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Meireles [2014] Legitimação do Poder no Estado Moderno Conceito de Representação em Kelsen & Voegelin

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRÃO PRETO 
 
 
 
 
 
MARIA RAQUEL BAETA MEIRELES 
 
 
 
 
 
 
LEGITIMAÇÃO DO PODER POLÍTICO NO ESTADO MODERNO A 
PARTIR DOS CONCEITOS DE REPRESENTAÇÃO DAS TEORIAS DE 
HANS KELSEN E ERIC VOEGELIN 
 
 
 
ORIENTADOR: PROF. ASSOC. NUNO MANUEL MORGADINHO DOS SANTOS 
COELHO 
 
 
 
 
 
 
 
RIBEIRÃO PRETO – SÃO PAULO 
2014 
1 
 
MARIA RAQUEL BAETA MEIRELES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LEGITIMAÇÃO DO PODER POLÍTICO NO ESTADO MODERNO A 
PARTIR DOS CONCEITOS DE REPRESENTAÇÃO DAS TEORIAS DE 
HANS KELSEN E ERIC VOEGELIN 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à 
Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da 
Universidade de São Paulo, sob a orientação do 
Professor Associado Nuno Manuel Morgadinho 
dos Santos Coelho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
RIBEIRÃO PRETO – SÃO PAULO 
2014 
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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio con-
vencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
 
Meireles, Maria Raquel Baeta. 
Legitimação do poder político no Estado Moderno a partir dos 
conceitos de representação das teorias de Hans Kelsen e Eric Voegelin 
/ Maria Raquel Baeta Meireles; orientador Nuno Manuel Morgadinho 
dos Santos Coelho. Ribeirão Preto, 2014. 
98 p. 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito de Ribeirão 
Preto da Universidade de São Paulo. 
 
 
1. Teoria Geral do Estado. 2. Filosofia Política. 3. Hans Kelsen. 4. 
Eric Voegelin. 5. Legitimidade. 6. Representação política. 
 
 
3 
 
MEIRELES, Maria Raquel Baeta. LEGITIMAÇÃO DO PODER POLÍTICO NO ESTA-
DO MODERNO A PARTIR DOS CONCEITOS DE REPRESENTAÇÃO DAS TEO-
RIAS DE HANS KELSEN E ERIC VOEGELIN. Trabalho de Conclusão de Curso apre-
sentado à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção 
do grau de bacharel em Direito. 
 
 
 
 
Aprovado em: _______________________________________________________________ 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
Professor: __________________________________________________________________ 
Instituição: _____________________________________ Julgamento: __________________ 
Assinatura: _________________________________________________________________ 
 
 
Professor Associado Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho 
Instituição: Faculdade de Direito de Ribeirão Preto/USP. Julgamento: __________________ 
Assinatura: _________________________________________________________________ 
 
 
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Dedico este trabalho aos meus pais, José Carlos e Maria Amélia, 
 e aos meus irmãos, Helena e Pedro. 
 
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AGRADECIMENTOS 
 
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer àquilo que faz as coisas serem como são, 
pois disso parte todo o resto que se segue. Depois, agradeço aos meus pais, José Carlos e Ma-
ria Amélia por serem meu maior exemplo em tudo. Mas principalmente no amor incondicio-
nal que deles recebo. Agradeço ao apoio tanto nas condições físicas, materiais, quanto nas 
emocionais, sem as quais eu não seria quem sou e não chegaria onde chego. Agradeço tam-
bém aos meus irmãos Helena e Pedro que, assim como meus pais, me são exemplos de supe-
ração, força e determinação. São minha Ohana e incrivelmente perfeitos em suas imperfei-
ções. 
Gostaria também de agradecer o meu orientador, Professor Assoc. Nuno M. M. dos 
Santos Coelho, por ter sempre demonstrado apoio às minhas ideias, tanto na escolha do tema, 
quanto à estrutura do trabalho e principalmente do meu intercâmbio. Aproveito também para 
demonstrar minha gratidão àqueles que tornaram tal aventura possível, a Universidade de São 
Paulo pela concessão de minha bolsa de estudos e ao Prof. António Mendo Castro Henriques 
que gentilmente me recebeu nas terras lusitanas. 
Dentre os professores gostaria de destacar aqueles que me impressionam pela paixão à 
arte que é ensinar: Professores Nuno e Nojiri e Professoras Flávia e Cynthia. Para além dos 
professores também dependi bastante de outros profissionais na faculdade, aos quais sou grata 
pela atenção, presteza, competência: Éder, Renata, Ariadne, Márcia, Érica, Omar, Marco e 
Rubens. 
Agradeço ao meu amigo Ricardo, exemplo de dedicação e competência, com quem ti-
ve o privilégio de dividir desde risadas a anseios, dúvidas e discussões teóricas dos mais dife-
rentes tipos. 
E, por último mas não mesmos importante, àqueles que fizeram do meu cotidiano e da 
minha vida nesses últimos anos algo para ser sempre lembrado com carinho e muito afeto: 
Carina, Brenner, Letícia, Ruth, Sara, Raysa, Jéssica, Octávio, Gabriel, Paschoal, Sônia, Bruna, 
Maisa, Francisco, Juliana e Heloísa. Aqueles que são do núcleo de convívio universitário não 
deixam de me surpreender pelo fato de pessoas tão distintas e plurais poderem ser também tão 
semelhantes. 
 
