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UNIVERSIDADE PAULISTA INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - ICJ STHEFANY MENDES MONTEIRO DE SÁ RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO NOVO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL COM RESERVA LEGAL PREVIAMENTE DEGRADADA São Paulo 2019 STHEFANY MENDES MONTEIRO DE SÁ - C08794-7 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO NOVO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL COM RESERVA LEGAL PREVIAMENTE DEGRADADA Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Instituto de Ciências Jurídicas – Universidade Paulista – UNIP, Campus Paraíso, sob orientação do Prof. Dr. Fernando Augusto de Vita Borges de Sales. São Paulo 2019 STHEFANY MENDES MONTEIRO DE SÁ - C08794-7 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL DO NOVO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL COM RESERVA LEGAL PREVIAMENTE DEGRADADA Monografia apresentada como requisito para conclusão do curso de bacharelado em Direito do Instituto de Ciências Jurídicas – Universidade Paulista – UNIP, Campus Paraíso, sob orientação do Prof. Dr. Fernando Augusto de Vita Borges de Sales. São Paulo, BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Fernando Augusto de Vita Borges de Sales Universidade Paulista Prof. Dr. ............................................................................................. Universidade Paulista À minha amada mãe, Soraia, que sonhou com essa formação pra mim. AGRADECIMENTOS Agradeço primordialmente a Deus, que iluminou meu caminho durante esta jornada e a toda energia do universo, por ter me permitido chegar a este momento ímpar. À amada mãe, que acreditou em mim e me apoiou de maneira incondicional em todos os momentos. Ao meu orientador, que pacientemente me indicou o caminho para chegar até aqui e esteve sempre à minha disposição. A todos os meus professores, pela atenção dispensada em dividir os conhecimentos imensuráveis para o sucesso desta etapa de minha vida profissional, bem como aos amigos que conquistei e consolidei ao longo da jornada (Deusdete Siqueira Filho, Jackeline Ribeiro Caetano e Suanne França). A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscar nossa destruição e a da diversidade da vida. (Carta da Terra) RESUMO A presente monografia teve como motivação principal para sua escolha e elaboração a necessidade de realizar maiores estudos no âmbito do Direito Ambiental, em virtude de sua ainda pequena inserção no currículo do curso de graduação em Direito pela UNIP. Outrora, não muito distante, não era dada a devida importância às questões ambientais, sendo, na maioria das vezes, tratada de maneira genérica, ignorando o crescimento desordenado dos centros urbanos e a ganância humana. Notando mudanças significativas sentidas com o advento da industrialização, em em 1972, em Estocolmo, a ONU (Organização das Nações Unidas) promove a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”. Somente a partir deste marco histórico, o Direito Ambiental é impulsionado e começa-se a discutir a necessidade de regulamentação específica neste segmento, ante a progressiva escassez dos recursos naturais. Tendo como escopo abordar o Dano Ambiental e a Responsabilidade Civil, partindo dos preceitos constitucionais, procedimentos legais destinados a esta espécie de dano, bem como as posições dos doutrinadores que são referência no assunto. Basicamente foi dividido em quatro capítulos, nos quais inicialmente foram expostos os conceitos de meio ambiente, breve histórico da legislação vigente e rápida explanação sobre responsabilidade civil, com foco no esfera ambiental. O segundo capítulo abordou emprego da responsabilidade objetiva no caso de danos ao meio ambiente, como a questão da existência do prejuízo e a relação de causalidade. Também foi abordado, no terceiro capítulo, o dano ambiental, especialmente sua conceituação. A sequência do estudo trouxe a questão da função socioambiental da propriedade privada rural e a responsabilidade civil ambiental do novo adquirente de imóvel com reserva legal previamente degradada. Palavras-chave: Direito Ambiental. Responsabilidade Civil. Dano Ambiental. Questões Ambientais. Função Socioambiental.Regulamentação. ABSTRACT The main priority of the monograph was the selection and preparation of doctoral programs in law by UNIP. Once it was not too far away, environmental issues were not given due importance, and most of the time it speaks generically, ignoring the disorderly growth of urban centers and human greed. The United Nations organization in 1972 in Stockholm promoted the United Nations Organization on the Human Environment. Only from this historical milestone, Environmental Law is promoted and begins to be discussed. To read the account of Environmental Damage and Civil Liability, such as mapping of the doctrines that status reference the subject. Basically it was the first in four chapters, in which the first were exposed to environmental concepts, brief history of current legislation and quick explanation of civil liability, focusing on the environmental sphere. The second is a liability problem of harm to the environment, as a matter of harm and a causal relationship. Environmental damage, especially its conceptualization, was also addressed in the third chapter. A sequence of studies on socioenvironmental issues of private rural property and environmental civil liability makes a major acquisition of properties with legal reserve. Keywords: Environmental Law. Civil Responsability. Environmental Damage. Environmental Issues. Socioenvironmental Inspection.Regulation. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………………...10 2 DIREITO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL…………………... 