Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 A DIVERSIDADE CULTURAL COMO PRÁTICA NA EDUCAÇÃO AULA 6 Prof. Lucas Pydd Nechi 2 CONVERSA INICIAL Nos debates propostos nas aulas anteriores, evidenciou-se que o ensino da diversidade cultural como prática não ocorre como discurso ou apenas como conteúdos transversais. As ciências humanas e suas licenciaturas possuem discussões e fundamentações teóricas ricas no sentido da humanização e da compreensão e respeito à diversidade, porém muitas destas elaborações teóricas não chegam às salas de aula da educação básica. A História foi apontada como disciplina-chave para estes objetivos, desde que embasada na Teoria e na Filosofia da História, que atestam o caráter intrinsicamente didático e narrativístico desta disciplina. Contudo, na realidade escolar brasileira, o trabalho de conscientização sobre diversidade ocorre de diversas maneiras e sob responsabilidade de educadores das mais diferentes formações. Sugere-se aqui estratégias didáticas da Educação Histórica, mas que não se restringem à disciplina História nas escolas. O que se espera é que o trabalho com elementos do passado possua rigor científico e proporcione mudanças nas concepções das crianças e jovens. Os temas da aula de hoje são fundamentados por experiências teóricas e práticas do leste europeu, usadas em países que passaram por guerras e divisões internas e buscam fortalecer os laços entre sujeitos de diferentes etnias por meio do ensino de história. CONTEXTUALIZANDO A aula de História tradicional faz parte do imaginário e do senso comum de quem já passou pela escola brasileira, por estar enraizada e amplamente disseminada como forma única do ensino da disciplina. A cena é clássica: o professor ou professora dedica boa parte do horário de aula escrevendo o conteúdo no quadro negro (ou apresentando inúmeros slides no computador), com séries de fatos e datas, explanando suas interpretações e resumos daquilo que é apresentado no livro didático. Segue-se uma aula expositiva extensa na qual o carisma e capacidade de encantamento do professor define suas qualidades como professor de História. Um bom professor de história é um bom 3 contador de histórias. Nas tarefas de casa, são comuns fichamentos e resumos, como esforço de síntese do volume gigantesco de conteúdo transmitido. Também é recorrente a dificuldade de seleção de conteúdo, sempre extenso e alongado demais para as poucas horas da disciplina na grade curricular. Apesar de consagrado e vinculado à cultura escolar, tal metodologia de ensino da aula tradicional citada não contribui com o desenvolvimento da consciência histórica das crianças e jovens. Por utilizar prioritariamente a função cognitiva da memorização, muito rapidamente os conteúdos aprendidos são esquecidos e não se relacionam com a vida prática do presente dos sujeitos. Muito menos serve de ferramenta para suas decisões e orientações temporais. A aula de História deve ser em si uma arena de embates de narrativas, interpretações e fontes históricas, tornando a diversidade cultural não uma opção de conteúdo mas sim uma estratégia metodológica indispensável. TEMA 1: AULA INTERATIVA O uso da aula expositiva é, ainda, a mais frequente estratégia de ensino não apenas dentre professores de História, mas também de outras disciplinas. Não pretendemos nos voltar contra este valioso método: afinal, a História é pautada pela narratividade de seu conteúdo, tornando as narrativas em sala potenciais elementos de ensino. Entretanto, quando crianças e jovens permanecem apenas como receptores passivos de conteúdo, sua aprendizagem é muito reduzida. Não é possível que haja aprendizagem significativa sem interação entre as pessoas, pois memorização de fatos não é sinônimo de aprendizagem histórica. Para que ocorra o desenvolvimento da consciência histórica, os estudantes deverão processar as informações disponibilizadas por conta própria. Assim sendo, o planejamento prévio de aulas por parte dos professores se torna essencial para que se sistematizem atividades