranhas, apenas como agentes comer-
ciais, funcionários e militares para a defesa, organizados em simples 
feitorias destinadas a mercadejar com os nativos e servir de articulação 
entre as rotas marítimas e os territórios ocupados; mas ocupar com povoa-
mento efetivo, isso só surgiu como contingência, necessidade imposta por 
circunstâncias novas e imprevistas. Aliás, nenhum povo da Europa estava 
em condições naquele momento de suportar sangrias na sua população, 
que no século XVI ainda não se refizera de todo das tremendas devasta-
ções da peste que assolou o continente nos dois séculos precedentes. Na 
falta de censos precisos, as melhores probabilidades indicam que em 1500 
a população da Europa ocidental não ultrapassava a do milênio anterior.
[...] Os problemas do novo sistema de colonização, envolvendo a ocupa-
ção de territórios quase desertos e primitivos, terão feição variada, depen-
dendo em cada caso das circunstâncias particulares com que se apre-
sentam. A primeira delas será a natureza dos gêneros aproveitáveis que 
cada um daqueles territórios proporcionará. A princípio, naturalmente, 
ninguém cogitará de outra coisa que produtos espontâneos, extrativos. 
É ainda quase o antigo sistema das feitorias puramente comerciais. Serão 
as madeiras, de construção ou tintoriais (como o pau-brasil entre nós) na 
maior parte deles; [...] Viria depois, em substituição, uma base econômica 
mais estável, mais ampla: seria a agricultura. [...]
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
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23
 Atividades
1. Discorra sobre o conceito de Sentido da Colonização, elaborado por Caio Prado Júnior.
2. Em que sentido a abordagem da obra O Arcaísmo como projeto diverge significativa-
mente da visão pradiana?
3. Que cuidados são necessários com relação ao tratamento das fontes primárias do 
período colonial?
 Referências 
BRASIL. Ministério da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional. A carta de Pero Vaz de Caminha. 
[1500]. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/Acervo_Digital/Livros_eletronicos/carta.pdf>. Acesso 
em: 21 mar. 2017.
CARDIM, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. São Paulo: Hedra, 2009 [1583-1601].
COSTA, Iraci del Nero da. Arraia-miúda: um estudo sobre os não-proprietários de escravos no Brasil. 
São Paulo: MGSP, 1992.
______. Nota sobre a não existência de modos de produção coloniais. São Paulo: IPE-FEA/USP, 1985.
______. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado Júnior. Cadernos NEHD, São Paulo, n. 3, 
1995.
FRAGOSO, João Luís; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como projeto: mercado atlântico, socie-
dade agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia, Rio de janeiro, c.1790-c.1840. Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
MENDONÇA, Heitor Furtado de. Primeira Visitação do Santo Ofício às partes do Brasil – Confissões 
da Bahia. São Paulo: Paulo Prado, 1922 [1591-92]. Disponível em: <https://archive.org/stream/primei-
ravisita00sociuoft#page/n5/mode/2up>. Acesso em: 1 dez. 2016.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo – colônia. São Paulo: Companhia das 
Letras, 2011.
VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1995.
 Resolução
1. É fundamental ressaltar aqui que Prado Júnior considerava a colonização do ter-
ritório brasileiro como uma extensão do projeto capitalista mercantil português, o 
que, em sua visão, impactou profundamente a história brasileira, repercutindo até 
a contemporaneidade. Fruto de um ideal burguês de expansão comercial, a Colônia 
estaria sempre fadada a ser um fornecedor de produtos tropicais de interesse da 
Métropole, incapaz de obter sua própria autonomia, mesmo com a independência 
política. A massa popular situada entre os senhores e os escravos seria irrelevante 
para tal projeto colonial.
Considerações sobre a 
historiografia da colonização brasileira1
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 24
2. Fragoso e Florentino percebem o projeto como uma implementação do Antigo Regi-
me no Novo Mundo, mais uma extensão do modelo aristocrático português que um 
devaneio de empreendedorismo burguês. Os autores sugerem um Brasil Colônia, ao 
menos em seu período tardio, muito mais flexível que aquele apresentado por Prado 
Júnior, onde as normativas do Pacto Colonial eram frequentemente tensionadas para 
permitir uma autonomia individual, especialmente no que dizia respeito à via do 
comércio, capaz de produzir riquezas individuais ainda mais pródigas que o cultivo 
da cana-de-açúcar pelos grandes latifundiários.
