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UNIDADE I

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Projetos em Educação 
Física Escolar I
Material Teórico
Responsável pelo Conteúdo:
Prof. Me. Pedro Xavier Russo Bonetto
Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
Paradigmas da Pesquisa Científica
• Introdução;
• O Paradigma Moderno;
• O Paradigma Emergente.
• Compreender o paradigma moderno de produção científi ca, sendo aquele pautado nos 
métodos rígidos de cada disciplina, no positivismo fi losófi co, de perfi l quantitativo, na co-
leta supostamente neutra de dados e nas conclusões generalizantes;
• Compreender o uma possível crise deste paradigma moderno, citando alguns exemplos de 
teses e teorias que deixaram de ser consideradas universais ou que se mostraram insufi -
cientes para resolver os nossos problemas;
• Compreender o o surgimento de um novo paradigma, denominado por ele de emergente, 
este mais complexo, fl exível e contextual. Agora os conhecimentos caros às Ciências Huma-
nas passam a ganhar importância, justamente porque se baseiam em uma visão antiposi-
tivista, transdisciplinar, de perfi l qualitativo e que produz conclusões provisórias e parciais.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
Paradigmas da Pesquisa Científi ca
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem 
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua 
formação acadêmica e atuação profissional, siga 
algumas recomendações básicas:
Assim:
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte 
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e 
horário fixos como seu “momento do estudo”;
Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma 
alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;
No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos 
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua 
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o 
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de 
aprendizagem.
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte 
Mantenha o foco! 
Evite se distrair com 
as redes sociais.
Mantenha o foco! 
Evite se distrair com 
as redes sociais.
Determine um 
horário fixo 
para estudar.
Aproveite as 
indicações 
de Material 
Complementar.
Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma 
Não se esqueça 
de se alimentar 
e de se manter 
hidratado.
Aproveite as 
Conserve seu 
material e local de 
estudos sempre 
organizados.
Procure manter 
contato com seus 
colegas e tutores 
para trocar ideias! 
Isso amplia a 
aprendizagem.
Seja original! 
Nunca plagie 
trabalhos.
UNIDADE Paradigmas da Pesquisa Científica
Introdução
Esta primeira unidade didática apresenta uma discussão sobre as formas de pro-
dução de conhecimento científico baseada nas obras do importante sociólogo por-
tuguês Boaventura de Sousa Santos.
Figura 1 – Boaventura de Sousa Santos
Fonte: sescsp.org.br
Boaventura de Sousa Santos nasceu em Coimbra, a 15 de novembro de 1940. Doutorado 
em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973), é Professor Catedrático Jubilado 
da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished Legal Scholar da 
Universidade de Wisconsin-Madison. Foi também Global Legal Scholar da Universidade de 
Warwick e Professor Visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres. É Diretor do 
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Obser-
vatório Permanente da Justiça Portuguesa. Temas de pesquisa: Epistemologia, sociologia 
do direito, teoria pós-colonial, democracia, interculturalidade, globalização, movimentos 
sociais, direitos humanos. Os seus livros têm sido publicados em português, inglês, italiano, 
espanhol, alemão, francês e chinês. Lei mais em: https://goo.gl/UnrTj
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Boaventura de Sousa Santos (2008) afirma que por volta do século XVI, 
Copérnico, Galileu e Newton foram os primeiros que tentaram afastar a ciência dos 
referenciais esotéricos e religiosos que dominavam a produção de conhecimento da 
época. Como sabemos, foi a custo de muita disputa, luta e sangue.
Figura 2 – Galileu Galilei
Fonte: iStock/Getty Images
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Importante!
Galileu Galilei foi um importante físico, astrônomo e matemático. Nascido em Pisa, 
Itália, é um personagem importante na chamada Revolução Científica do século 
XVI. É considerado o fundador do método científico e da Ciência Moderna. Foi o 
precursor da mecânica newtoniana, contribuindo com os primeiros estudos siste-
máticos do movimento uniformemente acelerado, do movimento do pêndulo, a lei 
dos corpos e o princípio da inércia. Desenvolveu telescópios, descobriu as manchas 
solares, as montanhas da Lua, as fases de Vénus, quatro dos satélites de Júpiter, 
os anéis de Saturno, as estrelas da Via Láctea. O físico desenvolveu ainda vários 
instrumentos, como a balança hidrostática, um compasso geométrico que permitia 
medir ângulos e áreas, um termómetro e o precursor do relógio de pêndulo. Entu-
siasta da teoria heliocentrista (os planetas se movem em órbita ao redor do sol) de 
Copérnico, Galileu foi proibido pela Igreja Católica de falar do heliocentrismo como 
realidade física, mas era permitido referir-se a este como hipótese matemática. 
