Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FACULDADE MULTIVIX DE CARIACICA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO RESENHA CRÍTICA BASEADA NO ARTIGO UBERIZAÇÃO DO TRABALHO SOBRE ÓTICA DO CONCEITO DA SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL INTRODUÇÃO Sabe-se que o trabalho humano e toda a gama de instrumentos que o tutelam na relação com o “Capital” sempre sofreu o influxo das alterações nos meios de produção, e atualmente, sofre com o fenômeno da “restruturação produtiva do capital”, que se baseia na interdependência econômica das nações e na evolução da tecnologia. Historicamente o trabalho humano adquiriu relevo e importância, principalmente, a partir da “Revolução Burguesa”, onde passou a ser considerado como o “principal gerador de riqueza do sistema capitalista”. Na atual quadra histórica, como já dito, surge a necessidade do Direito do Trabalho e os seus valores acoplarem o fenômeno da “Uberização” dos meios de produção, que nada mais é do que a “forma liberal” de apropriação da mão de obra humana pela empresa UBER. Para a classe trabalhadora a “Uberização”, como tendência, traz a precarização e a vulnerabilidade de todas as conquistas sociais do Direito do Trabalho. Diversas teorizações jurídicas têm vindo à tona para advogar a não aplicação das regras do Direito Social do Trabalho a esse modo produção, como a que apregoa a inexistência da subordinação do trabalhador registrado na plataforma à empresa. Todavia, sabendo-se que não há no mundo um trabalho humano que não tenha nascido sob a égide do Conhecimento e da Tecnologia, e que a principal função do Direito do Trabalho é preservar um patamar civilizatório mínimo, por meio dos seus princípios, direitos fundamentais e estruturas normativas, a garantir a dignidade do trabalhador, indaga-se: os novos modos de produção, inovadores, tecnológicos e disruptivos, como o inaugurado pela UBER, são refratários ao Direito do Trabalho, este que nasceu para regular a extração do trabalho humano no âmbito de um processo capitalista? Sob a perspectiva desta questão, será analisada essa crescente tendência da Uberização que traz a flexibilização e a desregulamentação das normas do Direito do Trabalho. O TRABALHO HUMANO: CARACTERÍSTICAS E EVOLUÇÃO O presente estudo apresenta como tema o fenômeno da Uberização do trabalho. Para isso, é necessária uma rápida contextualização histórica deste novo fenômeno. Iniciamos com a conceituação do que é trabalho humano segundo Marx, como sendo uma atividade afirmadora da vida, ou seja, como sendo um fator onde a raça humana se diferencia dos demais seres, a fim de satisfazer as suas necessidades. Podemos dizer que a diferenciação que ocorre entre homens e animais, parte do pressuposto de que o homem planeja suas tarefas, ou seja, possui uma racionalidade intrínseca prévia ao exercício do trabalho. No curso da evolução das atividades humanas o exercício do trabalho foi sofrendo alterações. Analisando uma linha cronológica, podemos observar como o trabalho atingiu a figura de principal meio para obtenção de riqueza. Os primeiros indícios de existência de relação dos indivíduos e do trabalho foi apresentada na época onde o homem era ligado diretamente à terra, plantava e colhia os frutos, inexistindo o trabalho como valor social. Posteriormente, a sociedade viveu um período pré-capitalista, onde a fruto da produção era inerente ao trabalhador e onde persistia o sistema de trocas (MOTTA, 1986). Com a revolução industrial, os indivíduos se deslocaram para os grandes centros e com a incapacidade de acessar a terra, tiveram que alienar sua força de trabalho por um valor ínfimo. Com essa apropriação do trabalho como afirmador da vida humana, o “Capitalismo” transformou o trabalho humano no principal meio de geração de riqueza, mas sempre valorizando mais a mercadoria do que o próprio trabalhador. Com o advento da globalização econômica, a força do trabalho humano vem sendo constantemente substituída por novas tecnologias capazes de trazer lucro ao capitalista, numa produção de ciclo curto, além da redução do custo da mão de obra humana. Atualmente, grande