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Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6578-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 7 8 3 Código Logístico 59151 Esta obra é um guia para o futuro professor de História que tem interesse em entender a teoria historiográfica e a prática educativa que a torna uma realidade no cotidiano escolar, em específico no ensino médio. O termo guia tem a intenção de sugerir caminhos ao professor, mas nunca por um viés dogmático. Acima de tudo, propõem-se a reflexão e o diálogo com o leitor. A obra é dividida em quatro capítulos. Com essa divisão, são abarcadas discussões presentes há muito tempo entre professores de História – como documentos oficiais, currículo e Enem – e outras que são tão novas que há pouquíssima ou nenhuma bibliografia disponível – o novo ensino médio, por exemplo. O livro inicia com uma discussão mais conceitual, partindo para um aprofundamento teórico e finalizando com a prática. Como todo professor sabe, é a prática educativa que torna o planejamento uma realidade – ela acontece na sala de aula, na interação entre professor e aluno, e é a mais difícil de todas –, mas ter fundamentação teórica e metodológica é essencial para ministrar aulas de qualidade. M E TO D O LO G IA D O E N S IN O D E H IS TÓ R IA N O E N S IN O M É D IO R IC A R D O S E LK E D A N IE LA D O S SA N TO S SO U Z A Metodologia do ensino de História no Ensino Médio IESDE 2019 Ricardo Selke Daniela dos Santos Souza Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2019 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e dos detento- res dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Fred S. Pinheiro/Akira Kaelyn/smolaw/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ S467m Selke, Ricardo Metodologia do ensino de história no ensino médio / Ricardo Selke, Daniela dos Santos Souza. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2019. 82 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6578-3 1. História - Estudo e ensino (Ensino médio). 2. Base Nacional Comum Curricular. 3. Prática de ensino. I. Souza, Daniela dos Santos. II. Título. 19-61340 CDD: 907 CDU: 373.5:94 Ricardo Selke Doutorando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em História Cultural e graduado em Ciências Sociais também pela UFSC. Com mais de oito anos de experiência no mercado editorial, já trabalhou como assessor pedagógico, editor e coordenador editorial. Daniela dos Santos Souza Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialista em Pedagogia: Gestão e Docência pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Graduada em História pela UFPR e em Letras pela PUCPR. Atuou como professora no ensino superior e no ensino básico. Possui experiência também como assessora pedagógica na área de ciências humanas e como gestora editorial de materiais didáticos. Atualmente, é autora e editora de material didático, físico e digital, para a educação básica e o ensino superior, nas áreas de linguagens e ciências humanas. Sumário Apresentação 7 1 O ensino de História: métodos, metodologias 9 1.1 Objetivos da metodologia do ensino de História 9 1.2 Diferentes abordagens metodológicas no ensino de História 14 1.3 Metodologias ativas nas aulas de História 17 2 O novo ensino médio: currículo e BNCC 23 2.1 O currículo de História e a prática educacional 23 2.2 O novo ensino médio 24 2.3 A BNCC e a BNCC de ciências humanas 27 3 Documentos oficiais e o ensino de História 43 3.1 As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e seus princípios 43 3.2 A história do Enem 53 3.3 EJA e o ensino de História 57 4 Técnicas e práticas de ensino de História 61 4.1 Projetos de pesquisa em História no ensino médio 61 4.2 Elaboração de atividades e avaliações 66 4.3 Material didático de História no ensino médio 70 4.4 As novas tecnologias educacionais em História 72 Gabarito 79 Apresentação Esta obra é um guia para o futuro professor de História que tem interesse em entender a teoria historiográfica e a prática educativa que a torna uma realidade no cotidiano escolar, em específico no ensino médio. O termo guia significa que tivemos a intenção de sugerir quais caminhos o professor pode seguir, mas nunca tratando o tema por um viés dogmático. Acima de tudo, propomos a reflexão e o diálogo com o leitor. A obra é dividida em quatro capítulos. Com essa divisão, abarcamos discussões presentes há muito tempo entre professores de História – como documentos oficiais, currículo e Enem – e outras que são tão novas que há pouquíssima ou nenhuma bibliografia disponível – o novo ensino médio, por exemplo. Iniciaremos com uma discussão mais conceitual, partindo para um aprofundamento teórico e finalizando com a prática. Como todo professor sabe, é a prática educativa que torna o planejamento uma realidade – ela acontece na sala de aula, na interação entre professor e aluno, e é a mais difícil de todas – mas ter fundamentação teórica e metodológica é essencial para ministrar aulas de qualidade. O primeiro capítulo analisa a transformação metodológica pela qual a História passou no século XX e as diferentes influências que sofreu da Sociologia e de outras escolas, que impactam a forma como ensinamos os nossos alunos até hoje. Encerramos o capítulo tratando das metodologias ativas e sua influência atualmente na educação. O segundo capítulo faz uma reflexão acerca do conceito de currículo. Posteriormente, indicamos os principais desafios do ensino médio no Brasil contemporâneo, analisando a transformação que o novo ensino médio irá trazer para a educação básica. Encerramos com uma descrição dos principais apontamentos da BNCC do ensino médio, em especial para a área de ciências humanas e sociais aplicadas. O terceiro capítulo aborda a importância das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica no ensino de História. Nossa ênfase será em dois capítulos desse documento: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, e Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos. Também observamos o papel que as competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) têm no ensino e a função da Educação de Jovens e Adultos. O último capítulo é uma proposta de práticas educativas que o professor poderá aplicar em sala de aula, enriquecendo a sua trajetória. Mesmo sendo um capítulo de práticas, ele é pensado para manter uma ponte com os temas discutidos em outros momentos, estabelecendo uma dialética entre teoria e prática. Bons estudos! 1 O ensino de História: métodos, metodologias Ricardo Selke Quais são os desafios atuais no campo historiográfico? A História é uma disciplina que tradicionalmente tem as suas bases epistemológicas postas em dúvida e sua utilidade em cheque. Neste capítulo, discutiremos o ofício dos historiadores, indicando os conceitos-chave de sua prática e refletindo sobre as diferentes formas do fazer história. Inicialmente, trataremos de uma discussão sobre a importância da empatia no ensino de História e os perigos que o anacronismo representa. Posteriormente, contextualizaremos a nova História no debate da primeira metade do século XX, tendo impactado a nossa forma de fazer história atualmente. 1.1 Objetivos da metodologia do ensino de História Podemos responder sem hesitação qual seria a função e o objetivo do historiador no mundo contemporâneo, sem cairmos no chavão de que “devemos conhecer o passado para não o repetir”? Essa pergunta clássica já foi feita por diversos historiadores e questiona a nossa razão de ser. O mais célebre de todos foi Marc Bloch (1986-1944) que, em seu livro Apologiada História, diz: “Papai, então me explica para que serve a história”. Assim um garoto, de quem gosto muito, interrogava há poucos anos um pai historiador. [...] O problema que ela coloca, com incisiva objetividade dessa idade implacável, não é nada menos do que o da legitimidade da história. (BLOCH, 2002, p. 41) Como toda pergunta que questiona o fundamento de uma profissão, não há uma resposta única e exclusiva. Bloch comenta que, em última instância, a história nos entretém. Além disso, há uma questão interessante, que nos propõe analisar o que torna algo prático ou irrelevante: A experiência não apenas nos ensinou que é impossível decidir previamente se as especulações aparentemente as mais desinteressadas não se revelarão, um dia, espantosamente úteis à prática. Seria infringir à humanidade uma estranha mutilação recusar-lhe o direito de buscar, fora de qualquer preocupação de bem-estar, o apaziguamento de suas fomes intelectuais. (BLOCH, 2002, p. 45) Afinal, vivemos num período histórico que preza pela utilidade das coisas, na produção das mercadorias que descartam as antigas e onde o passado é compreendido como desprezível, sinônimo de atraso. Em suma, o passado é visto como irrelevante. É contra esse contexto que o historiador irá se deparar cotidianamente. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio10 Qual seria, então, o primeiro objetivo do conhecimento histórico, compreendido não enquanto uma narração do passado, mas sim uma metodologia, com objetivos claros? Durkheim, ao propor um método para a sociologia, afirmou o seguinte: “É preciso descartar sistematicamente todas as prenoções” (DURKHEIM, 2013, p. 207). Como historiadores, que proposta deveríamos apontar como base da nossa metodologia? Novamente, seguindo os passos de Hobsbawm, podemos compreender que “na medida em que o começo da compreensão histórica é uma apreciação de alteridade do passado, e o pior pecado dos historiadores é o anacronismo, dispomos de uma vantagem inerente para compensar nossas muitas desvantagens” (HOBSBAWM, 2011, p. 248). Temos aí dois conceitos fundamentais para a compreensão dos objetivos do fazer histórico, muito presente inclusive na prática de sala de aula: alteridade e anacronismo. Esses dois conceitos são a base do método histórico: o primeiro é necessário para a compreensão do passado que sobreviveu apenas na memória ou em escritos, pois só entendemos algo ao nos relacionarmos com ele; o segundo é um espectro daquilo que devemos evitar a todo custo: julgar os eventos do passado com os conceitos e olhares do presente. Note que alteridade não significa aprovar um comportamento. Alteridade é uma forma de reflexão sobre determinado ponto. Temas como escravidão, sociedades patriarcais, guerras mundiais e o Holocausto demandam um ponto de vista e escolhas, não há neutralidade no ensino de História. Toda e qualquer forma de racismo deve ser combatida, até mesmo por ser uma questão legal e normativa, mas, do ponto de vista histórico, o racismo deve ser compreendido e analisado, até mesmo para ser refutado enquanto pseudociência. Como professores de História, podemos enumerar as diversas vezes que os alunos fazem comentários anacrônicos ou ignoram a peculiaridade de um período histórico. Isso é comum em temas como Idade Média, em que nos deparamos com costumes estranhos aos nossos olhos. A crença que havia em monstros aquáticos ou um precipício ao fim do horizonte soa hoje ridícula aos olhos de crianças que têm em suas mãos uma fonte de informação que invejaria aos sábios da biblioteca de Alexandria. O imaginário medieval era repleto de criaturas monstruosas e crenças que não se baseavam em relatos genuínos, como este monstro marinho, comum em mapas antigos, que podemos ver na figura a seguir. Figura 1 – Monstro marinho medieval pa vil a/ Sh ut te rs to ck O ensino de História: métodos, metodologias 11 O mesmo ocorre quando pensamos no conceito de democracia na Grécia Antiga, que tem similaridades com o conceito atual, mas só pode ser compreendido se deixarmos de lado nossas prenoções do que é uma democracia atualmente e analisarmos o entendimento dos próprios atenienses do que era, para eles, ser um democrata. Exige muito esforço essa compreensão, sendo similar ao ofício do antropólogo, imerso em outra cultura, por natureza diferente da sua, onde deve praticar a sua etnografia. É muito comum escutarmos que a Grécia Antiga não era uma democracia, pois não permitia o voto de mulheres, estrangeiros e escravos. Ou que o Brasil contemporâneo não é uma democracia, pois a vontade da maioria da população não é respeitada em um determinado assunto. Essa visão vê no conceito de democracia um modelo platônico, em que as imperfeições deviam se aproximar da perfeição do mundo das ideias. Observe as Figuras 2 e 3 a seguir, elas trazem, respectivamente, o Senado brasileiro e a Ágora grega, local onde eram realizadas assembleias. Ambos são considerados modelos democráticos, com suas semelhanças e diferenças temporais e de prática. Figura 2 – Senado brasileiro D ie go G ra nd i/ Sh ut te rs to ck Figura 3 – Ágora grega lo rn et /S hu tt er st oc k Metodologia do ensino de História no Ensino Médio12 Sem temermos repetição, observemos novamente um apontamento feito por Hobsbawm sobre o tema do anacronismo no ensino ou na produção da história no meio acadêmico: Também precisamos de imaginação – de preferência associada com informações – a fim de evitar o maior perigo do historiador, o anacronismo. Praticamente todas as abordagens populares da sexualidade vitoriana padecem de uma deficiência em compreender que nossas atitudes sexuais não são as mesmas que as de pessoas de outros períodos. É evidentemente equivocado supor que os vitorianos – a totalidade, exceto uma pequena minoria e um tanto atípica – tivessem as mesmas atitudes que nós diante do sexo, só que as reprimiam ou ocultavam. (HOBSBAWM, 2011, p. 225) Por essa razão, muitos historiadores de ideias políticas compreendem a relevância que a intenção de um autor tem para a compreensão da sua obra. Para Pocock, a busca do historiador pela intenção de um autor impediria o anacronismo na análise de obra: Era destinada a colocar fora de consideração as intenções que o autor não poderia ter concebido ou levado a efeito, porque não disporia da linguagem em que elas pudessem ser expressas, o que o levaria, por conseguinte, ao emprego de alguma outra linguagem que articulasse e realizasse outras intenções. (POCOCK, 2003, p. 28) Toda problemática histórica surge de questões do presente – nenhum historiador faz uma pergunta que “fuja” do seu próprio tempo, mesmo que esteja trabalhando com um tema longínquo, como Roma ou Grécia Antiga. A história enquanto resolução de uma pergunta-problema é descendente especialmente da escola Annales, que rejeitou o positivismo e a história política do final do século XIX – esta dava ênfase à ordem cronológica, às batalhas entre as nações e à vida dos reis, enquanto os Annales, influenciados pela sociologia, alargaram a noção de fonte e de narrativa histórica. A mudança epistemológica da história pode ser compreendida pela vitória da historiografia que buscava o “porquê” e não apenas o “como”. Segundo Stone: Antes que se observem as tendências recentes, deve-se tentar explicar o que levou muitos historiadores, há cerca de cinquenta anos, a abandonar uma tradição narrativa consagrada ao longo de 2 mil anos. Em primeiro lugar, a despeito das afirmações apaixonadas em defesa do contrário, foi amplamente reconhecido, com alguma justiça, que respondendo às perguntas o que e como de modo cronológico, [...] não se vai muito longe quanto a responder ao porquê. (STONE, 2013, p. 11) Esse entendimento tem um impacto na forma como compreendemos uma aula de História no ensino médio, por exemplo. Em sala de aula, o professor precisa conectar o que vai ser ensinado (por exemplo, Revolução Russa) com uma problemática, observando osconhecimentos prévios do aluno. Se o aluno não sabe o que é uma revolução, certamente terá maior dificuldade de compreender o que foi a Revolução Russa. Em todo caso, a história não se resume mais a uma série de eventos que vão se somando até chegar ao mundo contemporâneo. Por isso, a pergunta-problema (de escolha do professor) será tão importante em seu planejamento. Um tema tão vasto como Revolução Russa precisa ser analisado em pouquíssimo tempo e a escolha do ângulo a ser abordado depende do educador. O ensino de História: métodos, metodologias 13 Afinal, não escapamos, em momento algum, do nosso período histórico, assim como o antropólogo não se esquece da cultura que formou a sua visão de mundo ao entrar em contato com outra. Porém, ele, antropólogo, não olha para um ritual apenas para compará-lo com outros de seu conhecimento, estabelecendo, assim, uma relação hierárquica entre atraso e progresso – mentalidade típica do século XIX e início do século XX que via nos povos indígenas ou africanos o “primitivo”. O nosso desafio é fazer os nossos alunos olharem para o passado sem julgá-lo unicamente com os seus próprios valores. É, de fato, uma aula de alteridade, pondo-se nos olhos de outro. Obviamente, se até mesmo historiadores têm dificuldade com essa reflexão, alunos adolescentes também terão. Por essa razão, a comparação entre o trabalho do historiador e o do antropólogo é bastante pertinente, mesmo com as suas diferenças. Raramente o historiador pode questionar a sua fonte, como ocorre na história oral. No caso da antropologia, isso é mais comum. O historiador tem em suas fontes a espinha dorsal de seu trabalho. O antropólogo tem no diário de campo e na experiência etnográfica a sua. Todavia, ambos podem lidar com culturas diferentes da sua. Como afirma Roy Wagner: Esse sentimento é conhecido pelos antropólogos como “choque cultural”. Nele, a “cultura” local se manifesta ao antropólogo primeiramente por meio de sua própria inadequação; contra o pano de fundo de seu novo ambiente, foi ele que se tornou “visível”. [...] o antropólogo não pode simplesmente “aprender” uma nova cultura e situá-la ao lado daquela que ele já conhece; deve antes “assumi- la” de modo a experimentar uma transformação de seu próprio universo. (WAGNER, 2017, p. 31-35) Compreender o ser humano como um ser cultural é contextualizar suas ações, seu cotidiano, suas palavras e suas mentalidades. Se em algum momento de nossa história seres humanos acreditaram que a Terra era plana, isso pode indicar a presença de uma mentalidade religiosa vista como infalível e detentora de todo conhecimento, não necessariamente que as pessoas eram ignorantes, pois o contexto histórico medieval permitiu essa apropriação. Apenas como provocação, lembremos que, segundo uma pesquisa recente, 7% dos brasileiros acreditam que a Terra é plana1. Como afirma Ginzburg, o contexto é o “lugar de possibilidades historicamente determinadas, serve para encher o que os documentos não nos dizem sobre a vida de um indivíduo. Mas esses enxertos de lacunas são possibilidades, não consequências necessárias; são conjecturas, não feitos comprovados” (GINZBURG, 1993, p. 110, tradução nossa). O contexto não é necessariamente o local da certeza histórica. Durante o período em que o positivismo foi influente entre historiadores (final e início do século XX), ter documentos oficiais era a fonte segura para uma narrativa genuína. Hoje, o “lugar de possibilidades historicamente determinadas” relaciona o homem em determinado tempo e espaço geográfico, indicando suas possibilidades e impossibilidades. Nenhum camponês chegou a rei no período medieval. Seria a falta de sorte ou a estrutura estamental do medievo que impedia algo do tipo? 1 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2019/07/7-dos-brasileiros-afirmam-que-terra-e-plana- mostra-pesquisa.shtml. Acesso em: 26 out. 2019. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio14 Da mesma forma, Ginzburg vê no termo representação, em que o trabalho do historiador seria similar ao narrativo ficcional, utilizado de forma recorrente por autores taxados de pós-modernos, um “muro intransponível”, onde a fonte é fonte de si mesma (GINZBURG, 1993, p. 22), ignorando o papel que a busca pela verdade tem em nosso ofício. Ginzburg também relaciona os historiadores com uma narrativa que, por um longo período, foi militar e política (GINZBURG, 1993, p. 104), mas, ao longo do século XX, foi se distanciando e descobrindo nossas fontes e problemáticas. Por fim, observamos que atualmente temos um discurso muito comum que tenta associar a produção historiográfica com a ficção, como se ambas fossem apenas “narrativas” e “representação”. Essa tentativa de conexão ignora o primado da fonte na História e a importância que a busca pela verdade tem para os historiadores. Sabemos que o passado é inatingível. Isso não significa que ele é inventado pelo historiador, da mesma forma que um autor faria, como Tolstói retratou a invasão da Rússia por Napoleão em Guerra e Paz. Quando os historiadores fazem uma afirmação categórica, fazem com embasamento e podem, mais tarde, ser refutados por outros. Essa é a lógica da ciência, e não da ficção. 1.2 Diferentes abordagens metodológicas no ensino de História Há um entendimento que foi uma confluência de fatores que levou a História, uma disciplina que por quase dois mil anos foi associada ao estudo da vida de reis, impérios e batalhas, no início do século XX, a questionar se essa metodologia já tinha esgotado os seus limites e refletir sobre outras possibilidades. De modo geral, podemos pensar em dois causadores de uma novidade metodológica e epistemológica: • A influência que a Sociologia de Durkheim, uma disciplina que no início do século XX estava em seus estágios iniciais, associada a uma análise mais geral e ignorante (no bom sentido) da narrativa e das temporalidades, teve entre historiadores. • A influência da análise marxista, com sua ênfase em classes e não em indivíduos isolados como reis. Para Durkheim, a sociologia era notoriamente descrente do papel de indivíduos como agentes de transformação social: “É preciso, portanto, considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós” (DURKHEIM, 2013, p. 204). Não é de se estranhar que a grande transformação metodológica historiográfica do fazer tenha ocorrido na França do século XX, onde a sociologia era mais bem estruturada se comparada a outros países. Foi lá que a escola Annales fez a crítica ao modelo positivista e alemão, ligado a Ranke. O ensino de História: métodos, metodologias 15 Já em Karl Marx, a crítica era feita a uma história dos reis e suas batalhas (a história dos “grandes homens”), incapaz de entender a produção da existência dos seres humanos: devemos começar por constatar o primeiro pressuposto de toda a existência humana e também, portanto, de toda a história, a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e este é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda hoje, assim como há milênios, tem de ser cumprida diariamente, a cada hora, simplesmente para manter os homens vivos. (MARX; ENGELS, 2007, p. 32-33) A síntese dessa transformação tem um impacto cotidiano na educação básica, inclusive na escrita dos materiais didáticos. Podemos observar isso quando fazemos uma comparação entre diferentes momentos do estudo da História no Brasil. Na historiografia da educação brasileira da metade do século XIX, durante o governo de Dom Pedro II, a História eraa história da formação nacional, influenciada pela ideologia nacionalista do período e de conotação racista, em que os quilombos e os africanos de um modo geral eram representados como um empecilho para a civilização europeia. No estudo que fizeram sobre Palmares e Zumbi, os pesquisadores Jean França e Ricardo Ferreira, em Três vezes Zumbi, também fazem uma análise do surgimento dos materiais didáticos e das intenções metodológicas por trás deles. Sobre o manual Lições de história do Brasil, de 1861, escrito por Joaquim Manuel de Macedo, os dois autores comentam que: o objetivo central de Macedo [...] não é oferecer aos seus pupilos informações sobre Palmares e seu líder; seu objetivo era, antes – e os exercícios propostos no fim da lição, em que enfatiza o papel do herói bandeirante, deixam isso claro –, destacar que o quilombo vingara da “desordem” social causada pela invasão holandesa e, muito especialmente, salientar o caráter heroico do “paulista notável” Domingos Jorge Velho. (FRANÇA; FERREIRA, 2012, p. 75-76) Atualmente, Zumbi (Figura 4) é representado como um herói, pela resistência aos valores escravocratas que o quilombo de Palmares teve na história brasileira. Inclusive, o dia 20 de novembro (Dia Nacional da Consciência Negra) é feriado em alguns estados nacionais, em comemoração à vida de Zumbi dos Palmares. Isso reflete uma abordagem metodológica que dá ênfase à luta das classes oprimidas. Já o bandeirante Domingos Jorge Velho (Figura 5) caiu no esquecimento, não tendo um feriado ou grande monumento histórico. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio16 El za F iú za /A Br /w ik im ed ia Be ne di to C al ix to d e Je su s/ w ik im ed ia Figura 4 – Estátua de Zumbi dos Palmares Figura 5 – O bandeirante Domingos Jorge Velho Podemos compreender melhor agora a frase célebre de Walter Benjamin, ao questionar a diferença entre a historiografia tradicional e a marxista: se nos perguntarmos com quem o investigador historicista estabelece propriamente uma relação de empatia. A resposta é inequívoca: com o vencedor. Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores. [...] Por isso, o materialismo histórico se desvia desse processo, na medida do possível. Ele considera sua tarefa escovar a história a contrapelo. (BENJAMIN, 2012, p. 244-245) A metodologia histórica atual não é una, mas foi influenciada pela sociologia francesa e pelo marxismo, distanciando a nossa prática da historiografia clássica, em que o aluno deveria conhecer narrativas históricas sem entender o motivo (“César foi assassinado por Brutus com a ajuda dos senadores romanos”), decorar datas nacionais típicas do movimento nacionalista (7 de setembro e 15 de novembro) ou associar conquistas com indivíduos isolados (“Juscelino Kubitschek construiu Brasília”, “A Princesa Isabel deu fim à escravidão em 1888”). Ao ser influenciada por sociólogos e marxistas, a metodologia histórica deu espaço ao estudo dos camponeses e suas revoltas contra o domínio feudal, às revoltas escravas desde a Antiguidade até o Haiti do século XVIII e XIX, à compreensão de que as mulheres devem ser valorizadas e analisadas em conjunto com os eventos históricos, à participação dos operários na criação de sindicatos e na luta contra a exploração capitalista no início da Revolução Industrial – isso somado a inúmeros outros temas que não faziam parte dos estudos até o início do século XX. É a história “a contrapelo” de Benjamin, analogia interessante ao retratar o movimento de ir contra a corrente dominante até então. O ensino de História: métodos, metodologias 17 Quadro 1 – As diferenças entre a historiografia clássica e a Nova História Metodologia historiográfica clássica Metodologia historiográfica atual Nacionalista em sua narração cronológica, trazia o grande homem, geralmente um rei ou imperador, como o representante de seu período histórico e agente de transformações. Associada a questões de identidade e das classes oprimidas, leva em conta o cotidiano, a história das mulheres e a produção da existência pelos seres humanos. Busca fazer uma crítica à história nacionalista. “A História se apresenta, assim, como uma das disciplinas fundamentais no processo de formação de uma identidade comum – cidadão nacional – destinado a continuar a obra de organização da nação brasileira”. (NADAI, 2014, p. 30) “a produção historiográfica foi se renovando e se revisando, na tentativa de se encontrar novas abordagens, novos rumos e novos problemas, portanto novos espaços de investigação. Temas [...] não privilegiados pela historiografia tornaram‑se objetos de reflexão dos profissionais da História, o