 
 
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“Sem o jogo permanente entre os opostos, o 
mundo não existiria.” 
Jostein Gaarder. 
 
 
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RESUMO 
 
Partindo do pressuposto de que a representação é elemento básico e essencial da legitimidade, 
este trabalho aborda a análise do que é considerado representação e da relação entre esse con-
ceito e o de legitimidade para as teorias de Hans Kelsen e Eric Voegelin. Há o estudo dos 
pressupostos metodológicos de cada autor, e depois a análise das teorias, para que se possa 
contextualizar ambos os conceitos e compreendê-los da forma mais completa e ampla possí-
vel. Da teoria de Hans Kelsen trata-se o conceito de Estado, Direito, poder político, formas de 
organização governamental, representação na democracia parlamentar, o fato dela ser consi-
derada uma ficção e por fim a legitimidade. Para Eric Voegelin, apresenta-se as diferentes 
fases de seu pensamento, suas críticas ao positivismo, e a representação é abordada pelos es-
critos de História das Ideias e A Nova Ciência da Política. A teoria de Hans Kelsen fornece 
um panorama mais estrito e de fácil apreensão na realidade, enquanto que a de Eric Voegelin 
traça um panorama mais amplo, envolvendo desde a consciência humana até o transcendental. 
Por fim há a crítica de Kelsen a Voegelin e por último a análise crítica de ambas as teorias. 
 
 
Palavras-chave: Teoria Geral do Estado. Filosofia Política. Hans Kelsen. Eric Voegelin. Legitimi-
dade. Representação política. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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ABSTRACT 
 
Assuming that representation is a basic and essential element of legitimacy, this paper dis-
cusses the analysis of what is considered representation and the relationship between this con-
cept and the legitimacy in the theories of Hans Kelsen and Eric Voegelin. There is the study 
of the methodological assumptions of each author, and then the analysis of theories, making it 
possible to contextualize both concepts and understand them the most complete and compre-
hensive way. In Hans Kelsen's theory is presented the concept of state, law, political power, 
forms of government organization, representation in parliamentary democracy, the fact that 
representation is considered a fiction and, ultimately, legitimacy. Eric Voegelin, presents the 
different stages of his thought, his criticism about positivism, and the representation is spoken 
by the writings of the History of Ideas and The New Science of Politics. Hans Kelsen's theory 
provides a more strict and easy to grasp on reality panorama, while Eric Voegelin traces a 
wider panorama, ranging from human consciousness to the transcendental. Finally there is the 
critique of Kelsen about Voegelin and the last, a critical analysis of both theories. 
 
 
Keywords: General Theory of the State.Political Philosophy. Hans Kelsen. Eric Voegelin. 
Legitimacy. Political representation. 
 