parte do crescimento econômico se dá como consequência dos avanços tecnológicos dos meios de produção. Todavia, a inovação tecnológica, apesar dos inquestionáveis benefícios, lado outro, trouxe uma onda nefasta de desvalorização do trabalho humano, que se iniciou com o declínio do fordismo e com a necessidade do aumento de produção, substituindo a mão de obra humana por máquinas. Se seguirmos o ponto de vista de Marx, de que o trabalho é uma atividade afirmadora da vida humana, a inovação tecnológica deixa cada vez mais pessoas à margem da possibilidade de preservar o seu meio de vida, retirando-lhes a sua essência. A utilização de tecnologia suprindo o trabalho humano ocasionou altas taxas de desemprego estrutural, daquele que nasce do descompasso entre as vagas disponíveis no mercado e as habilidades dos trabalhadores, tais como ocorreu nas metalúrgicas e indústrias automobilísticas setores fortemente automatizados. Diante o cenário de altas taxas de desemprego e a intensificação da automação industrial, foram adotas medidas para que o país fosse inserido no mercado mundial, tal inserção se deu através do Plano Real e abertura dos mercados. Ao final deste ciclo é registrado um maior poder aquisitivo dos brasileiros, todavia, fruto de políticas sociais de transferência de renda, e não pela geração de empregos. A abertura do mercado e modernização do trabalho foi usado como embasamento para o legislador “modernizar” as Leis trabalhistas, porque: se há um mercado moderno e aberto ao mundo, logo, devemos modernizar, ou melhor, flexibilizar as leis trabalhistas que já estão defasadas e em desarmonia com os modos de produção atuais. Assim, o legislador que já tinha o marco inicial para a reforma trabalhista baseou-se no fato de que a modernização das relações seria fundamental para tirar o país do quadro de crise e reverter a recessão econômica. Tais flexibilizações passaram a possibilitar, por exemplo, o acordo entre empregado e empregador, parcelamento de férias, negociação coletiva com supremacia sobre a lei, etc. O que se percebeu foi o Estado como mentor maior ser excluído de tutor desta relação, passando o trabalhador a negociar diretamente com o setor privado, evidentemente, em clara posição de desvantagem. Ainda não se tem dados que comprovem que tal flexibilização tenha gerado mais empregos de forma que tenha interferido na reversão do quadro econômico, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apenas no primeiro trimestre encerrado em fevereiro de 2020, houve aumento de 11,6% na taxa de desemprego, atingindo 2,3 milhões de desempregados. Logo percebe-se que essas medidas não geraram empregos e não interferiram positivamente no quadro econômico do país. Ao revés, significaram a perda de direitos para a classe trabalhadora, com a ocupação destas em atividades informais de geração de renda. O NOVO MODO DE PRODUÇÃO A uberização como forma de produção, concretiza a sensível decadência do Direito do Trabalho, seus princípios, postulados e normas, frente a um sistema que inaugura um trabalhador que teve a sua nova posição traduzida numa expressão cunhada como: “nanoempresário-de-si”. Que mesmo perdendo todas as garantias mínimas sociais, ainda deve estar permanentemente disponível para o trabalho, via plataforma ou sistema, mantendo-se ligado, ou subordinado, apresentando elemento essencial de uma relação empregatícia. Nesta toada, em outubro de 2016, o governo de Michel Temer sancionou a Lei nº 13.352/2016 - do Salão Parceiro, que pouco foi debatida nas discussões sobre terceirizações, esta Lei desobrigou proprietários de salões ou barbearias a reconhecer vínculo empregatício de manicures, depiladores, cabeleireiros, barbeiros, maquiadorese etc. Assim, os profissionais que trabalham oito horas por dia ou mais, puderam ser classificados como prestadores de serviço, sem relação jurídica trabalhista com o salão/barbearia. No Brasil, a uberização é ainda potencializada por uma nova figura jurídica criada no governo Dilma, a do Microempreendedor Individual (MEI). A princípio estabeleceu-se como um meio para a formalização de trabalhadores informais de baixa renda, que