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Montes Claros/MG - 2014 Cecídia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Geisa Magela Veloso Silvina Fonseca Corrêa 2ª edição atualizada por Cecídia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Fundamentos e Metodologia da Alfabetização 2ª EDIÇÃO 2014 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Humberto Velloso Reis EDITORA UNIMONTES Conselho Consultivo Antônio Alvimar Souza César Henrique de Queiroz Porto Duarte Nuno Pessoa Vieira Fernando Lolas Stepke Fernando Verdú Pascoal Hercílio Mertelli Júnior Humberto Guido José Geraldo de Freitas Drumond Luis Jobim Maisa Tavares de Souza Leite Manuel Sarmento Maria Geralda Almeida Rita de Cássia Silva Dionísio Sílvio Fernando Guimarães Carvalho Siomara Aparecida Silva CONSELHO EDITORIAL Ângela Cristina Borges Arlete Ribeiro Nepomuceno Betânia Maria Araújo Passos Carmen Alberta Katayama de Gasperazzo César Henrique de Queiroz Porto Cláudia Regina Santos de Almeida Fernando Guilherme Veloso Queiroz Jânio Marques Dias Luciana Mendes Oliveira Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Maria Aparecida Pereira Queiroz Maria Nadurce da Silva Mariléia de Souza Priscila Caires Santana Afonso Zilmar Santos Cardoso REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Carla Roselma Athayde Moraes Waneuza Soares Eulálio REVISÃO TÉCNICA Karen Torres C. Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Viviane Margareth Chaves Pereira Reis DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camila Pereira Guimarães Camilla Maria Silva Rodrigues Fernando Guilherme Veloso Queiroz Magda Lima de Oliveira Sanzio Mendonça Henriiques Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS/ Unimontes Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH/Unimontes Antônio Wagner Veloso Rocha Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA/Unimontes Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Comunicação e Letras/Unimontes Mariléia de Souza Chefe do Departamento de Educação/Unimontes Andréa Lafetá de Melo Franco Chefe do Departamento de Educação Física/Unimontes Rogério Othon Teixeira Alves Chefe do Departamento de Filosofi a/Unimontes Ângela Cristina Borges Chefe do Departamento de Geociências/Unimontes Anete Marília Pereira Chefe do Departamento de História/Unimontes Francisco Oliveira Silva Jânio Marques Dias Chefe do Departamento de Estágios e Práticas Escolares Cléa Márcia Pereira Câmara Chefe do Departamento de Métodos e Técnicas Educacionais Helena Murta Moraes Souto Chefe do Departamento de Política e Ciências Sociais/Unimontes Carlos Caixeta de Queiroz Ministro da Educação José Henrique Paim Fernandes Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Narcio Rodrigues da Silveira Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitor de Ensino/Unimontes João Felício Rodrigues Neto Diretor do Centro de Educação a Distância/Unimontes Jânio Marques Dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Autores Cecídia Barreto Almeida Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Montes Claros(1992). Especialista em Docência do Ensino Superior. Mestre em Educação, Comunicação e Administração. Pesquisadora na área de Formação de Professores Alfabetizadores. Professora da Universidade Estadual de Montes Claros na área de Educação e Linguagem, tem ampla experiência como professora alfabetizadora na educação infantil e na educação básica. Professora formadora da UAB – Unimontes. Claudia Aparecida Ferreira Machado Graduada em Pedagogia pela FUNM, atual Unimontes (1981-1983), tem especialização Lato Sensu em alfabetização pela PUC/MG (1992/1994); é Mestre em Educação pela PUC. Exerceu a função de Supervisora Pedagógica na rede Municipal de Montes Claros, de Professora da rede Estadual de Ensino no Ensino Fundamental e Médio. Atua como Professora da Universidade Estadual de Montes Claros desde 1995 e coordena o Pró-Licenciatura. Geisa Magela Veloso Graduada em Pedagogia pela FUNM, atual Unimontes (1982-1985); tem especialização lato sensu em Literatura Infantil e Juvenil pela PUC-MG (1992-1994); é Mestre em Educação pela UFMG (2000-2001) e Doutora em Educação pela UFMG (2004-2008). Exerceu atividade profissional como supervisora pedagógica na rede municipal de ensino de Montes Claros (1985- 2004) e como professora do Curso de Magistério/ nível médio (1986, 1992-1997). Desde 1998 é professora da Unimontes, com pesquisa e docência no campo de Educação e Linguagem. Silvina Fonseca Corrêa Mestre em Ciências da Educação - Com o tema “Contribuições da Psicanálise para Formação do Educador,para a Educação e para Escola.” pela Universidad San Lorenzo-UNISAL/ PY gerenciado pelo Centro de Orientação e Organização Psicanalítica - CORPO. Especializou-se em Supervisão Educacional pela PUC/MG. Graduada em Pedagogia com Habilitação em Supervisão Escolar de 1º grau; Orientação Educacional e Ensino das Disciplinas e Atividades Práticas, pela Fundação Norte-Mineira de Ensino Superior, FUNM/ Unimontes. Supervisão Escolar de 1º e 2º graus. UFSCAR. Professora Conteudista e Formadora da Disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino Fundamental e Médio - UAB/Unimontes. Diretora da empresa de Consultoria Educacional - Instituto Pólis – Montes Claros/MG. Sumário Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Alfabetização e letramento no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 Implicações individuais e sociais da alfabetização e do analfabetismo . . . . . . . . . . . .11 1.3 Conceituando alfabetização e analfabetismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 1.4 O analfabetismo até a década de 1980 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 1.5 O analfabetismo no Brasil a partir da década de 1990. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18 1.6 Alfabetização na perspectiva do letramento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .20 1.7 Conceituando alfabetismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.8 Políticas públicas para jovens e adultos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .26 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 Escrita: evolução histórica e sua construção pela criança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 2.2 A história e a evolução da escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 2.3 O que é um Pictograma? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.4 E o que é escrever alfabeticamente? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 2.5 A invenção do alfabeto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.6 Contribuições da psicolinguística para a alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 2.7 O que é psicogênese da língua escrita? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .35 2.8 Níveis de escrita, conforme a Psicogênese da Língua Escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .37 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 Contribuição dos estudos linguísticos e sociolinguísticos ao ensino-aprendizagem da língua escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 3.2 Conceituando a linguística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 3.3 Estudos sobre consciência fonológica e suas implicações na alfabetização . . . . . . . 48 3.4 Contribuições da sociolinguística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.5 A alfabetização numa perspectiva sociocultural. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52 3.6 Implicações pedagógicas do conceito de ZDP. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Unidade 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Processo de ensino-aprendizagem da língua escrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 4.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 4.2 Os métodos e processos de alfabetização - conceituando métodos e processos de alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 4.3 Proposta construtivista de alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63 4.4 Capacidades a serem desenvolvidas no processo de aquisição da leitura e escrita 66 4.5 O ambiente alfabetizador e a organização da sala de aula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .70 4.6 O planejamento de ensino e os recursos materiais e didáticos para alfabetização. .76 4.7 A avaliação da leitura e escrita e os resultados da avaliação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .78 4.8 A prática docente no ciclo inicial de alfabetização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .81 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .82 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . .87 Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .93 9 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização Apresentação Prezado(a) Acadêmico(a): Estamos iniciando nosso estudo sobre os Fundamentos e a Metodologia da Alfabetização. Queremos cumprir, entre outras atribuições, a de ajudá-lo(a) a compreender, da melhor forma possível, a lógica da construção deste caderno da disciplina e dos temas em debate. Para falarmos de Alfabetização e Letramento, precisamos, primeiramente, compreender que a escrita e a leitura são