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CONTENTS 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Talassemias ................................................................12 Referências Bibliográficas ........................................22 3ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA 1. INTRODUÇÃO A hemoglobina é uma proteína que se localiza dentro da hemácia e que tem como função realizar o transpor- te de oxigênio, ela é a responsável pela coloração avermelhada do san- gue. Existem três tipos de hemoglo- bina que são consideradas normais nos seres humanos. A hemoglobina A1(cerca de 97% da hemoglobina do adulto), hemoglobina A2 (2% da he- moglobina do adulto) e hemoglobina F (hemoglobina fetal – presente nos primeiros meses de vida). O fenótipo AA da hemoglobina é considerado o normal para um adulto. Hemoglobinopatias são alterações na estrutura da hemoglobina, geralmen- te de característica hereditária. Essas alterações podem levar a hemoglobi- nas SS, AS, SC, SD, entre outros. O termo doença falciforme (DF) é usa- do para definir as hemoglobinopatias, nas quais, o fenótipo predominante é o da Hb S, mesmo quando associa- da a outra hemoglobina variante (Hb Var). Os tipos de DF mais frequentes são Hb SS, a HbS-betaTalassemia e as duplas heterozigoses Hb SC e Hb SD. Essas variações causadas por heterozigoses compostas podem apresentar quadros clínicos variados. A doença tem origem no continen- te africano e foi trazida às Américas em decorrência da imigração forçada dos escravos. No Brasil, o gene que determina a DF, pode ser encontra- do em todo território nacional, sendo mais frequente na região nordeste, onde é maior a proporção de ante- passados negros da população. Em decorrência desse histórico, a doença é predominante entre negros e par- dos, mas também acomete brancos devido à miscigenação da população brasileira. SAIBA MAIS Pacientes com hemoglobina de fenótipo S apresentam menor susceptibilidade à malária por mecanismos ainda não elucidados. Alguns estudos indicam que o protozoário tem dificulda- de de invadir a hemácia mutada. Anemia Falciforme A anemia falciforme é a doença here- ditária monogênica mais comum do Brasil. A doença é causada por uma mutação que origina uma hemoglobi- na anormal, denominada hemoglobi- na S (HbS), ao invés da hemoglobina normal denominada hemoglobina A (HbA). Esta mutação leva à troca de um aminoácido na cadeia beta da he- moglobina, o ácido glutâmico (hidrofíli- co) por uma valina (hidrofóbica) na po- sição 6. Esta modificação estrutural é 4ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA responsável por profundas alterações nas propriedades físico-químicas da molécula da hemoglobina no estado desoxigenado. A substituição de um aminoácido hidrofílico por um hidro- fóbico cria uma área que não intera- ge com a água. Na tentativa de man- ter a hidrofilia, a hemoglobina S forma agregados. Estas alterações levam ao evento conhecido como falcização, que é a mudança da alteração morfo- lógica normal da hemácia para a forma de foice ou meia-lua, resultando em al- terações da reologia dos glóbulos ver- melhos e da membrana eritrocitária. CONCEITO! Anemia falciforme é a hemoglobinopatia caracterizada pela substituição do aminoácido ácido glutâ- mico pela valina na sexta posição da ca- deia beta do DNA do gene hemoglobina (GAG →GTG). Esses glóbulos vermelhos em forma de foice não circulam de forma ade- quada na microcirculação, dificultan- do a circulação sanguínea, provo- cando em vaso-oclusão, ou seja, em obstrução do fluxo sanguíneo capi- lar, e infarto na área afetada, conse- quentemente esses eventos resultam em isquemia, dor, necrose e disfun- ções,bem como danos permanentes aos tecidos e órgãos.Este mecanismo fisiopatológico acarreta graves mani- festações clínicas. SE LIGA! Durante os 6 primeiros meses de vida, esses indivíduos geralmente não apresentam sintomas devido aos altos níveis de hemoglobina Fetal (HF). Em geral, os pais são portadores as- sintomáticos de um único gene afeta- do (heterozigotos), produzindo HbA e HbS (AS), transmitindo