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Prévia do material em texto

CRÍTICA LITERÁRIA 
 
 
 
 
 
 
 
Conselho Editorial EAD 
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora) 
Mara Lúcia Machado 
José Édil de Lima Alves 
Astomiro Romais 
Andrea Eick 
 
 
Obra  organizada  pela  Universidade  Luterana  do 
Brasil.  Informamos que  é de  inteira  responsabilidade 
dos autores a emissão de conceitos. 
A violação dos direitos  autorais  é  crime  estabelecido 
na Lei nº  .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código 
Penal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
SOBRE O AUTOR 
Débora Teresinha Mutter da Silva 
Edgar Roberto Kirchof 
Maria Alice Braga 
Jane Brodbeck 
Débora Teresinha Mutter da Silva é mestre em Literatura Comparada e 
doutora  em  Literatura  Brasileira  pela  Universidade  Federal  do  Rio 
Grande do Sul (UFRGS). É professora do ensino presencial e a distân‐
cia da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra). 
Edgar Roberto Kirchof.  graduado  em  Letras  Português/Alemão  pela 
UNISINOS,  Mestre  em  Comunicação  e  Semiótica  pela  UNISINOS, 
doutor em Teoria da Literatura pela PUCRS e pós‐doutor em semiótica 
pela Universidade de Kassel. 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 FUNDAMENTOS DA CRÍTICA ........................................................................... 11 
1.1 Dos limites e fronteiras da crítica ............................................................. 11 
1.2 Origens e fundamentos ............................................................................ 12 
1.3 Características das correntes da crítica ................................................... 17 
Atividades .................................................................................................... 21 
2 A CRÍTICA IMANENTE ..................................................................................... 23 
2.1 O que é imanência? ................................................................................. 23 
2.2 Fundamentos históricos da crítica imanente ............................................ 24 
2.3 Crítica imanente a partir do século XX ...................................................... 26 
Atividades .................................................................................................... 32 
3 SOCIOCRÍTICA ............................................................................................... 34 
3.1 Crítica literária e crítica sociológica ........................................................ 35 
3.2. O que é Sociocrítica? ............................................................................. 36 
3.3 As bases da sociocrítica .......................................................................... 39 
3.4 Importância da sociocrítica ..................................................................... 39 
Atividades .................................................................................................... 40 
4 Estudos Culturais .......................................................................................... 42 
4.1 Origem dos estudos culturais ................................................................... 43 
4.2 Migração dos estudos culturais britânicos para os Estados Unidos ............ 44 
4.3 A questão da identidade cultural ............................................................. 45 
 
 
 
8 
4.4 Diáspora ................................................................................................. 46 
4.5 Grupos étnicos ........................................................................................ 46 
4.6 Multiculturalismo ................................................................................... 47 
4.7 Aplicabilidade dos estudos culturais ........................................................ 48 
Atividades .................................................................................................... 49 
5 ESTÉTICA DA RECEPÇÃO ................................................................................ 51 
5.1 Alguns pressupostos teóricos da Estética da recepção .............................. 51 
5.2 A história sem fim: uma análise do processo de leitura .............................. 53 
5.3 O narrador .............................................................................................. 56 
5.4 O leitor ................................................................................................... 58 
5.5 O processo de leitura ............................................................................... 60 
5.6 Considerações finais ............................................................................... 60 
Atividades .................................................................................................... 61 
6 CRÍTICA GENÉTICA ......................................................................................... 63 
6.1 A crítica genética no Brasil ...................................................................... 63 
6.2 O manuscrito .......................................................................................... 64 
6.4 O rascunho ............................................................................................. 66 
6.5 Crítica Genética e Semiótica ................................................................... 68 
Atividades .................................................................................................... 72 
7 LITERATURA E PSICANÁLISE ........................................................................... 74 
7.1 Freud e a linguagem simbólica ................................................................. 75 
7.3 Os sonhos de Dora, uma demonstração. ................................................... 80 
Atividades .................................................................................................... 83 
8 Crítica e Existencialismo ................................................................................ 85 
8.1 Algumas questões preliminares ............................................................... 85 
8.2 O que é o existencialismo, afinal? ............................................................ 86 
8.3 Arte e literatura ...................................................................................... 87 
 
 
9 
8.4 Jean-Paul Sartre: Vida e obra ................................................................... 88 
8.5 Uma proposta de periodização ................................................................. 89 
8.6 A existência precede a essência .............................................................. 90 
8.7 Liberdade e angústia ............................................................................... 92 
8.8 Sartre: as artes e a literatura ................................................................... 93 
Atividades .................................................................................................... 95 
9 Cinema e literatura ........................................................................................ 97 
9.1 As Origens .............................................................................................. 97 
9.2 Áreas de contato ..................................................................................... 98 
9.3 Brevíssima história do cinema ................................................................. 99 
Atividades .................................................................................................. 105 
10 CRÍTICA E INTERSEMIOTICIDADE ................................................................ 107 
10.1 O que é semiótica? .............................................................................. 107 
10.2 Signos icônicos e convencionais .......................................................... 108 
10.3 Interartes ........................................................................................... 110 
10.4 Literatura enquanto signo ................................................................... 112 
10.5 Literaturahipertextual ........................................................................ 115 
Atividades .................................................................................................. 117 
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 119 
GABARITO ...................................................................................................... 123 
 
 
 
 
 
 
 
1 FUNDAMENTOS DA CRÍTICA 
Débora Teresinha Mutter da Silva 
O  objetivo  deste  capítulo  é  apresentar  uma  visão  panorâmica,  bem 
como uma síntese do funcionamento da crítica ao  longo de sua histó‐
ria. Ao mesmo tempo, permitirá ao aluno, a partir dos dados elementa‐
res  e  referências,  um  passo  inicial  para  aprofundar  o  conhecimento 
dessa prática. 
Ao iniciarmos o estudo da crítica, necessitamos, previamente, conhecer 
seus  limites,  suas  áreas de  abrangências  e  suas  fronteiras, pois  essas 
são as distinções mais importantes (WELEK, p.37 2003). Posteriormen‐
te, para empreendermos a prática da crítica precisamos definir o nosso 
objeto de estudo. Desse modo, garantiremos um mínimo de segurança 
e autonomia, para escolhermos os nossos métodos de trabalho. 
1.1 Dos limites e fronteiras da crítica 
A crítica caracteriza‐se como uma das três grandes áreas que embasam 
e definem os estudos literários: a teoria, a crítica e a história literária. 
A opção por situá‐la entre a teoria e a historiografia não é causal. Deve‐
se  à  sua  natureza,  em  certa medida,  ambivalente. A  aproximação  a 
qualquer uma dessas áreas de estudo exige o prévio deslindamento de 
suas fronteiras, de suas especificidades e de seus potenciais com rela‐
ção às demais. De qualquer forma, permeia o nosso percurso expositi‐
vo a convicção de que o isolamento entre elas é mais abstrato que efe‐
tivo como veremos na sequência deste capítulo. 
Sem problematizar excessivamente o debate em  torno das atribuições 
de  cada uma, pois  este material destina‐se a  alunos de graduação, o 
objetivo é  introduzir as noções  fundamentais e  indispensáveis para o 
sereno desenvolvimento da disciplina. Por essa razão, desobriga‐se da 
enumeração exaustiva de conceitos, embora se oriente pela exposição 
sistemática de suas noções elementares. Desse modo, sua ambição é ser 
um guia basilar mínimo para o aprofundamento de futuros estudos. 
 
 
 
12 
Para começar, podemos lembrar que a literatura no sentido amplo está 
inserida em duas ordens: a sincrônica e a diacrônica. A ordem sincrô‐
nica diz respeito aos acontecimentos e à existência de eventos e obras 
em um mesmo  tempo. É a ordem que observa a  simultaneidade dos 
fatos1, ou seja, do surgimento das obras e seus efeitos em um mesmo 
tempo e/ou lugar. A ordem diacrônica, ao contrário, refere‐se aos even‐
tos dispostos em uma ordem sequencial, ou seja, alinhadas no decorrer 
do  tempo  e  vinculadas  ao  processo  histórico  que  organiza  os  fatos 
humanos (WELLEK, 2003). 
Por essa mesma razão, constamos que o interesse pela ordem diacrôni‐
ca caracteriza os estudos da área da história literária. É a prática dos 
estudos literários que, geralmente, adota, o critério causalista típico da 
prática histórica para a periodização dos fatos. Já os estudos de caráter 
sincrônicos  dedicam‐se  às  obras  isoladas  ou  em  séries  específicas  a 
partir de critérios analógicos. Suas  finalidades, embora possa parecer 
um  tanto  redutor,  são preliminarmente descrever,  classificar  e deter‐
minar o valor estético. Em um segundo momento, os resultados desse 
processo inicial podem servir às outras duas áreas de estudos: a teoria 
ou a crítica. Por essa razão, tais práticas se definem como teoria e críti‐
ca respectivamente. A  teoria vai deter‐se mais na descrição dos  fenô‐
menos literários e na sua classificação com base nas teorias já existentes 
ou  no  sentido  de  ultrapassá‐las  como  todo  processo  científico.  Já  a 
crítica, entre um considerável número de probabilidades, vai buscar o 
estabelecimento de critérios de comparação e valor, tentando contribu‐
ir para o enriquecimento das interpretações literárias e seus nexos com 
a sociedade e com a tradição literária. 
Porém, o  isolamento  total entre as  três áreas  também não é  rigoroso, 
havendo uma  interdependência. Esta decorre da  complementaridade 
que  os métodos  e  a  própria  complexidade  da  literatura  promovem, 
pois  a  arte  literária,  embora  autônoma,  nunca  está  desvinculada  da 
história, do contexto social e intelectual ou mesmo das ordens discur‐
sivas que regem as sociedades e a vida humana em geral. 
1.2 Origens e fundamentos 
A definição da palavra crítica pode começar pela etimologia do termo 
e sua evolução histórica. Ela nos orientará, inserindo‐nos nesse interes‐
                                                                  
1 A história se ocupa de registrar fatos, eventos comprováveis. Para a historiografia da literatura um fato 
pode ser tanto o surgimento de um livro, sua reedição, sua fortuna crítica, sua classificação num critério de 
valor, sua classificação dentro de um movimento literário, etc. Quaisquer desses eventos podem ser 
considerados fatos literários. Naturalmente, a historiografia poderá deixar de fora ou omitir 
acontecimentos que futuros literários tornem dignos de entrar para a História Literária de um país. Vem 
daí a noção de que um fato histórico é apenas uma construção humana e, portanto, falível. 
 