No entanto, acusado de proferir conteúdos contra a doutrina católica, os livros de 
Galileu foram censurados e proibidos. Depois de um julgamento longo e atribulado 
foi condenado a renunciar publicamente a suas ideias e à prisão por tempo inde-
finido. Reza a lenda que, ao sair do tribunal após sua condenação, disse uma frase 
célebre: “Eppur si muove!”, “contudo, ela se move”, referindo-se à Terra. Galileu con-
segue atenuação da pena de prisão e já bastante doente morre em confinamento 
na sua própria casa.
Você Sabia?
Como vemos, o fermento de criação desta nova perspectiva científica estava 
crescendo a passos largos, uma transformação social e tecnológica sem prece-
dentes na história da humanidade se adiantava. Em seguida, a crescente urba-
nização das cidades, nascimento das sociedades industriais, Revolução Francesa 
(1789-1799), disseminação dos princípios iluministas e a criação do positivismo 
enquanto corrente filosófica, política e científica foram elementos que concluíram 
a mutação da produção do conhecimento, de uma ordem religiosa, dogmática, 
aristotélica e medieval para uma perspectiva mais técnica, supostamente neutra, 
disciplinar e realista.
Importante!
O positivismo é uma corrente filosófica surgida na França no começo do século XIX. 
Tem como principais idealizadores os pensadores Augusto Comte e John Stuart Mill. 
Enquanto doutrina filosófica, política e científica, ganhou força na Europa na se-
gunda metade do século XIX e começo do XX, período em que também chegou ao 
Brasil. De forma geral, defende que o conhecimento científico é o único capaz de 
produzir dados concretos (positivos) e o progresso da humanidade depende dos 
avanços científicos.
Importante!
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UNIDADE Paradigmas da Pesquisa Científica
O Paradigma Moderno
A partir da Revolução Científica do século XVI, com alguns prenúncios em sé-
culos posteriores, o modelo de racionalidade que preside a ciência moderna só se 
constituiu no século XIX.
É característica do chamado paradigma moderno sua preocupação com regras 
metodológicas bastante rígidas, sistemáticas e rigorosas. Nesta perspectiva, a mate-
mática fornece à ciência moderna um instrumento privilegiado de análise, tornan-
do-se a única lógica da investigação. De Galileu a Einstein, podemos notar que toda 
concepção de natureza está inscrita em caracteres geométricos.
Deste lugar central da matemáticana ciência moderna derivam duas consequ-
ências muito importantes. Em primeiro lugar, entende-se que todo ato de conhecer 
significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições, ou seja, só 
é relevante do ponto científico aquele problema ou objeto de estudo que pode ser 
quantificável. Estamos tratando aqui do chamado perfil quantitativo.
Importante!
PERFIL QUANTITATIVO
• Realidade investigada é objetivada;
• Metodologias padronizadas;
• Coleta de dados supostamente neutra;
• Coleta de dados em amostras;
• Utilização de informações numéricas;
• Uso rigoroso de unidades de medida;
• Análise estatística dos números;
• Conclusões probabilísticas.
Em Síntese
Uma segunda implicação que deriva deste paradigma moderno de produção do 
conhecimento é que do ponto de vista do método é necessário recortar problemas 
e objetos investigados, reduzindo, assim, a sua complexidade. Em outras palavras, 
entende-se que o mundo é complicado e a mente humana não o pode compreendê-
-lo completamente. Deste modo, para conhecê-lo é necessário dividir e classificar, 
para só depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou.
Outras consequências relacionadas com tais características são a extrema espe-
cialização dos problemas e objetos de pesquisa, seguida pela disciplinaridade em 
que as pesquisas são enquadradas.