11 2.1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE………………………............................11 2.2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE……............................12 2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL...............................................15 3 APLICAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.......................20 4 CONCEITO DE DANO AMBIENTAL...........................................................23 5 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE PRIVADA RURAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOVO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL COM RESERVA LEGAL..........................................................................................25 5.1 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE PRIVADA RURAL.25 5.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOVO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL COM RESERVA LEGAL......................................................................................................28 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................30 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..............................................................33 11 1 INTRODUÇÃO O meio ambiente ecologicamente equilibrado garante a sobrevivência e o bem estar da espécie humana. A preocupação com essa questão ganha destaque na Constituição Federal de 1988, onde conferiu ao meio ambiente status de bem jurídico essencial à vida, à saúde, à felicidade e, sobretudo à sobrevivência de todos. O uso de técnicas racionais e adequadas, no que se refere a educação, orientação e conscientização da população, faz com que aquele que degrada responda por ações ou omissões provenientes de suas atividades, de forma a restituir os danos causados, conforme previsão legal. No final do século XX, um séculoapós o advento do industrialismo, nasce a percepção de que o desenvolvimento não pode se dar a qualquer custo e, muito menos, em detrimento à vida, humana ou não. Tendo em vista as peculiaridades do bem jurídico tutelado, diversos instrumentos são utilizados visando sua proteção, autonomamente considerado, dentre eles, a responsabilidade civil. Adota-se o regime da responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco, e a ampliação do rol de sujeitos passivos da ação reparatória ambiental, incluindo o poluidor indireto. O presente trabalho pretende, assim, analisar sem esgotar a problemática relacionada à responsabilidade civil pelo dano ambiental, daquele que não deu ensejo ao dano. Dividido em quatro partes, composta cada uma delas por um título consoante com o tema principal, conforme o sumário apresentado. A primeira parte procura transmitir basicamente o conceito de meio ambiente, sendo necessário percorrer brevemente histórico da legislação ambiental brasileira, podendo também ser vista a relação existente entre a responsabilidade civil e os danos ambientais. Em uma segunda parte, demonstra-se a aplicação da responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco. A terceira parte se refere mais especificamente ao conceito de dano ambiental e suas características básicas. Na quarta e última parte da presente monografia, foi objeto de análise a função socioambiental da propriedade privada rural e a responsabilidade civil ambiental do novo adquirente de imóvel com reserva legal previamente degradada. 12 2 DIREITO AMBIENTAL E RESPONSABILIDADE CIVIL 2.1 Conceito de Meio Ambiente O conceito legal, no Brasil, está contido no art. 3º, I da Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas; Seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e constata-se inegável, no final do dispositivo, a influência da teoria abrangente, que traz um conceito de meio ambiente mais compatível com a problemática ambiental. E, apesar da Constituição Federal de 1988, no art. 225, caput: Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo às presente e futuras gerações. ter recepcionado disposição da lei anterior, não traz um conceito de meio ambiente, o legislador constituinte qualifica-o como um bem de uso comum do povo, mediante uma perspectiva globalizada e integrada; caracterizando-o como um bem unitário, imaterial, incorpóreo, autônomo e de interesse público. 1 Ente os especialistas, a conceituação da expressão "meio ambiente" não é pacífica, sendo possível encontrar uma perspectiva ampla e outra estrita em seu conceito jurídico. A visão estrita define meio ambiente como o conjunto de elementos naturais como o solo, a atmosfera e os elementos da biosfera. Já para a abrangente, além dos elementos naturais, certos aspectos da relação do homem com a natureza, como os fatores sociais e os econômicos, integram o meio ambiente.2 1 LEITE, José Rubens Moratto. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 78-85 2 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 98 13 Neste sentido, como bem assevera Fiorillo3, meio ambiente tem um conceito jurídico indeterminado uma vez que, para identificar seus elementos estruturais, será necessário ao intérprete o preenchimento de seu conteúdo, optando por uma perspectiva teórica. A opção entre tais teorias é faculdade de cada Estado, mas a escolha de qualquer uma dessas perspectivas vai acarretar vantagens e desvantagens para a dogmática ambiental. Como vantagem apresentada pela visão restrita, a definição dos conceitos de maneira mais precisa favorece na elaboração de um conceito tecnicamente mais coerente e lógico, mas descarta a interferência do homem sobre esse meio o que o renega a uma proteção ambiental ineficaz. A abrangente traz um conceito mais à altura da complexidade que envolve o dano ambiental porque vislumbra a atuação humana e os fatores socioeconômicos do contexto, trazendo, entretanto a possibilidade de se transformar todo e qualquer problema social em ambiental e, por conseguinte, deixar à margem a preocupação com os recursos naturais.4 Do exposto, depreende-se que o bem ambiental, diante de seu perfil de bem de uso comum do povo e indisponibilidade, não pode ser classificado como bem público nem privado. 