 
13 
sante e movediço universo que caracteriza a área mais complexa dos 
estudos literários, como veremos na sequência deste capítulo.  
O termo crítica possui um significado prosaico e outro técnico. O sen‐
tido prosaico tem uma reconhecida carga negativa e outra que remete 
aos comentários veiculados em jornais e revistas sobre objetos e even‐
tos artísticos. 
Porém,  quando  se  trata do  sentido  técnico,  a palavra  adquire  vários 
nuances  que  dependem  da  área  ou  da  finalidade  à  qual  é  aplicada. 
Tendo  em  conta  essas questões. A base  etimológica  é o  termo grego 
Kritikê, que significa arte de  julgar, de criticar, arte  crítica, que derivou 
para o adjetivo  latino  critìcus  e  também  como  substantivo  critìca que 
significa ʹapreciação, julgamentoʹ.  
Nesse sentido, era aplicado às mais diversas finalidades.  
Para nós, o alvo resolve‐se com o adjetivo “literária”, pois, via de regra, 
adotamos a expressão como seu adjetivo: crítica  literária. Mas, na sua 
evolução histórica, o termo teve, primeiro,  influência do francês, criti‐
que, e depois do inglês criticism, envolvendo sempre a arte de avaliar e 
julgar produção literária, artística ou científica. 
O que não podemos perder de vista é que esse percurso histórico da 
palavra, nos respectivos idiomas referidos, informa também e em certa 
medida sobre as influências de diferentes correntes teóricas e sobre os 
desdobramentos da prática crítica como área do saber e como um fazer 
indispensável à sobrevivência e valorização da arte  literária no ofício 
dos profissionais com ela envolvidos.  
É a partir daqui que precisamos agregar, às noções de ordem sincrôni‐
ca  e  diacrônica,  típicas  da  literatura,  o  segundo  critério  distintivo. 
Trata‐se da diferenciação entre 
 o estudo dos princípios e critérios da literatura e 
 o estudo das obras literárias concretas. 
Tais distinções independem de estudarmos as obras literárias isolada‐
mente ou em uma série cronológica. 
Dentro desse cenário, no qual se inscreve o exercício da crítica, o ponto 
de discórdia gravita em torno da subjetividade. O conflito está no fato 
de  a  teoria  e  a  história  da  literatura  reivindicarem  status  de  ciência 
imparcial, enquanto, sobre a crítica, recaem desconfianças de persona‐
 
 
 
14 
lismo  e  de  falta  de  isenção  no  julgamento  por  parte  daquele  que  a 
realiza. 
Da Antiguidade até a Idade Média,o exercício da crítica era indiferen‐
te a esses questionamentos, pois não existia  como atividade definida 
no  âmbito  de  uma  área  específica  do  conhecimento  humano.  Foi  a 
partir do século XIX, com a segmentação do conhecimento em discipli‐
nas,  que  a  Literatura  separou‐se  da História  e  da  teoria. O mesmo 
processo histórico que iniciou com o Iluminismo2 e com o positivismo3 
acabou gerando os conflitos entre os saberes científicos e os saberes ou 
as ciências menos “duras” (filosofia, psicologia, sociologia). Entretanto, 
desde o século XIX até os dias atuais, muitas convicções em  torno da 
linguagem verbal e, em especial da escrita,  foram  relativizadas. Con‐
tribuiu para  isso o avanço  teórico nas áreas afins, o próprio processo 
histórico global, as relações entre as diferentes disciplinas e as formas 
de expressão artísticas que  insistem em dialogar e mostrar que nada 
precisa ser excluído das ações e do pensamento humano. 
Sobre  essa  realidade, gravita  a  ideia de que nenhuma  ação humana, 
máxime a prática crítica, por mais aparentemente imparcial, é isenta de 
algum  grau  de  subjetividade  e  de  discursividade  (Todorov,  1980). 
Mesmo o critério de um historiógrafo da literatura, ao incluir determi‐
nadas obras na periodização  literária de um país e não outras, ou de 
um teórico, ao escolher determinado critério para detectar certos prin‐
cípios, ou de um crítico ao escolher certa obra para trabalhar, é deter‐
minado por algum grau de subjetividade. 
Sob a acusação de subjetivismo pouco confiável, a crítica sofreu certo 
desprestígio  com  relação à  teoria e à historiografia  (práticas  resguar‐
dadas por um saber científico), devido ao afã cientificista. Porém, com 
o  aporte de  outras  áreas do  conhecimento  (linguística,  antropologia, 
psicologia,  sociologia,  etc)  ela  conseguiu  colocar‐se  a  salvo  de  seus 
detratores e  também das práticas “impressionistas”. Atualmente, esse 
desprestígio  tem mais  valor  histórico  como  podemos  acompanhar  a 
partir das diversas  etapas  e  correntes  que  orientaram  o  fazer  crítico 
desde o seu  surgimento. O percurso mostra que a crítica  saiu de um 
espaço que suscita questionamento e dúvida para um lugar de prestí‐
                                                                  
2 O Iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII, que o caracterizou como o Século das 
Luzes. Suas marcas eram a centralidade na ciência e da racionalidade crítica e no questionamento 
filosófico. Tudo isso implica recusa a todas as formas de dogmatismo. Foi a base de doutrinas políticas, 
religiosas e filosóficas. Está relacionado às luzes do saber, à ilustração, ao esclarecimento, ao 
conhecimento. 
 
3 O positivismo foi uma sistema criado por Auguste Comte (1798‐1857) e desenvolvido por inúmeros 
seguidores. Seu objetivo era ordenar as ciências experimentais, considerando‐as o modelo por excelência 
do conhecimento humano, em detrimento das especulações metafísicas ou teológicas. 
 
 
15 
gio e muito ambicionado por aqueles que se envolvem com literatura e 
sua interpretação. E tudo isso foi possível, precisamente, por evidenci‐
ar‐se  a  crítica  como  uma  arte  tão  consciente  de  suas  peculiaridades 
quanto de seus limites e potencialidades. 
Não raro, ouve‐se dizer que a missão da crítica é julgar o que é bom, o 
que  é  realmente  arte.  Porém,  por  detrás  dessa  proposição  aparente‐
mente frívola há um  intenso  labor técnico de análise  interpretativa. O 
crítico  interpreta  todo o  contexto,  todas  as direções  e  todos vínculos 
aos quais uma obra de arte literária está ligada e aos quais ela diz res‐
peito. E nisso conjugam‐se duas vidas, a do autor e a do próprio críti‐
co, mas também a de uma sociedade por inteiro. Desde as representa‐
ções sociais, psíquicas, estéticas e outras inerentes à realidade humana 
até as afetivas estão contidas na literatura, constituem a nobre matéria 
que  o  crítico,  a partir da  obra,  interpretará  no  seu profundo  esforço 
humano de contribuir para o avanço das sociedades e de suas respec‐
tivas circunstâncias e épocas. Dentro desta perspectiva, podemos esta‐
belecer o seguinte gráfico: 
 
É  nesse  sentido  que  o  trabalho  do  crítico  como  leitor  privilegiado  e 
consciente de  sua  função devolve  tanto  à  sociedade  como  à  própria 
literatura  a  sua  contribuição. Ele pode  auxiliar os  agrupamentos hu‐
manos no processo de conhecimento de si mesmos e revelar estratégias 
adotadas pelos próprios artistas que, assim poderão empreender modi‐
ficações em suas  futuras criações. Essa é uma das  ideias previstas na 
estética da recepção sob o conceito de “circuito comunicativo”, quando 
a  recepção  entendida  como  noção  estética,  torna‐se  um  “ato de  face 
dupla”. Dentre os vários modos de  reação, o  leitor  crítico  (ativo)  ele 
pode  “assumir  ima  interpretação  reconhecida”  ou  “apresentar  uma 
nova obra”, estabelecendo uma dinâmica interacional. Esse dinamismo 
entre  a  crítica  a  arte  literária  e  a  sociedade  lhe dá  um  sentido  além 
fronteiras da  literatura  (NITRINI,  1997). Mas,  sem dúvida, o  sentido 
maior  da  crítica  está  na  expansão  da  própria  linguagem  literária  a 
partir de um outro campo, que acaba atuando de forma muitas vezes 
inesperada sobre o campo literário. 
Distinguir os períodos, ou  seja, a própria história da  crítica  serve de 
iniciação e auxilia o estudante a entender e fixar suas convicções sobre 
o  conhecimento  crítico,  auxiliando‐o  na  elaboração  de  suas  escolhas 
metodológicas  tanto  em  suas pesquisas  como  na  elaboração de  suas 
 
 
 
16 
aulas. O domínio desse saber permite, além de entender como a crítica 
se estabelece e evolui, perceber o foco de valorização, a cada etapa, em 
algum dos elementos apresentados na tríade apresentada anteriormen‐
te: Autor  – Obra  –  Leitor. Circunstância  que  reforça  a  ideia  de  que 
períodos diferentes nutrem concepções e convenções críticas diferentes 
(WELLEK, 2003) 
As diversas tendências críticas tendem a priorizar um desses elemen‐
tos,  considerando‐se  que,  quando  se  trata  de  enfatizar  o Autor  e  o 
Leitor,  inserem‐se também seus universos ou contextos. Falar em mé‐
todo crítico pressupõe, necessariamente, um tipo de análise. A análise 
é a etapa que antecede à crítica. Não há crítica sem análise. É possível 
elaborar a análise de uma obra  sem  formular uma  crítica. Porém,  ja‐
mais elaboraremos uma crítica sem uma boa análise. Se assim for, não 
é crítica; é mera opinião, embora como  já  foi dito acima, seja sempre 
difícil evitar algum grau de subjetividade. Mas a importância da análi‐
se é vista desde Aristóteles, pois o grego  jamais teria elaborado a sua 
Poética  se  não  tivesse  procedido,  antes,  uma  profunda  e  exaustiva 
análise da tragédia e da epopeia grega. Foi a partir daí que teve inicio o 
arcabouço  teórico que  até hoje nos orienta. Portanto,  ao  falarmos de 
correntes, estaremos falando dos métodos de análise e suas bases teóri‐
cas específicas de acordo com as correntes disponíveis. 
A  classificação de  correntes e etapas poderia  transformar‐se em uma 
enorme  lista de nomes, dadas as variadas ênfases adotadas ao  longo 
dos últimos 100 anos. Porém, para racionalizar a exposição, seleciona‐
mos as correntes de maior visibilidade que são a: 
 Biográfica (Séc. XIX) 
 Determinista 
 Impressionista 
 Formalista (Séx. XX) 
 Estilística 
 Nova Crítica 
 Estruturalista/semiótica 
 Sociológica 
 Psicanalítica 
 