desafiadoras que possibilitem aos alunos se expressarem, interagirem com os demais colegas e com o professor e também entrar em contato com fontes históricas. Sabe-se que muitos 4 professores não possuem disponibilidade de tempo para se dedicar a pesquisa e preparação de aulas, acabando por optar em adotar unicamente a proposta do livro didático. Dessa forma, entretanto, não conseguimos ir além do exercício de memorização. A partir de um objetivo de aprendizagem, que pode ser oriundo do currículo ou das necessidades de orientação temporal dos alunos, as atividades devem ser permeadas por questões-chave, que levem os estudantes a formular suas hipóteses e engajarem-se nas aulas. O trabalho em grupo também é essencial, pois o confronto de opiniões entre sujeitos da mesma faixa etária fornece a possibilidade de se aprender de forma multiperspectivada. Black, especialista em educação histórica e formação de professores em Kosovo, afirma que os benefícios das atividades em grupo são: “os estudantes retêm mais informação, ensina-se valores como tolerância, respeito, solidariedade e responsabilidade.” (BLACK, 2011, p. 25). Essa autora descreve algumas atividades interessantes e simples que se baseiam no uso da interação no ensino de história (BLACK, 2011, p. 26). Apresenta-se aqui dois exemplos: Pense – Debata – Apresente. - Faça uma questão ou apresente um desafio. Pode ser a definição de um conceito usando as próprias palavras ou o resumo do que aprenderam. - Oferte um breve espaço de tempo para os alunos pensarem sozinhos. - Em duplas, os alunos deverão comparar suas respostas. - As duplas deverão partilhar suas conclusões com a turma. Estudo de caso - Atividade com base na análise de uma narrativa de um evento do passado que uma pessoa ou grupo experienciou. No uso de fontes escritas, desenvolve empatia histórica. - Divide-se a turma em grupos menores. - Inicia-se com uma pergunta (como, por quê, de que forma) desafiadora. 5 - Fornecem-se aos estudantes fontes ou narrativas que não respondem completamente à pergunta feita. Assim, as crianças e jovens exercitam habilidades de raciocínio, inferência e plausibilidade histórica, pautados pelas fontes. - Após pensarem e debaterem entre si, cada grupo apresentará suas inferências. O professor pode revelar outras fontes gradualmente, ou então apresentar narrativas de historiadores sobre o fato, de preferência com pontos de vista divergentes. - Esta estratégia incita a análise de fontes, o debate de temas históricos, a compreensão do método historiográfico hermenêutico e a familiarização com a existência de fatos e argumentos não conclusivos e abertos na história. Outras atividades que envolvam a simulação de fatos históricos (ou tomada de papéis, role playing), jogos, idas a campo e debates contribuem para uma aprendizagem democratizada, na qual os estudantes são convidados a participar e interagir, não apenas a absorver passivamente conteúdos. Em suma, segundo Black (2011), “contar não é ensinar e ouvir não é aprender”. Os estudantes devem estar engajados em atividades que lhes possibilite aprofundamento de suas compreensões e reflexão sobre os conteúdos propostos. A interatividade é um processo de duas vias entre estudantes, conteúdos, colegas e professores. TEMA 2: USO DE FONTES HISTÓRICAS Os livros didáticos ainda são a principal referência de professores em sala de aula. Devido ao tempo limitado para pesquisa e produção de aulas mais dinâmicas, interativas e provocadoras, muitos professores aderem ao uso do livro não apenas como material didático, mas também como estrutura curricular. Assim, seguir linearmente os capítulos e subdivisões dos livros se torna o roteiro de aprendizagemhistórica para muitos alunos. Claramente isso contribui para o desinteresse e baixo aproveitamento nesta matéria. 