cada um deles o gene alterado para a criança, que assim recebe o gene anormal em dose dupla (homozigoto SS). A de- nominação “anemia falciforme” é re- servada para a forma da doença que ocorre nesses homozigotos SS. As manifestações clínicas na HbSS são mais graves, porém o acompanha- mento e terapêutica seguem a mes- ma rotina dos pacientes com doença falciforme. SE LIGA! Traço falciforme não é doen- ça! É uma mutação na hemoglobina que não traz consequências clínicas e, por- tanto, não necessita de tratamento. A frequência da DF depende da an- cestralidade da população estudada. No Brasil, estudos apontam que a mortalidade da AF é de 78% até os 29 anos de idade e, destes, 37,5% concentravam-se nos menores de 9 anos → Elevada letalidade O tratamento precoce comprovada- mente aumenta a sobrevivência das 5ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA crianças afetadas, melhorando a qua- lidade de vida, que devem ser acom- panhadas ao longo da vida em um centro de tratamento com uma equipe multiprofissional especializada, com avaliações clínicas periódicas e inter- nações hospitalares quando situa- ções de risco. Sem o acompanhamen- to clínico especializado, os benefícios obtidos pelo tratamento precoce não serão consolidados. As complicações clínicas da doença têm níveis hierar- quizados de complexidade, numa al- ternância de períodos de bem estar ao de urgência e emergência. Diagnóstico laboratorial da DF Idealmente, para a triagem neona- tal para HbS, também conhecida como “Teste do Pezinho”, a amostra de sangue deve ser colhida entre 48 horas e sete dias após o nascimento, embora seja aceitável ate o 30º dia. As hemoglonopatias foram incluídas na triagem neonatal devido sua alta frequência na população brasileira. Apesar de existirem vários tipos de hemoglobinas anormais, geralmente apenas a HbS e HbC costumam ser pesquisadas na triagem. As hemá- cias do RN normal con- tem Hb F e A – padrão FA. É impor- tante lem- brar que os RN com padrão FA podem não ser necessariamente normais do ponto de vista hematológico: eles não tem a DF, mas podem ter talassemia ou outros distúrbios da série vermelha. O aconselhamento genético dos pa- cientes diagnosticados com a do- ença falciforme, bem como de seus familiares, faz parte do protocolo de acompanhamento dos pacientes com doença falciforme. O teste de triagem neonatal deverá ser sempre realizado, visando à adesão precoce da criança nos programas de atendimento aos pacientes. O diagnóstico da doença falciforme consiste na detecção da hemoglobina (Hb) variante denominada hemoglo- bina S (HbS), além das outras hemo- globinas variantes ou de síntese que possam estar a ela associada. A ele- troforese de hemoglobina é o exame de avaliação laboratorial de escolha para detecção de hemoglobinopatias, sendo importante à realização preco- ce desse exame. A eletroforese de hemoglobina é um teste fácil de ser realizado e que dis- crimina o tipo de hemoglobina pre- sente na amostra investigada. Esse exame deve ser sempre solicitado, e se não hou- ver possi- bilidade de encaminha- 6ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA mento imediato, deve-se armazenar a amostra de sangue. É importante lembrar que a realização de transfu- são sanguínea prejudica a realização da eletroforese, que somente pode- rá ser realizada cerca de três meses após, sendo assim, uma amostra de sangue deve ser coletada para eletro- forese antes da transfusão em casos suspeitos. Algumas análises laboratoriais devem estar associadas ao acompanhamen- to de pacientes com hemoglobinopa- tias, principalmente os portadores de doença falciforme. Desses exames, destaca-se a realização do hemogra- ma, que será muito útil na avaliação do grau de anemia, sendo o eritrogra- ma elemento importante para o se- guimento do paciente. A análise do eritrograma sempre de- verá ser acompanhada pela avaliação morfológica das hemácias,analisan- do-se a presença de alterações nas formas (poiquilocitose, com presen- ça de hemácias em forma de foice ou drepanócitos em decorrência da HbS; hemácias em forma de alvo