Biologia 
Humana
Ciencias 
Biológicas
Anatomia Nutrição Citologia e 
Bioquímica
Figura 3 – Exemplo de Especialização do Conhecimento
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Dando continuidade à caracterização do paradigma moderno de produção do 
conhecimento, citamos um dos elementos mais importantes deste modelo. A ne-
cessidade de transformação de um conhecimento causal à luz de regularidades 
observadas, com vistas a prever o comportamento futuro dos fenômenos. Tem-se, 
então, a produção de um conhecimento baseado na formulação de leis, que, por 
sua vez, tem como pressuposto metateórico a ideia de ordem e de estabilidade do 
mundo, em que o passado se repete no futuro.
Deste modo, o mundo é compreendido como uma máquina, cujas operações 
se podem determinar exatamente por meio de leis físicas e matemáticas. Trata-se 
também de um mundo estático e eterno, que o racionalismo cartesiano torna cog-
noscível por via da sua decomposição nos elementos que o constituem. Esta ideia 
do mundo-máquina é de tal modo poderosa, que se vai transformar na grande 
hipótese universal da época moderna, o mecanicismo.
Ainda de acordo com Boaventura Sousa Santos (2008), o determinismo mecani-
cista é o horizonte certo de uma forma de conhecimento que se pretende utilitário 
e funcional, reconhecido menos pela capacidade de compreender profundamente 
o real do que pela capacidade de o dominar e transformar. A consagração da ciên-
cia moderna nestes últimos quatrocentos anos naturalizou a explicação do real, a 
ponto de não o podermos conceber senão nos termos por ela propostos.
Desenvolve-se aí uma ideia geral, um modelo global de racionalidade, baseado 
no domínio das ciências naturais, que se distingue e produz fronteiras bastante rígi-
das com outros dois tipos de saberes considerados não científicos, logo irracionais: 
o senso comum e as humanidades (incluem-se aí os estudos históricos, literários, 
filosóficos e teológicos).
Conhecimentos advindos 
do método cientí�co
- Senso comum;
- Ciências Humanas;
- Dogmas religiosos.
Figura 4 – Paradigma moderno
As ciências humanas ficam tradicionalmente subjugadas neste paradigma, pois 
não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair o real para depois 
buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada. Ou seja, 
as ciências humanas não podem estabelecer leis universais porque os fenômenos 
sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados.
Em outras palavras, as ciências sociais não podem produzir previsões generali-
zantes, porque os seres humanos modificam o seu comportamento em função do 
conhecimento que sobre ele se adquire. As ciências sociais não podem ser neutras 
porque o cientista social não pode se separar do ato de observação, dos valores que 
fundamentam a sua prática. Possuem como ponto fundamental o método qualitativo.
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UNIDADE Paradigmas da Pesquisa Científica
Importante!
PERFIL QUALITATIVO
• Realidade investigada é subjetiva;
• Metodologias construídas ativamente;
• Coleta de dados assumidamente comprometidas;
• Produção de dados;
• Análise de discursos, enunciados, materiais empíricos, etc;
• Uso rigoroso de argumentações e teses;
• Análise a partir de referenciais das Ciências Humanas;
• Conclusões provisórias e contextuais.
Em Síntese
O paradigma moderno em crise
São hoje muitos e fortes os sinais de que o modelo de racionalidade científica que aca-
bamos de descrever em alguns dos seus traços principais atravessa uma profunda crise.
Sousa Santos (2008) defende ainda que essa crise não é só profunda como 
irreversível. A crise do paradigma dominante é resultado de uma pluralidade de 
condições sociais e teóricas. Sobretudo, partem de uma grande desconfiança sobre 
as respostas, promessas de desenvolvimento, evolução e resolução dos problemas 
em âmbitos dos mais diversos.
O sociólogo português afirma ainda que se instalou em nós uma sensação de perda 
irreparável, tanto mais estranha quanto não sabemos ao certo o que estamos em vias 
de perder; ainda assim, admitimos que essa sensação de perda seja apenas a cortina de 
medo atrás da qual se escondem as novas abundâncias da nossa vida individual e coletiva.
Pensemos, por exemplo, no papel de todo o conhecimento científico acumulado 
no enriquecimento ou no empobrecimento prático das nossas vidas, ou seja, qual tem 
sido a contribuição positiva ou negativa da ciência para a nossa felicidade? Ela atinge 
a todos? Ela resolve nossos maiores problemas? As respostas têm sido satisfatórias?