 
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 Semiótica 
 Estética da Recepção 
 Genética 
 Interdisciplinar: literatura e cinema 
 Cultural 
Cada uma delas está relativamente ligada às teorias de outras áreas do 
conhecimento (ciência, filosofia, política, etc.) e correspondem ao pen‐
samento e às  convicções  teóricas de uma época. Constata‐se, a partir 
das  característicasde  cada  uma  das  etapas  e  de  suas  abordagens,  a 
prevalência  de movimentos  reativos  em  contraposição  aos métodos 
adotados  no  período  anterior.  Como  veremos  a  seguir,  concorrem 
nessa disputa aquelas que podem ser agrupadas sob o título de corren‐
tes  textualistas  e  as  correntes  contextualistas. Considerando  a  tríade 
autor‐obra‐leitor, vemos que as textualistas centram‐se na obra, consi‐
derando exclusivamente o que está no  texto, atendo‐se aos elementos 
linguísticos.  Já  as  correntes  contextualistas  distribuem  sua  atenção 
entre os demais elementos da tríade autor,  leitor e contexto em geral, 
ou seja, todos os elementos extratextuais. Outro aspecto a observar nos 
ciclos da crítica é a origem das correntes. Inicialmente, há predominân‐
cia  de  teóricos  franceses,  posteriormente,  uma  força  significativa  de 
russos, seguidos de norte‐americanos. 
1.3 Características das correntes da crítica 
A partir daqui, apresentamos uma síntese dos aspectos mais relevantes 
das  correntes  mais  antigas:  biográfica,  determinista,  impressionista, 
formalista, estilística, nova crítica, estruturalista, sociológica e psicana‐
lítica. Primeiro pelo valor histórico e pela contribuição que deram para 
a evolução do pensamento e do fazer crítico. Mas, em especial, porque 
elas não serão aprofundadas ao longo dos demais capítulos, que serão 
dedicados às práticas mais contemporâneas. 
A crítica biográfica foi um dos primeiros critérios adotados para expli‐
car  as  obras  literárias.  Destaca‐se  como  crítico  nessa  fase  o  francês 
Sainte‐Beuve. Ele  teve grande  força durante o  romantismo  e  tentava 
interpretar a obra pela biografia do autor, mas mostrou‐se insuficiente 
e  frágil  com  o  advento do positivismo, por  toda  a  carga  cientificista 
que estimulou o período do Realismo.  
 
 
 
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Foram  estes  os  fatores  que  fortaleceram  a  crítica  determinista,  que 
considerava a obra literária como produto da relação entre o homem e 
o seu meio (condições sociopolíticas e naturais). Prevaleciam a raça, o 
meio e o momento como fundamentais do período  literário que ficou 
conhecido como naturalismo. O maior defensor dessa abordagem, que, 
apesar  da  base  cientificista,  tinha  fortes  matizes  sociológicos,  foi  o 
também francês Hippolyte Taine. 
Porém, no final do século XIX, o excesso de objetividade gerou adver‐
sários a esse pensamento, e ressurge uma tendência a valorizar a subje‐
tividade. Foi  essa  atitude que  estimulou o  surgimento da  crítica  im‐
pressionista, na qual o crítico seguia  livremente seus  impulsos e des‐
cobertas pessoais. Alguns dos maiores defensores dessa corrente eram 
também  escritores  (Virgínia Woolf  e  Anatole  France).  A  ênfase  na 
personalidade do crítico, porém, não durou muito e, na segunda déca‐
da do século XX, a reação veio do Leste Europeu com os Formalistas 
russos.  
No início do Século XX, o Círculo Linguístico de Moscou, reagindo ao 
excesso  de  variantes  extratextuais  e  subjetividade  na  avaliação  das 
obras literárias, busca imparcialidade na linguística. Os teóricos russos 
criaram  um movimento  caracterizado  pela  recusa  de  elementos  que 
não estivessem estritamente formalmente na obra. Um grupo de estu‐
diosos baseados exclusivamente na forma artística adotou um método 
descritivo e morfológico, que ficou conhecido como crítica formalista. 
O critério de julgamento era exclusivamente linguístico, para definir a 
literariedade  nas  obras  literárias.  Privilegiando  a  busca da  estreita  e 
coincidente  relação  entre  o  fundo  e  forma  na  criação  de  uma  ima‐
gem/visão, os  formalistas buscavam o desvio  criativo, o  estranhamento 
no  efeito  estético.  Tal  estranhamento  era  desejável,  pois  supunha  a 
ruptura do automatismo da  linguagem ordinária. A crítica  formalista 
está  embasada  nas  teorias  de  vários  estudiosos  que  se  dedicaram  a 
explorar conceitos e  técnicas de análise das categorias  literárias:  ima‐
gem (Chkloviski), tema, fábula, trama, motivo, motivação, herói, espa‐
ço,  tempo, gêneros  (Tomachevski); análise estrutural e  função  (Vladi‐
mir Propp); teoria da prosa, romance (Eikhembaum); evolução literária 
(Tynianov) e análise fonológica da poesia (Jakobson). 
Mais ou menos simultâneo a  isso e amparada pelo modelo saussuria‐
no,  também de base  linguística, surgiu a crítica estilística4. A dicoto‐
                                                                  
4 Um fato de estilo se dá a conhecer antes de tudo pelo seu modo de existência no texto e analisá‐lo exige 
uma atitude interdisciplinar, devido à complexidade de aspectos que se conjugam. Bally baseou a 
estilística ou a noção de fato estilístico nas expressões de afetividade, observando a sinonímia que, 
posteriormente, ficou a cargo da Semântica. Spitzer o vinculou tanto aos sentimentos quanto ao 
pensamento. A contribuição da Linguística com técnicas para análise das relações paradigmáticas 
 
 
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mia  langue/parole5  é a  sua base, observando as manifestações afetivas 
da  língua  como  determinantes  de  um  estilo.  Há  uma  estilística  da 
langue e uma da parole. A obra é vista como uma totalidade estruturada 
organicamente  na  qual  entram  em    jogo  as  manifestações  afetivas, 
reveladas pelo estilo adotado. É nesse momento que o psicologismo do 
autor e o biografismo acabam sendo novamente uma ameaça às tenta‐
tivas de imparcialidade do método linguístico, pois a análise estilística 
parte  de  uma  intuição  e  da  sensibilidade do  crítico  que  se  encontra 
com a intuição do autor. Os nomes mais destacados no seu surgimento 
foram o linguista francês Charles Bally, os alemães Karl Vossler, e Leo 
Spitzer e o espanhol Dámaso Alonso. 
A nova crítica foi a reação vinda dos Estados Unidos (Escolas do Sul – 
Kenneth Burke entre outros) contra os métodos metafísicos e  subjeti‐
vos da crítica impressionista e intuitiva. Caracterizou‐se pelo academi‐
cismo científico e metodológico. Nela, predomina a exploração micros‐
cópica  do  texto  para  revelar  as  suas  imanências. Nada  que  lhe  seja 
exterior  é  considerado  (contexto, história, biografia). Nessa  etapa, há 
predominância do mundo acadêmico na prática crítica. O professor é 
visto como um pesquisador na superação da dicotomia fundo e forma. 
Contudo, isso gera dois novos riscos à almejada imparcialidade cientí‐
fica, pois a interpretação ontológica e hermenêutica, que busca a essên‐
cia  insere  a  ameaça  do  viés  romântico  e  impressionista.  Também  a 
noção de extensão x intenção (que pertence ao autor) como geradora da 
tensão poética, devolve, em parte, um viés romântico e impressionista 
aos  estudos.  Por  outro  lado,  a  interpretação  sociológica  ou  histórica 
extrapola os limites do texto. 
É neste cenário que surge a crítica estruturalista. Conjugando e ampli‐
ando a herança dos métodos e  conceitos  formalistas e da  linguística, 
sua base é a noção saussuriana de estrutura e sistema de relações entre 
elementos  solidários  e  interdependentes  na  obra. A  noção  de  desvio 
                                                                                                                                 
(Jakobson) e sintagmáticas (Riffaterre) sistematizou as implicações teóricas sobre as propriedades da 
linguagem. O fato estilístico atinge o leitor de uma ou de outra maneira, seja porque é demasiado 
frequente, seja porque é injustificado em seu contexto, seja porque é  desmesuradamente acentuado, etc. 
Em qualquer caso, em todo enunciado linguístico há um certo número de leis, relações e imposições que 
não se explicam pelo mecanismo da língua, mas unicamente pelo mecanismo do discurso. Isso ocorre 
porque o texto é um sistema conotativo secundário relativamente a outro sistema de significação que lhe é 
exterior e anterior. Ao mesmo tempo, essa parcela discursiva impõeàs reflexões a presença da função 
retórica de qualquer texto, redividindo os estudos em Poética, cujo objeto seria o discurso literário, e 
Estilística, cujo objeto seria todos os discursos; domínio da antiga elocutio da Retórica. A partir dessa 
evidência, o estudo de Wayne Booth sobre a retórica da ficção adquire importância. 
 