3. Assim como qualqueroutra forma de registro, as cartas e os relatos de viagem re-
fletem um ponto de vista, particularmente recuado no tempo, pois pertence a indi-
víduos confrontados com uma realidade radicalmente nova a seus olhos. No caso 
de relatos elaborados por missionários e administradores europeus sobre as popu-
lações nativas e sobre o modo de vida de colonos locais, é importante atentar para 
possíveis discursos normatizadores, pautados por interesses diversos.
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 25
2
Grupos indígenas brasileiros
Uma das concepções mais difundidas acerca da formação do povo brasileiro é 
a de que esse processo se deu pelas vias da miscigenação e da interação pacífica, até 
mesmo afetuosa, entres três “matrizes culturais”: a europeia, a indígena e a africana. 
Embora seja visível que componentes de todas essas vertentes étnicas contribuíram 
para a “invenção” do Brasil, a complexidade do processo de trocas culturais dificil-
mente poderia ser sintetizada em uma fórmula. A miscigenação não se deu sempre 
por vias consensuais, e grupos inteiros foram submetidos a circunstâncias de opres-
são, perda de território ou extermínio até que fosse constituída uma unidade nacional 
reconhecível como Brasil.
De todo modo, qualquer compreensão mais refinada da diversidade cultural que 
marcou a formação do Brasil colonial deve certamente passar pelo estudo das culturas 
indígenas que aqui viveram – e, em muitos casos, ainda vivem. É válido começar com 
um esclarecimento sobre o uso da palavra índio, que era empregada pelos europeus 
do século XVI para descrever nativos do Extremo Oriente (“as Índias”). Posto que o 
primeiro contato dos europeus com terras americanas os pôs a pensar que estas se tra-
tavam de território asiático, os povos que eles encontraram passaram a ser designados 
como índios, uma denominação que se perpetua até os dias atuais, com graus maiores 
ou menores de aceitação, dependendo do contexto. Outros termos ainda foram utiliza-
dos, tais como gentio, bárbaro, selvagem e negro da terra.
Grupos indígenas brasileiros2
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 26
A denominação índio ou indígena mostra-se particularmente enganosa, por encorajar 
a ideia de que esses povos constituem uma espécie de unidade coesa em termos de modo 
de vida, língua, religião ou organização social. Esses grupos são na verdade caracterizados 
por uma imensa diversidade, ainda que compartilhem a noção de continuidade relativa ao 
período pré-colombiano, a concepção de patrimônio cultural local como fato agregador da 
comunidade e um senso de si como entidade diferenciada do restante do conjunto nacional.
A teoria mais aceita atualmente é a de que as primeiras populações americanas teriam 
se originado de ondas migratórias provenientes da Ásia e, posteriormente, ramificaram-se 
em uma infinidade de sociedades, adotando modelos variados de vida ritual, subsistência 
e composição social.
Apesar de haver controvérsia entre autores que tratam do tema, os números estimados 
para a população indígena brasileira anterior ao contato com os europeus flutuam entre um 
e cinco milhões de indivíduos, compreendendo cerca de mil grupos diferentes. O antropólo-
go Darcy Ribeiro (2004) afirmou que, apenas no início do século XX, cerca de oitenta grupos 
teriam desaparecido devido a epidemias e ações violentas.
Considerando que essas sociedades eram ágrafas, nada deixaram em termos de registros 
por meio dos quais possamos reconstituir sua visão acerca da chegada dos invasores ou de 
toda a história que a precedeu. Tudo que se sabe dessas culturas do período pré-Cabralino 
parte de achados arqueológicos e de suposições elaboradas com base na grande quantidade 
de crônicas ou relatos de viagem escritos por exploradores europeus que estiveram no Brasil 
a partir do século XVI, como Jean de Léry e Hans Staden.
Há de se reconhecer, evidentemente, o impacto que tiveram essas culturas na língua 
falada, nos costumes praticados no Brasil e no modo como o território nacional veio a se 
organizar. No entanto, os grupos indígenas, longe de se configurarem como algo restrito a 
um passado colonial, são ainda hoje uma parcela relevante, embora de visibilidade restrita 
e sujeita a generalizações frequentes, do povo brasileiro. Assim, compreender a história des-
ses povos é fundamental para pintar um quadro mais completo da formulação histórica do 
Brasil colonial.