conhecimentos produzidos pelo homem e que, para serem aprendidos, é preciso que sejam ensinados e (re) construídos pelo educando. Veremos ainda que esse campo de conhecimento tem sido alterado conforme as deman- das de leitura e escrita da sociedade. Dentre essas alterações, destacam-se as discussões sobre o analfabetismo funcional e o letramento, como também a ampliação dos sentidos atribuídos à alfabetização e o reconhecimento de suas especificidades. Nesta unidade também iremos falar de Letramento, entender o fenômeno do Analfabetismo brasileiro, analisar dados estatísticos e questões conceituais, entre elas a questão do Analfabeto Funcional. Além desses conceitos, vamos estudar, discutir, entender os Métodos e Processos de Alfabe- tização, o que ajudará você no exercício atual ou posterior da docência, quer seja em classes de alfabetização ou outras classes do ensino fundamental, tomar decisões de como aplicá-los em fa- vor do ensino e aprendizagem das crianças brasileiras, fazendo da leitura, da escrita, da contação de histórias, da produção de textos, das práticas da oralidade e o uso dos conhecimentos linguís- ticos momentos significativos na escola e nas práticas sociais cotidianas. As unidades que compõem o caderno didático do aluno foram organizadas com intenção de que as leituras e estudos realizados oportunizem a percepção dos fundamentos teórico-prá- ticos e os resultados que permeiam a questão da alfabetização no Brasil. Ainda pretendemos de- monstrar a necessidade de construção de um trabalho eficaz, de forma que os resultados em sala de aula possam contribuir com a qualidade dos processos educativos e corrigir as taxas do anal- fabetismo brasileiro, bem como demonstrar a evidência de que os sistemas educacionais vêm formando outros analfabetos, nesse caso, frequentando a escola. Então, será que os sistemas de ensino estão produzindo analfabetos escolarizados? Pretendemos que o nosso trabalho seja baseado em compromissos e hábitos de estudos individuais, em pequenos grupos, em grupos diversificados e/ou na coletividade, mas sempre vi- sando à construção de um novo conhecimento ou reforçando posições teóricas consolidadas e de acordo com o que há de mais atual sobre os temas que estamos discutindo. Muitas vezes, você estará tratando de temas já conhecidos, mas é bom que isso sirva de ins- trumentos de reflexão, revisão de práticas pedagógicas e estratégias de alfabetização, que pos- sam ajudar a resolver um dos grandes problemas da educação – o analfabetismo. A participação de todos será determinante para a construção de uma educação a distância com mérito, desde a organização e funcionamento dessa modalidade de ensino, dentro dos pa- râmetros da legislação brasileira, assim, também, de parâmetros de formação de formadores de crianças, adolescentes e jovens, adultos e idosos, pois, no Brasil, todos têm direito a uma educa- ção de qualidade.Portanto a sua participação e a do seu colega são de extrema importância para o bom andamento das atividades e trabalhos propostos. Esteja atento(a) aos temas apresentados, com as orientações no decorrer deste estudo e faça das propostas e situações momentos inovadores e desafiadores que possibilitem a sua for- mação de docente alfabetizador e a construção de uma nova prática educativa, uma prática no âmbito da alfabetização e do letramento. Esperamos que as oportunidades oferecidas tragam, para sua formação, novos olhares, novas competências e habilidades num processo de ensino-aprendizagem e avaliação, que se pretende seja sempre eficaz para as crianças brasileiras. Isso porque, nesta disciplina, discutire- mos fundamentos teóricos e implicações pedagógicas da alfabetização e do letramento, de for- ma que você possa compreender que aprender a ler e escrever é um processo complexo, que se inicia antes da escolarização formal, cujos usos integram a vida das pessoas. Esperamos que compreenda que alfabetizar para o letramento é tarefa fundamental a ser desempenhada pela escola, pois aprender a ler e escrever e fazer uso dessas habilidades constitui-se como condição para a educação plena do indivíduo, como instrumento importante para a realização pessoal e 10 UAB/Unimontes - 3º Período exercício da cidadania. Ao final do trabalho com esta disciplina, você estará fundamentado(a) para compreender os sentidos da alfabetização para o letramento e será capaz de produzir uma prática pedagógica inovadora e desenvolver estratégias didáticas para alfabetizar letrando. Atente-se para a carga horária da disciplina - 90 horas, prevista no calendário do curso. Or- ganize-se para melhor aproveitar esse tempo. Acompanhe as orientações do seu professor for- mador, da coordenação de curso, de tutor a distancia, e tutor presencial. Dê a todos eles a opor- tunidade de ajudá-lo(a) a qualificar a sua formação. A Educação a Distância requer de todos os envolvidos o compromisso com o hábito de estu- do, a sistematização dos registros e atividades, bem como o cumprimento de prazos. Queremos lembrar que a verbalização nas discussões e debates, o uso das diversas linguagens textuais e as pesquisas bibliográficas de enriquecimento dos estudos, as visitas aos sites de pesquisas, inclusi- ve os oficiais, a atenção aos glossários e as dicas são as diversas formas de você fazer do seu cur- so oportunidade de otimização de sua formação e contribuir com a formação de seus colegas. Aproveite seu potencial, suas habilidades e capacidades. Cuide de seu desempenho acadêmico! Todos podem ajudá-lo(a), mas só você pode construí- -lo cada dia melhor. Participe dos Encontros e Seminários Presenciais. Fique atento aos Fóruns e Chats. Participe! Sucesso nos estudos! 11 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização UNIDADE 1 Alfabetização e letramento no Brasil Cecidia Barreto Almeida Claudia Aparecida Ferreira Machado Geisa Magela Veloso Silvina Fonseca Corrêa 1.1 Introdução Nesta Unidade, discutiremos conceitos e dados estatísticos (Cenário atual do aspecto de es- colaridade brasileira em relação à questão da alfabetização), entre outras questões como: Qual é a real situação do analfabetismo hoje no Brasil? Que consequências acarretam para os brasileiros e Nação esta questão não resolvida? O que os governos federal, estadual e municipal, a sociedade, a família e a escola podem fazer para reduzir o índice de analfabetismo no Brasil? É possível pensar um projeto de alfabetização que garanta o letramento/alfabetismo para as crianças a partir dos seis anos de idade, como previsto em lei? Quais foram e são as políticas para alfabetizar os jovens e adultos brasileiros? Vamos iniciar o nosso estudo com uma discussão relativa às crenças e mitos construídos em torno da alfabetização e da educação, assumidos como bandeira de luta e compreendidos como elementos fundamentais para o desenvolvimento e para a cidadania. Em seguida, serão apresen- tados conceitos e reflexões, vamos ler e discutir alguns dados e questões mais atuais, que circu- lam no Brasil sobre o tema do nosso estudo e que orientam as práticas pedagógicas nas escolas. Para ilustrar essa questão, ressaltamos que, de acordo com o estudo dos Indicadores de De- senvolvimento Sustentável (BRASIL, 2008), existem no Brasil 14,4 milhões de pessoas que não sa- bem ler ou escrever. E mais, o analfabetismo é maior entre negros e pardos, sendo que 89,9% das mulheres brasileiras são alfabetizadas, contra 89,4% dos homens. Em 2006, a escolaridade média do brasileiro alcançava 6,7 anos de estudos. Esses são dados preocupantes e indicam que é gran- de a responsabilidade da escola e dos novos professores em formação, posto que vão assumir a responsabilidade de alfabetizar e garantir condições para o letramento de nossos alunos. 1.2 Implicações individuais e sociais da alfabetização e do analfabetismo Para iniciar nosso estudo, é importante destacar algumas crenças que, ao longo do tempo, foram produzidas em torno da alfabetização e do analfabetismo. Em todo o mundo, durante o século XIX, e nas primeiras décadas do século XX, foram disseminadas representações diversas em torno dos benefícios da instrução, da educação e da alfabetização da população. De um lado encontramos os debates em torno do ideal iluminista e liberal que associava a educação com o progresso e a construção da soberania da nação, por favorecer o avanço econômico e tecnológi- co, como também a civilidade, a moralidade, o desenvolvimento social e cultural. Daí, o analfabe- 12 UAB/Unimontes - 3º Período tismo era considerado como entrave ao desenvolvimento, como problema a ser enfrentado pela sociedade. Por outro lado, havia o temor de que a pessoas alfabetizadas e instruídas fugissem ao controle e se rebelassem, deixando de ser produtivas e dóceis. Ao discutir a questão, Graff (1997) considera que esse temor em escolarizar as massas não inibiu a busca pela educação, sendo que, na primeira metade do século XIX, a questão se tornou central, considerada como remédio para as mudanças. Para o autor, esse consenso produzido pe- los países desenvolvidos sobre os benefícios advindos da educação foi exportado para as nações subdesenvolvidas, associado à ideia de modernização. Esta visão enfatizava objetivos sociais agregados ao ensino da