ou targetcells na presença da HbC e de talassemias); tamanho (anisocitose, hemácias de tamanhos diferentes, principalmente se existe o aumento de reticulócitos) e coloração (hipocro- mia e policromasia em decorrência do aumento dos reticulócitos). A anemia da DF é normocrômica e normocítica. A contagem de reticuló- citos varia entre 3 e 25%. Na asso- ciação entre S/PHHF não há hemóli- se. A concentração basal de Hb, isso é, aquela determinada com a criança estável, varia entre 6 e 12 g/dL, sendo mais elevada nas crianças SC. Valo- res de VCM e/ou HCM podem indi- car associação com beta-talassemia ou co-herança de alfa-talassemia. É necessário que sempre se descarte a possibilidade de anemia ferropriva, por ser uma deficiência nutricional comum em pediatria. A leucocitose é achado frequente, po- dendo existir desvio para a esquerda, mesmo com paciente fora da crise. A contagem de plaquetas em geral está elevada, embora a plaquetopenia ba- sal possa estar presente nos quadros de hiperesplenismo. A Hb F está pre- sente no RN normal a termo em ní- veis de 75 a 90%, geralmente atinge menos de 2% dos 6 aos 12 meses de idade. No pré-termo, dependendo da idade gestacional, ela pode represen- tar 100%. Essas proporções são vali- das também para crianças com DF, o que explica o aparecimento dos sin- tomas por volta dos 6º mês de vida. 7ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA MAPA MENTAL – EXAMES LABORATORIAIS Hemograma Eletroforese de hemoglobia Leucocitose com desvio à esquerda Anemia Poiquilocitose Anisocitose Hipocromia Policromasia Plaquetose ou plaquetopenia Discrimina o tipo de hemoglobina SE LIGA! A presença de hemácias “em foice” é achado clássico da doença fal- ciforme. Figura 1: Histologia da anemia falciforme. A seta apon- ta hemácias falcizadas. Fonte: AnatPat - Unicamp 8ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA Manifestações clínicas A crise álgica é a principal manifestação clínica do paciente com anemia falcifor- me. As manifestações clínicas dos pa- cientes falcêmicos devem-se principal- mente a dois fatores: a oclusão vascular pelos glóbulos vermelhos seguida de infarto nos diversos tecidos e órgãos, e a hemólise crônica e seus mecanismos compensadores. Associados, esses eventos danificam progressivamente os diversos órgãos e podem alterar o cres- cimento e provocar atraso puberal. O fenômeno da vaso-oclusão também leva à destruição progressiva do baço e consequentemente à autoesplenecto- mia, sendo responsável pela suscepti- bilidade aumentada a infecções graves. Como há a possibilidade potencial de evolução com choque hipovolêmico, trata-se de uma emergência clínica. O sequestro esplênico é a segunda causa de morte entre as crianças com AF, podendo ocorrer entre os 2 meses de idade até por volta dos 3 anos, e nos pacientes com doença falciforme, em idades maiores. Caracteriza-se por um quadro de instalação abrupta com palidez e aumento do volume do baço com dor abdominal, fraqueza súbita, podendo ser desencadeado com pro- cessos infecciosos. Por isso os pais são ensinados a palpar o baço, para que possam identificar precocemente o se- questro esplênico e procurar ajuda. O termo Síndrome Torácica Aguda re- flete a dificuldade na distinção entre in- fecção pulmonar (bacteriana ou viral) de outras condições que podem ocorrer na doença falciforme, incluindo a embolia gordurosa ou infarto pulmonar por oclu- são da microvasculatura ou tromboem- bolismo, causando alterações inflama- tórias no pulmão. A fisiopatogenia da STA é multifatorial, cujo resultado final é a trombose microvascular. Os pacientes falcêmicos são sus- ceptíveis às infecções sobretudo por germes encapsulados, uma vez que a função esplênica é perdida devido ao progressivo infarto no baço. Há elevado risco de sepse fulminante no paciente falcêmico já nos primeiros anos de vida, e embora diminua após os 5 anos, pacientes podem desen- volver infecções graves mais tarde. Outro fator importante na doença falciforme é que as infecções virais e bacterianas induzem ao aumento de fibrinogênio e estimulam a aderên- cia da célula falciforme ao endotélio, o que promove a vasoconstricção e a hipóxia tecidual. Isto gera uma le- são tecidual que agudamente pode apresentar-se como crises dolorosas, acidente vascular cerebral, síndrome torácica aguda. Geralmente os pacientes portadores da DF toleram bem a anemia crônica e precisam de transfusão sanguínea somente em condições clinicas espe- ciais como: crise aplástica, sequestro esplênico, acidente vascular cerebral e síndrome torácica aguda. 9ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA MAPA MENTAL - FISIOPATOLOGIA Hemólise Atraso puberal Icterícia Hipertensão pulmonar Insuficiência cardíaca em idosos Vasoclusão Sequestro esplênico Trombo Autoesplenectomia Maior risco de infecção Necrose Infarto tecidual Úlceras Crise álgica Disfunção do órgão afetado 10ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA Tratamento Os pais devem ser orientados sobre a importância de manter a hidratação e a nutrição adequadas à criança e de reconhecer os níveis de hemoglo- bina e sinais de palidez do paciente, como também sobre a prevenção das infecções através das vacinas e do uso da penicilina profilática. O acon- selhamento genético deve ser ofere- cido aos pais e outros familiares, caso desejarem. SE LIGA! Devido ao risco das infecções, os episódios de febre exigem pronta in- tervenção e devem ser encarados como situações de risco, sendo importante o encaminhamento ao hospital, principal- mente quando acompanhado de: pa- lidez, febre, presença de dor torácica, dispnéia, dor abdominal, cefaléia, náu- seas ou vômitos, aumento do baço e/ou alterações do comportamento. Os pacientes e seus familiares devem ser ensinados a reconhecer crises ál- gica, assi como a origem e a inten- sidade da dor, para que possam, no domicílio, proceder a uma hidratação adequada e fazer uso de analgésicos tão logo surjam as dores, e procurar tratamento hospitalar caso essas me- didas simples sejam ineficazes. A prática de exercícios pode ser en- corajada, desde que sejam regulares, moderadas e o esforço progrida lenta- mente. Os responsáveis e o paciente devem ser alertados sobre a neces- sidade da hidratação, antes, durante e após as atividades físicas. Também devem ser lembrados que as varia- ções de temperatura, como calor ou frio, podem desencadear crises. Os níveis de hemoglobina devem ser solicitados e avaliados a cada consul- ta, o paciente deve ter conhecimento dos seus valores médios de hemo- globina, a fim de que sejam evitadas transfusões desnecessárias. A criança com doença falciforme, além de receber todas as vacinas re- comendadas no calendário de vaci- nação, requer outras adicionais, como a vacina contra o pneumococo, me- ningite e vírus influenza. As vacinas especiais são indicadas e realizadas nos Centros de Referência para Imu- nobiológicos Especiais (CRIE). Em to- das as consultas deve ser verificado, através da carteira de vacinação, se o esquema de vacinação está sendo realizado. O uso de penicilina profilática via oral, administrada duas vezes ao dia, em crianças de 3 a 6 meses de idade, di- minuiu em 84% a incidência de bac- teremia por pneumococo. Na Bahia, tem sido empregada a penicilina V oral ou a penicilina G benzatina a cada 21 dias. 11ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA Troca de um aminoácido na cadeia beta Controle de cura trimestral, por meio do VDRL ANEMIA FALCIFORME Prevenção da Sífilis Congênita Quadro clínico Diagnóstico Um caso a cada 650 nascidos-vivos Tratamento Origem no continente africano Fenótipo predominante Hb S Promoção em saúde Prática de sexo seguro Vertical / congênita Avaliações clínicas periódicas Precoce aumenta a sobrevivência Hemograma Eletroforese de hemoglobinaTriagem neonatal para HbS / Teste do pezinho Síndrome Torácica Aguda Sequestro esplênico Uso de penicilina profilática Autoesplenectomia Vacinação Pode estar associada a outra hemoglobina variante Predominante entre negros e pardos Mais frequente na região nordeste Ácido glutâmico por uma valina na posição 6 Pais portadores assintomáticos Falcização MAPA MENTAL ANEMIA FALCIFORME 12ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA 2. TALASSEMIAS Conhecidas como “Anemia do Mediter- râneo”, a maioria dos casos inicialmente identificados ocorreu em famílias resi- dentes próximo do Mar Mediterrâneo, em países como Itália, Grécia, Turquia e Líbano, e essa associação geográfica foi responsável pela sua nominação, onde, em grego, “thalassa” significa mar, e “aima”, doença do sangue. Figura 2: Hemácias em alvo. Fonte: Atlas de Histologia - UFG As talassemias constituem um grupo de doenças hereditárias que se ca- racterizam pela produção inadequa- da de uma ou mais cadeias de globi- nas formadoras de Hb. Ao contrário de outras hemoglobinopatias, nas talassemias as cadeias de globinas são estruturalmente normais e suas manifestações clinicas e laborato- riais são decorrentes do desequilíbrio na produção quantitativa dessas ca- deias, tendo como maior consequên- cia a eritropoiese ineficaz. Apresentam uma enorme variedade de manifestações clínicas e laborato- riais, de acordo com a cadeia afeta- da e com o grau de desequilíbrio na produção quantitativa. São classifi- cadas, de acordo com a cadeia poli- peptídica afetada; as mais frequentes são as talassemias do tipo alfa e do tipo beta. Também são descritas as talassemias do tipo delta-beta, delta e gama-delta-beta, porém são muito raros. Heterozigotos são geralmen- te assintomáticos; os portadores de mais de um gene anormal apresen- tam manifestações clínicas variáveis. CONCEITO! Na talassemia alfa ocorre produção inadequada de cadeias alfa, enquanto na talassemia beta ocorre produção inadequada de cadeias beta. Os genes que controlam a produção das cadeias de globina estão localiza- dos no gene 16 (cadeia alfa) e gene 11 (cadeia beta, delta e gama). As talassemias são causadas por altera- ções nesses genes, que variam des- de uma total deleção ou rearranjos do locus até mutações pontuais que pre- judicam a transcrição, processamento ou tradução da globina do RNA men- sageiro. O desequilíbrio na produção das ca- deias alfa e beta impede a formação do tetrâmero alfa-2/beta-2, o que 13ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA resulta na redução da quantidade de Hb. A síntese desbalanceada de uma dessas cadeias provoca ainda um excesso da cadeia que continua a ser produzida em quantidade nor- mal, formando precipitados ou inclu- sões intraeritrocitárias. Esses precipi- tados na hemácia lesam a membrana e provocam destruição prematura. A quantidade e o tipo desses precipita- dos determinam a gravidade da ta- lassemia. SE LIGA!A medula óssea das pesso- as com talassemia produz as hemácias menores e com menos hemoglobina, o que causa anemia hemolítica e hipo- cromia. A Organização Mundial da Saúde es- tima que cerca de 60.000 crianças gravemente afetadas pela talassemia nascem a cada ano. No Brasil, con- forme dados da Associação Brasileira de Talassemia (Abrasta), existem 543 pessoas cadastradas com Talassemia Beta: 310 Maior e 243 Intermediária, com destaque para a Região Sudeste, especialmente o estado de São Paulo, que lidera o número de casos. Na Re- gião Nordeste, o estado de Pernam- buco possui o maior número de pes- soas com Talassemia Intermediária. Estima-se que existam no Brasil cerca de 1.000 pessoas com as formas gra- ves de Talassemias. No Sul e Sudeste 1 a 6% dos indivíduos euro descen- dentes têm o gene da talassemia. Alfa-talassemia Indivíduos com alfa-talassemia apre- sentam deficiência em um ou mais genes de globina alfa. A intensidade da deficiência de produção determina a classificação em 4 formas clinicas: • Portador silencioso → ocorre perda de função em apenas um dos 4 genes da alfa globina. O de- sequilíbrio alfa/beta do portador si- lencioso é mínimo e não provoca alterações clinicas ou laborato- riais, exceto discreta diminuição no VCM em alguns casos. A con- dição é reconhecida geralmente só na vida adulta quando o portador torna-se progenitor de uma crian- ça com doença de HbH ou traço de alfa-talassemia. • Traço alfa-talassemia → ocorre mais frequentemente deleção ou disfunção de 2 dos 4 locus gênicos produtores de globina