2.1 Organização social e cultural 
das comunidades indígenas
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons 
narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de co-
brir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar 
o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos 
brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum 
fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de 
dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como ro-
que de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no 
falar, no comer ou no beber. (BRASIL, 2017)
Grupos indígenas brasileiros
História do Brasil: do início da Colonização às Conjurações 
2
27
Essa descrição, contida na Carta de Pero Vaz de Caminha, de 1500, o escrivão da arma-
da de Pedro Álvares Cabral se refere aos primeiros nativos avistados por portugueses no 
território que se tornaria o Brasil. Tratava-se de tupiniquins, um povo falante de uma língua 
tupi, como vários outros que habitavam a costa brasileira. Com o tempo, vários elemen-
tos da cultura tupi foram assimilados à cultura brasileira, sendo inclusive abraçados pelos 
escritores românticos do século XIX. Desse modo, faz sentido que, nas mentes de muitos 
brasileiros, tupi e índio sejam quase termos intercambiáveis.
Entretanto, o contexto cultural é mais complexo. Há cerca de 150 línguas indígenas so-
breviventes no Brasil de hoje, por exemplo, as que pertencem aos troncos linguísticos tupi 
e macro-jê, além de várias outras famílias linguísticas extensas, como as línguas caribes e 
as aruaques, e línguas isoladas, como a trumái e a ticuna. Essa variedade linguística reflete 
uma diversidade de costumes e visões de mundo que ainda são objeto de interesse de pes-
quisadores de várias áreas.
Dentro desses grupos são várias as particularidades de ordem religiosa, artística e so-
cial observadas, mas também há pontos em comum entre eles. De modo geral, as sociedades 
indígenas encontradas pelos portugueses eram caracterizadas principalmente por adota-
rem uma economia de subsistência, sistemas políticos mais simples e um nível de elabora-
ção material relativamente menor que os europeus. Nenhum desses grupos dominava, por 
exemplo, a metalurgia, a irrigação, o uso de animais de tração (e, consequentemente, da 
tecnologia da roda) ou a arquitetura com alvenaria. Como foi observado por viajantes como 
Jean de Léry, esses povos não pareciam ter uma religião reconhecível aos olhos europeus, 
com templos, ídolos esculpidos, cultos organizados ou mesmo uma hierarquia rigorosa de 
deuses, segundo uma perspectiva teísta convencional.
No campo da organização social, os indígenas que se encontravam no território brasi-
leiro não possuíam instituições reconhecíveis como reinos, ministérios ou cúrias sacerdotais. 
As relações dentro das comunidades eram pautadas principalmente por questões de faixa 
etária, ancestralidade, gênero e vida ritual. Chefias com frequência eram baseadas no poder 
da oratória ou nas proezas militares de um indivíduo, nem sempre levando em conside-
ração a hereditariedade. As interações entre um povo e outro podiam variar de modelos 
tradicionais e rígidos de cooperação a alianças precárias e motivadas por necessidade, de 
francas inimizades a estados de relativa submissão motivadas por um histórico de conflito.
Costumes e rituais podiam interferir significativamente nessas relações intertribais, es-
pecialmentecom respeito às guerras. Os povos tupis da costa, por exemplo, guardavam o 
costume da antropofagia: inimigos capturados em combate eram conduzidos à aldeia dos 
vitoriosos, onde eram executados em um elaborado ritual, após o qual sua carne era consu-
mida. Acreditava-se que, entre inimigos tradicionais, como os tupinambás e os tupiniquins, 
a antropofagia era um dever de vingança ritual, já que um guerreiro compensava o consumo 
de seus ancestrais pelos inimigos consumindo os descendentes destes, em uma cadeia infi-
nita de vendetas intertribais.
Algumas das sociedades nativas do Brasil ainda eram predominantemente nômades, 
vivendo da caça, da pesca e da coleta de produtos sazonais da floresta. Outras desenvolviam 
essas atividades em complementaridade com um modelo de agricultura adaptado às terras 
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tropicais: a agricultura de coivara, que envolve o plantio em áreas recém-queimadas de flo-
resta, as quais são abandonadas para repousar e se recompor após algumas colheitas. Via de 
regra, as culturas coletoras desenvolveram repertórios materiais mais simples, enquanto as 
culturas agrárias criaram formas reconhecíveis de cerâmica, cestaria e tecelagem, por vezes 
decoradas com elaborados grafismos, ricos em simbologias.