que enriqueceu o seu campo”. (NADAI, 2014, p. 31) Fonte: Elaborado pelo autor com base em Nadai, 2014. Como veremos mais à frente, a metodologia e a prática do educador de História também serão influenciadas pelos documentos oficiais que estabeleceram os parâmetros do componente curricular na educação básica. O exemplo mais clássico é da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ao propor um ensino voltado para a resolução de problemas, para as competências e habilidades, o educador tradicional, voltado a um entendimento ultrapassado do fazer historiográfico, terá grande dificuldade de se adaptar a essa nova realidade educacional. Leia com atenção a habilidade a seguir, retirada da BNCC do ensino médio da área de ciências humanas e sociais aplicadas: (EM13CHS502) Analisar situações da vida cotidiana (estilos de vida, valores, condutas etc.), desnaturalizando e problematizando formas de desigualdade, preconceito, intolerância e discriminação, e identificar ações que promovam os Direitos Humanos, a solidariedade e o respeito às diferenças e às liberdades individuais. (BRASIL, 2018, p. 564) Só aqui, podemos notar três aspectos que nos ligam ao projeto da historiografia que nasceu da crítica aos tradicionais: • A valorização da vida cotidiana das pessoas comuns (antítese do herói) e de suas crenças e valores. • Desnaturalização da desigualdade entre pessoas e combate a qualquer forma de preconceito. • Solidariedade com as diferenças, construindo uma relação de alteridade com o tema. Em suma, o professor terá que combater os preconceitos e clichês da História enquanto história dos vencedores. 1.3 Metodologias ativas nas aulas de História Começamos esta seção com uma pergunta: para que serve a História? Quando lecionamos na educação básica, em algum momento um aluno também questiona esse ponto: por que devo aprender sobre algo que, por definição, não existe mais? Nós, enquanto educadores e historiadores, sempre tentamos refletir sobre o fato de que o passado ainda está vivo no presente, seja pela memória, pelos nomes ou pela cultura de um povo. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio18 Em todo caso, outros componentes curriculares parecem ter uma legitimação maior na visão das crianças e dos adolescentes, a exemplo da Língua Portuguesa e da Matemática. Os professores podem até ser interrompidos por um aluno e questionados com a afirmação clássica dos estudantes: “mas quando eu vou usar isso na minha vida?”. Ora, juros compostos? Você vai usar na sua vida adulta quando for pedir um empréstimo. Produzir um relatório com uma linguagem coerente? O que seria da iniciativa privada sem relatórios? E o historiador? Saber ou não as razões que levaram Lutero a se dissociar da Igreja Católica tem alguma função prática para o aluno? A História na educação básica ainda dá grande ênfase a conceitos e, de um modo geral, acaba ignorando o procedimental e atitudinal. Nossos desafios, enquanto historiadores, são mais complexos. E cabe o esclarecimento: se o aluno questiona a razão de ter que estudar algo, ele não está fazendo uma crítica “boba”. Ele está apontando que a aula expositiva e o conteúdo abordado não têm significado, tornando a aprendizagemmais difícil. A motivação é o estágio inicial do conhecimento, e se o aluno não se sente compelido e instigado a compreender algo, como a Revolução Francesa, por que iria gastar sua energia nisso? Será que nós, adultos, gastaríamos nosso tempo em algo que não nos dá significado? Compreendemos, então, que a História é mais do que uma série de eventos em ordem cronológica – a história política do século XIX e início do século XX. A História surge de uma pergunta-problema, uma dúvida e um interesse em algo desconhecido. A partir daí, o historiador busca analisar documentos e fontes históricas, construindo um caminho até o seu objetivo principal. Porém, mesmo tendo esse conhecimento, o historiador, quando vira professor, se vê muitas vezes repetindo uma história cronológica, de reis e imperadores, pois essa narrativa e essa metodologia são as mais simples e fáceis. Como fazer o aluno mudar a sua compreensão de que o passado não vale a pena ser estudado? Do ponto de vista da pedagogia, ou mobilizamos nossos alunos, ou eles vão nos questionar: para que isso? A reflexão sobre o papel do professor em sala de aula também é relevante. Seria ele um mediador ou um transmissor de conhecimento? Se a verdade está no meio do caminho, como acreditava Aristóteles, diríamos que ambos os papéis ainda são necessários. Mas ter a crença na aula expositiva, em que o aluno anota silenciosamente no caderno conteúdos passados pelo professor parece um pouco irrealista dentro do contexto em que vivemos e com a geração com a qual nos deparamos na educação básica. Não à toa, há um investimento em metodologias ativas na educação básica no Brasil, como a cultura maker2e a gamificação3. O princípio mais elementar das metodologias ativas constata que a aprendizagem não pode ser separada da prática, do aprender fazendo. O que é diferente de aprender escutando e anotando, como no método mais tradicional, associado à transmissão de conhecimento. Para Moran: 2 Cultura maker: baseia-se na ideia de que as pessoas devem ser capazes de fabricar, construir, reparar e alterar objetos dos mais variados tipos e funções com as próprias mãos, baseando-se num ambiente de colaboração e transmissão de informações entre grupos e pessoas. 3 Gamificação: do inglês gamification, é o uso de mecânicas e características de jogos para engajar, motivar comportamentos e facilitar o aprendizado de pessoas em situações reais, normalmente não relacionadas a jogos. O ensino de História: métodos, metodologias 19 a aprendizagem é mais significativa quando motivamos os alunos intimamente, quando eles acham sentido nas atividades que propomos, quando consultamos suas motivações profundas, quando se engajam em projetos para os quais trazem contribuições, quando há diálogo sobre as atividades e a forma de realizá-las. (MORAN, 2017, p. 475) Observe, a seguir, uma simplificação dos métodos tradicionais e da metodologia ativa. Figura 6 - Metodologia tradicional Teoria Prática Avaliação Fonte: Elaborada pelo autor. Figura 7 - Metodologia ativa Questionamento Experimentação Resolução de um problema Fonte: Elaborada pelo autor. Como veremos nos próximos capítulos, a BNCC representou uma mudança de paradigma na educação por diversos motivos. Um ponto que ela trouxe para a prática educacional foi o conceito de competência, ao associar a construção do conhecimento com a resolução de um problema da vida. Esse ponto se casa muito bem com a possível transformação que as práticas educativas sofreram, caso queiram seguir as recomendações normativas do documento. O passo inicial da metodologia ativa é a dúvida. René Descartes e seu método nos lembram que a ciência é feita não da certeza, mas da dúvida. Partimo-nos de algo que não conhecemos. Questionamos algo. Interessados em resolver essa questão, temos o momento da experiência, em que as nossas hipóteses são testadas, até chegarmos a uma conclusão e, então, a nossa dúvida inicial se resolverá. Esse método parece algo para ser usado num laboratório, mas não é. Só precisamos de criatividade e tempo de planejamento para as nossas atividades com calma. Afinal, muitas vezes, os professores estão tão preocupados com a assimilação de conceitos pelos alunos que mal deixam uma brecha para o contraditório. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio20 O propósito das metodologias ativas é a resolução de problemas. O que pode ser entendido enquanto ganha importância na educação formal o contato com entornos reais, com problemas concretos da comunidade, não somente para conhecê-los, mas para procurar contribuir com soluções reais, a partir de processos de empatia, de aproximação, de escuta e de compartilhamentos. (MORAN, 2017, p. 521) Imaginemos o tema da escravidão africana no Brasil. Será que podemos pensar nesse conteúdo apenas como “teórico”, ou enquanto algo que ainda está presente em nosso cotidiano? Qual seria o problema a ser resolvido? Não há mais em nosso país leilões de africanos, mas a escravidão no campo persiste e, além de tudo, o racismo contra a população afrodescendente é habitual. Esse exemplo serve para nos lembrar de que a História não é teórica, o seu conhecimento tem uma prática, levando pessoas a mudarem seus hábitos. Qual é o nosso papel como educadores? Por que não, ao invés de chegarmos em sala de aula e sem fazer qualquer contato com os problemas de milhões de brasileiros (o racismo), iniciarmos com algumas dúvidas? Levando o aluno a identificar um problema e, a partir daí, planejarmos uma sequência didática, considerando a metodologia de Harvard, a seguir: • Onde podemos notar o racismo em nosso cotidiano? • Por que o racismo deve ser combatido? O primeiro estágio é o de mobilização e estabelecimento de um problema. É a chamada aprendizagem baseada em problemas. Método utilizado também em Harvard: Fase I: Identificação do(s) problema(s) – formulação de hipóteses – solicitação de dados adicionais – identificação de temas de aprendizagem – elaboração do cronograma de aprendizagem – estudo independente. Fase