5 Superada a questão acerca da conceituação do meio, convém analisar desde quando esse bem ambiental e a necessidade de proteção aos recursos naturais têm importância para a humanidade. 2.2 Breve Histórico da Legislação Vigente A relação de exploração que o homem mantém com os elementos da natureza data dos primórdios de sua existência, sendo novidade, apenas, a concepção jurídica da degradação ambiental.6 O homem, não se inserindo mais como elemento da natureza, mas como um 3 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 6. ed. ampl. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 20. 4 BAHIA, Carolina Medeiros. Princípio da Proporcionalidade nas Manifestações Culturais na Proteção da Fauna. Curitiba: Juruá, 2006, p.112-113 5 FIORILLO, 2005, p. 5 6 FRANCO, Andréa Silveira Santana. A responsabilidade Civil Ambiental do Novo Adquirente de Reserva Legal Degradada Ambientalmente. v.2. São Paulo mai/jun. 2007 14 ser acima e fora dela, explora os recursos naturais de maneira irresponsável em nome do desenvolvimento e do avanço tecnológico, sem perceber que conde-nava todo o meio ambiente, inclusive o próprio homem, a um futuro catastrófico. Objetivando colocar um freio na degradação ambiental, que tornou-se preocupante na segunda metade do século XX, um século após o advento do industrialismo e obstar seus efeitos já sentidos por todo o planeta, em 1972, em Estocolmo, a ONU (Organização das Nações Unidas) promove a “Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”. A partir daqui, o Direito Ambiental Internacional ganha impulso e os países ricos e industrializados vão discutir as consequências de seu modelo econômico sobre o ambiente e a progressiva escassez de seus recursos naturais, originando a Declaração do Meio Ambiente.7 Apesar do movimento de 1972, somente a partir da década de 80, foi possível identificar leis destinadas à proteção ambiental de maneira mais sólida, em contraste com as anteriores que o faziam de forma casual, procurando conciliar a exploração dos recursos naturais com a busca pelo desenvolvimento. Nesse passo, restava evidente a omissão do Estado que conferia a proteção do meio ao particular incomodado com danos causados ao mesmo; configurando, por esse sistema, a predominância da irresponsabilidade sobre a responsabilidade, já que o particular ofendido não tinha condições de enfrentar poderosos grupos econômicos.8 A Constituição Federal de 1988 representa um grande marco no plano jurídico à proteção ambiental, colocando o Brasil na frente de diversos países como os Estados Unidos, França, Alemanha e Itália, que ainda não possuem tal tutela em suas constituições.9 Também chamada de “constituição verde”, a CF/88 (Constituição Federal de 1988) rompeu com todo o quadro de omissão presente nas constituições anteriores, sendo a primeira a utilizar a expressão “meio ambiente”; havendo, antes dela,7 MILARÉ, 2005, p. 50 8 FRANCO, Andréa Silveira Santana. A responsabilidade Civil Ambiental do Novo Adquirente de Reserva Legal Degradada Ambientalmente. v.2. São Paulo mai/jun. 2007 9 STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Considerações sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil por dano ao meio ambiente.Revista de Direito Ambiental.São Paulo, RT, v. 38, n. 8, out/dez. 2003, p. 104 15 legislações esparsas que abordavam o tema de maneira tímida, como o Código Florestal e o Código de Caça. Justifica-se essa omissão das Constituições anteriores porque o legislador constituinte entendia como fim precípuo a proteção à saúde, considerando o meio ambiente um instrumento para se chegar a este fim.10 Nesse sentido, o art. 225, caput da Carta Maior deu continuidade à proteção iniciada com a Lei nº. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, elevou-se o direito ao meio ambiente à condição de direito fundamental “por força da abertura material consagrada no art. 5º, § 2º da Constituição Federal de 1988”, apesar de, topograficamente, a tutela ambiental estar fora do título II da CF, que trata dos direitos fundamentais por opção do legislador constituinte que preferiu inseri-lo nas disposições sobre a ordem social. Ademais, essa abertura da Constituição vislumbra que os tratados internacionais, pertinentes à tutela do meio ambiente enquanto direito fundamental, integrem a nossa Constituição.11 Entende-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental porque é essencial à materialização do princípio da dignidade da pessoa humana; sendo tal princípio verdadeira fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais e, portanto, representado pelos direitos e garantias constitucionais, além de atuar como “cláusula aberta” porque possibilita classificar como fundamentais outros direitos que não foram assim definidos pela Constituição de forma expressa, mas são oriundos dos regimes e princípios da Carta Maior ou estão previstos em convenções e tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário.12 Não resta dúvida quanto à inserção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado no rol dos direitos fundamentais, em razão deste direito assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento e, por conseguinte, garantindo o direito fundamental à vida, matriz de todos os outros direitos fundamentais, que guiará qualquer maneira de atuação pertinente à tutela do meio ambiente. Sendo assim, a proteção ao meio ambiente reflete o modo 10 MILARÉ, op. cit., p. 182-184 11 STEIGLEDER, 2003, p. 104-106 12 BAHIA, 2006, p. 81 16 de tutelar a vida, a qualidade de vida, a sobrevivência da espécie humana, destinatária que é esta dos direitos difusos e coletivos13 2.3 Responsabilidade Civil Ambiental Segundo Álvaro Villaça Azevedo, responsabilidade civil: É a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial, decorrente dei inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei. (AZEVEDO, 2000, 8ª ed) A noção de responsabilidade, no campo jurídico, amolda-se ao conceito genérico de obrigação, o direito de que é titular