Dado que desconheciam animais de tração, como o cavalo e o boi, completamente au-
sentes na fauna nativa das Américas, e seus implementos estavam restritos a tecnologias 
líticas (artefatos como machadinhas ou cortadores feitos de pedra) ou orgânicas (madeira, 
osso, couro), essas culturas desenvolviam suas atividades produtivas de forma diferente 
dos europeus, empregando o fogo como sua principal ferramenta e produzindo ambientes 
de cultivo que, visualmente, eram pouco semelhantes às fazendas europeias. Não se pode 
subestimar o choque representado pela chegada dos europeus, equipados com implementos 
de ferro, que facilitavam o trabalho agrícola, e armas de fogo, alterando significativamente 
o modo como se praticava a caça e a guerra.
Essa assimetria, somada a outros fatores conjunturais, como a questão religiosa, pro-
duziria um forte impacto nas culturas indígenas, que, apesar dos constantes atritos com os 
europeus, desenvolveriam também uma relação de dependência com os invasores, buscan-
do obter deles bens exóticos, como roupas, espelhos, ferramentas de ferro, armas de fogo e 
animais de criação.
Reforçando esse choque, a organização social dessas comunidades não apresentava 
classes sociais do modo compreendido pelo europeus, posto que os modelos econômicos 
que adotavam não permitiam acúmulo considerável de excedentes ou concentração de bens 
de vulto nas mãos de indivíduos específicos, até porque o conceito de riqueza imobiliária 
estava praticamente ausente do imaginário indígena. Enquanto os europeus estavam fami-
liarizados à rigidez dos estamentos sociais (nobreza/clero/burguesia/campesinato), a estrati-
ficação existente entre as populações indígenas brasileiras era pautada, conforme já foi dito, 
por questões de gênero e faixa etária. Na maioria das vezes, as mulheres eram responsáveis 
pela atividade agrícola, pelo processamento dos alimentos e pelos cuidados com as crianças 
pequenas, e os homens pela caça, pela pesca e por formas específicas de coleta, bem como 
pela fabricação de armas e implementos envolvidos nessas atividades. As crianças, de acor-
do com o gênero, eram educadas seguindo a rotina de atividades dos adultos, quando não 
tinham atribuições específicas. Os idosos com frequência tinham também uma rotina bem 
estabelecida de atividades produtivas diversificadas, posto que não poderiam mais se apli-
car com vigor em atividades extenuantes.
Nesse modelo produtivo, todos os indivíduos de determinado estrato (homens ou mu-
lheres, em determinada faixa etária) possuíam a gama de conhecimentos necessários para 
levar a cargo as atividades produtivas e rituais que eram deles esperadas, o que resultava na 
inexistência de “especialistas”. Ferreiros, carpinteiros e construtores não teriam lugar, por-
tanto, em uma sociedade onde o conjunto de tarefas é conhecido por todos os participantes, 
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em todas as etapas do processo. Ferreiros e joalheiros, em particular, não teriam razão de ser 
em uma sociedade que desconhecia a metalurgia.
Mesmo os chefes indígenas raramente apresentavam o caráter institucionalizado/sacra-
lizado que caracterizava os monarcas europeus, sem jamais possuírem a mesma extensão de 
poder. A escolha dos chefes podia ser ditada por habilidades particularmente acentuadas 
de liderança em combate e atividades produtivas ou pelo uso da oratória em ocasiões de ri-
tuais. Uma das poucas formas de especialidade encontradas em tais sociedades é a categoria 
dos xamãs ou pajés, palavra de origem tupi que se refere a curandeiros e líderes espirituais. 
Em certos grupos indígenas, todavia, o papel de condução de rituais pode ser pulverizado 
entre vários indivíduos, ou até mesmo entre todos os membros de uma comunidade em 
contextos específicos. Em muitos casos, o xamã não está isento de participar de atividades 
produtivas como a caça, por exemplo.
Portanto, ao contrário das sociedades encontradas pelos europeus nos Andes e no Vale 
do México, aquelas que residiam no território brasileiro não construíram cidades ou mesmo 
templos, nem desenvolveram uma arquitetura monumental, posto que seus sistemas reli-
giosos e civis não exigiam isso. Além disso, não havia aristocracias ou uma diversificação 
econômica que pudesse distinguir significativamente os membros de uma comunidade. Um 
trecho de Viagem à terra do Brasil, do francês Jean de Léry, comenta elogiosamente sobre esse 
modelo de organização:
É coisa quase incrível e de envergonhar os que consideram as leis divinas e hu-
manas como simples meios de satisfazer sua índole corrupta, que os selvagens, 
guiados apenas pelo seu natural, vivam com tanta paz e sossego. É evidente que 
me refiro a cada nação de per si ou às que vivem como aliadas, pois aos inimigos 
já sabemos como tratam. (LÉRY, 1980 [1578], p. 205-206)
A comunidade tupinambá, à qual se refere Léry, era aliada dos franceses e praticava 
a antropofagia ritual, assim como outros povos tupis, sacrificando inimigos capturados e 
consumindo sua carne. Mesmo repugnado por tal prática, o autor ressalta em mais de um 
momento o estado de paz que prevalecia dentro das aldeias brasileiras ou entre aldeias que 
possuíam alguma forma de aliança, ainda que não houvesse qualquer presença forte de 
ordenamento civil, ou seja, nenhum tipo de policiamento organizado ou regulação oficial 
institucionalizada por ministros, secretários, prefeitos etc. Na obra apresentada na Figura 1, 
o artista Jean-Baptiste Debret expõe o cotidiano das comunidades indígenas1.