leitura e da escrita, considerado como fundamental para a redução do crime e da desordem, a assimilação de valores morais, a ampliação da produtividade econômica. Nesse contexto, o Brasil também assume a defesa da escolarização e da alfabetização, que passou a se constituir como verdadeira bandeira de luta para toda a sociedade. No final do sé- culo XIX e início do século XX, os intelectuais brasileiros colocaram a alfabetização como uma preocupação nacional. Escolarizar a população se apresentava como problema que deveria me- recer a atenção de todos que pudessem desenvolver ações no sentido de extirpar a mácula que significava a presença maciça dos analfabetos. Em especial os governos, os órgãos da imprensa e os intelectuais, assumiram essa bandeira de luta, visando reverter o estado de analfabetismo da população. Nessa época, a crença disseminada era que o desenvolvimento coletivo e individual seria impedido pelo alto índice de analfabetismo e ignorância da população, que não conheceria seus direitos e deveres, não formaria a consciência esclarecida, não agiria em favor da liberdade e da grandeza do país. As questões ligadas à decadência moral, à falta de civismo, à vadiagem, à men- tira e à intriga estavam relacionadas ao analfabetismo da população. Por não dominar a leitura, a população encontrava-se nas trevas da ignorância e da falta de consciência em relação aos seus direitos e deveres, por um processo em que não se mostrava capaz de defender os seus interes- ses, colocando-seem relação submissa e dependente. Como consequência da condição indivi- dual dos cidadãos, não conscientes e pouco esclarecidos, não se poderia avançar e desenvolver enquanto coletividade, não se poderia construir uma nação grande e próspera. Buscando esclarecer e explicitar essas relações entre alfabetização, liberdade e exercício de- mocrático dos direitos e deveres, Graff destaca que: Dentre as noções básicas e indubitavelmente mais orgulhosamente mantidas do Iluminismo é a de que um povo livre, soberano, deve ser educado; uma pessoa deve saber ler e escrever e ser treinada em habilidades críticas a fim de fazer as escolhas críticas que a democracia exige e para realizar os deveres da cidadania responsável (GRAFF, 1997, p. 91). Por esse raciocínio, a alfabetização se apresentava como instrumento fundamental ao exer- cício consciente do direito à liberdade, e o analfabetismo era apontado como causa, não apenas da escravização e da subserviência das pessoas, mas também compreendido como causador de vícios que conduziam à desonra e ao crime. Por isso, o analfabetismo era considerado como má- cula e vergonha. Em contrapartida, a alfabetização era compreendida como condição para for- mar pessoas produtivas e aptas para o trabalho. Ao discutir o contexto educacional do final do século XIX, Graff (1997) afirma que este era um momento em que, para os países desenvolvidos, a estabilidade social adquiriu premência e produziu a necessidade do disciplinamento e da inculcação de valores e hábitos exigidos pela sociedade urbana e industrial. Os preceitos morais formavam a base do ensino da alfabetização, e a instrução era justamente para ensinar e inculcar as regras corretas para o comportamen- to social e econômico em uma sociedade em mudança e em modernização. A alfabetização tornou-se um veículo crucial àquele processo, uma vez que os reformadores apoderaram-se das forças socializantes da imprensa, uma vez que moralidade e alfabetização tornaram-se intrincados. Eles deviam ser ensi- nados juntos: a alfabetização acelerando e facilitando a instrução, e a moralida- de guiando e restringindo os usos potencialmente perigosos da alfabetização descontrolada (GRAFF, 1997, p. 69). Por essa via, as instituições escolares tornaram-se espaços privilegiados de controle indivi- dual, cumprindo a função de normatizar e inculcar padrões corretos de comportamento, por um processo em que o controle da alfabetização tornaria possível a formação do cidadão produtivo e adaptado ao regime trabalhista da sociedade urbana e industrial. 13 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização BOX 1 O NOSSO MAIOR MAL Em toda parte do mundo, nas nações que se dizem civilisadas, a frequencia às escolas é um dos maiores deveres impostos aos seus filhos. Só nos paizes atrazados, da África e Oceania, não se cuida da instrucção, a base funda- mental dos povos cultos, justamente o que os distingue dos selvagens. Das nações da Europa quaes os paizes em que domina o anaphabetismo? Portugal, Tur- quia ou Rússia. Por isso mesmo esses paizes, ao lado dos seus irmãos de continente, são considerados atrazados. A civilisação se manifesta principalmente pela cultura de espírito, que torna os homens aptos para a luta pela vida, fazendo-os scientes e conscientes de seus deveres. É assim que todos os governos que se dizem de países civilizados empenham-se pela ins- trucção de seus nacionaes, e o cultivo que estes adquirem é a maior garantia do progresso do Paiz que tal interesse toma pela educação de seus filhos. Há precisamente um século tivemos a nossa emancipação política e durante esses cem annos o que menos tem preoccupado os governos que se succedem na mesma apathia, é a insstrucção. Dahi o nosso grande mal. A nossa educação política se ressente justamente da falta de civismo e de patriotismo que só se adquire pela instrucção. A educação do povo é o maior dever dos governos e emquanto disso não se cuidar, insu- peraveis serão os obstáculos para as mais insignificantes conquistas políticas. O Japão em menos de 50 anos transformou-se de uma nação semi-barbara em uma na- ção civilisada, com geral assombro para o mundo inteiro. A Rússia até hoje soffre as consequencias de sua indifferença pela instrucção do povo, apesar de ser, como lhe denominavam – o colosso da Europa. Apesar de sua immensa população de perto de duas centenas de milhões de almas, ar- rastou sempre uma vida de difficuldades – vindo da mais negra autocracia, a mais desenfrea- da liberdade. Hoje, acha-se a braços com a fome e toda a sorte de misérias, porque na sua população, ignorante e supersticiosa, falta a base dos grandes emprehendimentos – a instrucção. À sua falta se devem o despreso pelos deveres cívicos, o desrespeito às leis, o suborno fá- cil, a trahição aos princípios da honra, a ausência de amor pátrio, todas as calamidades, enfim, que impedem o homem de conhecer a sua força no conjunto dessa invencível aggremiação que se chama – o povo. Neste ano em que comemoramos o nosso primeiro centenário de emancipação política, deveríamos também comemorar o inicio de uma propaganda systematica pelo ensino obri- gatório, de verdade, pelo ensino ambulante, levado a todos os extremos da nossa vasta Pátria, com prêmios a todos aqueles que tirassem um só indivíduo que fosse, das trevas do analpha- betismo”. Fonte: Jornal montesclarense Gazeta do Norte, ano V, nº 214, de 26 de agosto de 1922. Você deve ter percebido que o jornal Gazeta do Norte apresenta a alfabetização da popu- lação como verdadeira bandeira de luta a ser assumida por todos. A questão estava associada a uma forte crença no poder da leitura e da escrita para construção da democracia e para cida- dania, para o progresso econômico, político, social e cultural, nas dimensões individual e coleti- va. Por sua vez, o analfabetismo era compreendido como causador de inúmeros problemas, por estar associado a diversos fatores negativos, como: ignorância, criminalidade, decadência moral, desrespeito, etc. Com Graff (1997) podemos afirmar que, sobretudo a partir do século XIX, o mundo ociden- tal apostou na alfabetização, passando a compreender que o saber ler e escrever se constituía como condição para o progresso individual e social, por favorecer o desenvolvimento cognitivo, social e cultural das pessoas e impulsionar o desenvolvimento das sociedades. Esses posicionamentos em favor da educação e da alfabetização revelam que, no momento contemporâneo, essas crenças ainda têm muita força. No entanto, o mito produzido em torno da leitura/escrita tem sido relativizado, posto que muitos estudiosos e pesquisadores consideram ATIVIDADE O texto do box 1 foi extraído do jornal mon- tesclarense Gazeta do Norte, ano V, nº 214, de 26 de agosto de 1922. A matéria jornalística foi escrita em um perío- do importante de nossa história, pois o Brasil es- tava completando 100 anos de independência em relação a Portugal e vivia um momento de intensos debates sobre modernidade e desen- volvimento econômico, político, cultural e social. Leia o texto com bastante atenção e pro- cure identificar o modo como a alfabetização era compreendida e poste seus achados no fórum de discussão.. DICA Você já conversou com pais pertencentes às ca- madas populares sobre os motivos que os im- pulsionam a matricular seus filhos na escola? É comum ouvirmos dos pais que a educação é a única herança que poderão dar a seus filhos, que a educação é um bem que ninguém poderá tirar deles. Esses são posiciona- mentos comuns e re- veladores dessa crença da população sobre o poder da educação e da alfabetização de seus filhos. 