II: Retorno ao problema – crítica e aplicação das novas informações – solicitação de dados adicionais – redefinição do problema – reformulação de hipóteses – identificação de novos temas de aprendizagem – anotações das fontes. Fase III: Retorno ao processo – síntese da aprendizagem – avaliação. (MORAN, 2017, p. 706) Esse método torna nosso trabalho mais difícil do ponto de vista do planejamento. Requer mais tempo do que uma aula tradicional. Mas os apontamentos que ele traz são necessários se queremos mais do que a simples “transmissão” do conhecimento. Considerações finais A História é um componente curricular de situações-problema, e não apenas de uma reflexão cronológica sobre o passado. Com a mudança metodológica que ela passou ao longo do século XX, ocorreu uma valorização de pessoas, povos e culturas até então ignorados pelo pesquisador. Como objetivo, temos o desafio de ensinar aos nossos alunos que, ao compreender o passado e outros povos, estamos estabelecendo uma relação de alteridade e solidariedade. O ensino de História: métodos, metodologias 21 Ampliando seus conhecimentos • HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. Em um dos últimos livros publicados em vida pelo autor, há inúmeras discussões e análises sobre o fazer historiográfico de grande valia para o professor que busca a notória erudição do autor, com a sua eloquência. Os temas são variados, mas indicam a importância da verdade no ensino de História, contra narrativas que associam a História com a ficção e representações do passado. • FRANÇA, J.; FERREIRA, R. Três vezes zumbi: a construção de um herói brasileiro. São Paulo: Três estrelas, 2012. Livro ainda desconhecido dentro da academia, ele aborda a análise das diferentes construções ideológicas de um herói novo na história brasileira: Zumbi. O livro é curto, mas muito bem-escrito, e traz uma reflexão pertinente sobre os usos dos materiais didáticos naeducação básica de nosso país. Atividades 1. Reflita sobre o perigo que o anacronismo representa para o ensino de História e indique o que o professor pode fazer para combatê-lo. 2. Construa um quadro indicando as diferenças entre a metodologia tradicional do ensino de História e as formas mais recentes de metodologia. 3. Indique as principais características da metodologia ativa. Referências BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 2012. BLOCH, M. Apologia da História ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. 2018. Disponível em: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 31 out. 2019. DURKHEIM, É. Regras relativas à observação dos fatos sociais. In: BOTELHO, A. Sociologia, essencial. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. FRANÇA, J.; FERREIRA, R. Três vezes zumbi: a construção de um herói brasileiro. São Paulo: Três estrelas, 2012. GINZBURG, C. El juez y El historiador. Madri: Anaya & Mario Muchnik, 1993. HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio22 MORAN, J. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda. In: BACICH, L.; MORAN, J. (org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora. Porto Alegre: Penso, 2017. NADAI, E. O ensino de História e a “pedagogia do cidadão”. In: PINSKY, J. (org.). O ensino de História e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 2014. POCOCK, J. G. A. Linguagens do Ideário Político. São Paulo: Edusp, 2003. STONE, L. O retorno da narrativa: reflexões sobre uma nova velha história. In: NOVAIS, F. A.; SILVA, R. F. (org.). Nova História em perspectiva. v. 2. São Paulo: Cosac Naify, 2013. WAGNER, R. A invenção da cultura. São Paulo: Ubu editora, 2017. 2 O novo ensino médio: currículo e BNCC Ricardo Selke Neste capítulo, abordaremos o novo ensino médio. Inicialmente, discutiremos a formação do currículo em História, o impacto que o novo ensino médio trouxe para a prática educativa e a BNCC do ensino médio nas ciências humanas. Além disso, estudaremos os desafios que o ensino médio enfrenta atualmente no Brasil e a proposta da BNCC, seus apontamentos, suas reflexões e suas práticas. 2.1 O currículo de História e a prática educacional O que é um currículo dentro do contexto disciplinar escolar? De difícil conceituação, o currículo é uma forma de organizar e planejar a prática educativa, que ganhou ênfase especialmente a partir da década de 1950 nos Estados Unidos da América. Podendo ganhar diferentes formas e entendimentos, ele tradicionalmente é formado por objetivos, conteúdos, habilidades e práticas, rearranjando os conhecimentos considerados indispensáveis aos estudantes, fornecendo aos educadores meios de avaliação escolar. O currículo define as decisões que impactarão professores e estudantes em sala de aula. Afinal, ele é uma proposta reflexiva da prática educacional, ao questionarmos a validade do que queremos obter com a educação básica e analisarmos o porquê de escolhermos determinados afazeres. No caso brasileiro, a Lei n. 13.415/2017 faz um entendimento próprio da intenção do currículo, ao afirmar que: § 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais. (BRASIL, 2017) Como você pôde observar, a lei traz a proposta de “formação integral”, conceito muito caro à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tema que será abordado adiante. Antes da BNCC, o principal documento norteador dos currículos de História eram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Esse documento é importante do ponto de vista histórico, mas é necessário destacar que esses parâmetros não têm nenhuma validade legal, ou seja, não são documentos normativos. A partir de 2017, especialmente, a leitura obrigatória e normativa se dá com a BNCC, porém, muitas das “inovações” propostas pela BNCC já estavam presentes nos PCN. Em primeiro lugar, os PCN definiam áreas de conhecimento (humanas e suas tecnologias), apontando para um caminho que seria reconhecido como necessário: as disciplinas haviam segmentado o conhecimento e era vital uma maior interdisciplinaridade na educação básica. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio24 Os PCN mantiveram a peculiaridade (e especificidade) das diferentes disciplinas (História, Filosofia, Geografia e Sociologia), mas clamaram por mudança. Em segundo, estabeleceram que o conhecimento fosse planejado (e avaliado) por competências e habilidades, tratadas da maneira a seguir. Representação e comunicação • Criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa, reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos diferentes contextos envolvidos em sua produção. • Produzir textos analíticos e interpretativos sobre os processos históricos, a partir das categorias e procedimentos próprios do discurso historiográfico. Investigação e compreensão • Relativizar as diversas concepções de tempo e as diversas formas de periodização do tempo cronológico, reconhecendo-as como construções culturais e históricas. • Estabelecer relações entre continuidade/permanência e ruptura/ transformação nos processos históricos. • Construir a identidade pessoal e social na dimensão histórica, a partir do reconhecimento do papel do indivíduo nos processos históricos simultaneamente como sujeito e como produto dos mesmos. • Atuar sobre os processos de construção da memória social, partindo da crítica dos diversos “lugares de memória” socialmente instituídos. Contextualização sociocultural • Situar as diversas produções da cultura – as linguagens, as artes, a filosofia, a religião, as ciências, as tecnologias e outras manifestações sociais – nos contextos históricos de sua constituição e significação. • Situar os momentos históricos nos diversos ritmos da duração e nas relações de sucessão e/ou de simultaneidade. • Comparar problemáticas atuais e de outros momentos históricos. • Posicionar-se diante de fatos presentes a partir da interpretação de suas relações com o passado. (BRASIL, 1999, p. 28) Diferentemente da BNCC, o documento é mais simples do ponto de vista pedagógico, visto que não é normativo. Assim, a Lei n. 13.415/2017 estabeleceu que os currículos nacionais serão compostos pela BNCC e pelos itinerários formativos. Dessa forma, caberá aos sistemas de ensino estabelecer a ponte entre as intenções da BNCC e o seu currículo. Ela será a base do currículo, não ele em si. Essa distinção é relevante para não confundirmos a BNCC com o currículo escolar. 