1 É relevante notar que a maioria das imagens utilizadas neste material não foi produzida no período 
em análise, tendo sido elaboradas por artistas posteriores, atendendo às demandas dos respectivos 
períodos de produção. Afora o caso dos artistas holandeses no século XVII, testemunhos visuais das 
populações nativas do Brasil foram relativamente raros até meados do século XX, quando artistas 
franceses foram convidados pela Coroa portuguesa a se estabelecerem no território brasileiro, repre-
sentando então suas paisagens e seu povo. Jean-Baptiste Debret (1768-1848) foi um dos nomes mais 
relevantes entre esses artistas vindos da França.
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Figura 1 – DEBRET, Jean-Baptiste. Botocudos, Puris, Pataxós e Machacalis. 1834. Litografia sobre 
papel, color.: 21,1 x 32,6 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo.
O choque cultural que se seguiu ao contato entre colonizadores e nativos foi crucial 
para o desenrolar da história colonial. Em mais de um momento as concepções indígenas de 
religiosidademostraram-se incompatíveis com a assimilação dos princípios cristãos, assim 
como as noções de vida prática se revelaram incompatíveis com a assimilação de institu-
cionalidades e modelos econômicos europeus. Somados, esses fatores ajudaram na criação 
de um modelo colonial que frequentemente incorporaria os povos americanos, quando es-
tes não se conformavam às reduções jesuíticas, devidamente cristianizados e adequados ao 
modo de vida europeu, apenas como mão de obra escrava. Mais comum foi seu isolamento 
do convívio com o restante da sociedade colonial, como alvo óbvio de guerras e predação, 
situação que acarretaria grande número de conflitos no interior do território nos séculos por 
vir. Perduraria ainda o estranhamento entre esses dois “Brasis”, um devidamente configura-
do conforme modelos europeus, e outro apenas precariamente controlado, foco de disputas, 
distante das instituições civis e religiosas tradicionais.
2.2 Os aldeamentos e a escravidão indígena
Os indígenas representavam um problema para o processo colonizador português. Se 
fossem considerados humanos, o que era algo controverso entre os primeiros colonos e su-
jeito a diversas discussões entre os letrados do período, seriam súditos da Coroa portuguesa 
e não poderiam ser escravizados. Mas, se não pudessem ser escravizados, também não po-
deriam ser assimilados de forma alguma à sociedade que se pretendia construir nos trópi-
cos, pois viviam de forma muito distinta dos colonos.
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Em contato com essas pessoas tão diferentes na aparência, nos hábitos e na visão de 
mundo, muitos europeus começaram a avaliar se elas eram igualmente humanas ou se eles 
precisavam rever suas percepções sobre o que era humanidade. Frequentemente prevaleceu 
a visão de que a nudez, a linguagem, o paganismo e a antropofagia eram indicadores de 
barbarismo que deveriam ser suprimidos por meio do convívio e do trabalho forçado, e da 
subsequente cristianização forçada, ou pela via da “guerra justa” – o extermínio do “gentio 
bárbaro”, ameaçador da ordem civilizada.
Figura 2 – DEBRET, Jean-Baptiste. Índios soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros 
nativos. 1831. Litografia sobre papel: 20 x 32,5 cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo.
Além do choque cultural, a praticidade normalmente levava os colonos a flexibilizar 
os limites do legalismo, ditando suas próprias regras. Como necessitavam de escravos que 
pudessem empregar no cultivo de cana-de-açúcar, a exploração dos não cristãos (e, portan-
to, “não humanos”) como mão de obra forçada tornava-se um componente fundamental 
da economia da Colônia. A captura de nativos era uma forma conveniente de obter cativos 
para o trabalho agrícola, enfraquecendo – quando não eliminando – grupos indígenas que 
poderiam representar uma ameaça aos colonos.