6 Os livros apresentam muitas fontes históricas, primárias e secundárias, mas, além de constar no material, as fontes devem ser usadas de maneira investigativa pelos professores. As narrativas são copiadas, resumidas e exploradas à exaustão, porém as imagens, reproduções de cartas, mapas e outros artefatos acabam muitas vezes relegados à curiosidade ou apenas ilustração do conteúdo. O trabalho direto com fontes visa ao desenvolvimento do raciocínio dos estudantes, no processo similar ao do método historiográfico que, a partir de vestígios do passado, busca realizar descrições, interpretações e inferências sobre os acontecimentos. O pesquisador Leonard Valanta (2008, p.15), em material produzido para professores da Bósnia e Herzegovina, aponta seis questões sobre o uso de fontes em sala de aula: “Como selecionar fontes? Como trabalhar com os estudantes a partir das fontes? Que fontes usar? Como usar boas fontes satisfatoriamente? Como achar boas fontes?”. A seguir discutiremos possíveis respostas. Como selecionar fontes? As fontes históricas possuem o poder de encantar e despertar a curiosidade nas pessoas. Muitos artefatos preservados em museus e galerias, textos, cartas e imagens trazem em si pistas curiosas de como outros seres humanos viveram em outros tempos. Assim, para o trabalho de Educação Histórica com o objetivo de educação para a diversidade, a escolha das fontes deve ser realizada levando em consideração a faixa etária dos alunos, seus interesses explicitados na rotina escolar e elementos humanos que podem despertar discussões relevantes àquele determinado contexto. O volume de descrições e interpretações já realizado por historiadores e arqueólogos também pode facilitar o trabalho em sala, tendo em vista que fontes ainda envoltas em dúvidas e mistérios podem não ajudar os estudantes a construir narrativas. Como trabalhar com os estudantes a partir das fontes? Primeiramente, relembramos a importância da multiperspectividade. Ou seja, as fontes devem apresentar a diversidade da visão de mundo de outras 7 pessoas, assim como a análise das fontes pode explicitar discrepâncias interpretativas dos profissionais envolvidos. Os estudantes devem ser motivados a fazerem indagações à fonte em si. No caso de artefatos, como joias ou armas, perguntas devem surgir: o que é isso? De que material é feito? Como era feito? Como era utilizado? Quem tinha acesso a este material? Os estudantes podem fazer suas próprias interpretações e explanações, antes mesmo do professor apresentar relatos historiográficos que descrevem com mais precisão a fonte adotada. Os estudantes devem ser encorajados a tentar explicar o máximo possível a fonte, a partir de suas interpretações, e, ao fim, perceber que as narrativas históricas produzidas possuem diferentes graus de plausibilidade, o que confere cientificidade à História e a separa do senso comum. Que fontes usar? A variedade de tipos de fonte histórica pode ser uma ferramenta de diversificação metodológica para professores. Fontes visuais, como: fotografias, desenhos, histórias em quadrinhos, materiais de publicidade, caricaturas, mapas, obras de arte, monumentos, sítios históricos e arquitetônicos. Fontes escritas, como: documentos legais, jornais, revistas, diários, narrativas pessoais, depoimentos, testemunhos e obras literárias. Nota-se que, mais uma vez, o trabalho de pesquisa do professor é decisivo na escolha, organização e trabalho com fontes. Como usar boas fontes satisfatoriamente? Segundo Valanta (2008, p.17), o uso de sucesso de fontes diz respeito à maneira pela qual se pode construir boas perguntas às fontes. O professor pode preparar uma lista prévia com o maior número de perguntas possíveis, no caso da turma não desenvolver muitas questões. O processo de inquérito à fonte pode ser descontraído como um jogo argumentativo, no qual cada estudante pode perguntar como também oferecer respostas às perguntas dos colegas, sendo medido o nível de plausibilidade e fidelidade à fonte. Como achar boas fontes? 