2.2 O novo ensino médio A etapa do ensino médio é intitulada na BNCC, pelo próprio Ministério da Educação (MEC), como um “gargalo”: O Ensino Médio é a etapa final da Educação Básica, direito público subjetivo de todo cidadão brasileiro. Todavia, a realidade educacional do País tem mostrado que essa etapa representa um gargalo na garantia do direito à educação. Para além da necessidade de universalizar o atendimento, tem-se mostrado crucial garantir a permanência e as aprendizagens dos estudantes, respondendo às suas demandas e aspirações presentes e futuras. (BRASIL, 2018a, p. 461) O novo ensino médio: currículo e BNCC 25 Qual a intenção do trecho anterior? Ora, o MEC reconhece que a universalização do ensino médio ainda não foi conquistada, mesmo sendo um direito de todos os brasileiros. Para compreendermos melhor o porquê do ensino médio ser um gargalo, basta verificar as estatísticas e os números da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE): mais da metade da população nacional (52%) não tem diploma de ensinomédio1. Apenas o México (62%) e a Costa Rica (60%) apresentam números piores do que os nossos. A Argentina (39%) e o Chile (35%) estão numa condição mais confortável dentro do contexto latino-americano; a Colômbia (46%) está mais próxima de nós. Observe o gráfico a seguir. Gráfico 1 – Porcentagem de pessoas entre 25 a 64 anos sem o ensino médio Brasil Países 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% México Argentina Chile ColômbiaCosta Rica Fonte: Elaborado pelo autor com base em Folha de S.Paulo, 2018. A reforma do ensino médio representa uma tentativa de mudar esse quadro. Um país como o nosso, com mais de 50% de seus adultos sem ensino médio, está em uma situação precária, tanto do ponto de vista educacional quanto de cidadania. Recomenda-se a leitura da Lei n. 13.415/2017 na íntegra, pois no espaço reduzido que temos para analisá-la, daremos ênfase ao ensino de História, entendido enquanto ciências humanas e sociais aplicadas, como é definido em seu artigo 36: Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional. (BRASIL, 2018a) 1 Segundo dados disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2018/09/mais-da-metade-dos- brasileiros-nao-tem-diploma-do-ensino-medio-aponta-ocde.shtml. Acesso em: 27 set. 2019. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio26 Com o intuito de evitar possíveis interpretações equivocadas de sua intenção inicial, a mudança legal indica a obrigatoriedade de Sociologia, Filosofia, Educação Física e Arte no ensino médio. Porém, e aqui vem a principal mudança, a lei estabelece que apenas Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórias ao longo do percurso do ensino médio: § 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia. § 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas. (BRASIL, 2018a) A mudança mais complexa do novo ensino médio ocorreu com a introdução de um conceito central à sua prática: itinerários formativos (integral), referido no artigo 36, compreendido como estratégia “para a flexibilização da organização curricular do ensino médio, pois possibilitam opções de escolha aos estudantes” (BRASIL, 2018a, p. 477). Diferentemente do modelo atual, o novo ensino médio propõe a “flexibilização”, uma vez que traz mais de um caminho que o estudante pode seguir. Com essa novidade, há as seguintes possibilidades de o ensino médio ser: • estruturado com foco em uma área do conhecimento; • estruturado na formação técnica e profissional; • estruturado na mobilização de competências e habilidades de diferentes áreas, compondo itinerários integrados. No caso específico de História (novamente compreendida enquanto ciências humanas), as competências e habilidades são construídas da seguinte maneira: IV – ciências humanas e sociais aplicadas: aprofundamento de conhecimentos estruturantes para aplicação de diferentes conceitos em contextos sociais e de trabalho, estruturando arranjos curriculares que permitam estudos em relações sociais, modelos econômicos, processos políticos, pluralidade cultural, historicidade do universo, do homem e natureza, dentre outros, considerando o contexto local e as possibilidades de oferta pelos sistemas de ensino. (BRASIL, 2018b) Os itinerários formativos têm quatro eixos estruturantes, que integram as experiências didáticas e escolares. São eles: I – investigação científica: supõe o aprofundamento de conceitos fundantes das ciências para a interpretação de ideias, fenômenos e processos para serem utilizados em procedimentos de investigação voltados ao enfrentamento de situações cotidianas e demandas locais e coletivas, e a proposição de intervenções que considerem o desenvolvimento local e a melhoria da qualidade de vida da comunidade; II – processos criativos: supõem o uso e o aprofundamento do conhecimento científico na construção e criação de experimentos, modelos, protótipos para a criação de processos ou produtos que atendam a demandas para a resolução de problemas identificados na sociedade; O novo ensino médio: currículo e BNCC 27 III – mediação e intervenção sociocultural: supõem a mobilização de conhecimentos de uma ou mais áreas para mediar conflitos, promover entendimento e implementar soluções para questões e problemas identificados na comunidade; IV – empreendedorismo: supõe a mobilização de conhecimentos de diferentes áreas para a formação de organizações com variadas missões voltadas ao desenvolvimento de produtos ou prestação de serviços inovadores com o uso das tecnologias. (BRASIL, 2018b, p. 478-479) Observe o esquema a seguir, que faz uma síntese dos diferentes eixos de itinerários formativos. Figura 1 – Eixos dos itinerários formativos Investigação científicaProcessos criativos Mediação e intervenção sociocultural Empreendedorismo Itinerários formativos Eixos Fonte: Elaborada pelo autor. Qual a relevância dos itinerários formativos para a educação básica? Em primeiro lugar, eles representam um desafio de difícil mensuração. Os sistemas de ensino, as editoras de livros didáticos, os colégios e os professores estavam acostumados com o modelo de currículo engessado do ensino médio, em que há pouca, ou nenhuma, possibilidade de rearranjo. Em segundo, a flexibilidade que ele representa apenas se tornará uma realidade se for posta em prática no ponto mais central de qualquer currículo: a escola e a sala de aula. No Brasil, existe uma expressão muito conhecida: “lei para inglês ver”. Ela indica uma tradição antiga, do século XIX, em que existe a lei, mas não a sua aplicação no dia a dia. Pela proximidade que estamos da lei do novo ensino médio, somente dentro de uma década vamos compreender se as possibilidades e os desafios ditos aqui foram alcançados, ou se foram “para inglês ver”. 2.3 A BNCC e a BNCC de ciências humanas A Base Nacional Comum Curricular, como documento normativo (não é uma questão de escolha aderir a ele, mas sim uma questão legal), divide-se em dois momentos distintos: inicialmente, aborda a educação infantil até o ensino fundamental – anos finais –; posteriormente, trata apenas do ensino médio, completando assim o percurso intitulado educação básica, preparação para o ensino superior. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio28 Documento marcado pela construção coletiva, envolvendo os diferentes agentes da sociedade civil e do Ministério da Educação, a BNCC (educação infantil até o ensino fundamental – anos finais) se tornou obrigatória em dezembro de 2017, depois de longa análise e diferentes versões. Já a BNCC do ensino médio foi aprovada de uma maneira inesperada, sem debate prévio, em dezembro de 2018. Assim, o Brasil se une a países como os Estados Unidos da América, que criou o seu Common Core (núcleo comum). No caso estadunidense, foram estabelecidas apenas para as disciplinas de Inglês e Matemática as habilidades essenciais. No Brasil, temos um documento que estabelece a igualdade de habilidades que todos os alunos devem adquirir ao longo da educação básica2. Foi uma conquista criar e tornar realidade a BNCC, pois desde a Constituição de 1988 já era indicada a necessidade de termos um documento que estabelecesse valores e conteúdos similares para todos os entes federativos. A Constituição de 1988, em seu artigo 210, afirma: “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formaçãobásica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988). A BNCC muda a expressão em relação aos “conteúdos mínimos”, em vez disso, ela propõe “aprendizagens essenciais”. Desse modo, norteando a discussão e aplicação futura, a BNCC propôs as aprendizagens essenciais que todos os alunos devem ter ao longo da educação básica. Talvez nas futuras gerações essa questão seja vista como algo “menor”, mas atualmente não podemos desconsiderar a importância que um documento como esse tem no contexto nacional. Devemos nos lembrar que até a aprovação da BNCC não havia nenhum documento normativo que estabelecesse as aprendizagens essenciais que todos os alunos do país deveriam ter em seus diferentes componentes curriculares. O máximo que tínhamos eram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, documento de leitura obrigatória e normativo, mas que em sua organização fazia mais uma discussão de temas do que habilidades. Os PCN não tinham um caráter normativo como a BNCC, mesmo sendo considerados guias para a formação dos currículos – e de fato tiveram uma influência, inclusive na escrita da BNCC. Como o próprio documento indica: Nesse sentido, espera-se que a BNCC ajude a superar a fragmentação das políticas educacionais, enseje o fortalecimento do regime de colaboração entre as três esferas de governo e seja balizadora da qualidade da educação. Assim, para além da garantia de acesso e permanência na escola, é necessário que sistemas, redes e escolas garantam um patamar comum de aprendizagens a todos os estudantes, tarefa para a qual a BNCC é instrumento fundamental. (BRASIL, 2018a, p. 8) Ao estabelecer isso, a BNCC combate algo que era muito comum na realidade brasileira: uma “Torre de Babel” de práticas curriculares, em que municípios vizinhos, mesmo que afastados por poucos quilômetros, acabavam por não manter nenhuma forma de comunicação e diálogo. 