alfa. Essa forma de talassemia caracteriza-se por anemia discreta com acentu- ada microcitose e hipocromia, mesmo no período neonatal. No RN o diagnostico é facilitado pelo aumento de HbBart’s (Hb formada só de globinas gama). Após o perí- odo neonatal, o diagnóstico é feito por exclusão de anemia ferropriva e traço de beta-talassemia. • Doença da Hb H → ocorre quando apenas 1 dos 4 locus apresenta ativi- dade normal. A causa mais frequente 14ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA é a deleção dos outros 3locus, mas pode ser também secundária a outra mutação. O desequilíbrio da cadeia alfa/beta provoca a formação de te- trâmeros que se precipitam provo- cando a hemólise da Hb. A anemia é moderada, com microcitose, hi- pocromia e evidente fragmentação das hemácias. É importante lembrar que se houver deficiência de ferro concomitante, pode haver redução de Hb H. É raro acometer indivíduos da etnia negra. Na triagem neonatal, a eletroforese de Hb pode mostrar a presença de HbBart’s. Geralmente não precisam de hemotransfusões, mas quando se há anemia grave ou esplenomegalia importante, deve se pensar nessa opção. • Hidropsia fetal com hemoglo- bina Bart’s → Nesta condição todos os 4locus para produção de cadeias alfa são disfuncionais, ocorrendo ausência total da sínte- se dessas cadeias. Os fetos atin- gidos podem nascer prematuros, natimortos ou morrer rapidamente após o nascimento devido à afini- dade exagerada que a Hb de Bart’s e HbH tem pelo O2, causando gra- ve hipóxia tecidual. Caracteriza-se por anemia grave com hepato- esplenomegalia. Ocorre edema generalizado por ICC e hipoalbu- nemiaintraulterina. Na eletrofore- se de Hb nota-se Hb de Bart’s. In- compatível com a vida. Figura 3: Representação esquemática das alfa-talassemias. Fonte: The New England Journal of Medicine, 2014. 15ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA • Costuma ser único, • Indolor • Bordas endurecidas • Fundo liso • 1 cm de diametro Portador silencioso ALFA- TALASSEMIA Doença da Hb H Traço alfa-talassemia Hidropsia fetal com hemoglobina Bart’s Anemia moderada Apenas 1 dos 4 locus apresenta atividade normal Hemoglobina de Bart’s Evidente fragmentação das hemácias Microcitose Hipocromia Os 4 locus para produção de cadeias alfa são disfuncionais Grave hipóxia tecidual Incompatível com a vida Destruição intramedular Instabilidade para formar tetrâmeros Excesso de cadeias Beta Hemoglobina de Bart’s Anemia discreta Deleção ou disfunção de 2 dos 4 locus Hipocromia Acentuada microcitose Cancro duro Lesão rica em bactérias Geralmente até três semanas MAPA MENTAL ALFA-TALASSEMIA 16ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA EXAME ACHADOS Hemograma Anemia com hipocromia e microcitose. Eletroforese de HB Identifica o tipo de Hb (Hb de Barts, HbH e Hb variantes) As manifestações clínicas dependem do tipo de alfa-talassemia, mas pode haver: anemia de intensidade variá- vel, microcítica; atraso do desenvol- vimento somático e sexual devido à anemia, alterações metabólicas e ex- cesso de ferro, que gera hipóxia nos tecidos; hiperplasia da medula óssea, com consequente expansão óssea; alterações ósseas, dentárias, faciais e articulares;hepatoesplenomegalia; excesso de ferro; alterações endócri- nas como diabetes e hipoparatireoi- dismo; alterações cardíacas devido à anemia e o excesso de ferro;Alte- rações hepáticas pela sobrecarga de ferro; hepatites. Beta-talassemia As diferentes mutações que acome-tem a beta-talassemia resultam em uma variedade de síndromes clínicas: • Talassemia menor → ocorre mu- tação de um gene beta. Traço- -talassemico ou beta-talassemia heterozigótica. Hipocromia, mi- crocitose e anemia leve. • Talassemia intermediária → ocorre mutação de 2 genes beta (uma leve e uma grave; duas leves; uma leve com associação a alfa- -talassemia). Desde anemia leve até necessidade de transfusão sanguínea. • Talassemia maior → mutação de 2 genes beta ( 1/3: homozigose beta 0 – não produz globinas beta; 2/3 homozigose beta + ou beta+/ beta 0 – diminuição da produção de globinas beta). Beta talassemiaho- mozigotica