5 A oposição conceitual entre langue e parole, ou seja, entre língua e fala foi estabelecida por Ferdinand 
Suassure. A língua é o código linguístico, signos isolados (palavras morfemas) ou conjuntos de signos 
representativos dos sons e seus respectivos sentidos particulares. Enquanto a fala é a utilização, o emprego 
deste(s) código pelos sujeitos falantes de uma comunidade. É o uso que cada um faz da língua. Assim, diz‐
se que a língua é um fenômeno social, enquanto a fala individual. (DUCROT; TODOROV, 1972) 
 
 
 
20 
volta a ter importância a partir de Jean Cohen. Outros nomes destaca‐
dos  são  Tzvetan  Todorov  (categoria  narrativas  e  discurso),  Roman 
Jakobson  (funções da  linguagem)  e Roland Barthes  (funções  narrati‐
vas).  
Essa  ausência  de  consideração  contextual  originou  uma  reação  de 
críticos  de  orientação  marxista,  fazendo  com  que  o  contexto  social 
ganhasse relevância, dando surgimento à crítica sociológica. Para ela 
,o  romance é a  forma privilegiada de análise e a obra é vista como o 
resultado de um momento e de uma realidade social como consciência 
coletiva. Os nomes mais destacados  são  Jorge Lukács e Lucien Gold‐
mann. 
Na crítica psicanalítica, o crítico como leitor fala não da obra, mas do 
que nela afetou o seu próprio sistema. Ela intensifica suas origens com 
as  teorias de  Jacques Lacan  sobre o pensamento  freudiano  e  sobre  a 
linguagem. Sua base é a teoria do espelho que reflete o avesso da reali‐
dade. O  instinto,  o  simbólico,  o  imaginário,  a  fantasia  o  desejo,  e  o 
desejo do Outro  são  as  noções  que  se  articulam para  o  crítico  nesta 
seara. 
Segundo Wellek e Warren  (2003), há distinções óbvias e de aceitação 
ampla. Uma delas é que  , “a  teoria  literária é  impossível, exceto com 
base em um estudo de obras  literárias  concretas,ou  seja, o acervo da 
historiografia. Isso porque, é “impossível chegar a critérios, categorias 
e  esquemas  analíticos  in  vacuo”  (p.38). Do mesmo modo, um  estudo 
crítico totalmente  isolado das outras duas áreas pode tornar‐se estéril 
do pondo de vista social.  
O  que  precisamos  reter  de  todas  as  etapas  e  respectivos  aspectos  e 
enfoques da crítica é sua tripla função: estética, teórica e social. Estética 
porque, em princípio, ela se volta, primeiramente, para o valor artístico 
das  obras  literárias.  Porém,  via  de  regra,  isso  não  ocorre  sem  uma 
sólida base  teórica e sem os aportes da história da  literatura), para as 
quais  ela  também  irá  contribuir.  Essa  espécie  de  retro‐alimentação 
mostra a importância da critica para a sobrevivência da própria litera‐
tura. Afinal, é o exercício da crítica, em especial a acadêmica, que mo‐
vimenta e alimenta as produções teóricas. Atualmente, a intrasponibi‐
lidade  que  havia  entre  o mundo  acadêmico  e  a  cultura  popular  e  a 
imprensa  está  reduzido. É  frequente  encontrarmos  estudos  sérios de 
professores e pesquisadores em que  jornais e revistas dediquem pági‐
nas  a  estudos  críticos.  Essa  retroalimentação  que  envolve  o  público 
está instaurando um novo paradigma sobre as relações da crítica com 
as obras literárias. Contudo, numa realidade em que a demanda visual 
 
 
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e midiática  tem  urgência,  é  fácil  imaginar  que,  sem  crítica,  as  obras 
correm o risco de caírem no esquecimento. 
Por outro  lado, é preciso estar alerta sobre as  fontes, os critérios e os 
autores das elaborações críticas. As  interpretações e os desvendamen‐
tos que uma crítica sólida e bem embasada podem trazer à luz exercem 
uma pressão social considerável tanto na perspectiva do público leitor 
quanto na dos próprios artistas contemporâneos, que nunca são insen‐
síveis a ela. Circunstância que pode alimentar reflexões e autocríticas 
em vários níveis. 
Essa é a tônica que motiva e  justifica a prática crítica, pois a literatura 
contém em si o mundo, e a crítica o observa a partir desse lugar privi‐
legiado que é a ficção. 
Atividades 
1) Assinale  a  alternativa  verdadeira  nas    opções  abaixo  quanto  às 
origens da crítica. 
a) A crítica como nós a conhecemos hoje, teve início com Aristó‐
teles. 
b) Foram os formalistas que realizaram os primeiros estudos crí‐
ticos. 
c) No  final do  século XIX,  a  crítica  adquiriu  independência de 
outras áreas. 
d) A crítica impressionista é a mais praticada desde sempre. 
 
2) Assinale a alternativa verdadeira sobre as correntes da crítica. 
a) As correntes são definidas por um grupo de críticos prestigi‐
ados. 
b) As correntes da crítica são sensíveis a outras áreas do saber. 
c) As correntes da crítica nunca se opõem entre si. 
d) As correntes da crítica pertencem a seus respectivos países. 
 
3) Assinale a alternativa verdadeira sobre as tendências da crítica. 
a) As tendências da crítica são aleatórias e dependem do crítico. 
b) As tendências mais importantes são as contextualistas. 
c) As tendências tendem a enfatizar ora o autor, a obra ou o lei‐
tor. 
d) Apenas as tendências que valorizam a obra são confiáveis. 
 
4) Assinale a alternativa correta sobre tipos de correntes críticas. 
a) Os tipos de críticas distribuem‐se em três grandes grupos. 
b) As correntes textualistas ignoram o leitor e o autor. 
 
 
 
22 
c) As correntes textualistas nunca são imanentistas. 
d) As correntes contextualistas consideram apenas a obra. 
 
5) Assinale  a  alternativa mais  adequada  com  relação  à  função  da 
crítica. 
a) Deve difundir o entendimento e as emoções do crítico. 
b) Interpretar criticamente as obras com métodos e recursos teó‐
ricos. 
c) Libertar a subjetividade e definir o que é que tem valor estéti‐
co. 
d) Estimular o mercado literário indicando o que deve ser lido. 
 
 
 
 
 
2 A CRÍTICA IMANENTE 
Edgar Roberto Kirchof 
Neste capítulo, você estudará, de modo bastante panorâmico, algumas 
teorias  da  crítica  que  permitem  realizar  uma  reflexão  sobre  a  obra 
literária predominantemente a partir de suas estruturas imanentes, ou 
seja, a partir de critérios  internos à própria obra. Esse  tipo de crítica, 
portanto, prioriza reflexões em torno de questões ligadas às caracterís‐
ticas da  linguagem  literária  e da  composição, por vezes, procurando 
estabelecer critérios linguísticos para o valor literário. Aspectos ligados 
ao  contexto  social,  cultural  e  histórico  que  circundam  autor,  leitor  e 
representações  da  própria  obra,  nessa  perspectiva,  geralmente  são 
considerados secundários. 
2.1 O que é imanência? 
O  termo  imanente  remonta  à  teoria  filosófica  de  Immanuel Kant,  no 
século XVIII. Em sua Crítica da razão pura, Kant estabeleceu uma dife‐
renciação entre duas  faculdades do  conhecimento: o  entendimento, de 
um  lado, e a razão, de outro. Para Kant, ao passo que o primeiro nos 
fornece  conhecimentos  a  partir  do  próprio mundo  empírico  em  que 
vivemos, a segunda nos permite chegar a certas conclusões, baseando‐
nos, para tanto, em princípios buscados já a partir das regras abstratas 
produzidas pelo entendimento. Seguindo essa divisão, Kant chegou à 
conclusão  de  que  o  conhecimento  lógico  e  conceitual  (que  hoje  nós 
denominaríamos,  talvez,  de  conhecimento  científico)  decorre  do  en‐
tendimento, ao passo que nossos conhecimentos sobre a moral e a ética 
(sobre o que é bom ou mau, certo ou errado), por sua vez, ancoram‐se 
na razão. 
Em  outros  termos,  o  entendimento  necessita  da  experiência  dos  objetos 
como fundamento. A razão, por sua vez,  inicia seu processo cognitivo 
já  com  as  regras  fornecidas  pelo  entendimento,a  partir  das  quais  é 
 
 
 
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possível  realizar  conclusões.1 Nesse ponto, Kant  afirma que  todo  co‐
nhecimento ligado ao entendimento é imanente, pois é buscado a partir 
da análise dos próprios objetos empíricos, ao passo que todo conheci‐
mento ligado à razão é transcendente, pois provém de um domínio que 
está além das determinações da natureza observada, apontando para o 
indeterminado. 
2.2 Fundamentos históricos da crítica imanente 
No contexto da crítica  literária e da  teoria da  literatura, o  termo  ima‐
nência é geralmente utilizado para caracterizar  teorias que restringem 
seu  campo  de  análise  a  aspectos  que  não  ultrapassam  as  regras  da 
própria  obra  literária. Nesse  sentido,  o  crítico  que  se  guia  por  uma 
concepção imanente procura permanecer no domínio da própria obra, 
compreendendo‐a  como  um  objeto  pertencente  ao  mundo  sensível.  Ao 
invés  de  estudar  aspectos  ligados  ao  contexto  social  e  histórico  (ou 
mesmo psicológico) do  autor  –  e  tampouco do  leitor  –,  esse  tipo de 
crítica busca estabelecer reflexões em torno do valor literário e estético 
da obra a partir da maneira como as regras e as estruturas de composi‐
ção e criação são utilizadas. 
Historicamente, pode‐se dizer que o primeiro pensador a realizar uma 
reflexão imanente sobre a literatura foi o filósofo grego Aristóteles, em 
sua Poética. Em  termos muito  simplificados, Aristóteles estabeleceu a 
verossimilhança e a necessidade  como principais critérios para avaliar a 
qualidade  de  uma  composição  literária,  chegando mesmo  a  apontar 
“defeitos” em algumas obras ou partes de obras, de um lado, e a elogi‐
ar a perfeição com que outras  foram realizadas, de outro  lado. Nesse 
sentido, é conhecida a preferência de Aristóteles pelas peças de Sófo‐
cles, especialmente o Édipo rei, em detrimento das peças de Eurípides, 
sendo que Aristóteles utiliza critérios de composição para realizar seus 
juízos. 
Ao  longo da  história  literária,  os  conceitos  imanentes desenvolvidos 
por Aristóteles, principalmente a versossimilhança, a mimese e a catarse, 
foram  utilizados  por  diferentes  escolas  literárias,  servindo,  muitas 
vezes, como  critérios  restritivos e normativos  imputados aos artistas. 
Essa tendência teve, como primeiro representante, já no século I d.C, o 
romano Horácio, que, interpretando Aristóteles, passou a postular que 
o artista deveria sempre guiar suas produções artísticas pela constru‐
ção de uma harmonia  semelhante  àquela  encontrada na natureza. A 
mimese mais perfeita seria, portanto, aquela que gerasse o maior efeito 
de realidade, fazendo com que o leitor/espectador tenha a sensação de 
                                                                  