então se tornam pessoas jurídicas, podendo emitir nota fiscal, sem terem as responsabilidades jurídicas de uma empresa. O MEI não poderia faturar mais de 60 mil reais por ano e contribui para a Previdência Social, tendo acesso a benefícios sociais tais como: auxilio maternidade, auxílio doença e aposentadoria. A figura do MEI tornou-se, ao mesmo tempo, instrumento governamental para a redução da taxa do trabalho informal no Brasil e veículo extremamente eficaz da “pejotização” dos trabalhadores de baixa qualificação e rendimento. É necessário salientar que a uberização não surgiu com o universo da economia digital, pois sua base já estava em formação há décadas no mundo do trabalho, entretanto, hoje, se materializou nesse campo. Os antecedentes desse fenômeno abordado foram os modelos fordistas e toyotista, no início do século XX, com o modelo trabalhador “just in time” (flexível, sob demanda). Entretanto, o modo atual é a superação desses modelos, visto que lá o trabalhador ainda tinha os seus direitos garantidos, principalmente, a Previdência Social, ao passo que no mundo da uberização não existe nenhuma garantia, sendo o trabalhador considerado um autônomo, com a uberização “coisificando” o trabalho humano, dando-lhe o mesmo que valor que uma peça de reposição. A uberização, como novo modo de produção de produtos e serviços, o qual ainda agrega o trabalho humano, representa uma clara regressão dos direitos sociais e das condições do trabalho, e um verdadeiro retrocesso social e civilizatório, o que viola a dignidade do trabalho humano como elemento de um dos princípios fundamentais da República Brasileira (Art. 1º, IV da CF/88). A UBERIZAÇÃO E O TRABALHO HUMANO: RELAÇÃO DE EMPREGO Como já analisado, a empresa UBER, pelo uso de tecnologia associada a uma plataforma digital de serviços, transformou-se na maior empresa de transporte particular do mundo sem ser proprietária de um único veículo. Isso é uma revolução e o homem atual deve render-se a esse fato. Embora presente somente em alguns nichos de mercado e profissões, há uma tendência de que este fenômeno se alastre para outras atividades e ramos da economia. E neste sentido, tal modo de produção, por ser uma inovação e trazer uma notável revolução, não deve estar afastado da observância de todos os direitos sociais inerentes ao trabalho humano, uma vez que, não há trabalho humano que não tenha nascido de um novo conhecimento ou de uma nova tecnologia. Ou seja, a premissa que se lança como fundamental para a análise do fenômeno da uberização sob o prisma da relação de trabalho, é saber se esse sistema tecnológico capitalista utiliza ou extrai o valor do trabalho de um indivíduo (pessoa natural). Se a conclusão da premissa for positiva, então, estamos diante de uma relação de trabalho. Todavia, para ser mais que isto, em uma relação de emprego, o estudioso e observador deverá aferir se estão presentes os elementos da relação de emprego, insculpidos no Art. 3º da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, quais sejam: PESSOALIDADE, NÃO-EVENTUALIDADE, ONEROSIDADE e SUBORDINAÇÃO. Ora, dos elementos caracterizadores acima, o que mais traz dúvidas razoáveis em relação a uberização é o que diz respeito a SUBORDINAÇÃO do trabalhador à empresa. Com efeito, a Subordinação, no seu sentido mais clássico e aceito, é o submetimento às ordens de outro, dentro de uma posição de dependência. E nesse sentido, a tese mais acolhida pelas sentenças é de que o trabalho do motorista de UBER via plataformas, é um trabalho sem qualquer Subordinação, ou seja, um trabalho autônomo desenvolvido com autonomia pelo trabalhador. Todavia, assim como o modo de produção evolui adotando novos sistemas e rendendo-se as tecnologias e aos serviços de rede, o Direito, como ciência, também evolui e aprimora os seus feixes normativos para acompanhar a dinâmica social e fazer a pacificação da sociedade (Antonio Luiz Machado Neto, 1987). Sendo o elemento Subordinação, a pedra de tropeço para o reconhecimento do vínculo empregatício do motorista da UBER no Brasil, a jurisprudência nacional evoluiu as suas teorizações para relativizar a ideia de