8 A disponibilidade de boas fontes primárias diz respeito à maneira pela qual o país, o estado e o município estão articulados na preservação do patrimônio e na transmissão da cultura do passado. Museus, galerias de arte, e sítios arqueológicos em geral podem ser de extrema valia na busca de fontes. Não devemos desprezar, também, as culturas não reconhecidas como clássicas da cultura ocidental, mas que fazem parte da rotina dos estudantes. É possível trabalhar com ferramentas, relatos e descrições de pessoas próximas à escola, com suas histórias de vida e relatos humanos sobre determinada região. Outra sugestão é, na era do conhecimento, fazer uso de smartphones e tablets para a busca de fontes na internet. Alguns museus, como o Louvre em Paris e a Galeria Nacional de Londres, possuem aplicativos virtuais nos quais é possível acessar com detalhes muitas fontes e obras de arte de reconhecida importância cultural. TEMA 3: O PASSADO DIFÍCIL E TEMAS CONTROVERSOS Em tempos de polarização política e ideológica no Brasil, com início aproximadamente a partir das manifestações de rua em junho de 2013, debater política, história e cultura, em suas especificidades, pode ser uma tarefa árdua. Sobretudo nas redes sociais, nas quais o desconhecimento do interlocutor e a falta de empatia gerada pelo debate virtual agravam a dificuldade. A História em si é território de embates de produção de sentido, de narrativas oficiais e paralelas, de relações de poder desiguais e de domínio e disputa cultural. Ou seja, não há debate, ensino e aprendizagem de história neutros. Quando os assuntos do passado possuem forte conexão com o presente e há divisão de valores e interesses, é bem provável que o passado possa ser pesado como um fardo para as novas gerações. Por exemplo, não é fácil para crianças e jovens alemães estudarem as duas grandes guerras mundiais, nas quais o surgimento do nazismo e os horrores causado por seus integrantes colocou a Alemanha no posto de vilã do mundo moderno. Os reflexos disto estão presentes intensamente na cultura histórica: filmes, jogos, músicas e livros que mexem com a identidade nacional do povo deste país. 9 Devemos manter em mente que a história é multiperspectivada e, sendo assim, não se pretende buscar unanimidades em temas polêmicos em sala de aula. Pelo contrário! As disciplinas escolares de História, Sociologia, Filosofia e até literatura podem ser os últimos raros espaços de formação das novas gerações ao debate, ao encontro com ideais dissonantes, à tolerância e ao respeito. Em vez de impor determinada narrativa mestra, unilateral, tendenciosa e etnocêntrica, como apresentam quase todos os livros didáticos da área, o ensino de História deve servir justamente para ensinar a acolher visões diferentes de mundo, a tolerância, o respeito e a criticidade quanto à fundamentação das argumentações. É dessa maneira que o ensino de História se compromete com a defesa e sustentação da democracia. Uma estratégia prática é a identificação, por parte dos estudantes, do porquê pensam da maneira que pensam. Ou seja, buscar desenvolver atividades que incitem a reflexão de como se construiu a identidade histórica dos alunos e no que se baseiam suas convicções. Se bem mediado pelos professores, o debate de temas sensíveis e controversos pode se tornar sequências didáticas extremamente significativas para os estudantes. Para isso, algumas regras são sugeridas (BLACK, 2011, p. 39): Uma pessoa fala por vez, sem interrupções; Demonstração de respeito pela visão dos outros; Desafie e discorde de ideias, não de pessoas; Linguagem apropriada – sem apelosemocionais, racismo ou sexismo; Permitir que todos possam se expressar; Os estudantes devem aprender a argumentar usando fontes, e não apenas opiniões soltas. Esta mesma autora salienta que os professores devem “explorar os fatos e ideias que subjazem as controvérsias como historiadores: suspendendo julgamentos, mas analisando as causas, analogias, construção de narrativas, 10 comparando, usando compreensão empática de diferentes perspectivas, etc.” (BLACK, 2011, p. 40). De toda forma, os estudantes devem saber, ao término da aula, de que mais importante do que ter uma opinião ou se abraçar a uma determinada visão de mundo e sociedade, é a capacidade de construir