1 KANT, 1997, p. 315. 
 
 
25 
que está diante de fatos reais e não ficcionais. Essa seria a lógica neces‐
sária a partir da qual se deve construir a verossimilhança na literatura, 
de  acordo  com Horácio.  Para  tanto,  o  autor  deveria  compor  a  obra 
imitando ações plausíveis de um ponto de vista realista. 
O século XVIII  foi o período em que as concepções  imanentes desen‐
volvidas  por Aristóteles  e Horácio  chegaram  ao  seu  apogeu. Nessa 
época, o crítico francês Jean Chapelain, por exemplo, chegou a afirmar 
que as melhores obras eram aquelas em que a mimese é  tão perfeita 
que  o  leitor/espectador  tem  a  impressão  de  que  não  há  “nenhuma 
diferença entre a coisa imitada e a que imita, pois o principal efeito da 
imitação é apresentar os objetos ao espírito como se fossem verdadei‐
ros  e  presentes,  para  purgá‐lo  de  suas  paixões  desregradas”.2  Vale 
notar que é  justamente no século XVIII que surge, inclusive, uma dis‐
ciplina destinada a estabelecer as regras para a composição das obras 
de arte, de forma que delas se gere o conhecimento e não apenas meras 
ilusões. Trata‐se da disciplina estética, fundada por Alexander Gottlieb 
Baumgarten. No quinto parágrafo de seu livro Aesthetica, por exemplo, 
Baumgarten chega a afirmar que é necessário ditar regras para o pen‐
samento sensível (fonte da imaginação e da fantasia, da qual se serve o 
artista para criar suas obras) a fim de que dele não surjam erros.3 
Por outro lado, é necessário esclarecer que, mesmo no século XVIII, os 
artistas  jamais chegaram a realmente seguir, de forma completamente 
rígida, essas regras  fixas ditadas pela crítica  literária e pela disciplina 
estética. Os melhores  dramaturgos  franceses  dessa  época,  Corneille, 
Racine e Molière, por exemplo, embora tenham seguido as regras aris‐
totélicas  e  horacianas  da mimese  e  da  verossimilhança,  em  termos 
globais, também inseriram certas mudanças, muitas vezes sutis, fazen‐
do uso da liberdade criadora. Nas palavras de Roger, “as obras magis‐
trais  do  classicismo,  a  despeito  de  sua  adequação  global  às  regras, 
foram  frequentemetne  responsáveis  pelo  surgimento  de  cabalas  e 
controvérsias  [...], em decorrência da  liberdade que exibiram na pró‐
pria utilização daquelas regras”.4 
Assim sendo, é importante esclarecer que um exercício de crítica literá‐
ria que  se guia por  critérios  imanentes não deve  tomar  as  regras de 
composição que utiliza para análise  como um  critério absoluto, pois, 
ao  longo da história  literária,  sempre que essa atitude prevaleceu, os 
próprios  artistas  se  encarregaram de  subverter  tais  regras. Ademais, 
mesmo que, até hoje, sejam utilizados, com frequência, conceitos aris‐
                                                                  
2 CHAPELAIN, apud Jérôme Roger, 2002, p. 20. 
3 KIRCHOF, 2003, p. 34. 
4 ROGER, 2002, p. 23. 
 
 
 
26 
totélicos para discutir a composição literária, não existe consenso nem 
entre críticos guiados por concepções imanentes – e muito menos entre 
os artistas – a respeito de quais regras de composição realmente seriam 
capazes de garantir o valor  literário e estético de uma obra. Note que 
os  critérios  imanentes para definir o valor variam muito ao  longo da 
história  da  literatura,  o  que  pode  ser  percebido  facilmente  quando 
avaliamos  as diferentes  escolas  literárias. No Classicismo, por  exem‐
plo,  valorizava‐se  sobremaneira  a  cópia  da  natureza  e  a  imitação  dos 
clássicos, ao passo que, a partir do Romantismo, passaram a ser valori‐
zados principalmente aspectos ligados à liberdade e à criatividade. 
2.3 Crítica imanente a partir do século XX 
O Formalismo Russo 
No século XX, uma das linhas pioneiras no que tange à crítica imanen‐
te foi desenvolvida por um grupo de pesquisadores russos, que, devi‐
do ao fato de priorizarem critérios formais para análise da obra literá‐
ria, passaram a ser denominados de formalistas. Trata‐se de um grupo 
formado em  torno do Círculo Linguístico de Moscou e da Sociedade 
para o Estudo da Linguagem Poética  (OPOIAZ). O  fundamento  ima‐
nentista  dessa  corrente  pode  ser  percebido,  entre  outros,  através  da 
seguinte formulação de um de seus principais representantes, Eicken‐
baum: 
O objeto da ciência literária deve ser o estudo das particularidades específi‐
cas dos objetos literários que os distinguem de qualquer outra matéria, e is‐
to independentemente do fato de, pelos seus traços secundários, esta maté‐
ria poder dar pretexto e direito de a utilizarem noutras ciências como obje‐
to auxiliar.
5 
Uma das principais contribuições do formalismo russo para a crítica é 
o conceito de literariedade, ou seja, o conjunto de todas as características 
formais  e  estruturais  que  determinam  a  singularidade  do  discurso 
literário  em  comparação  com os demais  tipos de discursos  e  lingua‐
gens. Em outros  termos,  trata‐se de uma busca pelas regras da  lingua‐
gem  literária,  aquilo  que permite defini‐la  em  oposição  ao  que  não  é 
literário. De um lado, esse projeto se assemelha aos projetos já realiza‐
dos anteriormente porAristóteles, Horácio e outros críticos  interessa‐
dos nas características imanentes do fenômeno literário. De outro lado, 
contudo, os formalistas deram início a um procedimento diferenciado, 
na medida em que buscaram, primeiro, na linguística e, posteriormen‐
te, na semiótica, os fundamentos teóricos a partir dos quais pretendiam 
                                                                  
5 EIKHENBAUM, 1999, p. 37. 
 
 
27 
investigar os processos formais de composição e de evolução das for‐
mas literárias. Dentro desse contexto, um dos formalistas mais influen‐
tes, sem dúvida, foi Roman Jakobson. 
Roman Jakobson 
Apesar de ser hoje geralmente mais conhecido por suas descobertas no 
campo  da  linguística  (especialmente  sua  definição  do  fonema  e  das 
funções da linguagem), Jakobson, em sua atividade intelectual, sempre 
esteve fortemente ligado aos estudos da literatura e, de forma não tão 
intensa, de outras artes, como a pintura e o cinema. De fato, Jakobson 
sustenta a tese de que não há razão para separar literatura e linguística: 
se a primeira constitui a arte da criação verbal, a segunda é, por exce‐
lência, a ciência encarregada de estudar a linguagem verbal, em todas 
as suas manifestações.  
Jakobson foi amigo pessoal de artistas como Khliébnikov, Maiakovski, 
Maliévitch,  sendo que o grupo OPOIAZ  (1914‐5), que ajudou a criar, 
também contava com a participação de Pasternak, Mandelshtam, Assi‐
éiev, além do próprio Maiakovski. Na década de 20, quando já atuava 
no  Círculo  Linguístico  de  Praga,  tornou‐se  amigo  do  poeta  tcheco 
Nezval  e  estabeleceu  relações  com  o  diretor  de  teatro  E.  F.  Burian, 
tendo,  inclusive, colaborado com a preparação de um roteiro cinema‐
tográfico, juntamente com Svatava Pirkova e Nezval. 
A partir dessa preocupação simultânea com a teoria da literatura e com 
a linguística, Jakobson mantém, ao longo de toda a sua produção inte‐
lectual, a concepção –  já postulada desde os  tempos de sua participa‐
ção no Círculo Linguístico de Moscou e na Sociedade para o Estudo da 
Linguagem Poética (OPOIAZ) – de que os estudos literários e estéticos 
devem ocorrer sob um prisma semiolinguístico. 
Como  os  demais  formalistas,  Jakobson  também  condena  o  tipo  de 
estudo literário que se ocupa dos “traços secundários” ou não imanen‐
tes da literatura (como questões sociológicas, psicológicas, filosóficas), 
deixando  de  lado  aquilo  que  possui  de mais  central  e  específico:  a 
linguagem verbal. Em um artigo dedicado ao tema do realismo artísti‐
co, Jakobson chegou a afirmar que, antes de sua ligação com a linguís‐
tica e com a semiótica, a história da literatura não podia ser considera‐
da uma ciência, pois se caracterizaria como uma mera causerie6: “Não 
faz muito tempo, a história da arte e, em particular, a história da litera‐
tura, não era uma ciência, mas uma causerie. [...] Passava alegremente 
                                                                  
6 Causerie, do francês, pode ser traduzido como conversa superficial. 
 
 
 