2 Para saber mais sobre o Common Core, acesse o site: http://www.corestandards.org/. Além disso, há um artigo que estabelece uma comparação entre a BNCC e o CC no seguinte site: https://lemanncenter.stanford.edu/sites/default/ files/Implementacao%20merged%20Portuguese%283%29_0.pdf. Acesso em: 15 set.19. https://lemanncenter.stanford.edu/sites/default/files/Implementacao%20merged%20Portuguese%283%29_0.pdf https://lemanncenter.stanford.edu/sites/default/files/Implementacao%20merged%20Portuguese%283%29_0.pdf O novo ensino médio: currículo e BNCC 29 Em um país continental como o nosso, onde a migração é historicamente recorrente, a BNCC estabelece um princípio de igualdade. Note: ela não veio estabelecer um currículo único, mas sim servir de base para os currículos nacionais. Lembre-se de que a BNCC pressupõe também uma diversificada, que deverá levar em conta a diversidade de nossa nação. Nas palavras de seus autores: Nesse processo, a BNCC desempenha papel fundamental, pois explicita as aprendizagens essenciais que todos os estudantes devem desenvolver e expressa, portanto, a igualdade educacional sobre a qual as singularidades devem ser consideradas e atendidas. Essa igualdade deve valer também para as oportunidades de ingresso e permanência em uma escola de Educação Básica, sem o que o direito de aprender não se concretiza. (BRASIL, 2018a, p. 15) Tão relevante quanto a busca de aprendizagens essenciais, é a conexão que o documento faz entre as diferentes etapas de ensino, observando que do ensino fundamental ao médio haverá uma linha de complexidade. Além disso, podemos observar que suas dez competências gerais pertencem à educação básica, postulados que devem ser considerados e respeitados por todos os professores do Brasil, independentemente de ser da educação infantil ou do ensino médio. A seguir, observe as dez competências da educação básica. 1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. 2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas. 3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural. 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. 6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. 7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio30 8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas. 9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza. 10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. (BRASIL, 2018a, p. 9) Essas competências gerais não devem ser confundidas com currículo ou “conteúdo” de disciplinas, mesmo estando relacionadas a eles. Como podemos notar, temos uma lista razoável de intenções para o professor, que devem ser compreendidas como prática, e não meramente como teoria, associadas especialmente a questões que são atitudinais (valores), mais do que a conceitos ou procedimentos a serem compreendidos pelo aluno. Outro princípio norteador da BNCC é a educação integral. Não podemos confundir esse conceito com carga horária, em que o estudante passaria a maior parte do seu dia na escola. Em relação a isso, a BNCC: Reconhece, assim, que a Educação Básica deve visar à formação e ao desenvolvimento humano global, o que implica compreender a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Significa, ainda, assumir uma visão plural, singular e integral da criança, do adolescente, do jovem e do adulto – considerando-os como sujeitos de aprendizagem – e promover uma educação voltada ao seu acolhimento, reconhecimento e desenvolvimentopleno, nas suas singularidades e diversidades. Além disso, a escola, como espaço de aprendizagem e de democracia inclusiva, deve se fortalecer na prática coercitiva de não discriminação, não preconceito e respeito às diferenças e diversidades. (BRASIL, 2018a, p. 14) Há vários aspectos que devemos levar em consideração. A BNCC é um documento complexo, que descreve as aprendizagens essenciais, mas também busca indicar o papel que a educação deverá ter daqui para frente. Ela pretende fazer uma síntese entre o aspecto conceitual da educação (O que ensinar?) com o atitudinal (Para que estudar?), reconhecendo que não há oposição entre o plano cognitivo e o afetivo. Soma-se a isso sua pretensão democrática, voltada ao combate à discriminação. Como afirma Libâneo (2016, p. 230): “A educação escolar constitui-se num sistema de instrução e ensino com propósitos intencionais, práticas sistematizadas e alto grau de organização, ligado intimamente às demais práticas sociais”. Para facilitar a compreensão desse assunto, observe o quadro a seguir com os conceitos- -chave da BNCC. O novo ensino médio: currículo e BNCC 31 Quadro 1- Conceitos-chave da BNCC Igualdade → Aprendizagens essenciais Diversidade → Autonomia dos entes federativos Equidade → Reconhecer que as necessidades dos estudantes são diferentes Fonte: Elaborado pelo autor. Como vimos, a BNCC estabelece as dez competências da educação básica. Mas o que é uma competência? Diferentes autores conceituam “competência”, mas aqui o próprio documento indica o que compreende por tal. Isso é feito em dois momentos: Competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho. (BRASIL, 2018a, p. 8) Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. (BRASIL, 2018a, p. 13) Para facilitar a compreensão, a Figura 2, a seguir, indica os principais pontos do sentido de competência na BNCC. Figura 2 – Competências na BNCC Saber Saber fazer Conhecimentos, habilidades, atitudes e valores. Mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores. Fonte: Elaborada pelo autor. Ao associar a mobilização e a resolução de “demandas complexas da vida cotidiana”, a BNCC e seu conceito de competência buscam estabelecer um contato mais claro com a prática educacional, mesmo sem apontar qual metodologia é a mais adequada para o ensino na educação básica. Enquanto educadores de História, temos a ciência de que o nosso papel em sala de aula vai além de simplesmente explicar o conceito de “escravidão africana”, por exemplo, mas, sim, Metodologia do ensino de História no Ensino Médio32 relacioná-lo a questões pertinentes ao nosso dia a dia, como o racismo contemporâneo na sociedade brasileira e maneiras de combatê-lo. É como se a BNCC nos dissesse que de nada adianta o aluno saber o conceito de “racismo” se não souber se posicionar contrariamente a atitudes racistas em sua vivência, dentro e fora da escola. Como afirma Libâneo (2016, p. 141): não basta a seleção e organização lógica de conteúdos para transmiti-los. Antes, os próprios conteúdos devem incluir elementos da vivência prática dos alunos para torná-los mais significativos, mais vivos, mais vitais, de modo que eles possam assimilá-los ativa e conscientemente. Como sabemos, o ensino médio é a última etapa da educação básica. Por essa razão, o que aparece enquanto abstração no ensino fundamental, no ensino médio se torna uma necessidade mais explícita: preparar o aluno para o mercado de trabalho e sua inserção na economia. A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabelece que a preparação para o trabalho seja um dos objetivos da escola: Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1996) Por essa razão, a preparação para o trabalho, estabelecida na LDB, ganha um tratamento diferenciado no documento. Essas experiências, como apontado, favorecem a preparação básica para o trabalho e a cidadania, o que não significa a profissionalização precoce ou precária dos jovens ou o atendimento das necessidades imediatas do mercado de trabalho. Ao contrário, supõe o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes inserir-se de forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do trabalho cada vez mais complexo e imprevisível, criando possibilidades para viabilizar seu projeto de vida e continuar aprendendo, de modo a ser capazes de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores. (BRASIL, 2018a, p. 465) Em uma de suas frases mais impactantes, a BNCC afirma: É preciso garantir aos jovens aprendizagens para atuar em uma sociedade em constante mudança, prepará-los para profissões que ainda não existem, para usar tecnologias que ainda não foram inventadas e para resolver problemas que ainda não conhecemos. (BRASIL, 2018a, p. 473) A preparação para o trabalho se relaciona à própria fragilidade (o sociólogo Bauman diria “modernidade líquida”) do mercado de trabalho e da relação de instabilidade causada por mudanças tecnológicas. Afinal, alguém na década de 1990 falava em startups3? Hoje, essa modalidade de empreendedorismo é considerada a vanguarda de tecnologias que nos impacta diariamente, basta observarmos os nossos próprios celulares e a quantidade de soluções que nos são oferecidas por aplicativos. 