Os colonizadores exploravam, em diversos momentos, as inimizades históricas entre os 
diferentes povos indígenas, aliando-se a alguns grupos com a finalidade de atacar e destruir 
ou escravizar indivíduos de outras comunidades. Povos aliados podiam, por exemplo, ser 
recompensados com bens, rendimentos e títulos. Algumas comunidades indígenas acaba-
riam por buscar alianças com os colonos, com a intenção de evitar sua própria destruição, 
enquanto outras, em vista dos conflitos crescentes, tornar-se-iam ainda mais inimigas.
As expedições que adentravam o território, com a finalidade de desbravar a Colônia em 
busca de minérios e outras riquezas naturais, eram conhecidas como entradas e bandeiras, 
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lideradas por capitães do mato, e também se dedicavam à prática do preamento, que en-
volvia a captura de indígenas para trabalhos forçados. Confrontar agrupamentos indígenas 
que não se encontravam sob a tutela de missionários era perfeitamente lícito, pois tais gru-
pos eram considerados resistentes à fé cristã e enfrentá-los constituía uma forma de guerra 
justa. Mesmo aqueles que se encontravam devidamente abrigados em reduções jesuíticas 
estavam sujeitos a ataques, uma vez que a simples aderência ao cristianismo não freava os 
impulsos predatórios de muitos capitães preadores de escravos. Índios em condição de pe-
núria poderiam ainda se vender, numa prática conhecida como escravidão voluntária, que 
foi regulamentada pelo administrador colonial Mem de Sá, em 1566.
Além da escravização, implementada com o uso da força, os colonos sujeitavam os in-
dígenas à condição servil por meio do trabalho assalariado e da aculturação2, empreendida 
principalmente pelos jesuítas, mas também por outras ordens religiosas, as quais introdu-
ziam os nativos a um novo modelo de ocupação da terra, que substituía sua organização 
tribal por um novo regime de trabalho e sua vida ritual pelo catolicismo. Esses indígenas 
eram batizados, recebiam nomes portugueses e deviam se portar como portugueses, como 
demonstra este excerto de uma carta do Padre José de Anchieta:
Todos êstes impedimentos e costumes são mui faceis de se tirar se houver temôr 
e sujeição, como se viu por experiencia desde do tempo do governador Mem 
de Sá até agora; porque com o os obrigar a se juntar e terem igreja, bastou para 
receberem a doutrina dos Padres e perseverar nela té agora, e assim será sempre, 
durando esta sujeição. (ANCHIETA, 1964 [1584], p. 333)
Figura 3 – RUGENDAS, Johann Moritz. Aldeia tapuia. 1824. Aquarela e grafite sobre papel: 15,5 x 
28,2 cm. Coleção da Arte da Cidade de São Paulo, São Paulo.
2 O contato intercultural pode se processar de várias maneiras, e a aculturação é uma das mais mar-
cantes entre essas dinâmicas. A aculturação se processa em relações culturais assimétricas, quando 
uma das culturas envolvidas se revela mais potente, ou seja, desfruta de maior alcance e influência. 
Nesses casos, a cultura menos influente acaba por adotar elementos da mais poderosa, o que pode 
resultar na extinção de muitos de seus caracteres identitários. Essa relação pode ser vista no caso 
dos grupos indígenas brasileiros que assimilaram muitos dos hábitos, da tecnologia e da religião de 
origem europeia. Há exemplos, no entanto, de casos de resistência cultural e hibridizações. Sobre o 
conceito, ver: MARCONI, Marina de Andrade; PRESOTTO, Zélia Maria Neves. Antropologia: uma in-
trodução. São Paulo: Atlas, 2006.
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Nos aldeamentos jesuíticos, os índios eram catequizados em sua própria língua, medi-
da utilizada pelos missionários para facilitar o processo de conversão. Com efeito, os jesuí-
tas esforçaram-se para sistematizar as línguas tupi por meio da criação de uma gramática. 
Muito do que ainda se conhece acerca do tupi antigo, falado por muitas comunidades da 
costa brasileira, deve-se aos esforços de pesquisa linguística dos missionários.
Nesses locais se desenvolvia um processo de “destribalização” que demandava uma 
aculturação radical: o trabalho agrícola, por exemplo, tradicionalmente uma atribuição fe-
minina nas sociedades tupis, precisava ser empreendido por todos, independentemente do 
gênero ou da faixa etária, o que poderia causar confrontos a princípio. O ensino de cânticos 
religiosos e métodos de construção e artesanato europeus acabava por descaracterizar o 
modo de vida também no nível estético e da vida doméstica.