Figura 5
Fonte: iStock/Getty Images
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Leia o artigo “Mundo produz comida sufi ciente, mas fome ainda é uma realidade”, de Rafael 
Iandoli, disponível no link: https://goo.gl/zQaNoHEx
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Nessa análise, podemos pensar, por exemplo, que a ciência moderna tanto pro-
duz conhecimentos como desconhecimentos. Ela produz tanto benesses, quanto 
estragos, danos e malefícios. E que ela promete resolver os nossos problemas, mas 
também cria novos.
Outro aspecto diz respeito à provisoriedade dos conhecimentos científicos que 
em certas épocas e contextos nos contaram como verdades universais e se trans-
formaram em leis rígidas e constituintes do nosso universo real, mas que se mos-
traram precárias e inacabadas.
Boaventura (2008) alerta que não se trata de um argumento externo ao próprio 
paradigma moderno, ao contrário. Essa desconfiança tem se apresentado, sobre-
tudo, a partir da continuidade das próprias pesquisas científicas pautadas nesta 
concepção. Ou seja, o aprofundamento do conhecimento permitiu ver a fragilidade 
dos pilares em que se funda. Por exemplo, Albert Einstein relativizou o rigor das 
leis de Newton no domínio da astrofísica, com as teorias da mecânica quântica e 
microfísica em confronto com a mecânica moderna.
Figura 6 – Albert Einstein
Fonte: iStock/Getty Images
Einstein produziu o primeiro rombo no paradigma da ciência moderna quando elaborou a 
teoria da relatividade da simultaneidade. De forma simplifi cada, demonstra que a simulta-
neidade de acontecimentos distantes não pode ser verifi cada, pois não havendo simultanei-
dade universal, o tempo e o espaço absolutos de Newton deixam de existir. Dois aconteci-
mentos simultâneos em um sistema de referência não são simultâneos em outro sistema de 
referência. As leis da física e da geometria moderna assentam-se em medições locais, logo a 
nova teoria veio a revolucionar as nossas concepções de espaço e de tempo.
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UNIDADE Paradigmas da Pesquisa Científica
Sousa Santos (2008) cita ainda Wener Karl Heisenberg (1901-1976, Nobel 
de Física em 1932) e Niels Henrick David Bohr (1885-1962) como outros exem-
plos. Eles demonstraram que não épossível observar ou medir um objeto sem 
interferir nele, sem o alterar, a tal ponto que o objeto que sai de um processo de 
medição não é o mesmo que lá entrou. Este princípio, e, portanto, a demonstra-
ção da interferência estrutural do sujeito no objeto observado, tem trazido sérias 
implicações, pois sendo estruturalmente limitado o rigor do nosso conhecimen-
to, só podemos aspirar a resultados aproximados, as leis da física tornam-se tão 
só probabilísticas.
Assim, estes movimentos científicos e as demais inovações teóricas, produzem 
uma nova concepção da matéria e da natureza, uma concepção dificilmente recon-
ciliável com a que herdamos da física clássica.
Essa crise do conhecimento científico produzido pelo paradigma dominante tem 
propiciado uma profunda reflexão epistemológica sobre o conhecimento científico, 
uma reflexão de tal modo rica e diversificada que caracteriza exemplarmente a situ-
ação intelectual do tempo presente.
Sousa Santos (2008) propõe, então, que em vez da eternidade, pensemos na 
história; em vez do determinismo, pensemos na imprevisibilidade; em vez do meca-
nicismo, na interpenetração, na espontaneidade e na autoorganização; em vez da 
reversibilidade, em vez da ordem, a desordem; em vez da necessidade, a criativida-
de e o acidente.
O Paradigma Emergente
Depois da euforia cientista do século XIX e da consequente aversão à reflexão das 
Ciências Humanas, bem simbolizada pelo positivismo, chegamos a finais do século XX 
possuídos pelo desejo quase desesperado de complementarmos o conhecimento das 
coisas com o conhecimento de nós próprios.