3 Startup: empresa jovem com um modelo de negócios repetível e escalável, em um cenário de incertezas e soluções a serem desenvolvidas. Embora não se limite apenas a negócios digitais, necessita de inovação para não ser considerada uma empresa de modelo tradicional. O novo ensino médio: currículo e BNCC 33 As novas tecnologias são relevantes para a educação básica, segundo a BNCC, e estão presentes da educação infantil até o ensino médio. É uma pena que, tradicionalmente, os professores só se atentem a documentos dos seus próprios componentes curriculares: professores de História leem de ciências humanas; e de Língua Portuguesa, de linguagens. Isso também vale para as diferenças entre os seguimentos: professores do ensino médio raramente leem documentos do fundamental, quem dirá da educação infantil. No entenato, a BNCC de linguagens do fundamental já traz vários elementos que podem ser abordados pelo professor de História do ensino médio, inclusive na sua prática cotidiana como educador. O componente de Língua Portuguesa é o mais interessante nesse aspecto. Ele apresenta uma amostra da linguagem atual dos nossos alunos, sem cair no clichê de que “as crianças de hoje não querem mais ler como antigamente”, ou “no passado as crianças liam Machado de Assis e hoje não conseguem ler nem mesmo uma página”. Sem dúvida, podemos questionar a centralidade do livro no cotidiano escolar e até mesmo como entretenimento para as famílias depois do advento da internet, mas podemos traçar um caminho educacional construtivo em vez de uma crítica a uma mudança que agora é inevitável. Por exemplo, o celular deve ser proibido em sala de aula? Dificilmenteum professor diria que não, pois como ele é utilizado pelos alunos, foge completamente dos propósitos e sentidos da escola. Porém, será que o celular pode ter uma função em um projeto de pesquisa ou em uma apresentação? Segundo o componente de Língua Portuguesa, em vez de cairmos na armadilha de combater essas novas formas de comunicação, podemos apropriá-las para os nossos meios. Assim: Não se trata de deixar de privilegiar o escrito/impresso nem de deixar de considerar gêneros e práticas consagrados pela escola, tais como notícia, reportagem, entrevista, artigo de opinião, charge, tirinha, crônica, conto, verbete de enciclopédia, artigo de divulgação científica etc., próprios do letramento da letra e do impresso, mas de contemplar também os novos letramentos, essencialmente digitais. Como resultado de um trabalho de pesquisa sobre produções culturais, é possível, por exemplo, supor a produção de um ensaio e de um vídeo-minuto. (BRASIL, 2018a, p. 69) Quantos de nós já tivemos que fazer um relatório sobre uma determinada atividade? Digamos, uma saída de campo ou visita guiada a um museu. Por que não transformar essa atividade (produzir um relatório) em algo que tenha um significado maior a seu aluno? O “vídeo-minuto” proposto pela BNCC é uma forma de analisar a interação que as novas mídias terão em sala de aula daqui para frente. Entretanto, esse aspecto é apenas a superfície. A internet não significou apenas uma possibilidade sem precedentes de comunicação, mas também novas formas de interação entre seus usuários. O exemplo mais conhecido é o meme. vídeo-minuto: gênero textual para homenagear, criticar, informar ou gerar humor, tendo em torno de 1 minuto. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio34 Figura 3 – O meme é uma forma de comunicação muito conhecida e praticada pelos jovens. Fonte: Estação educativo, 2016. Até pouco tempo, quem já tinha ouvido falar em memes? Hoje são parte do nosso cotidiano, especialmente pelo seu uso político e cômico, transmitidos de celular a celular. Caso você nunca tenha ouvido falar em meme ou nunca tenha visto um, recomenda-se, enquanto dica, uma maior interação com os objetos produzidos pelos próprios adolescentes, pois o meme é o mais conhecido de todos. A BNCC lista outros, que devem ser do seu conhecimento também: textos que circulam nas redes sociais, blogs/microblog, sites e afins e os gêneros que conformam essas práticas de linguagem, como: comentário, carta de leitor, post em rede social, gif, meme, fanfic, vlogs variados, political remix, charge digital, paródias de diferentes tipos, vídeos-minuto, e-zine, fanzine, fanvídeo, vidding, gameplay, walkthrough, detonado, machinima, trailer honesto, playlists comentadas de diferentes tipos etc., de forma a ampliar a compreensão de textos que pertencem a esses gêneros e a possibilitar uma participação mais qualificada do ponto de vista ético, estético e político nas práticas de linguagem da cultura digital. (BRASIL, 2018a, p. 73) Referindo-se à inovação que as novas tecnologias impõem no mercado de trabalho e na educação, a BNCC aponta as três dimensões desse desafio: • pensamento computacional: envolve as capacidades de compreender, analisar, definir, modelar, resolver, comparar e automatizar problemas e suas soluções, de forma metódica e sistemática, por meio do desenvolvimento de algoritmos; • mundo digital: envolve as aprendizagens relativas às formas de processar, transmitir e distribuir a informação de maneira segura e confiável em diferentes artefatos digitais – tanto físicos (computadores, celulares, tablets etc.) como virtuais (internet, redes sociais e nuvens de dados, entre outros) –, compreendendo a importância contemporânea de codificar, armazenar e proteger a informação; • cultura digital: envolve aprendizagens voltadas a uma participação mais consciente e democrática por meio das tecnologias digitais, o que supõe a compreensão dos impactos da revolução digital e dos avanços do mundo digital na sociedade contemporânea, a construção de uma atitude crítica, ética e responsável em relação à multiplicidade de ofertas midiáticas e O novo ensino médio: currículo e BNCC 35 digitais, aos usos possíveis das diferentes tecnologias e aos conteúdos por elas veiculados, e, também, à fluência no uso da tecnologia digital para expressão de soluções e manifestações culturais de forma contextualizada e crítica. (BRASIL, 2018a, p. 474) As competências e habilidades que devem ser trabalhadas são: • buscar dados e informações de forma crítica nas diferentes mídias, inclusive as sociais, analisando as vantagens do uso e da evolução da tecnologia na sociedade atual, como também seus riscos potenciais; • apropriar-se das linguagens da cultura digital, dos novos letramentos e dos multiletramentos para explorar e produzir conteúdos em diversas mídias, ampliando as possibilidades de acesso à ciência, à tecnologia, à cultura e ao trabalho; • usar diversas ferramentas de software e aplicativos para compreender e produzir conteúdos em diversas mídias, simular fenômenos e processos das diferentes áreas do conhecimento, e elaborar e explorar diversos registros de representação matemática; e • utilizar, propor e/ou implementar soluções (processos e produtos) envolvendo diferentes tecnologias, para identificar, analisar, modelar e solucionar problemas complexos em diversas áreas da vida cotidiana, explorando de forma efetiva o raciocínio lógico, o pensamento computacional, o espírito de investigação e a criatividade. (BRASIL, 2018a, p. 475) Como vimos, o próprio governo entende essa etapa como “gargalo” – e os números falam por si só. Essa questão é de extrema importância, pois o acesso ao ensino superior ainda é um privilégio para pouquíssimos brasileiros. Os números mais recentes, formulados pela OCDE, apontam que apenas 14% da população nacional termina o ensino superior4. Quando vamos para o mestrado, o número vai para 0,8%. Doutorado, 0,2% da população5. São números alarmantes, mesmo dentro do contexto regional latino-americano. Tabela 1 – A educação (ensino superior) do Brasil em números Ensino superior 14% da população Mestrado 0,8% da população Doutorado 0,2% da população Fonte: Elaborada pelo autor com base em Cancian, 2016. Ter ensino superior não é apenas uma questão de status social. Como a pesquisa da OCDE indica, há uma relação nítida entre escolaridade e salário: Os baixos índices de acesso à universidade refletem nos salários. Hoje, trabalhadores com nível superior no Brasil ganham mais do que o dobro do que aqueles com ensino médio completo. O valor também tende a ser quatro vezes maior para quem tem mestrado ou doutorado em comparação a quem tem apenas o ensino médio, segundo o relatório. (CANCIAN, 2016) 4 Dados disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/09/1813715-so-14-dos-adultos-brasileiros- tem-ensino-superior-diz-relatorio-da-ocde.shtml. Acesso em: 15 set. 2019. 5 Dados disponíveis em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/09/acesso-a-mestrado-no-brasil-e-16- vezes-menor-do-que-em-paises-ricos.shtml. Acesso em: 15 set. 2019. Metodologia do ensino de História no Ensino Médio36 A BNCC, somada à reforma do ensino médio, é uma tentativa de romper com esse “gargalo”. O número de brasileiros que não completam o ensino médio, e por lógica não partem para o ensino superior, torna inviável um combate sério à desigualdade secular do nosso país. Até aqui lembramos que a BNCC do ensino médio faz parte de um esforço mais amplo de longo caminho. Espera-se que o leitor note que, mesmo não sendo professor de outra etapa (Fundamental), o ideal seria a leitura completa do documento. Afinal, o ensino médio tem grandes desafios pela frente e, ao se ver enquanto continuidade da educação básica, em lugar de sua ruptura, o professor terá a vantagem de adquirir práticas bem-sucedidas de outros componentes curriculares e das etapas anteriores. Por fim, a BNCC reafirma a relevância
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