Para além da aculturação, que transformava os indígenas efetivamente em súditos da 
Coroa portuguesa, os aldeamentos convertiam-nos em força produtiva e reserva militar con-
tra índios “bravios”, ou seja, aqueles que ainda não haviam sido aldeados.
Figura 4 – Ruínas da redução jesuítica de São Miguel Arcanjo, em São Miguel das Missões (RS).
Fonte: Jolkesky/iStockphoto.
A exploração dos indígenas como escravos só seria encerrada legalmente no século XVIII, 
via uma lei assinada pelo secretário de Estado do rei D. José I, o Marquêsde Pombal. É válido 
notar que mesmo antes disso, ainda em fins do século XVI, a escravidão indígena havia en-
trado em declínio, sendo gradualmente substituída pela escravidão negra, tanto pela acepção 
comum, entre os colonos, de que os indígenas eram pouco aptos ao trabalho pesado quanto 
por interesses envolvidos no lucrativo tráfico negreiro, que trazia cativos da África.
2.3 Costumes e permanências culturais
A cultura de um povo, expressão de sua identidade que se manifesta por meio de seu 
patrimônio material, de suas tradições e ritos, é uma cadeia dinâmica, não estática. Uma 
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cultura local ou nacional é tão definida pelas permanências de épocas passadas quanto pela 
assimilação de elementos novos.
Figura 5 – Casa em aldeia Kamayurá, no Alto Xingu (MT).
Fonte: Phototreat/iStockphoto.
As comunidades indígenas muitas vezes adotaram posturas diferentes em relação à 
administração colonial portuguesa, conforme o período colonial em questão, ou mesmo 
posteriormente, no que diz respeito ao território brasileiro. Os níveis de interação desses 
grupos com o restante do coletivo nacional variaram significativamente, desde uma roti-
na de trocas regulares a estados de isolamento, quando o histórico do contato se revelou 
traumático demais para permitir uma convivência mais estreita. Em todos os casos, porém, 
observam-se os efeitos duradouros e o impacto indelével do contato entre culturas radical-
mente diferentes.
Afora os topônimos de origem tupi que hoje permeiam amplamente a geografia brasi-
leira (nomes como Araraquara, Bertioga, Itaim, Ipiranga, Iguaçu, Paraíba, Sergipe, Ubatuba), as 
permanências mais visíveis de culturas indígenas na cultura brasileira podem ser observa-
das em práticas cotidianas fundamentais, como a arte popular e a medicina. A importância 
da cerâmica e da cestaria para a cultura popular brasileira, assim como o emprego comum 
de ervas e rituais como soluções para problemas de saúde, é também, certamente, herança 
das sociedades tradicionais pré-Cabralinas.
Além disso, os métodos de produção e processamento de alimentos são um marco im-
portante. A agricultura de coivara, por exemplo, foi preservada através dos séculos e con-
tinua a ser praticada em várias partes do território nacional. O cultivo da mandioca-brava 
é uma permanência particularmente relevante, já que se mantém como o item mais impor-
tante da agricultura da América tropical, mas também há exemplos de outras culturas agrí-
colas claramente relevantes para a culinária brasileira e que são parte da herança alimentar 
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indígena: o milho, a batata-doce, o cará, o feijão, o tomate, o amendoim, o tabaco, a abóbora, 
o urucu, as cuias e cabaças, o abacaxi, o mamão, a erva-mate e o guaraná, além de árvores 
como o caju, o pequi e o cacau.
 Ampliando seus conhecimentos
Sobre os canibais
(MONTAIGNE, 2009 [1580], p. 51)
[...] Eles são selvagens assim como chamamos selvagens os frutos que 
a natureza produziu por si mesma e por seu avanço habitual; quando 
na verdade os que alteramos por nossa técnica e desviamos da ordem 
comum é que deveríamos chamar de selvagens. Naqueles são vivas e 
vigorosas, e mais úteis e naturais, as virtudes e propriedades verdadeiras, 
e, nestes, nós as abastardamos adaptando-os ao prazer de nosso gosto 
corrompido. E por conseguinte, o próprio sabor e a delicadeza de diversos 
frutos daquelas paragens que não são cultivados são excelentes até para 
nosso próprio gosto, se comparados com os nossos: não é razão para que 
o artifício seja mais reverenciado que nossa grande e poderosa mãe natu-
reza. Sobrecarregamos tanto a beleza e a riqueza de suas obras com nossas 
invenções que a sufocamos totalmente. Seja como for, em qualquer lugar 
onde sua pureza reluz ela envergonha esplendidamente nossos vãos e frí-
volos empreendimentos:
Et veniunt bederae sponte sua melius,
Surgit et in solis formosior arbutus antris,
Et volucres nulla dulcius arte canunt.