o credor em face do dever, tendo por objeto determinada prestação. A complexidade do dano ambiental, traduzida por suas características e aliada à possibilidade da atuação danosa ser cometida por agentes plúrimos e/ou incertos, ocasiona a necessidade de um regime especial de proteção ao meio ambiente, tendo, como uma das justificativas para tanto, a inserção desse bem jurídico na categoria dos valores fundamentais da nossa sociedade.14 Nesse contexto, estrutura-se um modelo próprio para a responsabilidade civil pelo dano ambiental. O Direito Ambiental age nas esferas preventiva, reparatória e repressiva15 e a responsabilização jurídica civil por um dano ambiental através da reparação ambiental é o foco do presente estudo. Toda atividade que se traduz em prejuízo gera dever de indenizar, e a responsabilidade civil tem como objetivo restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado como resposta ao clamor social. Portanto, a reparação de um dano é uma obrigação secundária à violação de uma obrigação principal, dever jurídico ou direito. No Direito comum, o dever de indenizar atende aos requisitos de ação ou 13 SILVA, José Afonso da. Fundamentos Constitucionais da Proteção do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental,São Paulo, RT, v.27, jul./set. 2002, p. 55 14 BENJAMIN, Antonio Herman V. Responsabilidade civil pelo dano ambiental. Revista de Direito Ambiental. São Paulo: RT, v. 3, n.9, jan/mar. 1998, p. 12 15 MILARÉ, op. cit., p. 824 17 omissão voluntária, nexo causal, dano e culpa, caracterizando a responsabilidade extracontratual subjetiva ou aquiliana que é a regra.16 Como já observamos, via de regra, agentes plúrimos e até incertos, vítimas pulverizadas e muitas vezes anônimas, e pode manifestar-se de forma retardada ou cumulativamente, afetando interesses patrimoniais ou físicos, presentes e futuros de indivíduos, como também aos interesses da coletividade. Somando-se a tais dificuldades, tem-se a problemática de estabelecer o nexo causal entre a atuação e o dano, já que, muitas vezes, o acidente vai trazer repercussões de maneira lenta e gradual, em virtude do caráter difuso do dano ambiental e por ser, normalmente, indireta e mediata a relação entre o poluidor e a vítima; também configura empecilho para a utilização da responsabilização civil tradicional a incerteza científica, com lacunas e conflitos de entendimentos entre os cientistas sobre os efeitos nocivos do dano. Tudo isso faz com que o Brasil disponha de um regime especial de responsabilidade civil pelo dano ambiental.17 Emendando a insuficiência legal do Código Civil de 1916 que não tratou de maneira específica o dano ambiental, equiparando-o aos danos da responsabilidade civil extracontratual, a Lei federal que instituiu a política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/81, estabeleceu a responsabilidade civil objetiva, independente de culpa do agressor, como instrumento protetivo do meio ambiente frente às condutas e atividades lesivas ao bem ambiental. Conforme seu art. 14, §1º: Art 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. 16 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil:direitos reais. 6. ed.São Paulo: Atlas, 2006, p. 1-6 17 FRANCO, Andréa Silveira Santana. A responsabilidade Civil Ambiental do Novo Adquirente de Reserva Legal Degradada Ambientalmente. v.2. São Paulo mai/jun. 2007 18 Deste modo, rompendo com o paradigma aquiliano-individualista ao abjetivar a responsabilidade civil de maneira ampla e irrestrita e legitimando o Ministério Público para a cobrança de uma possível reparação. Posteriormente, essa norma foi ratificada pela nossa Constituição Federal de 1988, que, em seu art.225, § 3º, determina que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Aqui, o legislador constituinte além de determinar aresponsabilidade civil, criminal e administrativa do agressor ao meio ambiente, também reforçou o dever de reparar quando previu um direito subjetivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao caracterizar esse bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Corroborando com os legisladores federal e constitucional, o Novo Código Civil de 2002, em seu art. 927, parágrafo único, dispõe que a responsabilidade civil será independente de culpa nos casos determinados em lei ou quando a atividade, normalmente, desempenhada pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outro. Então, o legislador adota o risco como lastro da responsabilidade civil e remete à Lei 6.938/81 quando diz “nos casos especificados em lei”. Prevalece, na doutrina ambiental, o entendimento de que a Lei 6.938/81 adotou a teoria do risco integral para fundamentar a responsabilidade civil no tocante ao dano ecológico, em que o dever de reparar resulta da existência de nexo causal entre a atividade e a lesão ao meio ambiente, sem vislumbrar a possibilidade de ocorrerem excludentes como ocaso fortuito e a força maior, sendo irrelevante a licitude da atividade responsável pela poluição.18 Importa mencionar que, aos olhos do legislador federal, tanto o particular quanto o Poder Público respondem pelo dano ambiental, estando ambos inseridos na definição de poluidor que a Lei 6.938/81 dispõe em sua norma, como também firmou nesse sentido o legislador constituinte ao determinar que o dever de proteção 18 LYRA, Marcos Mendes. Dano Ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, RT, v.2, n.8, out/dez. 1997, p. 75 19 do meio ambiente é do particular, mas também do poder Público que é coresponsável. Ainda no tocante ao sujeito responsável, é importante fazer alusão ao princípio geral da solidariedade passiva, segundo a qual “se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação”, conceito presente no Código Civil. Através da teoria do risco integral, a doutrina procura cercar de cuidados o bem ambiental, tutelando de maneira mais rigorosa possível, ante o assustador estágio de depredação em que se encontra o meio ambiente, e sua proteção