14 UAB/Unimontes - 3º Período que educação e alfabetização, por si sós, não são condições suficientes para a mudança. Ape- sar de diferentes sociedadesconsiderarem que o poder da leitura e da escrita não é tão grande como se acreditava, ainda são estabelecidas claras associações entre educação, alfabetização e mudança econômica, cultural e social. Sobre essa questão, Enguita (1998) aponta que, nas décadas de 1960-70, diferentes países colocaram esperanças nas reformas educativas como elemento capaz de corrigir as desigualda- des sociais e promover o desenvolvimento. No entanto, o autor compreende que essa promessa cumpriu-se apenas parcialmente. Há necessidade de investimentos em outras áreas importantes e somente a educação não é capaz de resolver os problemas políticos, sociais, econômicos. No entanto, conforme o autor, a educação permitiu que importantes minorias saíssem da margina- lização e da pobreza. O autor entende ainda que, “se é que podemos dizer que a educação não seja especialmente eficaz para abrir portas, temos que acrescentar, como regra, que sua falta, sim, pode fechá-las, especialmente para aqueles que não possuem outros recursos para abri-las” (ENGUITA, 1998, p. 20). Enfim, polêmicas à parte, não podemos desconsiderar o valor da educação e da alfabetização como elemento importante para integração social das pessoas e alavanca para o desenvolvimen- to das sociedades. Nesse sentido, consideramos importante ampliar a discussão sobre essa ques- tão e, por isso, apresentaremos alguns conceitos importantes nesse campo de conhecimento. 1.3 Conceituando alfabetização e analfabetismo Pensar a alfabetização implica também discutir o conceito de letramento e considerar a linguagem como prática cultural, presente em diferentes ramos da atividade humana. Também implica pensar a aprendizagem da leitura e da escrita como instrumento fundamental para ex- pressão de concepções, ideias, sentimentos e intenções, e também para a apropriação de conhe- cimentos por meio de um sistema de signos. Na escola, a linguagem também ocupa lugar de destaque, não apenas porque ensinar a ler e escrever seja uma de suas primeiras e mais importantes tarefas, mas porque o uso da leitura e da escrita é uma habilidade importante para se fazer frente a diferentes demandas sociais. Afinal, em nosso cotidiano, utilizamos a leitura com diferentes finalidades: para localizar um endereço, operar um terminal eletrônico no banco, escolher o ônibus que nos levará ao destino correto, e uma série de pequenas atividades que tem a escrita como referência. A seguir, apresentaremos alguns conceitos relacionados com a aprendizagem da leitura e da escrita. São eles: alfabetização, alfabetizar, alfabetizado, analfabeto, analfabetismo, analfabe- tismo funcional, letramento e letrar. Alfabetização é a ação de alfabetizar, de ensinar a ler e escrever, mas é também o resultado desse ensino, ou seja, é a apropriação do sistema de escrita alfabético por aquele que foi alfabeti- zado. Nesse contexto, alfabetizado é o sujeito que aprendeu a ler e escrever. Por sua vez, alfabetizar é um processo complexo e não apresenta uma única definição. Se- gundo o dicionário Aurélio, alfabetizar é ensinar a ler e escrever; dar instrução primária. Para Soares, “alfabetizar significa adquirir habilidades de decodificar a língua oral em língua escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em língua oral (ler). A alfa- betização, por essa visão, seria um processo de representação de fonemas em grafemas (escrever) e de grafemas em fonemas (ler)” (SOARES, 2003, p. 15). No entanto, essa é uma abordagem muito limitada. Ampliando o olhar lançado sobre o conceito, Soares (2003) considera que aprender a ler e escrever (alfabetização) apresenta duplo significado em nossa língua: é processo de codificação/ decodificação da língua, mas também é compreensão/expressão de significados. Ainda conforme a autora, não se pode considerar como alfabetizado o sujeito que aprendeu a assinar o seu próprio nome, ou que consegue decodificar o texto escrito, pois a verdadeira alfabetização pressupõe que o sujeito seja capaz de entender o que foi lido e de expor suas ideias por meio da escrita. DICA O Brasil tem 14,4 milhões de analfabe- tos – cerca de 10% da população brasileira (com 15 anos ou mais de idade) (IBGE, 2009). 15 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização Como você pode perceber, contemporaneamente, o conceito de alfabetização não apresen- ta um único sentido, sofrendo transformações ao longo da história, tendo em vista as necessida- des postas pela sociedade nas diversas situações de leitura e escrita. O conceito de alfabetizado na década de 80 não é o mesmo utilizado na atualidade, e também não é o mesmo que no final do século XIX, por exemplo. Conforme indica Soares (1998), até a década de 1940, para as pes- quisas do Censo, era considerada como alfabetizada a pessoa que fosse capaz de assinar o seu nome. A partir da década de 1940, a exigência foi ampliada, sendo necessário saber ler e escrever um bilhete simples como condição suficiente para a pessoa ser considerada alfabetizada. No en- tanto, essas habilidades não mais atendem às demandas sociais de hoje. Espera-se que a pessoa alfabetizada, que saiba ler e escrever, mas que também seja capaz de produzir, ler e compreen- der vários tipos e gêneros textuais e fazer uso dessas habilidades. Ao discutir as transformações sofridas pelo conceito de alfabetização, Soares (2004) conside- ra inadequado ampliar demais os significados atribuídos ao processo de alfabetizar. Para a autora: Pedagogicamente, atribuir um significado muito amplo ao processo de alfa- betização seria negar-lhe a especificidade, com reflexos indesejáveis na carac- terização de sua natureza, na configuração das habilidades básicas de leitura e escrita, na definição da competência em alfabetizar. Toma-se, por isso, aqui, alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de aquisição do có- digo escrito, das habilidades de leitura e escrita (SOARES, 2003, p. 15). Agora que compreendeu esses conceitos, discutiremos o analfabetismo e suas implicações para o sujeito que vive essa condição. Analfabetismo é o estado ou condição de analfabeto, mas também é compreendido como a ausência de instrução ou como instrução insuficiente, atraso intelectual, ignorância total (KOO- GAN/HOUAISS, 1994). Para Soares (2003), analfabetismo é definido como estado de quem não sabe ler e escrever. Por sua vez, Analfabeto é o que não sabe ler e escrever, sendo que o Koogan/Houaiss (1994) acrescenta que analfabeto é aquele que é “muito ignorante”. Pinto (1982) descreve o analfabeto como realidade humana e o analfabetismo como reali- dade sociológica. O analfabeto, em sua essência, não é aquele que não sabe ler, mas aquele que, por suas condições concretas de existência, não necessita ler. Ao discutir as relações entre analfabetismo, sociedade e cultura, Soares (1998; 2003) consi- dera que as habilidades de leitura e escrita não podem ser dissociadas de seus usos sociais, sen- do que a questão é pensada em termos das condições necessárias para que o sujeito funcione adequadamente em um determinado contexto social. Daí surge a expressão alfabetização fun- cional, que indica o conjunto de habilidades e conhecimentos que tornam a pessoa capaz de participar das atividades de leitura e escrita necessárias em sua cultura e em seu grupo. A partir dessa definição, podemos concluir que analfabeto funcional é o sujeito que, mes- mo tendo participado dos processos sistemáticos de alfabetização, não domina as habilidades e conhecimentos necessários para fazer frente às diferentes situações mediadas pela leitura e pela escrita. Ou seja, é a pessoa que, mesmo alfabetizada, não sabe utilizar funcionalmente a leitura e a escrita em situações sociais de uso. Isso significa dizer que muitos de nossos alunos podem ser considerados analfabetos funcionais, porque estão na escola, participaram das atividadesque vi- savam a sua alfabetização, aprenderam a reconhecer as letras e sílabas, sabem decodificar o tex- to impresso, mas não dominam habilidades necessárias para resolver as questões e problemas que envolvem a leitura e a escrita. A expressão Analfabeto funcional ajusta-se, portanto, a uma pessoa que, mesmo sabendo ler escrever frases simples, não possui as habilidades necessárias para satisfazer às demandas do seu dia a dia e se desenvolver pessoal e profissionalmente. Agora que você já sabe o que é analfabetismo funcional, podemos discutir o modo como esse fenômeno se apresenta entre nós. São alarmantes os índices de analfabetismo funcional no Brasil, como também são muito baixos os desempenhos em leitura apresentados pelos alunos brasileiros. O Indicador de Anal- fabetismo Funcional – INAF, produzido por pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, indica que, apesar da quase universalização do ensino fundamental e do aumento dos anos de escolaridade da população brasileira, a porcentagem de analfabetos funcionais é inaceitável. Em 2001, na faixa etária entre de 15 a 64 anos, 9% dos brasileiros são “analfabetos absolutos”; no nível rudimentar, temos 31%; no nível básico, temos 34% e apenas 26% conseguem o nível pleno. Em outras palavras, esses índices indicam que 40% dos brasileiros GLOSSÁRIO Analfabeto Funcional: pode ser considerado a pessoa que por ter 4 anos ou menos de escolaridade ou ainda que, mesmo tendo prosseguido em seus estudos e por ter enfrentado as precarie- dades dos sistemas e redes de ensino pelos quais passou, o que lhe legou uma educação de qualidade inferior, desenvolveu somente capacidade mínima de decodificação e composição de frases, sentenças, textos cur- tos e números (ope- rações matemáticas) (MACHADO). 