28 
de um tema a outro, e a torrente lírica de palavras sobre a elegância e a 
forma dava lugar às anedotas retiradas da vida do artista.” 7 
Jakobson  afirma  que,  infelizmente,  essa  atitude  pouco  rigorosa  tem 
sido dominante no estudo da literatura. Por isso, numa atitude provo‐
cativa, chega a propor o  fim da crítica  literária e sua substituição por 
uma “nova” disciplina: a poética, principalmente devido às confusões 
terminológicas geradas pela postura impressionista de muitos críticos8. 
Jakobson,  juntamente  com  os  demais  formalistas,  reivindica  para  a 
linguística “o direito e o dever de empreender a  investigação da arte 
verbal em  toda a sua amplitude e em  todos os seus aspectos”.9 Além 
disso,  também postula uma divisão própria das ciências destinadas a 
tratar da linguagem, de forma geral, e da literatura, de forma específi‐
ca. Como ciência mais geral, o autor propõe a semiótica, compreendida 
como a  teoria de  todos os signos; a  linguística, por sua vez,  faz parte da 
semiótica, mas se restringe ao estudo do sistema dos signos verbais: “o 
objeto da semiótica é a comunicação de mensagens, enquanto o campo 
da  linguística se restringe à comunicação de mensagens verbais.”10 A 
poética, por sua vez, é um dos vários domínios da  linguística: aquele 
cujo fim é o estudo da literatura enquanto arte verbal.  
Diagrama  com  a proposta de divisão de disciplinas  segundo Roman 
Jakobson 
SEMIÓTICA  LINGUÍSTICA  POÉTICA 
Estudo de todos os 
sistemas de signos 
verbais e não‐
verbais 
Estudo do sistema 
dos signos verbais 
Estudo da 
literatura 
enquanto sistema  
de signos verbais 
 
Em  outros  termos,  para  Jakobson,  a  poética  compreende  a  “análise 
científica e objetiva da arte verbal”, dividida a partir de “dois grupos 
de problemas: sincronia e diacronia”.11 Seu objetivo principal é definir 
e explicar por que uma mensagem verbal artística é diferente de men‐
sagens artísticas não‐verbais, de um  lado, e, de outro, por que é dife‐
rente de mensagens verbais não artísticas: em suma, trata‐se de buscar 
“as differentia specifica entre a arte verbal e as outras artes e espécies de 
condutas verbais”.12 Ao procurar pelas differentia da  literatura, de um 
lado,  Jakobson  dá  continuidade  a  grande  parte  das  preocupações  já 
                                                                  
7 JAKOBSON, s.d., p. 159. 
8 Sobre a questão da confusão criada pela crítica em relação aos termos idealismo e realismo, verificar 
Jakobson: El realismo artístico, p. 160s. 
9 JAKOBSON, 1995, p. 161. 
10 JAKOBSON, 1995, p. 20. 
11 JAKOBSON, 1995, 121. 
12 JAKOBSON, 1995, p. 119. 
 
 
29 
tratadas pelos demais formalistas russos, principalmente a descoberta 
de que a poesia se constrói  linguisticamente a partir da relação moti‐
vada que estabelece entre o som e o sentido; de outro  lado, contudo, 
confere‐lhes uma  fundamentação  linguística e  semiótica, buscada, de 
forma pluralista, nas teorias que vai estudando ao  longo de sua vida, 
desde o estruturalismo saussuriano, a teoria da informação e da comu‐
nicação até o pragmatismo americano de Charles Sanders Peirce, entre 
outras. 
Já desde o tempo de sua colaboração com o círculo de Moscou, Jakob‐
son  sustenta  a  tese de que  a  essência  linguística da poesia  reside na 
relação de semelhança que é capaz de estabelecer entre o som e o sen‐
tido. Mais  tarde, essa  relação é ampliada para além do nível  sonoro, 
englobando  todos  os  demais  níveis  da  linguagem,  principalmente  a 
gramática. Após  seu  contato  com  as  teses de  Saussure,  Jakobson  ex‐
pande o  alcance de  sua descoberta,  redefinindo  a  linguagem poética 
como aquela que “projeta o princípio de equivalência do eixo de sele‐
ção sobre o eixo de combinação”.13 Influenciado pela teoria da comuni‐
cação,  Jakobson  reformulou  essa proposição afirmando que a  função 
poética é aquela em que a mensagem se dirige à própria mensagem14; 
por fim, nos termos da semiótica peirciana, para a linguagem poética, a 
“correspondência diagramática [ou seja,  icônica] entre o significante e 
o  significado  é  patente  e  obrigatória.”15  Essa  correspondência  gera 
aquilo  que  Jakobson  denomina  de  auto‐reflexividade  (o  referente  da 
mensagem  é  a própria mensagem), que  acaba gerando,  como  conse‐
quência, a ambiguidade  (a mensagem  literária sempre veicula mais do 
que um significado ao mesmo tempo). 
Mais  tarde,  influenciado  por  Peirce,  Jakobson  passa  a  questionar  o 
postulado comumente aceito entre os estruturalistas, segundo o qual a 
relação entre significante e significado é sempre arbitrária, como pre‐
tendia Saussure.  Jakobson passa  a definir  a mensagem poética  como 
aquela em que predominam as relações motivadas ou  icônicas da  lin‐
guagem  (e não arbitrárias). Dentre dois  tiposde  iconismo postulados 
por Peirce, a imagem e o diagrama, Jakobson acredita que é o segundo 
que prevalece na poesia.  
É  importante observar, por  fim, que,  ao  contrário do que  afirmaram 
alguns  opositores  da  poética  formalista‐estruturalista,  sua  proposta 
não é estática  tampouco anistórica, pois  Jakobson, apesar de  ter  sido 
fortemente  influenciado  pelas  categorias  linguísticas  opositivas  de 
                                                                  
13 JAKOBSON, 1995, p. 130. 
14 JAKOBSON, 1995, p. 127. 
15 JAKOBSON, 1995, p. 112. 
 
 
 
30 
Saussure,  redefine‐as  em  termos  de  complementaridade,  o  que  lhe 
permite tratar da literatura – bem como de qualquer outro sistema de 
signos – tanto do ponto de vista sincrônico quanto diacrônico. 
Ressalte‐se,  ainda,  que  a  linguagem  poética,  apesar  de  receber  uma 
definição acurada, não deve  ser vista  como uma  essência  linguística, 
mas como uma função, presente de forma mais ou menos intensa nas 
mais diversas mensagens. Nos  termos do próprio  autor,  ela  “não  se 
confina à poesia. Há somente uma diferença na hierarquia: tal função 
pode  estar  subordinada  a  outras  funções,  ou  ao  contrário,  aparecer 
como a função central, organizadora, da mensagem”.16 
Umberto Eco e a semiótica literária 
De certo modo, pode‐se dizer que  todos os críticos de  literatura  inte‐
ressados em realizar discussões a partir dos referenciais semiolinguís‐
ticos de Ferdinand Saussure ou nos referenciais semióticos de Charles 
Sanders Peirce  formam uma das  correntes  imanentistas mais  fortes e 
influentes em nossos dias: a semiótica  literária. Nesse sentido, os  for‐
malistas russos e, principalmente, Roman  Jakobson, podem ser consi‐
derados  uma  espécie  de  precursores  da  crítica  literária  realizada  a 
partir  da  semiótica.  Vários  autores  poderiam  ser  apresentados  aqui 
como parte dessa tradição, como Roland Barthes, Algirdas J. Greimas, 
Julia Kristeva, Iuri Lotman, Claude Bremmond, Jacques Derrida, entre 
outros. A seguir, serão apresentadas, de  forma muito breve, algumas 
ideias de um dos mais conhecidos semioticistas de nossa época, Um‐
berto Eco, que tem realizado um trabalho intenso não apenas de crítica 
como  também  de  produção  literária,  inspirado  por  um  referencial 
semiótico próprio.  
Desde que  iniciou  sua vida acadêmica, em 1954, até os dias de hoje, 
Umberto Eco tem refletido sobre questões relativas à estética, às artes e 
à  literatura,  tendo passado por algumas  fases ao  longo de seu pensa‐
mento. Nas décadas de 50 e 60, Eco estudou a historiografia medieval 
e, principalmente, a estética de Tomás de Aquino. Seu  romance mais 
famoso, O  nome  da  rosa,  certamente  deve muitas  de  suas  ideias  aos 
estudos realizados nessa época. Na metade da década de 60, Umberto 
Eco passou  a  estudar  a  estética da  cultura das mídias  voltadas para 
grandes massas, a partir de  filmes hollywoodianos, cartoons, revistas 
em quadrinhos, entre outros. Seu livro mais importante desse período 
é Obra aberta, cujo principal interesse, para a crítica literária, reside no 
fato de Eco utilizar conceitos que permitem estabelecer semelhanças e 
diferenças estéticas entre o que nós consideramos a literatura canônica, 
                                                                  
16 JAKOBSON, 1995, p. 21. 
 
 
31 
de um lado, dotada de valor literário, e a arte voltada para as massas, de 
outro lado, cujo principal valor é o consumo rápido e imediato. 
A partir de 1968, com a publicação de A  estrutura ausente, bem como 
com a publicação do Tratado Geral de Semiótica, de 1975, Umberto Eco 
elabora uma teoria semiótica própria, que utiliza para discutir também 
questões ligadas à arte e à literatura. Por fim, a partir da década de 80, 
em obras como Lector  in  fabula, Seis passeios pelos bosques da  ficção e Os 
limites da interpretação, Umberto Eco passa a realizar uma teorização da 
literatura mais orientada pela  teoria do  texto e da pragmática, discu‐
tindo principalmente o papel do leitor na fruição. Deve‐se destacar, no 
âmbito  da  crítica,  uma  série  de  artigos  publicados,  em  2002  –  Sulla 
Letteratura  (2002);  [Sobre a  literatura  (2003)] – em que Eco retoma suas 
principais  concepções  semióticas para discutir grandes  autores  como 
Dante, Wilde, Borges, entre outros. 
Visto não  ser possível  abordar  aqui  todas  as  ideias de Umberto Eco 
sobre a literatura, a seguir, apresentaremos apenas um de seus princi‐
pais conceitos utilizados para definir a obra literária: o idioleto estético. 
Segundo Eco,  a  literatura,  assim  como  todas  as demais  artes,  articu‐
lam‐se em  torno de uma contradição aparente, pois, de um  lado, não 
podem ser reduzidas a uma única regra de composição ou de estrutu‐
ra,  que  permitiria  definir  com  exatidão  o  seu  valor.  Por  outro  lado, 
contudo,  toda  obra  “deve  ter  uma  estrutura¸  pois de  outro modo  não 
haveria  comunicação,  mas  pura  estimulação  ocasional  de  respostas 
aleatórias.”  (Eco:  1976,  p.  60)  Para  resolver  esse  aparente  paradoxo, 
Umberto Eco desenvolve o conceito de idioleto estético. 
A  ideia do  idioleto foi desenvolvida sob a  influência dos conceitos de 
ambiguidade  e  auto‐reflexividade, de  Jakobson. Nessa  perspectiva,  toda 
mensagem estética e literária se estrutura de modo ambíguo com rela‐
ção  ao  sistema  de  expectativas  que  é  o  código  a  que  pertence.  Essa 
ambiguidade  se  transforma  em  auto‐reflexividade  quando  a mensa‐
gem  estética  se  articula  segundo  um  sistema  particular  de  relações, 
homólogo à própria língua ou ao código literário, mas que possui suas 
características próprias. Para exemplificar, poderíamos dizer que cada 
período literário cria uma espécie de idioleto, na medida em que pode‐
mos reconhecer características tanto formais quanto temáticas próprias 
do  Classicismo,  do  Romantismo,  do  Realismo  etc,  embora  cada  um 
desses  estilos  esteja dentro do  código da  linguagem  literária,  que  se 
diferencia de outros códigos, como o científico, o religioso, o filosófico 
etc.  Além  disso,  cada  autor,  individualmente,  também  constrói  um 
idioleto, que o diferencia,  também em  termos  formais e de conteúdo, 
em relação ao código do período em que está inserido. 
 