Subordinação, estendendo a abrangência do Direito do Trabalho. Há quem diga que na relação da UBER com o motorista existe a Subordinação na sua modalidade Clássica, porque, via plataforma, o motorista é devidamente avaliado e poderá sofrer punições, tudo pela análise da sua performance, que é feita através do Algoritmo controlador do Aplicativo. Sendo também notório que o motorista, pela regra do jogo, deveria manter uma Nota ou “score” mínimos para que pudesse ser mantido ativo pela empresa no aplicativo. Todavia, esse não tem sido o entendimento dos nossos Tribunais. Aplicando a tese da Subordinação estrutural, não mais estaremos presos a uma compressão clássica do conceito de Subordinação, mas sim, a um entendimento elástico, que considera empregado o trabalhador que esteja incluído na “dinâmica operativa da atividade do prestador de serviços”. Não sendo relevante se o trabalhador recebeu ordens diretas das respectivas chefias ou que o seu labor se harmonize aos objetivos do empreendimento (DELGADO, 2016). É o dinamismo interpretativo dentro do mesmo ordenamento, com o objetivo de finalisticamente, dar vigência ao Art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal; bem como estar em conformidade com os objetivos da Ordem Econômica previstos no Art. 170 da Carta Constitucional, e sobretudo, dar vigência ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, este forte no inciso III do mesmo Art. 1º da Carta Constitucional, como fundamento maior da ordem constitucional. Dessarte, deparando-se com a dúvida em hipótese onde o processo produtivo envolva o trabalho humano, braçal ou intelectual, o estudioso deverá reconhecer a relação empregatícia aplicando a teoria da Subordinação Estrutural, de modo a dar como preenchido o requisito da SUBORDINAÇÃO, dando vigência a todo o capítulo 7º da Constituição que prevê os direitos sociais do trabalho, mediante uma interpretação conforme o Art. 1º, III da Constituição Federal. CONCLUSÃO A revolução dos modos de produção, tais como a trazida pela Uber, não retira a proteção do Direito Trabalho e não revoga o Artigo 7º da Constituição Federal. Estamos navegando por um tempo onde surgem várias revoluções impostas pelo uso das tecnologias. Cabe ao Direito do Trabalho se fortalecer, atuando de forma legítima dentro do parlamento ou no seu ambiente mais peculiar, Jurisdição do Trabalho, para entender esses fenômenos e reprimir qualquer intimidação tendente a ameaçar os direitos conquistados, significando um retrocesso civilizatório. Andaram bem a doutrina e a jurisprudência quando expuseram a tese da Subordinação estrutural, desfazendo o óbice arraigado num conceito avelhantado de subordinação, dando evolução na interpretação do conceito legal com a interpretação finalística conforme os Artigos 7º e 1º, inciso III, da Constituição Federal. REFERÊNCIAS MOTTA, Fernando Claudio Prestes. Organização Nascente, Pré-Capitalismo e Manufatura. Scielo. Vol. 26. São Paulo, 1986. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901986000400002 Acesso em: 09/04/2020 PETO, Lucas Carvalho e VERISSIMO, Danilo Saretta. Natureza e Processo de Trabalho em Marx. Scielo. Vol.30.Belo Horizonte, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822018000100248Acesso em:10/04/2020 THERBORN, Goran. Globalização e Desigualdade: Questões de Conceituação e Esclarecimento.Scielo. Porto Alegre, 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-45222001000200007 Acesso em: 10/04/2020 GORENDER, Jacob. Globalização, Tecnologia e Relações de Trabalho.Scielo.Vol.11. São Paulo, 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141997000100017 Acesso em: 10/04/2020 BARROS, Alerrandre. Desemprego Aumenta para 11,6% no Trimestre Encerrado em Fevereiro. Agencia IBGE Noticias.31 de Março de 2020. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de- noticias/noticias/27260-desemprego-aumenta-para-11-6-no-trimestre-encerrado-em- fevereiro Acesso em : 09/04/2020 BRASIL.Lei n°13.352, de 27 de Outubro de 2016. Diario Ofical. Poder Executivo, Brasilia, DF. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2016/Lei/L13352.htm Acesso em: 10/04/2020
Compartilhar