16 UAB/Unimontes - 3º Período não dominam habilidades básicas de leitura e de escrita, não apresentando, portanto, condições para o exercício pleno da cidadania (RIBEIRO, 2004). Sobre a situação do analfabetismo no Brasil, e considerando suas diferentes dimensões, vale analisar os dados demográficos em conjunto com os dados do Censo Escolar, levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesqui- sas Educacionais/INEP, dados sobre o Índice de Desenvolvimento Humano/IDH, construído pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O analfabetismo funcional, segundo o IBGE (2009), afeta pessoas com 15 anos ou mais de idade e menos de quatro anos de estudo. O dado foi estimado em 20,3% das pessoas de 15 anos ou mais de idade. É um índice alto, inaceitável, mas as pesquisas indicam queda no analfabetis- mo. A queda foi de 0,7 ponto percentual em relação a 2008 e de 4,1 pontos percentuais em rela- ção a 2004. A taxa de analfabetismo cai 1,8% em cinco anos no Brasil, mostra o Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD, pois o índice ficou em 9,7% em 2009 e a meta é chegar a 6,7% em 2015. A taxa de analfabetismo caiu 1,8% de 2004 a 2009, segundo a PNAD, realizada pelo Insti- tuto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE, entre as pessoas de 15 anos ou mais de idade. No ano passado, a taxa foi de 9,7% da população, um total de 14,1 milhões de pessoas, contra 11,5% em 2004. Em 2008, a taxa foi de 10%. 1.4 O analfabetismo até a década de 1980 Na obra História da instrução pública no Brasil (1500-1889), escrita em 1889, José Ricardo Pi- res de Almeida comenta o fato de que, no Brasil/Colônia, “havia um grande número de negocian- tes ricos que não sabiam ler. Lembrando ainda que, no Império, admitia-se o voto do analfabeto, porém era exigido que este possuísse bens e títulos. O autor relata outro fato que também ajuda a entender o fenômeno do analfabetismo no Brasil, e que ainda hoje se encontra presente entre nós, sobretudo entre as pessoas das camadas populares: os baixos salários dos professores, que impediam a contratação de pessoal qualificado e levavam ao “afastamento natural das pessoas inteligentes de uma função mal remunerada e que não encontra na opinião pública a considera- ção a que tem direito” (ALMEIDA,1889, p. 65). No mesmo trabalho, ele mostra que, em 1886, en- quanto o percentual da população escolarizada no Brasil era de apenas 1,8%, na Argentina este índice era de 6%. Como se pode perceber, os problemas com alfabetização no Brasil não são recentes, posto que, historicamente, o analfabetismo se inscreve entre nós e preocupa estudiosos e outros pes- soas interessadas na questão. O texto que se segue é um fragmento de uma Marchinha de Car- naval, de autoria de Noel Rosa, escrita no ano de 1932. De forma crítica e bem humorada, o autor revela as dificuldades com a alfabetização e os seguidos anos que a criança levava para aprender a ler e escrever. BOX 2 A.e.i.o.u. Noel Rosa A Juju já sabe ler, a Juju sabe escrever Há dez anos na cartilha A Juju já sabe ler, a Juju sabe escrever Escreve sal com cê cedilha Fonte: Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/humor/1957530H Essa dificuldade em ensinar e aprender a ler também foi constatada por Veloso (2008), que pesquisou facetas da história da alfabetização em Montes Claros/MG e também constatou que, no final do século XIX, a alfabetização era tarefa penosa e demorada para muitos alunos, que DICA Acesse o site: www. inep.gov.br, que apre- senta e discute dados relativos aos índices de alfabetismo no Brasil. 17 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização eram reprovados por não aprenderem a ler no 1º ano de escolaridade. No contexto montescla- rense do ano de 1890, ao abordar as grandes transformações culturais em curso, o jornal Correio do Norte destaca a importância do uso de cartilhas para alfabetizar, mas também descreve as práticas alfabetizadoras. Conforme o jornal, o aluno consumia dois ou três meses no “berreiro do a,b,c”, depois era obrigado a memorizar uma longa série de cartas das sílabas e de nomes, a tare- fa seguinte era ler a letra impressa e os textos, que se constituíam em “uma infinidade de cartas de sentenças”, “autos velhos, verdadeiros hieroglyphos difficilmente decifráveis”. Assim, pela ado- ção de métodos e materiais inadequados, o aluno ficava cinco ou seis anos na escola e, somente se fosse assíduo, aprendia a ler, escrever, contar e conhecer as quatro operações fundamentais (VELOSO, 2008, p. 131-132). Além dos problemas relativos à qualificação e remuneração dos professores, aos métodos e materiais inadequados, outro fator que tem sido utilizado para explicar o alto índice de analfa- betos no Brasil é o acesso à escola. Até a década de 1980, a escola não era para todos, e chegava a ser inexistente em algumas regiões e em outras, como nos grandes centros, a oferta de vagas era insuficiente. Isso quer dizer que a população analfabeta não era analfabeta por opção, por- que não queria estudar, mas porque lhe faltava condições efetivas para acesso à escola. Além disso, o ingresso nas escolas nem sempre era estimulado, até mesmo pelas famílias. As condições de produção do analfabetismo têm suas causas em fatores sociais e educacionais. Para Cagliari (2000) a escrita, assim, como o saber acumulado que dela provém, tem signifi- cado, historicamente, um privilégio e, consequentemente, detenção de poder das classes domi- nantes. A diminuição do analfabetismo representaria o compartilhamento do saber do poder e do poder do saber. Com a Tabela 1, abaixo apresentada, pretendemos mostrar como evoluiu, neste século, o número de analfabetos no País. Nela podemos constatar que a taxa de analfabetismo na popu- lação de 15 anos ou mais caiu. Ininterruptamente, ao longo do século, saindo de um patamar de 65,3% em 1900 para chegar a 13,6% em 2000. Tabela 1 Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais Brasil – 1900-2000Ano População de 15 anos de idade e mais Total Analfabeta Taxa de analfabetismo 1900 9.728 6.348 65,3 1920 17.564 11.409 65,0 1940 23.648 13.268 56,1 1950 30.188 15.272 50,6 1960 40.233 15.964 39,7 1970 53.633 18.100 33,7 1980 74.600 19.366 25,9 1991 94.891 18.682 19,7 2000 19.533 16.295 13,6 Fonte: IBGE, Censo Geográfico Vale lembrar que a ampliação do atendimento escolar tem sempre forte impacto num pro- cesso de desaceleração do analfabetismo, sobretudo nas faixas etárias mais jovens. O ganho na escolaridade média da população, mesmo sendo expressivo, nem sempre significa a garantia de, pelo menos, o ensino fundamental completo para o cidadão. 18 UAB/Unimontes - 3º Período 1.5 O analfabetismo no Brasil a partir da década de 1990 Para iniciar a discussão relativa aos dados de analfabetismo no Brasil contemporâneo, apre- sentamos a tabela 2, cujos dados foram obtidos pelo IBGE. Tabela 2 Taxa de analfabetismo por faixa etária Brasil – 1996/2001 Faixa Etária Ano 1996 1998 2001 10 a 14 8.3 6.9 4.2 15 a 19 6.0 4.8 3.2 20 a 29 7.6 6.9 6.0 30 a 44 11.1 10.8 9.5 45 a 59 21.9 20.1 17.6 60 e mais 37.4 35.9 34.0 Nota: Excluindo a população rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá Fonte: IBGE Pnads 1996, 1998, 2001 Analisando dados PNAD/IBGE (1996, 1998 e 2001), nota-se que o Analfabetismo atinge as faixas etárias diversas, ainda que com percentuais diferenciados. Considerando que as pessoas são diferentes, populações com perfis e expectativas também diferentes, o analfabetismo só de- verá ser reduzido com inovadoras e diferentes estratégias de alfabetização contextualizadas com o desenvolvimento cultural, social, político e tecnológico do mundo contemporâneo. Se observarmos os dados da faixa etária de 10 a 19 anos, podemos afirmar que os sistemas educacionais brasileiros vêm fracassando, já que nesta faixa, 7,4% são ainda analfabetos. Estes jovens, provavelmente, frequentam a escola ou se evadiram dela, o que significa que nosso siste- ma educacional continua a produzir analfabetos. Entre os motivos apontados por educadores/ pesquisadores para o fracasso da alfabetiza- ção dos jovens brasileiros estão: escola de baixa qualidade, em especial nas regiões mais pobres do país e nas periferias mais pobres das grandes cidades, trabalho precoce na adolescência, bai- xa escolarização dos pais, despreparo da rede de ensino para lidar com essa população e seus problemas familiares e sociais. Lembramos que o baixo desempenho dos sistemas de ensino, caracterizado pelas baixas taxas de sucesso escolar, sobretudo nos primeiros anos de escolaridade, é motivo da preocupa- ção de repensar a prática pedagógica e os processos de alfabetização e ensino-aprendizagem na escola. Veja mais: Nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009), 20% dos brasileiros não conseguem compreen- der textos, enunciados matemáticos e estabelecer relações entre assuntos, apesar de conhece- rem letras e números. A figura 01 apresenta essa queda nos índices de analfabetismo e, ao mesmo tempo, revela que o problema ainda precisa ser trabalhado. A sociedade brasileira precisa garantir condições para todos poderem fazer uso da leitura e da escrita, uma vez que parcela significativa da popu- lação tem sido impedida de usufruir dos bens culturais codificados pela escrita. 