 
 
32 
Em poucos  termos, o  idioleto nos permite refletir sobre este aparente 
paradoxo  que  parece  vigorar  nas  artes  e  na  literatura:  de  um  lado, 
existem regras e estruturas de composição; de outro lado, essas regras 
e estruturas são constantemente violadas pelos escritores de diferentes 
períodos estéticos e literários, bem como uns em relação aos outros do 
próprio período. Para concluir, podemos dizer que Umberto Eco acre‐
dita que a  linguagem  estética,  característica da  literatura  e das artes, 
possui uma função cognitiva muito importante, pois, uma vez que sua 
ambiguidade  inerente nos oferece várias possibilidades de  interpreta‐
ção, o leitor é convidado a preencher os significantes com significados 
sempre novos, transformando continuamente as denotações em cono‐
tações. Dessa  forma, “a mensagem estética compele‐nos a experimen‐
tar sobre si léxicos e códigos sempre diferentes.” (Eco: 1976, p. 68) Esse 
processo exigente de  interpretação  leva o destinatário, de um  lado, a 
uma experiência emotiva ou prazerosa e, de outro, a um  incremento 
contínuo  de  seu  próprio  conhecimento  bem  como  de  sua  visão  de 
mundo. 
Atividades 
1) Qual das alternativas abaixo possui a melhor definição para crítica 
imanente? 
a)  A crítica  imanente procura refletir sobre as obras  literárias a 
partir de seu contexto histórico. 
b)  A  crítica  imanente  procura  refletir  sobre  as  obras  literárias 
principalmente  a partir da  ideologia que determina  a  época 
dos autores. 
c)  A crítica  imanente procura refletirsobre as obras  literárias a 
partir de suas características internas ou inerentes. 
d)  A crítica  imanente procura refletir sobre as obras  literárias a 
partir de suas ligações com o contexto sociocultural. 
 
2)  Qual dos pensadores abaixo pode ser considerado o precursor de 
uma crítica imanente? 
a)  Aristóteles. 
b)  Horácio. 
c)  Boileau. 
d)  Umberto Eco. 
 
3) Dentre as alternativas abaixo, qual a melhor definição para literari‐
edade? 
a)  Literariedade é sinônimo de polissemia. 
b)  Literariedade pode ser explicada como um exemplo de auto‐
reflexividade. 
 
 
33 
c)  Literariedade é o conceito utilizado pelos  formalistas  russos 
para determinar o valor estético da literatura. 
d)  Trata‐se das características imanentes do discurso literário. 
 
4)  Qual  dos  conceitos  abaixo  foi  postulado  por  Roman  Jakobson 
para explicar os vários sentidos de uma obra literária? 
a)  Auto‐reflexividade. 
b)  Ambiguidade. 
c)  Imanência. 
d)  Literariedade. 
 
5)  Qual a melhor explicação para o conceito idioleto estético, de Um‐
berto Eco? 
a)  O idioleto é idêntico à auto‐reflexividade, conforme o concei‐
to de Jakobson. 
b)  O idioleto é idêntico à ambiguidade, conforme o conceito de 
Jakobson. 
c)  O idioleto caracteriza um desvio em relação ao código de ex‐
pectavivas, o que confere a cada obra seu caráter singular. 
d)  O idioleto caracteriza um código de expectativas ligado a um 
estilo de época ou de período literário. 
 
 
 
 
3 SOCIOCRÍTICA 
Maria Alice Braga 
Diante dos textos modernos, a crítica deixa de lado sua função tradici‐
onal e explicativa, renunciando, inclusive, aos estudos voltados para o 
autor, sua biografia, já que em tais textos o sujeito é apenas um sujeito 
da enunciação, produto do próprio enunciado, para, então, posicionar‐
se  ante  uma mudança  radical. Ao  escolher  a modernidade,  a  crítica 
ficaria com duas  funções: a científica e a escritura. Com a primeira, a 
crítica pode descrever os textos, valendo‐se, pois, do aparato conceitual 
e metodológico da semiologia. Já com a escritura, a crítica privilegiará 
a produção de novos  sentidos  a partir de  sentidos prévios. Entre  os 
dois pólos destacados, situam‐se, de acordo com a professora e pesqui‐
sadora Leyla Perrone‐Moisés (2005, p. 20): 
[...]  os  discursos  ancorados  nas  ciências  humanas.  Esses  discursos  utilizam  a 
linguagem como instrumento de conhecimento e, como tal, não pertencem mais a 
uma área especificamente literária, tendendo a ser anexados às diferentes ciências 
sobre as quais se apoiam, como aplicações dessas ciências a um domínio particular 
da atividade humana. 
Os  dois  caminhos  referem‐se  ao  próprio  texto;  a  semiologia  porque 
visa à leitura, no seu estado imanente, e a escritura porque se vale da 
linguagem plena, que é a poesia. 
Nessa perspectiva, voltamos aos antigos conceitos de crítica, que sem‐
pre oscilaram entre a ciência e a arte. Assim, a modernidade opera com 
grandes  revoluções em  todas as áreas do  saber, não havendo mais a 
possibilidade de separar ciência e arte – existe uma comunicação direta 
e natural entre os dois pólos. Hoje, a ciência, baseada na criatividade, 
está mais próxima da arte. 
Quando o estudo de documentos pertence a discursos variados, como 
Literatura,  História,  Sociologia  e  Cultura  de  um  povo,  oferecendo, 
pois, subsídios para inserir o autor no seu tempo e no seu espaço, po‐
de‐se recorrer à Sociocrítica. 
 
 
35 
3.1 Crítica literária e crítica sociológica 
O crítico literário Antonio Candido, na obra Literatura e sociedade (1985) 
afirma  que  a  crítica  sociológica  deve  destacar  os  elementos  sociais 
como partes da estrutura do texto. Por exemplo: o conto A cartomante, 
de Machado  de Assis, mostra  dimensões  sociais  claras  como  lugar, 
moda  no  vestir,  tipo de  transporte,  costumes,  enfim, de uma  época. 
Isso não se constitui em atividade crítica. O tema do conto de Machado 
refere‐se ao  triângulo amoroso entre Rita, Vilela e Camilo, dentro de 
uma sociedade rígida quanto aos conceitos sociais. A falência do casa‐
mento por causa do envolvimento entre Rita e Camilo, reforçada pela 
crença nas cartas demonstra as fragilidades pessoais e sociais. 
O conto retrata as relações de casamento, que deveriam fundar‐se nos 
princípios do amor, entretanto,  tornam‐se degradadas pela  traição. A 
leitura  crítica  possibilita  ao  leitor  uma  visão maior  não  só  quanto  à 
estética, mas quanto  aos  traços  literários, que  são o ponto  e objetivo 
principais, tudo partindo dos aspectos sociais que o texto recupera na 
sua estrutura. 
Sob esse viés, a crítica sociológica, segundo Candido (1985), não deve 
ser  fechada, pois o crítico deve considerar as possibilidades  linguísti‐
cas, psicológicas, religiosas, temáticas, etc, que enriquecem a interpre‐
tação  do  texto,  ampliando,  assim,  o  universo  dialógico  entre  lei‐
tor/texto. 
Obra e sociedade 
Antonio Candido reforça a ideia de que a arte sofre influência da soci‐
edade  na mesma medida  em  que  a  influencia,  aparecendo  tanto  na 
superfície do  texto  (descrição de  cidades,  casas,  vestuário,  costumes, 
etc.), quanto na caracterização de personagens e na estrutura profunda 
do texto. 
A  obra  interfere  na  sociedade  porque  os  indivíduos  lêem  o  texto  e 
recebem do mesmo traços que podem mostrar‐se na prática, alterando, 
de  alguma  formar,  o  comportamento  de  tais  leitores. No  entanto,  é 
importante lembrar que a influência provém do livro, ou seja, vem de 
dentro da obra, não depende do autor  ter  tido ou não a  intenção de 
produzir efeitos. 
Candido (1985) propõe uma subdivisão da obra literária em dois gru‐
pos: arte de agregação e arte de segregação. A primeira seria um tipo inspi‐
rado “na experiência coletiva e visa a meios comunicativos  acessíveis”  
(CANDIDO, 1985, p. 23).  A  ideia do crítico refere que a arte deseja ser 
 
 
 