ou anemia de Cooley. Doença grave, promovendo ane- mia hipocrômica, dependente de transfusão sanguínea desde os primeiros dias de vida. 17ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA Talassemia menor BETA- TALASSEMIA Talassemia Maior Excesso de cadeias alfa Talassemia intermediaria Destruição intramedular Instabilidade para formar tetrâmeros Hipocromia, microcitose e anemia leve. Traço-talassemico ou beta- talassemia heterozigótica Mutação de um gene beta Mutação de 2 genes beta Doença grave Beta talassemia homozigotica ou anemia de Cooley Dependente de transfusão sanguínea Anemia hipocrômica Beta+/beta 0 2/3 homozigose beta + 1/3: homozigose beta 0 Anemia variada Mutação de 2 genes beta Duas leves Uma leve e uma grave Uma leve com associação a alfa-talassemia MAPA MENTAL 3 - BETA-TALASSEMIA 18ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA O excesso de cadeias alfa produzidas na beta-talassemia precipita-se nos precursores eritrocitários da medula óssea devido a instabilidade para for- mar tetrâmeros e ocorre grave injúria celular com intensa destruição intra- medular dos percursores da série ver- melhas. Dessa forma, a eritropoiese é ineficaz e ocorre a hemólise. A anemia grave e a produção de he- mácias ricas em HbF causa hipóxia grave e estimula a produção de eritro- poietina, com expansão da eritropoie- se inadequada as custas do aumento do baço, fígado e medula óssea (re- sultando em deformidades ósseas). A anemia também leva ao aumento da absorção do ferro com consequente sobrecarga de ferro. A manifestação clínica da talassemia maior costuma ocorrer no 1º ano de vida, com falha de crescimento, fra- queza, adinamia, palidez e espleno- megalia. O tratamento com transfu- sões periódicas de concentrado de hemácia torna o desenvolvimento normal, necessitando também te- rapia quelante de Ferro. Pacientes sem essa terapia adequada apre- sentam complicações de sobrecarga de Ferro em torno de 10 a 12 anos. Sem as transformações adequadas o paciente com talassemia maior tem crescimento e desenvolvimento comprometidos, deformidade óssea, esplenomegalia progressiva, hipe- resplenismo, osteoporose, úlceras de pernas e na puberdade também de- senvolvem complicações relaciona- das à sobrecarga de Ferro porque a absorção intestinal do ferro é aumen- tada para tentar compensar a produ- ção inadequada de hemácias. Na talassemia intermediária os sin- tomas são mais tardios, anemia mais leve e geralmente não necessita ou necessita ocasionalmente de transfu- são.A forma mais grave manifesta-se entre 2 a 6 anos de idade e apesar de sobreviver bemsem transfusões, tem crescimento e desenvolvimen- to comprometidos.Nessa forma mais grave de talassemia intermediária o paciente pode apresentar as mesmas alterações de um paciente com talas- semia maior sem transfusão, além de trombos, litíase biliar e hematopoie- seextramedular. Quanto ao traço talassemico ou ta- lassemia menor é caracterizado por anemia leve e a maioria dos pacientes é assintomático. Diagnóstico das Talassemias O diagnóstico laboratorial das talas- semias é feito por hemograma e ele- troforese de hemoglobina. Também é possível estudar a mutação genética específica. O diagnóstico de talasse- mia beta menor não é possível de ser feito pela triagem neonatal, enquanto na talassemia alfa encontra-se a he- moglobina Bart’s (só é detectada no recém-nascido) na triagem neonatal. Apesar de não ser doente, a pessoa 19ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA com talassemia menor ou traço al- fa-talassemia deve ser identificada, para orientação familiar e para esta- belecer o diagnóstico diferencial en- tre anemia ferropriva. Terapia transfusional Os objetivos da terapia transfusio- nalsão a correção da anemia, a su- pressão da eritropoese e a inibição da absorção do ferro gastrointestinal, permitindo assim o crescimento e o desenvolvimento normais. Deve se iniciar após a confirmação do diag- nóstico de talassemia maior tanto por parâmetros clínicos quanto por labo- ratoriais e deverá ser realizado por hematologista ou terapeuta. A transfusão regular