através de tal regime especial exige pressupostos que ensejam o pleito da reparação do dano ambiental. A lei não determina parâmetros para verificar, objetivamente, as mudanças relevantes que acometem o ambiente, lembrando que basta a ocorrência da lesão, não importando a licitude da atividade (em seguir padrões determinados pelo órgão ambiental, por exemplo, para licenciamento ambiental) uma vez que a responsabilidade aqui é objetiva.19 Outro pressuposto da responsabilidade civil ambiental que carrega problema na sua determinação é o nexo de causalidade. Para que exista o dever de reparar, é necessário que haja um liame entre a atividade e o dano ambiental; e a grande dificuldade reside, justamente, na prova do nexo causal o que, quando não é impossível, acaba sendo um intransponível obstáculo para a exigência da responsabilização pela danosidade. Comumente, a lesão ambiental origina-se de causas concorrentes, simultâneas e sucessivas, sendo muito difícil configurar o binômio causa-efeito em matéria ambien-tal, o que acaba por pulverizar a própria idéia de nexo de causalidade.20 Contudo, os problemas de comprovação da causalidade relatados acima não tornam menor para o poluidor o dever de reparar os danos a que deu causa, pois não seria razoável deixar o meio ambiente, bem de tal magnitude, sem a tutela devida por conta da dificuldade em provar o nexo causal. Partindo dessa ideia, a exigência da prova do nexo de causalidade pode ser relativizada. Nesse sentido, 19 MILARÉ, op. cit., p. 832 20 BENJAMIN, 1998, p. 44 20 alegam-se as presunções de causalidade, em que se presume iuris tantum o nexo por se estar frente, via de regra, a uma atividade perigosa. Outro meio encontrado pela doutrina para superar esta dificuldade é a inversão do ônus da prova, transferindo para o demandado a necessidade de provar que não tem qualquer ligação com o dano, o que se justifica pela disseminação de fontes poluidoras cada vez mais potentes e pela hipossuficiência da coletividade. 21 Anteriormente, tratou-se da responsabilidade civil ambiental como instrumento necessário para obstar as agressões ao meio ambiente, tão comuns na sociedade contemporânea. Pautado na teoria do risco integral, esse regime especial da responsabilidade civil visa à proteção do bem ambiental para as presentes e futuras gerações, obedecendo aos preceitos constitucionais, e dispensa o elemento culpa para que surja a obrigação de reparar o dano ambiental, pouco importando se a atividade do agente agressor é lícita ou não. A responsabilidade civil ambiental entra em cena, juntamente, com a função social da propriedade privada quando se trata de lesão ambiental em área especialmente protegida. Repisa-se que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas também têm obrigações frente a esse bem; vale dizer que não só ao Estado cabe a proteção do bem ambiental, mas a todas as pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que devem zelar pela “sadia qualidade de vida das gerações”. Esse direito-dever nasce da valorização do ser humano, e o respeito ao outro não se limita ao espaço demarcado pelos direitos civis, políticos ou sociais, abrangendo todo o seu envolvimento com o meio ambiente e com o futuro. Surge, assim, a necessidade de mudança no conceito de alguns institutos jurídicos, como o da propriedade, que vem sendo limitada em face da relevância da proteção ambiental.22 21 FRANCO, Andréa Silveira Santana. A responsabilidade Civil Ambiental do Novo Adquirente de Reserva Legal Degradada Ambientalmente. v.2. São Paulo mai/jun. 2007 22 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999,p. 41-42 21 3 APLICAÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA Tratando-se de questões ambientais, o ordenamento jurídico patrio adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, esta tem previsão no Art.14 § 1º da Lei 6.938/81 e no Art. 255 da Constituição Federal. A justificativa do legislador por ter optado pela teoria objetiva é a importância para o sistema de prevenção e repressão aos danos ambientais, garantindo proteção a coletividade. Tendo como fundamento a teoria do risco integral, atribuindo a aquele que degrada o dever de reparar os danos existentes, os que venham se materializar futuramente ou manifestem-se tardiamente. Diante do empecilho para a utilização da responsabilização civil tradicional a incerteza científica, com lacunas e conflitos de entendimentos entre os cientistas sobre os efeitos nocivos do dano, faz com que o Brasil disponha de um regime especial de responsabilidade civil pelo dano ambiental, editou-se a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei n. 6.938/81 – que, em seu artigo 14, § 1o, estabece a aplicação forçosa do regime da responsabilidade civil objetiva pelos danos causados ao meio ambiente. A responsabilidade civil objetiva aos danos ambientais pode assumir duas acepções diferentes. Por um lado, a responsabilidade objetiva tenta adequar certos danos ligados aos interesses coletivos ou difusos ao anseio da sociedade, tendo em vista que o modelo clássico de responsabilidade não conseguia a proteção ambiental efetiva, pois não inibia o degradador ambiental com a ameaça da ação ressarcitória. Por outro lado, a responsabilidade objetiva visa a socialização do lucro e do dano, considerando que aquele que, mesmo desenvolvendo uma atividade lícita, pode gerar perigo, deve responder pelo risco, sem a necessidade davítima provar a culpa do agente, desse modo estimula a proteção a meio ambiente. Partindo dessa determinação, quem degrada deve arcar com as 22 despesas que seu ato danoso produzir, e não, como querem alguns ,que quem paga pode degradar. Tal imposição pretende internalizar no preço as externalidades produzidas, o que se denomina custo ambiental. Tal expressão se traduz na imperiosidade do sujeito causador do problema ambiental em sustentar financeiramente a diminuição ou afastamento do dano. Assevera Benjamin que: Ao obrigar o poluidor a