Nesta nova perspectiva, defende-se, então, a importância de um olhar complexo, 
menos especializado que o do modelo anterior. As ciências humanas, que antes fo-
ram subestimadas, pois não dialogavam com o método científico, agora retomam 
sua importância. Esse movimento se produz quando o conhecimento científico 
percebe que a polarização entre o que é próprio do ser humano e o que é natural 
começa a não fazer mais sentido.
Deste modo, a investigação dos problemas e objetos de pesquisa passam a con-
siderar não somente o paradigma moderno e o método científico tradicional, mas 
também a suspeitar que as respostas não podem mais ser tão objetivas. Por isso, 
valorizam as metodologias de perfil qualitativas e/ou mistas. Boaventura (2008) apre-
senta, então, algumas teses e justificativas que constituem esse novo paradigma.
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Ideia Chave 1: Todo conhecimento 
científi co-natural também é científi co-social
A distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter 
sentido e utilidade. Esta distinção assenta-se numa concepção mecanicista da ma-
téria e da natureza a que contrapõe, com pressuposta evidência, os conceitos de ser 
humano, cultura e sociedade.
O conhecimento do paradigma emergente tende, assim, a ser um conhecimento 
não dualista, um conhecimento que se funda na superação das distinções tão fami-
liares e óbvias que até há pouco considerávamos insubstituíveis, tais como:
Tabela 1
Natureza Cultura
Natural Artificial
Vivo Inanimado
Mente Matéria
Observador Observado
Subjetivo Objetivo
Coletivo Individual
Animal Pessoa
Não basta, porém, apontar a tendência para a superação da distinção entre 
ciências naturais e ciências sociais, é preciso conhecer o sentido e conteúdo dessa 
superação em uma reflexão mais aprofunda - por exemplo: no conteúdo teórico das 
ciências que mais têm progredido no conhecimento da matéria, verificamos cada 
vez mais a análise da natureza e com o auxílio de conceitos, teorias, metáforas e 
analogias próprios das ciências sociais.
Por exemplo, tanto a teoria das estruturas dissipativas de Ilya Prigogine (1917-2003) quanto 
a teoria sinergética de Hermann Haken (1927) explicam o comportamento das partículas 
através dos conceitos de revolução social, violência, escravatura, dominação, democracia 
nuclear, todos eles originários das ciências humanas. O mesmo acontece, no campo da física 
teórica, com as teorias de Frijof Capra (1939) sobre a relação entre física e psicanálise, os 
padrões da matéria e os padrões da mente concebidos como refl exos uns dos outros.
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Este é o sentido global da transição de paradigmas científicos que estamos vi-
vendo, seguido também pela reconceitualização das condições epistemológicas e 
metodológicas do conhecimento científico.
A concepção humanística das ciências sociais enquanto agente catalisador da 
progressiva fusão das ciências naturais e ciências sociais coloca a pessoa enquanto 
autor e sujeito do mundo.
A superação da dicotomia ciências naturais e ciências sociais tende a revalorizar 
as ciências humanas. Mas esta revalorização não ocorrerá sem que as humanidades 
sejam, elas também, profundamente transformadas.
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UNIDADE Paradigmas da Pesquisa Científica
Ideia Chave 2: Todo conhecimento total é local
Como já citado, na ciência moderna o conhecimento avançou pela especializa-
ção. O conhecimento é mais rigoroso quanto mais restrito é o objeto sobre que inci-
de. Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado, 
isto é, segregado em um corpo de conhecimento, criado para policiar as fronteiras 
entre as disciplinas e reprimir os que as quiserem transpor.
Hoje é reconhecido que a excessiva parcialização e disciplinarização do saber 
científico fez de certos cientistas ignorantes especializados e que isso acarretou efeitos 
negativos. Esses efeitos são, sobretudo, visíveis no domínio das ciências aplicadas.
No paradigma emergente, o conhecimento é total, tem como horizonte a totalida-
de universal. Mas sendo total, é também local. Constitui-se em redor de temas que 
em dado momento são adotados por grupos sociais concretos como projetos de vida 
locais, sejam eles reconstituir a história de um lugar, manter um espaço verde, cons-
truir um computador adequado às necessidades locais, fazer baixar a taxa de mor-
talidade infantil, inventar um novo instrumento musical, erradicar uma doença, etc.