19 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização A partir dessa discussão você deve estar refletindo sobre a grande responsabilidade da es- cola, que precisa alfabetizar e também garantir condições para desenvolver o letramento de to- dos os seus alunos. Você já sabe que não basta ensinar processos de decifração, pois a pessoa precisa compreender os textos para ser considerada alfabetizada. Apresentamos no quadro 1 um texto diferente para sua leitura. Apesar de seu formato, o texto é perfeitamente legível, e você poderá compreendê-lo sem nenhum esforço, desde que você perceba a sua lógica de organização. Aliás, a lógica do texto é bastante simples e, quanto menor o esforço, melhor e mais eficiente será a sua leitura. Experimente: Quadro 1 Desafio de Leitura 3M UM DI4 D3 V3R40, 3U 3574V4 N4 PR414, O853RV4ND0 DU45 CR14NC45 8R14NC- 4ND0. 3L45 7R484LAV4M MU170 CON57RU1ND0 UM C4S73L0 C0M 70RR35 P4R4L3L4S3 3 P455AG3N5 1NT3RN4S. QU4ND0 35T4V4M QU453 4C48AND0, V310 UM4 0ND4 3 D3S7RU1U 7UD0, R3DU21ND0 0 C4573L0 4 UM M0NT3 D3 3SPUM4. 4CH31 QU3, D3P015 D3 7AN70 35F0RC0 3 CU1D4D0, 45 CR14NC45 C41R14M N0 CH0R0. N0 3N74N70, CORR3R4M P3L4 PR414 4 B31R4 D4 4GU4, R1ND0 D3 M40S D4D45 3 COM3C4R4M 4 JUN74R 4R314 P4R4 C0N57RU1R 0U7R0 C45T3L0. Fonte: Disponível em http://cead.unimontes.br/cadernos/uab/pedagogia/5periodo/fundamentosemetodologiadaalfabet izacao/files/search/searchtext.xml. Acesso em 22 de janeiro de 2011. Você gostou do desafio dessa leitura? Achou o texto interessante, mas sentiu um pouco de dificuldade para ler? Sabe por que encontrou um pouco de dificuldade no momento inicial, mas mesmo assim conseguiu ler o texto sem maiores problemas? É simples. A dificuldade se deu por- que as vogais e algumas consoantes foram trocadas por números parecidos (A=4, E=3, I=1, O=0, T=7, S=5) e você pôde ler sem problema, a partir do momento em que percebeu esse processo de codificação. E não foi necessário transcrever o texto, substituindo os números pelas letras cor- respondentes porque você não fez leitura por decodificação letra a letra, mas processou o texto, buscando os sentidos das palavras lidas. Com esse texto, queremos que você perceba que estar alfabetizado implica codificar (escre- ver) e decodificar (ler), mas é fundamental compreender as palavras lidas e construir sentido para os textos. É esse tipo de leitura que esperamos dos nossos alunos, que eles aprendam a decodi- ficar, mas leiam as palavras globalmente e sem fazer silabação, com fluência e compreensão das ideias contidas no texto. ◄ Figura 1: Charge de Queda do analfabetismo no Brasil Fonte: Disponível em <http://www.premiovladi- mirherzog.org.br/busca- -resultado.asp?busca=a- nalfabetismo>, acesso em 12 de janeiro de 2011. 20 UAB/Unimontes - 3º Período 1.6 Alfabetização na perspectiva do letramento Agora buscaremos compreender a Alfabetização na perspectiva do Letramento. Inicialmen- te, apresentaremos o conceito de letramento, para depois discutirmos a relação que existe entre alfabetização e letramento. Para discutir o conceito de letramento, Soares (2009) ressalta que o termo letramento pro- voca certo estranhamento, sendo que outras palavras, como analfabeto, analfabetismo, alfabeto, alfabetizado, alfabetismo e alfabetização, pertencem ao mesmo campo semântico e nos são bas- tante familiares. Esses são conceitos que já apresentamos na seção anterior dessa unidade. Caso ainda tenha dúvida, retome a leitura desses conceitos. Soares (1998) apresenta o conceito de letramento como uma palavra nova no vocabulário das ciências humanas e da educação. Nesse contexto destaca que a 3ª edição do Dicionário Contemporâneo a Língua Portuguesa, de Caudas Aulete, publicado em 1948, letramento apa- rece como uma palavra antiga, antiquada; que significa “investigar soletrando”; “adquirir letras ou conhecimentos literários” (SOARES, 1998, p. 16). Mas não é esse o sentido que hoje tem sido atri- buído à palavra letramento. Para Soares (1998), o sentido etimológico de letramento vem da versão para o português da palavra inglesa literacy. Literacy vem do latim littera (letra), com o sufixo cy (que denota qualida- de, condição, como em innocency (condição ou qualidade de ser inocente). Literacy é a condição de ser literate (especialmente capaz de ler e escrever), é o estado ou condição que assume aquele que aprendeu a ler e escrever. Para aautora, letramento é expressão que passou a fazer parte de nosso vocabulário há pouco tempo e tem um significado mais amplo do que ler e compreender os textos lidos, pois pressupõe que o sujeito saiba fazer uso social da leitura e da escrita para resolver questões de seu cotidiano. Somente a partir da segunda metade da década de 1980 o termo letramento pas- sou a ser utilizado por especialistas da área da Educação e das Ciências Humanas. No Brasil, uma das primeiras ocorrências de uso da palavra letramento é de 1986, no livro “No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística” de Mary Kato. Em 1988, a expressão aparece em Leda Verdiane Tfoune no livro “Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso”, sendo que em 1995, Ângela Klei- man apresenta a expressão no título do livro “Significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”. Ao apresentar o termo como uma palavra nova no vocabulário das ciências humanas e da educação, a autora justifica sua introdução pelo surgimento da necessidade de identificar um fe- nômeno, até então, pouco discutido: “o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES, 1998, p. 18). Ainda, conforme a autora, letrado é o indivíduo que sabe ler e escrever e usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita nas situações que demandarem por essa tecnologia. Soares (2009) também afirma que o entendimento de tais expressões é necessário para que possamos compreender as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado. Uma pes- soa que sabe ler e escrever e faz uso da leitura e da escrita é alfabetizado, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita, pois o pressuposto é que uma pessoa que sabe ler e escrever e passa a usar a leitura e envolve-se com as práticas de leitura e escrita torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado. Ocorre uma mudança social e cultural, pois o sujeito não é mais o mesmo, que não possuía o domínio de tais tecnologias ou mesmo de quem não dominava a leitura e escrita, a sua condi- ção é afetada, passa a ser outra, ocorre então a inserção social e cultural, é possível observar mudanças significativas no uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e no vocabulário. É importante salientar que existem tipos e níveis de letramento, dependem das necessidades, das demandas dos indivíduos e de seu meio, do contexto social, cultural e econômico, portan- to é preciso que haja condições para o letramento, entre delas se faz necessário apontar para a escolarização real e efetiva da população, uma outra condição é a disponibilidade de material de leitura. Ao discutir o conceito de letramento, Soares (1998) considera que o indivíduo pode ser alfa- betizado e não ser letrado, pois letramento não é apenas a capacidade de ler e escrever, mas de fazer uso social da leitura e da escrita e responder às demandas sociais de leitura e escrita. Soares 21 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização (1998) ainda discute a possibilidade de se considerar que um indivíduo que não sabe ler e escre- ver pode ser considerado de certa forma letrado. Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e econo- micamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe carta que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 1998, p. 24). A discussão proposta por Soares (1998) indica que existem diferentes níveis de letramento, e que as pessoas podem usar a leitura e a escrita para realizar uma grande quantidade de ativida- des. Outro exemplo de analfabeto inserido em práticas de letramento é a criança que ainda não aprendeu a ler, mas ouve histórias lidas pelos pais ou pela professora e é capaz de compreender a narrativa e se apropriar dos conhecimentos presentes nos textos, a partir da leitura realizada por um adulto. Daí se pode depreender que as práticas de letramento não devem ocorrer após a alfabetização, mas paralelamente ao aprendizado do sistema de escrita. Ou seja, como defende Soares (2009), a escola deve alfabetizar letrando. BOX 3 Filme: Central do Brasil “O filme é uma produção nacional, dirigida por Walter Sales e protagonizada por Dora, personagem representada por Fernanda Montenegro. No filme, “Dora escreve cartas para analfabetos na Central do Brasil. Nos relatos que ela ouve e transcreve, surge um Brasil desco- nhecido e fascinante, um verdadeiro panorama da população migrante, que tenta manter os laços com os parentes e o passado”. Uma das clientes de Dora é Ana, que vem escrever uma carta com seu filho, Josué (Vinícius de Oliveira), um garoto de nove anos, que sonha encontrar o pai que nunca conheceu. Na saída da estação, Ana é atropelada e Josué fica abandonado. Mesmo a contragosto, Dora acaba acolhendo o menino e envolvendo-se com ele. Termina por levar Josué para o interior do nordeste, à procura do pai. À medida que vão entrando país adentro, estes dois personagens, tão diferentes, vão se aproximando... Começa então uma via- gem fascinante ao coração do Brasil, à procura do pai desaparecido, e uma viagem profunda- mente emotiva ao coração de cada um dos personagens do filme”. Fonte: Disponível em http://www.cineplayers.com. Acesso em 22 de janeiro de 2011. DICA Para melhor enten- der a ideia do adulto analfabeto, que pode ser considerado, de certa forma, letrado, su- gerimos que assista ao filme Central do Brasil, apresentado no Box 3. ◄ Figura 2: Filme Central do Brasil Fonte: Disponível em <http://cinemacomrapa- dura.com.br/filmes/1093/ central-do-brasil-1998>. Acesso em 22 de janeiro de 2011 22 UAB/Unimontes - 3º Período Além de alfabetizar letrando, ou seja, de ensinar a ler/escrever e ao mesmo tempo desenvol- ver práticas de uso social da leitura e da escrita, as discussões contemporâneas também apon- tam a necessidade de integrar as práticas escolares com o contexto das práticas que ocorrem no ambiente doméstico e da comunidade. Sobre a questão, Purcell-Gates (2004) considera que diferentes atividades de leitura e escrita que se dão no ambiente familiar sempre existiram e são chamadas de “práticas letradas”. No entanto, apenas nas últimas décadas é que essas práticas se converteram em objeto de estudo, apresentando-se como elementos-chave para a educação e o desenvolvimento das habilidades básicas de leitura e escrita. São práticas socialmente organi- zadas que têm como finalidade a participação das pessoas em diferentes contextos, em situação na qual seja possível aplicar os conhecimentos sobre leitura e escrita, de acordo com diferentes propósitos. O ambiente escolar tem o compromisso de criar diversas situações concretas, para que seja possível efetivar o uso da leitura e da escrita, estabelecendo relações com as práticas que ocor- rem no espaço do lar e da comunidade. Muito importante! Não acha? Agora que você já entendeu os conceitos de alfabetização e letramento, vamos exercitar essa nova aprendizagem e realizar a atividade abaixo proposta. BOX 4 SITUAÇÕES QUE ENVOLVEM LEITURA E ESCRITA Josias, 22 anos, vestido com uma calça caqui esfarrapada e uma camiseta regata branca cheia de buracos, aproxima-se de meu carro parado no sinal e pendura no espelho um saqui- nho de balas de hortelã em que há grampeado um bilhete com os seguintes dizeres: “Sou pai defamília e estou desempregado. Vendo balas para sustentar meus filhos. Compre um saqui- nho. Somente R$2,00”. Leio o bilhete e compro as balas (ROJO, 2009, p. 96). Pedro, 6 anos, está matriculado na escola pública próxima de sua casa e sua mãe se orgu- lha de seus primeiros aprendizados. Quando vai ao supermercado o garoto lê rótulos e placas que encontra, consegue identificar os nomes de alguns produtos, mais ainda tem dificuldade em compreender algumas palavras. Outro dia Pedro resolveu comparar os valores nutritivos dos biscoitos que sua mãe ia comprar, mas a tarefa estava complicada demais para ele, que ainda tem dificuldade em decifrar as palavras que não foram trabalhadas na escola. Suzana está sem dinheiro vivo na carteira e precisa comprar remédios. De duas uma: ou vai ao caixa automático e segue as instruções na tela, digitando códigos alfanuméricos para retirar dinheiro vivo, ou vai diretamente à farmácia e usa o cartão de crédito ou de débito, também seguindo as instruções da tela no terminal e digitando códigos alfanuméricos, para realizar a compra sem precisar do dinheiro (ROJO, 2009, p. 96). Fonte: (VELOSO, G. M, 2008) A tarefa de identificar letramento e alfabetização foi fácil para você? É isso. Ao lermos a des- crição dessas situações, logo percebemos que, em todas elas, está presente a leitura e a escri- ta. Os sujeitos estão imersos em práticas sociais que demandam o uso do ler e do escrever. Na primeira situação, existe a possibilidade de o vendedor de balas não saber ler e escrever, mas está fazendo uso da leitura e da escrita, pois utiliza o bilhete impresso para se comunicar com a motorista, que entende o seu recado e compra o produto. Na segunda situação, o garoto Pedro encontra dificuldade em se inserir em práticas letradas, pois está em processo de alfabetização e ainda não desenvolver habilidades letradas que lhe permitam fazer um uso pleno da leitura e da escrita. Na terceira situação Suzana faz uso da leitura para ler instruções do caixa automático do banco e realizar a operação que necessita para sacar o dinheiro. Sabendo que alfabetizar e letrar são duas ações distintas, você deve estar se perguntando qual desses processos deve ocorrer primeiro? Ao trabalhar com alunos das camadas populares, qual dessas ações deve ser priorizada? Para responder às questões, novamente, buscamos suporte em Soares (1998), ao afirmar que alfabetizar e letrar são dois verbos que indicam duas ações. Alfabetizar é a ação capaz de tornar o indivíduo capaz de ler e escrever, sendo que letrar é e ação que leva o indivíduo ao le- tramento. Contudo, alfabetizar e letrar não podem ser consideradas como ações separadas. Ao contrário, “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, ATIVIDADE No Box 4, apresenta- mos algumas situações que envolvem leitura e escrita. Leia-as e res- ponda: essas situações são de letramento ou de alfabetização? Por quê? 23 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização alfabetizado e letrado” (SOARES, 1998, p. 47 - grifos da autora). Em outras palavras, se alfabeti- zar e letrar são processos inseparáveis, nenhuma das ações antecede a outra, pois devem ocorrer no processo de educação integral do aluno. O aluno aprende a utilizar-se da escrita como recurso importante no processo de comunicação e interação social, para acesso ao mundo da cultura, aprendizagem de novos conhecimentos, ao mesmo tempo em que também se apropria das nor- mas e convenções do sistema de escrita alfabética, aprende a decifrar o texto escrito e entender o modo como as letras se organizam para formar palavras e textos. Na discussão sobre letramento, ainda é importante considerar que à leitura podem ser as- sociadas múltiplas finalidades pragmáticas ou construtivas. Ou seja, o ato de ler pode se consti- tuir em instrumento necessário à participação social, mas também se tornar uma forma de lazer, uma prática desinteressada, em que o leitor não se orienta por finalidades imediatistas, mas bus- ca no livro o espaço de ampliação da cultura, prazer e fruição estética. Oliveira (2004) também afirma que é importante compreender que a alfabetização e le- tramento são indissociáveis, simultâneos e interdependentes, pois o letramento antecede, acompanha e sucede a alfabetização. Por esta discussão, tornou-se necessária a distinção entre o indivíduo alfabetizado, aquele que sabe ler e escrever, e o indivíduo letrado, aquele que se encontra imerso em práticas sociais mediadas pela leitura e pela escrita, sendo capaz de responder adequadamente às demandas sociais. No entanto Kleiman (1995) considera que, enquanto principal agência do letramento, a es- cola não se preocupa com o letramento como prática social, mas com apenas um tipo de letra- mento – aquele que se relaciona com as competências individuais de alfabetização dos seus alu- nos. Ao centrar o foco no processo individual de aquisição do sistema de escrita, a escola deixa de considerar o seu uso social nas diferentes situações discursivas. Nesse sentido, o espaço escolar tem o compromisso de criar diversas situações concretas em que seja possível efetivar a alfabetização e o letramento, ou seja, o domínio do sistema de escrita e habilidades/ competências para uso da leitura e da escrita. O foco no letramento na educação escolar é fundamental, pois, conforme uma sociedade se torna letrada, grandes mudanças ocorrem: as pessoas entram em contato com as notícias e informações de um modo mais profundo e detalhado; a partir do maior acesso à informação, compreenderão melhor o sistema político, econômico e social; em decorrência disso poderão construir uma visão crítica da realidade e do sistema no qual estão inseridas e ao qual estão su- bordinadas. A alfabetização é o momento em que o aluno compreende as regras que organizam o fun- cionamento do sistema de escrita, enquanto o processo de letramento deve ser entendido como a prática das funções sociais da língua escrita. As orientações do Ministério da Educação para o PRÓ-LETRAMENTO reafirmam a ideia de que alfabetização e letramento “são processos diferen- tes, cada uma com suas especificidades, mas complementares, ambos indispensáveis. Assim não se trata de escolher alfabetizar ou letrar; trata-se de alfabetizar letrando” (PRÓ-LETRAMENTO: BRASIL/MEC, 2008, p.13). Você já pensou o que a escola pode fazer para alfabetizar as crianças