incorporar nos seus custos o preço da degradação que causa – operação que decorre da incorporação das externalidades ambientais e da aplicação do princípio poluidor-pagador – a responsabilidade civil proporciona o clima político-jurídico necessário à operacionalização do princípio da precaução, pois prevenir passa a ser menos custoso que reparar. (BENJAMIN, 1998, p. 44) Dessa forma, distinguem-se no princípio duas esferas básicas: busca evitar a ocorrência de dano ambiental, neste caso, trata-se do caráter preventivo; e ocorrido o dano, visa a sua reparação, neste caso tendo efeito repressivo. Dentro desse princípio, mais precisamente em seu caráter repressivo é que se insere a ideia de responsabilidade civil objetiva pelo dano causado ao meio ambiente. Pertencem à discussão da responsabilidade civil objetiva ambiental a teoria do risco proveito e a do risco integral. A primeira atrela o dever de indenizar a um proveito obtido pelo agente, ou seja, aquele que obtém lucro com uma determinada atividade deve arcar com os prejuízos causados ao meio ambiente.Além do que, admite como causa de exclusão ou diminuição da responsabilidade o caso fortuito e a força maior, a intervenção de terceiros e, em alguns, a licitude da atividade poluidora. Já a teoria do risco integral não admite as excludentes da culpa da vítima, por força maior e do caso fortuito. O dever de indenizar permanece ainda quando o dano seja proveniente, por exemplo, da força maior. Ainda, a ilicitude ou não da conduta do agente é irrelevante para a caracterização da 23 responsabilidade, porque uma vez provado a causalidade entre a atividade exercida e o dano causado, nasce o dever de indenizar.23 Maria Isabel de Matos Rocha, ensina que: Em matéria de direito ambiental a responsabilidade é objetiva, orientando-se pela teoria do risco integral, segundo a qual, quem exerce uma atividade da qual venha ou pretende fruir um benefício, tem que suportar os riscos dos prejuízos causados pela atividade, independentemente da culpa. Com sua atividade, ele torna possível a ocorrência do dano (potencialmente danosa). Fala-se em risco criado, responsabilizando o sujeito pelo fato de desenvolver uma atividade que implique em risco para alguém, mesmo que aja dentro mais absoluta normalidade. (ROCHA, 2000, p.140). De um lado, a teoria do risco proveito apresenta como aspecto negativo à redução do campo de atuação do sistema de responsabilidade, porque seriam responsáveis apenas aqueles que tiram proveito de uma determinada atividade. Por outro lado, o afastamento total de fatores subjetivos para a caracterização da responsabilidade civil (teoria do risco integral) é inviável, especialmente nos danos ambientais individuais. Entretanto, a maioria da doutrina do Direito Ambiental pátrio adere à teoria do risco integral, assim como as decisões do Poder Judiciário orientam-se neste mesmo sentido. A consequência da teoria do risco integral é a desconsideração da licitude do ato degradador e a irrelevância da intenção danosa, para assegurar os o ressarcimento dos prejuízos causados ao meio ambiente. 23 ROCHA, Maria Isabel de Matos. Reparação de Danos Ambientais. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n.19, ano 5,p.128-156, jul/set,2000 24 4 CONCEITO DE DANO AMBIENTAL A conceituação do dano ambiental, bem como o de meio ambiente apresenta-se como um obstáculo quase que instransponível para a doutrina. Tal dificuldade justifica-se pelo conceito aberto que o legislador constituinte dá ao meio ambiente. Tem-se que se apresenta diante de uma situação, de modo que, não diferente, o dano ambiental sempre está vinculado ao caso concreto. Definir é limitar e o amparo constitucional que se dá ao meio ambiente não poderia delimitar o entendimento de dano ambiental, sob pena de se omitir quanto a determinadas situações que ainda são pouco pensadas socialmente e, consequentemente, no direito. O professor Bessa Antunes24 precisa que a noção de dano tinha, originariamente, um conteúdo patrimonial por excelência, já que não configurava prejuízo a depreciação de um valor de ordem íntima por este não possuir conteúdo econômico imediato. Esse jurista ensina que os requisitos de certeza, atualidade e subsistência do dano, que são exigidos pela doutrina civilista como condições para o ressarcimento, demonstram a falta de propriedade do Direito privado em tutelar o bem ambiental, uma vez que as características do dano ao meio ambiente não são apropriáveis pelo Direito comum. No ordenamento jurídico brasileiro, não encontramos uma definição expressa do que seja dano ambiental. Essa ausência de definição legal é considerada uma consequência do conceito aberto de meio ambiente, ajustável à realidade concreta que se apresente ao interprete.25 Não obstante o legislador não ter conceituado dano ambiental, esclareceu as suas características básicas e o identificou como degradação da qualidade ambiental configurando “a alteração adversa das características do meio ambiente” em seu art. 3º, inciso II da Lei 6.938/81. A definição de degradação ambiental deve ser atrelada à de poluição ambiental, uma vez que o 24 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 3. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999, p. 148 25 MILARÉ, 2005, p. 734 25 legislador faz uma associação entre as mesmas. Da conexão estabelecida com o dispositivo legal, Leite26 ensina que o dano ambiental deve ser toda lesão intolerável ao meio ambiente, de maneira direta, enquanto macrobem de interesse da coletividade e, de maneira indireta, quando afete interesse pessoal de terceiro e reflita no macrobem; devendo ser essa lesão oriunda de qualquer atuação humana, seja ela culposa ou não. 26 LEITE, 2003, p. 104 26 5 FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE PRIVADA RURAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO NOVO PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL COM RESRVA LEGAL Neste capítulo, pretende-se, adentrar na questão da função social da propriedade privada rural, também chamada de função socioambiental, estabelecendo conexão entre esta e a responsabilidade do novo proprietário de imóvel que possui reserva legal previamente degradada, abordando o conflito existente entre direito de proprieda-de e meio ambiente. 