argumentações plausíveis pautadas em fontes, e manterem-se abertos a revisões de pensamento e novas informações e argumentações. TEMA 4: MÉTODOS DE ENSINO E MULTIPERSPECTIVIDADE É importante frisar que o ensino para a diversidade com base na multiperspectividade subverte muitas das estratégias de ensino já consagradas na escola tradicional. Em muitos casos, é recomendado a mudança da estratégia de ensino como um todo do que apenas a realização de adaptações na tentativa de apresentar outras visões históricas. Quando se apresenta uma narrativa oficial, referendada pelo livro didático e hegemônica na cultura histórica e, complementarmente, anuncia-se que existem outras visões e versões, o que se realiza de fato é o fortalecimento da visão inicial. Aos estudantes é explicitado que há uma maneira certa, oficial, predominante e forte, enquanto visões desviantes ou que se contraponham a oficial são secundárias, inconvenientes, problematizadoras e inconformadas. Os estudantes tendem a buscar versões “corretas” ou acusar narrativas de “mentirosas” e “erradas”, principalmente quando são crianças menores. A lógica maniqueísta está fortemente impregnada na cultura como um todo, enquanto a multiperspectividade requer exercício, reflexão racional intencional e aprofundamento. É necessário educar crianças e jovens desde cedo para a compreensão de que eventos históricos podem ser interpretados e descritos de diversas maneiras, até mesmo de forma contraditória. Quanto mais a aula de História se assemelhar a jogos de investigação, de detetives (sendo as fontes históricas utilizadas como pistas), e menos como um 11 momento de contar histórias, mais possibilidades de estudo multiperspectivado serão observados. No debate sobre o foco do ensino de história, constitui-se uma dicotomia entre a aprendizagem de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades. A perspectiva dos conteúdos se refere mais fortemente às aulas tradicionais, centradas na aquisição e armazenamento de dados e informações. A estratégia de desenvolvimento de habilidades surge como resposta da didática e da pedagogia à aula tradicional conteudista, buscando dinamizar a sala de aula. Recomenda-se aqui o equilíbrio entre as duas abordagens: as habilidades e competências próprias da aprendizagem histórica são desenvolvidas por meio da investigação sistemática de fontes, nas quais os conteúdos e objetivos de ensino são trabalhados. Como sugestão para o trabalho multiperspectivado, o professor deverá selecionar embates históricos que oportunizem a coleta de fontes de várias visões diferentes. Os estudantes podem ser divididos em grupos que investiguem fontes e narrativas opostas. Após a construção de narrativas dos grupos a partir das fontes, deverão apresentar para os demais estudantes da turma. A estratégia da dramatização (role play) também pode ser utilizada, incitando os estudantes a se colocarem no lugar de diferentes personagens históricos. Por exemplo, no período colonial brasileiro, podem ser estudadas fontes dos indígenas, dos portugueses colonizadores e dos povos africanos escravizados. Na história mundial, o estudo das grandes guerras pode ser realizado comparando as fontes escritas e imagens provenientes de vários países envolvidos. Sobretudo, o olhar daqueles que sofreram, que foram violentados e oprimidos, pode e deve ser destacado como forma de desenvolver a empatia histórica dos estudantes. O pesquisador Alan Midgley (2008) acredita que uma forma de sistematizar o ensino de história parte de objetivos que busquem a investigação de: “o que aconteceu, onde e quando aconteceu, por que aconteceu e quais consequências o acontecimento apresentou.” Mesmo debatendo sobre multiperspectividade, esta lista inicial não apresenta contribuições significativas 12 a um ensino mais crítico. Esta simplificação do conteúdo histórico pode ser usada como lista para a preparação de aulas. Porém ela não é suficiente se nos interessa destacar a multiperspectividade e o humanismo como objetivos do ensino de história. Neste