[A hera cresce melhor por si só nas grutas solitárias;
O medronheiro cresce mais bonito,
E os pássaros têm um canto mais melodioso sem trabalho.]
Todos os nossos esforços não conseguem sequer reproduzir o ninho do 
menor passarinho, sua contextura, sua beleza e sua utilidade; tampouco 
a teia da miserável aranha. Todas as coisas, diz Platão, são produzidas 
pela natureza ou pela fortuna ou pela arte. As maiores e mais belas, por 
uma ou outra das duas primeiras; as menores e imperfeitas, pela última. 
Portanto, essas nações parecem assim bárbaras por terem sido bem 
pouco moldadas pelo espírito humano e ainda estarem muito próximas 
de sua ingenuidade original. As leis naturais ainda as comandam, muito 
pouco abastardadas pelas nossas; mas a pureza delas é tamanha que, por 
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vezes, me dá desgosto que não tenham sido descobertas mais cedo, na 
época em que havia homens que, melhor que nós, teriam sabido julgar. 
Desagrada-me que Licurgo e Platão não as tenham conhecido, pois pare-
ce-me que o que vemos por experiência naquelas nações ultrapassa não 
somente todas as pinturas com que a poesia embelezou a Idade de Ouro, e 
todas as suas invenções para imaginar uma feliz condição humana, como 
também a concepção e o próprio desejo de filosofia. Eles não consegui-
ram imaginar uma ingenuidade tão pura e simples como a que vemos 
por experiência e nem conseguiram acreditar que nossa sociedade conse-
guisse manter-se com tão pouco artifício e solda humana. É uma nação, 
eu diria a Platão, em que não há nenhuma espécie de comércio, nenhum 
conhecimento das letras, nenhuma ciência dos números, nenhum termo 
para magistrado nem para superior político, nenhuma prática de subor-
dinação, de riqueza, ou de pobreza, nem contratos nem sucessões, nem 
partilhas, nem ocupações além do ócio, nenhum respeito ao parentesco 
exceto o respeito mútuo, nem vestimentas, nem agricultura, nem metal, 
nem uso de vinho ou de trigo. As próprias palavras que significam men-
tira, traição, dissimulação, avareza, inveja, difamação, perdão são desco-
nhecidas. Como ele consideraria distante dessa perfeição a república que 
imaginou! [...]
Sobre o governo e as autoridades, 
e o que existe de ordem e de justiça
(STADEN, 2011 [1557], p. 122)
Entre os selvagens, não há um governo constituído e não há privilégios. 
Cada cabana tem um superior. Ele é o chefe. Todos os chefes são da mesma 
origem e têm o mesmo direito de dar ordens e governar. Disso cada um 
concluirá o que quiser. No caso de um deles se sobressair aos demais por 
atos de guerra, será mais seguido do que os outros numa campanha de 
guerra, como o antes mencionado Cunhambebe. Além disso, não eviden-
ciei nenhum privilégio entre eles, exceto que os mais jovens devem obe-
decer aos mais velhos, de acordo com o que exigem os costumes deles.
Se alguém bater ou atirar em outra pessoa de forma a matá-la, os parentes 
e amigos do morto podem ficar dispostos a matá-lo por sua vez, mas isso 
raramente ocorre. Os moradores de cada cabana obedecem ao chefe de 
cada uma delas. O que o chefe ordenar será feito, não por obrigação ou 
por temor, mas unicamente por boa vontade.
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Religião dos selvagens da América; erros 
em que são mantidos por certos trapaceiros 
chamados caraíbas; ignorância de Deus
(LÉRY, 1980 [1578], p. 205)
Embora seja aceita universalmente a sentença de Cícero, de que não há 
povo, por mais bruto, bárbaro ou selvagem que não tenha ideia da existên-
cia de Deus, quando considero os nossos tupinambás vejo-me algo emba-
raçado em lhe dar razão. Pois além de não ter conhecimento algum do 
verdadeiro Deus, não adoram quaisquer divindades terrestres ou celestes, 
como

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