na perspectiva do le- tramento? A escola, junto com sua equipe pedagógica, tem de pensar que o processo de alfabetização em uma perspectiva de letramento tem um compromisso direto com a formação de sujeitos lin- guisticamente mais competentes e que isso contribuirá para sua emancipação. É preciso considerar que a alfabetização para o letramento é aquela em que o professor aproveita todos os espaços e tempos do processo de ensino-aprendizagem para ler e escrever com seus alunos, explorar imagens e antecipar sentidos, compreender as ideias contidas nos tex- tos, discutir os modos de organização dos diferentes gêneros textuais, perceber que os textos têm título e autor, etc. Contudo, discutir, ler, escrever e discutir os textos com a colaboração do professor é ação necessária, mas não suficiente para aprender a ler e escrever. É ainda necessário considerar as especificidades da alfabetização e, a partir dos textos lidos escritos com os alunos, o professor deve trabalhar com as palavras e com o alfabeto; ensinar a forma e os traços que diferenciam as letras entre si, explorar as relações entre os grafemas (letras) e os valores sonoros que lhes correspondem (fonemas), etc. Os alunos devem perceber que se lê de cima para baixo e da esquerda para a direita, que as palavras são separadas por espaços, que além das letras há os acentose sinais de pontuação, que as letras são diferentes dos números, etc. Além disso, é necessário compreender que promover este processo requer criatividade, co- nhecimento, compromisso e o entendimento de que os temas cultura, classe social, política es- 24 UAB/Unimontes - 3º Período tão ligados às práticas alfabetizadoras, pois estes sujeitos irão colocar à mostra, através do uso da linguagem, o que foi construído no espaço educacional. Convidamos-lhe a pensar o processo de alfabetização como uma maneira real de mudar a sociedade e, para tal, precisamos ter esperança de que a educação seja um dispositivo que irá contribuir de forma significativa na construção de novos leitores e escritores. É relevante que a escola amplie as práticas de letramento, fazendo circular toda diversidade de textos que fazem parte do mundo atual. No box 5, observe como Magda Soares explica o termo letramento através do poema que segue: BOX 5 O que é Letramento? Letramento não é um gancho em que se pendura cada som enunciado, não é um treinamento repetitivo de uma habilidade , nem um martelo quebrando blocos de gramática. Letramento é diversão é leitura à luz de vela ou lá fora, à luz do sol. São notícias sobre o presidente, o tempo, os artistas da TV é mesmo Mônica e Cebolinha nos jornais de domingo. É uma receita de biscoito, uma lista de compras, recados colados na geladeira, um bilhete de amor, telegramas de parabéns e cartas de velhos amigos. É viajar para países desconhecidos, sem deixar sua cama, é rir e chorar com personagens, heróis e grandes amigos. É um atlas do mundo, sinais de trânsito, caças ao tesouro, Manuais, instruções, guias, e orientações em bulas de remédios, para que você não fique perdido. Letramento é, sobretudo, um mapa do coração do homem, um mapa de quem você é, e de tudo que você pode ser. Fonte: (KATE M. CHONG, 1996, citada por SOARES, 1998, p. 42-43) Como se percebe no poema acima, é necessário estabelecer distinção entre a alfabetização e o letramento. Isso porque o letramento envolve o uso da leitura e da escrita nas mais diferen- tes situações: ler notícias e se informar; ler histórias em quadrinhos como momentos de lazer e entretenimento; ler receitas culinárias e aprender a preparar alimentos; escrever listas e recados como apoio à memória. Enfim, uma ampla quantidade de ações que realizamos no cotidiano e que se apoiam no texto escrito. Sobre o letramento, vale registrar que a sua ausência hoje é um dos principais fatores de exclusão social. Isso ocorre porque numa sociedade letrada como a nossa, o uso da leitura e da escrita é praticamente um requisito para o pleno exercício da cidadania. 25 Pedagogia - Fundamentos e Metodologia da Alfabetização 1.7 Conceituando alfabetismo Agora que discutimos diferentes conceitos pertencentes ao campo semântico da alfabeti- zação, você deve estar se perguntando: Se alfabetizado é aquele que aprendeu a ler e escrever, o que é alfabetismo? Soares (1998) considera que alfabetismo é o estado ou qualidade de alfabetizado, aquele que adquiriu o estado ou a condição de quem se alfabetizou e incorporou a leitura e a escrita às práticas sociais que as demandam. E, diante do conceito de alfabetismo, você deve estar se perguntando: Se letramento é o es- tado ou condição de quem sabe ler e escrever, qual é a diferença entre alfabetismo e letramento? E a resposta para essa questão é simples. Não há diferença, esse dois conceitos podem ser consi- derados como sinônimos. Para situar a questão, vale destacar que Magda Soares, pesquisadora do CEALE/UFMG, que contribuiu de forma bastante significativa para disseminar o conceito de letramento, iniciou suas discussões sobre esse fenômeno fazendo uso do conceito de alfabetismo. Em 1995, a autora pu- blicou o texto “Língua escrita, sociedade e cultura: relações, dimensões e perspectivas”, concei- tuando alfabetismo e destacando a estranheza que o termo produzia aos falantes de português, dado o pouco uso da expressão, enquanto analfabetismo, que designa o seu contrário, era pala- vra de uso corrente (SOARES, 2003). Em 1999, Vera Masagão Ribeiro publicou o livro denominado “Alfabetismo e Atitudes: pes- quisa com jovens e adultos”, produzido a partir de sua tese de doutorado. A autora é professora da Unicamp e integrante da Ação Educativa – instituição que pesquisa e apoia ações que visam à educação de jovens e adultos, sendo que o livro não se limita às discussões em torno do analfa- betismo. Ao contrário, a discussão proposta está relacionada às habilidades de leitura que carac- terizariam um indivíduo capaz de ler e escrever e fazer frente às demandas sociais apresentadas pela sociedade grafocêntrica em que estamos inseridos. Isso significa que a autora utiliza o con- ceito de alfabetismo com o mesmo sentido que está sendo atribuído ao letramento. Por fim, você deve estar se perguntando sobre o porquê desses dois conceitos. Nesse caso, a resposta não é tão simples. Aconteceu que o termo alfabetismo não “pegou”, não foi ampla- mente utilizado, enquanto o termo letramento ganhou espaço no campo acadêmico e entre os professores. Daí a hegemonia do termo letramento entre nós. Como discutimos anteriormente, no Brasil, o cenário educacional tem apontado que a nossa escola tem gerado um quadro de exclusão, por não garantir condições de alfabetização e letra- mento para todos. No entanto, diferentes pesquisadores apontam que a quase universalização do acesso ao ensino fundamental tem ampliado não apenas a escolarização, pois, aos poucos, a escola tem ampliado a qualidade do seu ensino. Hoje não mais lutamos por ampliação de vagas na escola fundamental, mas discutimos a qualidade dos processos educativos e a nova condição que a alfabetização tem construído para os sujeitos que se apropriaram dessa tecnologia. Ou seja, desde as últimas décadas do século XX, os pesquisadores intensificaram as discus- sões sobre a alfabetização e suas consequências para os sujeitos e para as sociedades que con- quistam a leitura e a escrita. No entanto, como ainda não tínhamos um conceito para denominar essa condição individual e social, os pesquisadores passaram a utilizar os dois conceitos – alfabe- tismo e letramento. Para ilustrar a utilização paralela dos dois termos, destacamos que o livro “Letramento: um tema em três gêneros”, de Magda Soares, foi publicado em 1998, enquanto o livro de Vera Ma- sagão Ribeiro, acima mencionado, foi publicado em 1999. Em 2003 foi publicado o livro “Letra- mento no Brasil: reflexões a partir do INAF”, organizado por Vera Masagão Ribeiro, sendo que o próprio título do livro apresenta os dois termos, pois se constitui como discussão sobre o letra- mento, mas as reflexões foram produzidas a partir da pesquisa do INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional. Na apresentação da obra, Ribeiro afirma que “o livro reúne artigos de pes- quisadores e especialistas em leitura, letramento e educação, todos eles comentando os resulta- dos do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (RIBEIRO, 2004, p. 09). Isso significa que os dois conceitos foram e ainda são utilizados por pesquisadores de destaque no âmbito nacional. Mas, aos poucos, tem sido construída a hegemonia do termo letramento, ainda que muitos pes- quisadores utilizem o termo alfabetismo. 26 UAB/Unimontes - 3º Período 1.8 Políticas públicas para jovens e adultos Para encerrar a unidade I da nossa disciplina vamos registrar as iniciativas e tentativas da luta contra o analfabetismo no Brasil, ao longo da história: Podemos citar, entre outros: • Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (1947, governo Eurico Gaspar Dutra); • Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (1958, governo Juscelino Kubitschek); • Movimento de Educação de Base (1961, criado pela Conferência Nacional de Bispos do Bra- sil
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