5.1 Função Socioambiental da Propriedade Privada Rural A Constituição Federal garante o direito à propriedade, desde que cumpra sua função social. A função social, certamente, traz, em seu bojo, uma vinculação ambiental, que pode ser caracterizada como Função Ambiental (CAVEDON, 2003, p. 123). Em sentido amplo a função ambiental da propriedade, consiste nos deveres atribuídos ao proprietário de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. A concepção de que a propriedade é absoluta caiu por terra quando o legislador constituinte incorporou os direitos sociais, difusos e coletivos; tal configuração passou a tutelar o interesse social, tornando incompatível a ideia de propriedade absoluta e ilimitada. Marca-se a exigencia do cumprimento de uma função social, conferindo ao proprietário titular um deve-poder. Insere, no ordenamento jurídico, a função social comoprincípio geral da atividade econômica em conjunto com a defesa ao meio ambiente. Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: 27 I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Pretende a Carta Maior assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da Justiça Social. A propriedade se traduz uma relação de um indivíduo sobre um objeto e em tal relação incide a proteção jurídica, que se justifica em decorrência do efeito que o direito de propriedade resulta na sociedade, fazendo surgir a função social da propriedade. O direito de propriedade é absoluto, porém, de forma mitigada porque, dentre os direitos reais, é o mais completo e porque seu titular pode dispor da coisa como bem entender, respeitando, no entanto, as disposições legais, possuindo também o caráter erga omnes. Além dessas características, o direito de propriedade também é exclusivo, perpétuo e elástico. A elasticidade dá-se porque o direito de propriedade é formado por várias faculdades que podem ser retiradas do titular sem, contudo, configurar a perda da propriedade ou descaracterizar o direito. Isso é o que se denomina “delimitação do conteúdo do direito de propriedade”, que é feita por lei em conformidade com as necessidades da vida em sociedade, tal qual ocorre com os demais direitos subjetivos.27 A propriedade individual justifica-se mediante a efetivação da vida social fundada no bem-estar coletivo, sendo este um pressuposto para que tal direito subjetivo receba proteção legal. E, desta feita, a função social da propriedade passa a compor o conceito de direito de propriedade. Então, sob a égide da CF de 1988, quando o exercício do direito de propriedade incide sobre direitos de terceiros, a lei pode determinar deveres jurídicos, definindo de que 27 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999,p. 64-67 28 maneira o proprietário deve exercer seu direito de propriedade, aliando seus interesses individuais aos interesses coletivos ou difusos dos outros.28 O direito de propriedade sobre os bens ambientais apresenta um teor de fruição individual e social, uma vez que existe aqui uma apropriação de certa parcela de um bem que é de todos. Sendo assim, segundo o princípio da função socioambiental da propriedade, o indivíduo que detiver essa parcela dos recursos naturais assume uma responsabilidade perante toda a sociedade no sentido de preservar as características ecológicas imprescindíveis à realização do direito ao meio ambien-te ecologicamente equilibrado.29 A função social da propriedade rural está assentado no art. 186 da Constituição Federal vigente, estabelece que são deveres do proprietário: aproveitamento racional e adequado, utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Esses deveres compõem a função social da propriedade rural, sendo imperiosa a presença concomitante de todos eles para configurar o que se denomina de função. Percebe-se, então, que o dispositivo constitucional encerra, em seu conteúdo, a função ambiental da propriedade entre os elementos componentes da função social da propriedade rural quando atribui ao proprietário o dever de utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e de preservação do meio ambiente.30 Portanto, conclui-se que é imperioso que a relação entre proprietário e o bem ambiental, que está inserido em seu imóvel, permeie a função socioambiental da propriedade, tornando responsável todo aquele que tiver domínio e posse de uma área de tamanha importância para “a sadia qualidade de vida”. 28 FRANCO, Andréa Silveira Santana. A responsabilidade Civil Ambiental do Novo Adquirente de Reserva Legal Degradada Ambientalmente. v.2. São Paulo mai/jun. 2007. 29 DERANI, Cristiane. A propriedade na constituição de 1988 e o conteúdo da “função social”. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, RT, v. 7, n.27, jun/set. 2002, p. 66-67 30 BORGES, op. cit., p. 109 29 5.2 Responsabilidade Civil Ambiental do Novo Proprietário de Imóvel com Reserva Legal O proprietário de reserva legal é obrigado a respeitar a vocação natural da terra, permitindo a manutenção do potencial produtivo da propriedade, como também deve respeitar as características próprias do meio ambiente e de seus recursos naturais (em qualidade e quantidade) objetivando garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, viabilizando, assim, a saúde e a qualidade de vida do ser humano.31 Essa garantia de um meio ambiente equilibrado em favor da sociedade traduz-se em fonte de obrigação, devido o caráter social da propriedade, sendo remetida ao instituto da obrigação propter rem pela existência de uma situação jurídica e não da vontade direta do proprietário. As obrigações derivadas da disciplina ambiental na propriedade aderem ao domínio do bem, e inclui, no rol de tais obrigações, as de manutenção de reserva legal, de preservação e recomposição de áreas de preservação permanente, e, principalmente, a obrigação de manter a propriedade livre de fatores capazes de gerar riscos e prejuízos ao bem ambiental.32 Inserido nesse cenário, surge a figura do novo proprietário de um imóvel, que foi degradado antes mesmo da aquisição desse bem, e a obrigação de suportar a reparação do dano ambiental por parte dele. Com base na responsabilidade civil ambiental definida pelo legislador e na função socioambiental da propriedade, o novo proprietário, ainda que não tenha contribuído para o dano, responde, solidariamente, com o verdadeiro agressor, podendo recorrer ao direito de regresso posteriormente.33 Tal obrigação, de fato, se vincula mais à coisa do que à pessoa propriamente, e acompanha o bem, independente do proprietário ser substituído. 