se iniciará, em geral, nos primeiros dois anos de vida nas formas talassêmicas genotípicas mais graves. Nas formas mais leves, as transfusões podem ocorrer de for- ma esporádica nas primeiras décadas de vida e depois podem evoluir para um regime regular de transfusão, dependendo da queda de Hb ou de complicações clínicas que possam se desenvolver. A Hb pré-transfusional deve ser man- tida entre 9,5 a 10 g/dL. O paciente deve fazer a fenotipagem eritrocitária e o sangue transfundido deverá ser fenotipado e totalmente compatível. As transfusões acontecem em inter- valos de duas a cinco semanas con- forme as necessidades individuais de cada indivíduo. SAIBA MAIS O antígeno leucocitário humano (HLA) é um sistema que apresenta anticorpos para o sistema imune adaptativo. Qualquer célula que tenha um HLA que não é próprio do paciente é iden- tificado e rejeitado pelo sistema imune. Quando um paciente passa por diversas transfusões sanguíneas, ele tem risco de aloimunização. A aloimunização é a formação de anticorpos contra HLA que não é próprio. Para pacientes que precisam de múltiplas transfusões ao longo da vida, o ideal é a doação de sangue fenotipado, que permite que o sangue do doador seja o mais compatível possível ao do receptor, diminuindo o risco de reações transfusionais por aloimunização. SE LIGA! As pessoas com talassemia major não sobrevivem à idade adulta se não iniciarem regime de transfusão de hemácias. No entanto, a politransfusão sem a devida quelação de ferro também leva à morte devido ao depósito deste mineral em órgãos vitais. O aumento da sobrevida das pesso- as com talassemia maior teve grande influência com o advento dos quelan- tes de ferro e da ressonância nucle- ar magnética (RNM) por T2* (para a adequada avaliação da sobrecarga de ferro cardíaca e hepática). 20ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA Pacientes dependentes de transfu- sões recebem excesso de Ferro men- salmente, assim os sinais de sobre- carga de ferro podem ser vistos após 10 a 20 transfusões. A sobrecarga de ferro tem impacto negativo sobre a morbidade e a mortalidade dos pa- cientes com talassemia maior, uma vez que os principais órgãos acome- tidos são coração, fígado e glândulas endócrinas, portanto eles devem ser avaliados quanto à carga de Ferro corporal para que a terapia quelante de Ferro seja instituída no momento certo e minimizando os riscos de ex- cesso de Ferro. O transplante de células-tronco he- matopoiéticas (TCTH) é uma opção terapêutica capaz de curar as pesso- as com talassemia. A cura da talasse- mia maior com transplante alogênico de medula óssea é uma alternativa no manejo conservador de terapia transfusional e Terapia quelante. Atu- almente a sobrevida livre de doen- ça em 6 anos varia de 80% a 86%. Os excelentes resultados sugerem que o transplante deve ser oferecido para qualquer paciente com doador compatível aparentado, no entanto, apresenta riscos inerentes ao proce- dimento que devem ser ponderados com o pacientee seus familiares. Terapias experimentais como induto- res de síntese de HbF e Terapia gêni- ca estão em estudo. 21ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA Transplante alogênico de medula óssea Quelação de ferroObjetivos • Correção da anemia • Supressãoda eritropoese • Inibição da absorção do ferro gastrointestinal • Cura da talassemia maior • Riscos inerentes ao procedimento • Depósito deste mineral em órgãos vitais • Coração, fígado e glândulas endócrinas • Corrige a sobrecarga de ferro Hb pré-transfusional entre 9,5 a 10 g/dL Sangue transfundido totalmente compatível Deve se iniciar após a confirmação do diagnóstico MAPA MENTAL TERAPIA TRANSFUSIONAL 22ANEMIA FALCIFORME E TALASSEMIA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, JAP; LOGGETTO, SR; TONE, LG. Hematologia e Hemoterapia Pediátrica - Série Atualizações Pediátricas. 1. ed.São Paulo: Atheneu, 2013. BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Manual de diagnos- tico e tratamento de doenças falciformes: ANVISA, Brasília, 2002. p. 142. 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