36 
compreendida pelo maior número possível de leitores. Seria uma leitu‐
ra previsível, aquela em que o leitor já antecipa o desfecho dos aconte‐
cimentos, posto que está acostumado com determinado  tipo de  texto. 
O  leitor não suportaria alterações significativas  tanto na  ideologia da 
obra como na sua linguagem, rejeitando, assim, as mudanças. 
A  arte  de  segregação  é  aquela  preocupada  em  inovar  o  sistema  de 
símbolos. As  transformações mágicas  ocorridas  com  algum persona‐
gem  são motivo para que  logo  se busque a causa e a  solução para o 
problema surgido. Por exemplo, um personagem que se transforma em 
um  inseto, ou algo semelhante, como nos contos de  fada, procura re‐
verter a situação para que  tudo volte à normalidade. 
É importante destacar que somente a leitura pode derrubar o mito do 
texto muito  difícil,  como  é  o  caso  da  obra  de Guimarães  Rosa,  que 
tanto desconforto causa no leitor – a arte apresenta novidades, as quais 
são desafios para o desenvolvimento da competência da  leitura. Para 
que  novos  esquemas  se  estabeleçam,  é  preciso  inovar  e  deixar  que 
novos sistemas simbólicos sejam absorvidos pelo nosso imaginário. 
3.2. O que é Sociocrítica? 
Uma definição para a crítica sociológica ou sociocrítica é um discussão 
que pode gerar muitas páginas, pois as definições sempre são discutí‐
veis. De  qualquer modo,  a  professora Marisa Corrêa  Silva  (2005,  p. 
141)  em  seus  estudos  nessa  área  afirma  que  a  crítica  sociológica  “é 
aquela que procura ver o  fenômeno da  literatura  como parte de um 
contexto maior: uma sociedade, uma cultura”. 
Podemos  pensar  a  literatura  como  um  fenômeno  vinculado,  direta‐
mente, à vida social. Portanto, a  literatura não se constitui em um  fe‐
nômeno  independente; a obra de arte  literária é criada dentro de um 
contexto; em uma determinada  língua, em espaço e  tempo definidos, 
enfim, onde se pensa de um determinado modo; assim, a obra carregaem si os traços desse contexto. Ao estudar tais marcas dentro da litera‐
tura, percebemos como a sociedade, na qual o texto foi produzido, se 
estrutura e quais seus valores.  
Entretanto, não podemos confundir uma crítica que visa à história de 
vida do autor com a crítica sociológica ou sociocrítica. A crítica socio‐
lógica  ou  sociocrítica  objetiva  estudar  os  grupos  sociais  aos  quais  o 
autor  pertenceria,  por  exemplo,  diferente  da  crítica  biográfica,  que 
focaliza momentos da vida do autor, ainda que estes sejam de caráter 
social. 
 
 
37 
Podemos  ilustrar:  a  crítica  biográfica  focalizaria  a  vida  do  escritor 
nordestino Graciliano Ramos, destacando aspectos  como  a prisão do 
escritor durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, na sua obra Memó‐
rias do cárcere. 
Já a sociocrítica, partindo da mesma obra, do mesmo autor, isto é, com 
os mesmos dados, analisaria de modo diferente, pois os fatos não são 
vistos como individuais, mas coletivos. O relato de um homem passa a 
ser o depoimento simbólico de uma sociedade. Em Memórias do cárcere 
o  sofrimento narrado  é  a história de homens  e de mulheres de uma 
época  (Estado Novo). Nesse  viés, mais  importante  que  um  romance 
autobiográfico  é  verificar, pela  leitura,  que  a  obra  estabelece um  elo 
estético entre a realidade social, coletiva com a representação artística. 
O valor do romance advém da obra em si e não do autor da mesma, 
pois  a  obra  exprime  os mecanismos  de  repressão  vigentes  no  país 
daquela época (Estado Novo). 
O papel da sociocrítica 
Pierre Barbéris, crítico francês, destaca que a sociocrítica possui o papel 
de fazer com que cada leitor passe a observar o mundo que nos cerca e 
perceba o processo de  transformação da sociedade ao  longo dos  tem‐
pos, pois os hábitos, crenças, valores, enfim, não surgem espontanea‐
mente, tampouco duram uma vida inteira. A sociedade é o reflexo de 
sua época e  tudo muda constantemente, deixando rastros para as no‐
vas  gerações.  Assim,  as  verdades  que  julgamos  imutáveis,  muitas 
vezes, não passam de convenções arbitrárias. 
Alguns  textos podem reforçar as  ideias  já consagradas de seu  tempo, 
valorizando preconceitos,  enquanto outros mostram  a  realidade nem 
sempre de modo claro, mas  inserida nas entrelinhas da estrutura tex‐
tual. 
Para o crítico  francês Pierre Barbéris, a sociocrítica é uma ciência que 
visa  ao  texto  como um  espaço  onde  acontece  certa  socialidade. Para 
ele, a realidade enquanto história manifesta‐se de três formas: história 
pode ser a  realidade e o processo histórico empiricamente  reconhecí‐
veis; história como um discurso histórico que propõe uma  interpreta‐
ção da realidade e do processo histórico, a história oficial; e a história 
enquanto narrativa  ficcional que proporciona uma  interpretação  fora 
de ideologia, mas em relação com o sujeito que pensa e escreve e com o 
público por nascer. 
Barbéris explica, ainda, que a leitura sociocrítica e a sócio‐história une 
a história e a sociologia em um mesmo movimento já aceito e disponí‐
 
 
 
38 
vel. Então, a sociocrítica não pode funcionar como uma bula com sen‐
tido redutor, ela está atenta ao novo e, mais do que isso, ela contribui 
para uma nova maneira de escrever e de narrar,  considerando o ho‐
mem no seu tempo e no seu espaço. 
Pierre Barbéris completa: 
Por  isso  a  crítica moderna habilitou  o  fragmento  e  o  rascunho,  o pré‐texto  ou  o 
peritexto,  e  já não  se  limita  às  obras‐primas  grandiosas  das  instituições. Ela  se 
prende à noção de discurso, seja qual for sua roupagem. (1997, p. 164) 
De acordo com  o ponto de vista do crítico francês, a sociocrítica enri‐
quece  e destaca  a  questão do  sujeito,  ou  seja,  ela  “institui  o homem 
concreto no contexto, mas à margem de uma humanidade concreta.” 
(1997, p. 165) 
Os implícitos e a leitura 
Um texto não é composto somente por questões claras, ao contrário, é 
um objeto que expressa aspectos sócio‐históricos, morais,  religiosos e 
filosóficos, podendo parecer apenas estético. 
Ao lermos Madame Bovary, de Gustave Flaubert, não podemos reduzir 
tudo ao adultério, sob pena de minimizarmos pontos  importantes na 
obra de Flaubert. O autor confere um tratamento cru ao romance, em‐
pregando o  tema do adultério e  criticando o  clero e a burguesia. Do 
mesmo modo, personagens  conduzem  a narrativa  e  cada um possui 
traços definidores para as ações dentro do texto, por exemplo, o men‐
digo  cego,  de Madame  Bovary,  é  também  um  poeta  e  um  voyeur,  na 
medida  em  que  as  opacidades  contrastam  com  a  clareza do  fio  que 
conduz a narração, a vida. Aquele que não enxerga, faz emergir frus‐
trações ou alienações, aparentemente existenciais ou mesmo relativas, 
que  remetem  a  crises  na  realidade  sócio‐histórica.  Também  Emma 
Bovary constitui‐se emblematicamente nas amputações do ser e a bus‐
ca de soluções que envolvem o leitor. 
Flaubert obrigou‐se a enfrentar dificuldades  técnicas, entretanto, pro‐
curou  vencer  o  romantismo  exacerbado  da  época,  tendo  angariado 
críticas  severas  a  sua obra prima, que nem por  isso deixou de  ser o 
ponto de partida para uma nova estética literária. 
As  grandes  representações  críticas,  os mitos modernos,  como Emma 
Bovary e outros tantos que conhecemos, como Hamlet, de Shakespeare 
ou Dom Quixote, de Cervantes,  combinam  e  recuperam  o  universal 
particular, os diversos  inconscientes que  compõem o  imaginário. As‐
 
 
39 
sim,  o  legível  deve  ser  percebido  e  interpretado  ao  redor  de  pólos 
presentes no texto – os implícitos. 
3.3 As bases da sociocrítica 
A  sociocrítica  fundamenta‐se na  sociedade, pois  todo  leitor,  segundo 
Barbéris (1997, p. 172) “pertence a uma sociedade e a uma socialidade 
que, a um só tempo, determinam‐lhe a leitura e lhe abrem espaços de 
interpretação, condicionam‐no e tornam‐no livre e inventivo.” 
O crítico francês também destaca que “todo leitor é um eu, oriundo de 
relações paternas  e  simbólicas, as quais  também o determinam  e  lhe 
abrem espaços de pesquisa e de interpretação.” (p. 172) 
A respeito das afirmações acima, podemos inferir que estão presentes 
no  texto buscas  e  invenções, pois  as  fantasias  encontram‐se no nível 
dos signos, já que a linguagem constitui‐se em um instrumento e meio 
de relação entre o texto e o eu histórico e a história vivida pelo eu. 
A crítica sociológica está imersa em uma sócio‐história que a determi‐
na, mas que, ao mesmo  tempo,  inventa e  se distancia, estando, pois, 
envolvida em discursos e signos preexistentes  (e não  fixos) à própria 
crítica. Nessa perspectiva, há pontos que devemos destacar, os quais 
seguem abaixo:  
 a crítica sociológica busca textos que se referem à realidade histó‐
rica, social e política; 
 a sociocrítica focaliza a história e a socialidade de textos que, apa‐
rentemente, não foram trabalhados de modo claro. 
Assim, podemos observar, nas palavras do crítico Pierre de Barbéris, 
que: “A  leitura sociocrítica não é, portanto, um acessório de um pro‐
gressismo simplista e ingênuo. É uma das formas da lucidez”. (1997, p. 
176) A crítica sociológica realiza uma leitura das virtualidades da his‐
tória, bem como observa, na escrita, todos os espaços para a descoberta 
da expressão social e histórica, pois vê nesses aspectos campo fértil de 
todos  os  problemas  recorrentes  e  renovados  da  vida  e  da  condição 
humana. 
3.4 Importância da sociocrítica 
A sociocrítica, sem dúvida, realiza a leitura dos implícitos. Nesse pon‐
to, esbarramos na seguinte questão: nós não estamos preparados para 
ler a nossa própria história, incluindo nossa socialidade, afetos e moral, 
 
 
 
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pois guardamos e  resguardamos  impondo  sempre barreiras de  segu‐
rança. 
Desse modo,  é difícil  fazer  crítica,  especialmente a  criança na  escola, 
onde o professor

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