31 BORGES, 1999, p. 112 32 SALLES, Carlos Alberto de. Propriedade imobiliária e obrigações propter rem pela recuperação ambiental do solo degradado. Revista de Direito Ambiental. São Paulo, RT, v. 9, n.31, abr/jun. 2004, p. 9-16 33 MILARÉ, 2005, p. 839 30 Nesse contexto, o adquirente responderá solidariamente com o autor direto do dano e, caso não seja possível identificar quem deu causa à lesão, ele responderá sozinho; isto porque a obrigação de preservar o ambiente está atrelada à função social da propriedade, que integra, juntamente com o direito subjetivo, o conteúdo do direito de propriedade, sendo, pois, transmitido ao novo dono.34 Não é demais lembrar que o nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil, é relativizado em virtude da dificuldade de se provar tal liame em matéria ambiental, devendo ser priorizado a recuperação do bem violado em razão da sua imensa importância para a humanidade e para o meio ambiente; não podendo, portanto, retirar o valor de princípios importantíssimos como o da prevenção, o da precaução, o do poluidor-pagador e da função social da propriedade o que, caso contrário, poderá conduzir ao agravamento fatal da qualidade ambiental nas áreas especialmente protegidas.35 De fato, parece mais que razoável a possibilidade de atribuir responsabilidade ao novo proprietário pelos danos causados ao meio ambiente, ainda que o antigo proprietário tenha dado causa à lesão, já que a obrigação de propriedadetem natureza propter rem, e o simples ato de perpetuar o dano enseja o ilícito, devendo o adquirente promover a recuperação e utilizar o seu direito de regresso contra quem lhe transferiu o imóvel. Esse entendimento será confirmado pelas diversas decisões dos Tribunais ao analisarem demandas que tenham como objeto a reparação do dano ambiental perpetrado contra áreas especialmente protegidas, em razão da função socioambiental da propriedade que é meio necessário para restringir, sem, contudo, esvaziar o conteúdo econômico da propriedade em prol de um bem fundamental que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado 34 STEIGLEDER, 2003, p. 228-230 35 Idem, op. cit., p. 233 31 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabendo que os recursos naturais são finitos, é necessário conscientizar a sociedade de que o desenvolvimento não pode seguir de maneira desordenada, como era até o fim do século XIX. Desta forma, verificou-se que o marco inicial do direito ambiental no ordenamento jurídico pátrio, se deu com a participação do Brasil na conferência promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1972. Posteriormente, fora promulgada a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), conferindo autonomia ao direito ambiental; referido direito ganhou tutela constitucional com o advento da Magna Carta de 1988, que recepcionou a lei anterior a sua edição. Na Constituição vigente, há um capítulo específico tratando da proteção ao meio ambiente, bem como previsão em outros artigos, que dispõe sobre as obrigações da sociedade e do Estado brasileiro. Demonstra-se ao longo do trabalho que o instituto da responsabilidade civil no âmbito do direito ambiental sofreu uma importante modificação. O que antes era aplicada de maneira subjetiva quando da ocorrência de danos ambientais, exiginto comprovação de culpa do agente, para então o compelir a reparar o dano que causou, moustrou-se ineficaz ; visto que havia grande dificuldade em comprovar a cupa do sujeito. Foi então que a doutrina, a legislação e a jurisprudência passarm a adotar a responsabilidade objetiva, com a finalidade de responsabilizar o sujeito causador de dano ambiental independentemente da comprovação de sua culpa. Cabe aqui ressaltar que a responsabilidade civil ambiental é objetiva por ter fundamento na teoria do risco integral, sendo este, um mecanismo de proteção adotado pelo legislador brasileiro. No tocante as questões ambientais, dada sua complexidade e relevância, o 32 direito de propriedade jamais se afasta do princípio da função social da propriedade, determinando que, aquele que detém a propriedade é obrigado a buscar o bem- estar social, de modo que seu direito a propriedade deixa de ser absoluto e torna-se subjetivo. Nesse cenário, surge o novo proprietário, onde a reserva legal existente em seu imóvel foi preteritamente degradada. A ele caberá responsabilização na foma objetiva, fundada na teoria do risco integral, devendo o mesmo, ainda que não tenha dado causa ao dano, promover a recuperação e utilizar seu direito de regresso contra quem de direito. 33 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 3. ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1999. AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações, São Paulo, RT, 8ª ed., 2000. BAHIA, Carolina Medeiros. Princípio da Proporcionalidade nas Manifestações Culturais na Proteção da Fauna. Salvador: Juruá, 2006. BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em: 23 fev. 2019. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 23 fev. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 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