caso, a lista de perguntas se amplia consideravelmente, e requerem um esforço do educador em sua preparação. Devemos perguntar às fontes e ao conteúdo a ser desenvolvido: quem disse o que aconteceu? O que a fonte me conta sobre as pessoas envolvidas? O que a fonte não dá conta de explicar? Quem foi prejudicado e quem foi beneficiado com o acontecimento? Direitos humanos fundamentais foram violados neste acontecimento? Por quem e contra quem? Estas e outras perguntas retiram a neutralidade do conteúdo histórico, da fonte e dos interlocutores, colocando-os em debate e instigando professores e alunos a adotar critérios de cientificidade e de humanidade para o trato com o passado. TEMA 5: AVALIAÇÃO Como último tema de abordagens práticas para o ensino de História com ênfase na diversidade, temos a avaliação. As avaliações têm deixado de ser instrumentos de mensuração da aprendizagem, fruto do trabalho conjunto de professores e alunos, para serem usadas para diferentes funções. Por um lado, como medida exclusiva de ranking de alunos para ingresso em universidades. Aos mais bem avaliados, as portas da universidade e do futuro profissional se abrem. Aos estudantes que apresentam resultados insatisfatórios, indicam-se tratamentos psicopedagógicos, psicológicos e psiquiátricos num movimento de patologização da infância e da juventude. Por outro lado, as avaliações servem como medida classificatória de instituições, quando se entende que escolas que possuem bons índices de aprovação de vestibular são automaticamente boas escolas. A avaliação como instrumento de medida, tanto do trabalho do educador como do desempenho do estudante, precisa ser compreendida como parte integrante de todo processo de aprendizagem. No que diz respeito à educação 13 histórica, a avaliação pode ser uma aliada na proposição de ensino mais interativo, motivador e potencializar o uso de fontes e a empatia histórica. Podemos usar a necessidade de orientação temporal dos estudantes como norte do processo de ensino e aprendizagem. Assim, os professores deverão buscar contemplar os conteúdos obrigatórios do currículo com os interesses de crianças e jovens. Muitas vezes os interesses e curiosidades ficam em segundo plano: aprender história é parte do trabalho de ser estudante, e é impossível que se equivalha a momentos de descontração e lazer. Contudo, o que vemos nas escolas é o oposto: aulas e atividades são encaradas como sacrifício por serem pouco estimulantes. Não devemos encarar a avaliação como fim do processo educativo. As avaliações podem ocorrer em todos os momentos, até mesmo nas primeiras aulas, como forma de o professor orientar seu trabalho para se aproximar das necessidades de cada turma. Compreender a educação desta maneira implica em oportunizar aos educadores tempo e condições de estudo e pesquisa, necessários como parte integrante da rotina educativa. Black considera que o ensino de História é referenciado em uma abordagem integral, que diz respeito também ao desenvolvimento de aspectos emocionais e estéticos, não apenascognitivos. Em paralelo com a taxonomia de Bloom, ela descreve elementos empáticos que podem auxiliar no foco da diversidade: Recebendo: Os estudantes são receptivos a crenças e valores diferentes dos que eles possuem? Respondendo: Os estudantes consideram a sua impressão sobre o outro com base nos valores e crenças da outra pessoa? Valorando: Os estudantes refletem sobre as suas próprias formações, perspectivas, crenças e valores? Organizando: Os estudantes explicam a contribuição de diferentes perspectivas ao desenvolvimento da sociedade e reexaminam suas próprias crenças e valores? 