A fragmentação no novo paradigma de produção do conhecimento não é mais 
disciplinar e sim temática.
Os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos 
outros. Exemplo de temas educacionais: formação de professores, indisciplina, fun-
ção social da escola e direção escolar.
O conhecimento emergente, sendo total, não é determinista e sendo local, não 
é somente descritivo. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade. 
As condições de possibilidade da ação humana projetada no mundo a partir de um 
espaço-tempo local. Um conhecimento deste tipo é relativamente sem metodologia 
específica, pois constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica.
Cada método é uma linguagem e a realidade só pode ser respondida na língua em que 
é perguntada.Ex
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Ideia Chave 3: Todo conhecimento é autoconhecimento
Como vimos, a ciência moderna consagrou o homem enquanto sujeito epistêmi-
co, mas expulsou-o enquanto sujeito empírico. Um conhecimento objetivo, realista 
e neutro não tolera a interferência dos valores humanos ou religiosos.
Já no paradigma emergente, todo conhecimento científico é autoconhecimento. 
Pois nesta concepção a ciência não descobre as coisas, ela cria, é um ato criativo 
protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica no seu conjunto.
Os pressupostos metafísicos, os sistemas de crenças, os juízos de valor, antes 
excluídos e negados, agora não estão antes nem depois da explicação científica da 
natureza ou da sociedade, são parte integrante dessa mesma explicação.
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A ciência moderna agora não é vista mais como a única explicação possível 
da realidade e não há sequer qualquer razão científica para considerá-la melhor 
que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte 
ou da poesia.
Hoje o caráter autobiográfico e autorreferencial da ciência é plenamente assu-
mido. Na ciência do paradigma emergente, a qualidade do conhecimento refere-se 
menos pelo que ele controlaou faz funcionar no mundo exterior do que pela satis-
fação pessoal que dá a quem ele ajuda e o partilha.
Nessa esteira, a dimensão estética da ciência tem sido reconhecida por cientistas 
e filósofos da ciência. Assim ressignificado, o conhecimento científico ensina a viver 
e traduz-se em um saber prático.
Ideia Chave 4: Todo conhecimento científi co 
visa transformar-se em senso comum
A ciência moderna construiu-se contra o senso comum, que considerou super-
ficial, ilusório e falso. Já o paradigma emergente de produção de ciência procura 
reabilitar o senso comum, pois sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si 
mesma, racional. A tendência agora é tentar o diálogo do conhecimento científico 
tradicional com outras formas de conhecimento.
Sem medo da vulgaridade do conhecimento do senso comum, compreende-se 
agora o conhecimento prático com que no quotidiano orientamos as nossas ações 
e damos sentido à nossa vida.
Reconhecemos, cada vez mais, nesta forma de conhecimento algumas virtuali-
dades para enriquecer a nossa relação com o mundo. O senso comum faz coincidir 
causa e intenção; supera uma visão do mundo assentada na ação e no princípio da 
criatividade e da responsabilidade individuais. O senso comum é prático e pragmá-
tico; reproduz-se colado às trajetórias e às experiências de vida de um dado grupo 
social e nessa correspondência se afirma confiável e eficiente.
Importante!
O senso comum é transparente e evidente, ele desconfi a dos objetivos tecnológicos e do 
esoterismo do conhecimento em nome do princípio da igualdade do acesso ao discurso.
Importante!
O senso comum é indisciplinar e sem método específico, ele não resulta de uma 
prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente 
no fazer quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe; 
privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real.
O paradigma emergente de produção científica, ao sensocomunizar-se, não des-
preza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhe-
cimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico 
deve traduzir-se em sabedoria de vida.
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UNIDADE Paradigmas da Pesquisa Científica
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
 Livros
Modernidade líquida 
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam
STAKE, E. ROBERT. Pesquisa qualitativa: estudando como as coisas funcionam. 
Porto Alegre: Penso, 2011.
 Leitura
Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes
SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia 
de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, 3-46, 2007.
https://goo.gl/JF7SXn
A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e desafios
CHIZZOTTI, A. A pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais: evolução e 
desafios. Revista Portuguesa de Educação, 16 (2), p. 221-236, 2003.
https://goo.gl/swVY2k
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Referências
SOUSA SANTOS, B. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2008.
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