14 Caracterizando: os estudantes abordam a diversidade caracteristicamente de maneira que respeite e aprecie as diferenças, crenças e valores? (BLACK, 2011, p. 50). Estes questionamentos podem ser utilizados como guias para os professores na preparação de seus planos de aula. Ao comentar a maneira pela qual as avaliações se inserem na rotina de ensino, Black (2011) também enumera aspectos fundamentais da aprendizagem nesta disciplina: Avaliações não devem ser separadas do ensino e da aprendizagem histórica. A avaliação deve desenvolver-se naturalmente ao transcorrer do estudo, testando o conhecimento, compreensão e habilidades que os estudantes adquiriram; Os planos de aula não podem ser isolados. Cada plano de aula deve encaixar-se numa sequência lógica. Nem todas as habilidades e atividades importantes caberão em cada aula; Tanto professores como alunos devem saber claramente o que está acontecendo no processo de ensino e aprendizagem; Os planos de aula e de avaliação não devem ser segredo do professor. Todos devem compreender como as aulas estão pensadas de maneira ampla; Ritmo é importante: as aulas devem ser vívidas o suficiente para manter o entusiasmo, mas também devem permitir espaço de tempo adequado à participação dos estudantes. Testes e exames não devem ser provas de velocidade, pois devem possibilitar aos estudantes a chance de produzir algo que se orgulhem. O uso de fontes históricas e da abordagem multiperspectivada deve manter a mesma linha das atividades rotineiras, às quais os estudantes estão acostumados. 15 Nota-se que esta lista de sugestões demanda diversas políticas públicas educacionais que ainda não fazem parte da realidade brasileira: estrutura física com museus, bibliotecas e acesso à internet de qualidade; visitas a museus e sítios arqueológicos; professores com dedicação exclusiva a uma escola, com hora-atividade remunerada e suficiente para pesquisa e planejamento. SÍNTESE Esta última aula apontou, em seu conjunto de temas, para a busca da superação da aula tradicional de História. Ao ensejarmos despertar nos estudantes visões críticas, democráticas e humanas da sociedade e de si mesmos, no processo de construção de suas identidades, devemos ir além de modelos já superados e que claramente pouco contribuíram para a cidadania, inclusão e ampliação de direitos básicos a todos setores da sociedade. Enquanto as mudanças institucionais e políticas parecem não confluir para objetivos comuns, cabe aos professores a busca por formação e aprimoramento pessoal e profissional. A porta da escola deve se abrir a novos conhecimentos, tanto formais, vindos da academia, como também conhecimentos populares, como saberes de movimentos sociais e de sujeitos da comunidade. Não devemos ter receio de mudar e tentar novas estratégias na formação dos sujeitos. O protagonismo das juventudes e das infâncias é ainda visto com desconfiança por estruturas rígidas educacionais. Na sociedade do conhecimento e da informação, ouvir com atenção o que anseiam crianças e jovens pode ser um excelente primeiro passo rumo a uma aprendizagem significativa e transformadora. REFERÊNCIAS BLACK, L. Manual for History Teachers in Bosnia and Herzegovina, Strassburg. 2008. BLACK, L. History teaching today: Approaches and methods. Kosovo: Printing Press, 2011. 16 MIDGLEY, A. Multiperspectivity: Teaching Methods. In: BLACK, L. Manual for History Teachers in Bosnia and Herzegovina. Strassburg. 2008. p. 39. VALANTA, L. Using Sources in New Textbooks. In: BLACK, L. Manual for History Teachers in Bosnia and Herzegovina, Strassburg. 2008. p. 15-18. Texto obrigatório Abordagem teórica SCHMIDT, M. A. M. S. Cognição histórica situada: que aprendizagem histórica é esta? In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, 2009, Fortaleza. Anais do XXV Simpósio Nacional de História – História e Ética. Fortaleza: ANPUH, 2009. CD-ROM. Abordagem Prática CAINELLI, M. A Escrita da História e os Conteúdos ensinados na disciplina de história no ensino fundamental. In: Educação e Filosofia. Uberlândia, v. 26, n. 51, p. 163-184, jan./jun. 2012. Saiba Mais: BLACK, L. Manual for History Teachers in Bosnia and Herzegovina, Strassburg. 2008. Disponível em: <http://www.coe.int/en/web/history-teaching/bosnia-and-herzegovina>. Fala, Doutor - Ronaldo Cardoso Alves: Aprender história com sentido para a vida. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ngt8L7pFjCY>.
Compartilhar