 
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SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 17 
1. Hans Kelsen ........................................................................................................................ 21 
1.1. Biografia ....................................................................................................................... 21 
1.2. Sobre o Positivismo ...................................................................................................... 22 
1.3. Sobre o Estado ............................................................................................................... 23 
1.3.1. O Direito e o Estado ................................................................................................ 23 
1.3.2. O território do Estado .............................................................................................. 26 
1.3.3 O tempo como elemento do Estado.......................................................................... 27 
1.3.4. O povo ..................................................................................................................... 29 
1.4. Sobre o poder político e os três poderes ....................................................................... 30 
1.5. Sobre as diferentes formas de governo e a importância da democracia ....................... 33 
1.6. Representação na democracia parlamentar ................................................................... 38 
1.7. Representação como ficção .......................................................................................... 40 
1.8. Solução do problema da representação ......................................................................... 41 
1.9. O que é Legitimidade ..................................................................................................... 43 
2. Eric Voegelin ....................................................................................................................... 47 
2.1. Biografia ........................................................................................................................ 47 
2.2. As três fases ................................................................................................................... 48 
2.2.1. A História das Ideias ............................................................................................... 49 
2.2.2. Ordem e História ..................................................................................................... 50 
2.2.3. Anamnese e últimos volumes de Ordem e História ................................................ 56 
2.3. Críticas ao Positivismo .................................................................................................. 56 
2.4. Representação na História das Ideias – Período Moderno............................................. 64 
2.5. Representação na Nova Ciência da Política .................................................................. 70 
2.6. Representação e Legitimidade ....................................................................................... 82 
3. Crítica de Kelsen à Nova Ciência da Política ................................................................... 85 
CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 91 
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 95 
 
 
 
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INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho surgiu por causa da observação e incompreensão sobre a realidade 
que se impõe. O contexto histórico brasileiro à época da realização do projeto era de manifes-
tações populares que, a despeito dos temas reivindicados, ecoava um constante grito de “não 
me representa”. “O governo não me representa”, “os partidos não me representam” e, por ve-
zes, nem o colega de passeata representava o cidadão ao lado. Não foi necessária uma atenção 
redobrada para perceber que o mesmo fenômeno insurgia, ou já havia insurgido, em outras 
sociedades ou países. Mesmo durante o ano de realização do trabalho, novas situações seme-
lhantes emergiram. 
A questão comum em todos os movimentos é uma insatisfação generalizada das popu-
lações com seus representantes governamentais. Em sociedades de aparente calma e estabili-
dade, em determinado momento, a população ia às ruas demonstrar seu descontentamento 
com seus líderes políticos, as vezes chegando até a realizar a mudança dos governos. E neste 
ponto o trabalho poderia seguir dois diferentes rumos: ou se escolhia algum caso emblemático 
para estudo, ou se buscava compreender alguma possível causa comum a tais movimentos 
populares. Optou-se pela segunda orientação. 
Neste direcionamento, a percepção foi de que a questão de base desses movimentos é 
a legitimidade. A primeira pergunta que surge é “o que torna o governo de um Estado algo 
legítimo?”. Esta é uma questão ampla, que pode ter diferentes respostas, a depender da época 
ou autor que se estuda. Dessa forma, compreende-se ser melhor restringir a legitimidade ao 
modelo de Estado Moderno e que seria positivo escolher autores mais contemporâneos. O 
primeiro contato com o tema se deu, por indicação do orientador Prof. Assoc. Nuno M. M. S. 
Coelho, com o texto de Hans Kelsen, chamado “A New Science of Politics”, que consiste na 
crítica ao texto homônimo de outro autor, Eric Voegelin. Após a leitura desses dois textos, 
percebeu-se uma relação intrínseca, ao menos para os dois autores, do conceito de representa-
ção com o de legitimidade. Assim, estabeleceu-se o pressuposto metodológico de que o estu-
do da legitimidade, para esse trabalho, seria circunscrito principalmente ao conceito de repre-
sentação e teria por base a teoria desses dois autores. 
 Pela leitura dos dois autores, se percebeu uma grande dicotomia no que tange aos 
pressupostos metodológicos de Kelsen e Voegelin. O primeiro autor é uma referência do mé-
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todo positivista dentro da teoria do direito, enquanto o segundo autor é um crítico do positi-
vismo, havendo até certa discussão sobre qual pressuposto metodológico sua teoria se encai-
xaria. De forma ampla ele poderia ser classificado como filósofo metafísico, com um direcio-
namento ontológico. Para Kelsen, Voegelin seria classificado como autor teológico. Por isso, 
entendeu-se que caberia antes do estudo das teorias dos autores, a compreensão dos seus pres-
supostos metodológicos. 
Quanto à questão de estruturação do trabalho, se preferiu apresentar primeiro a teoria 
de Hans Kelsen, depois a de Eric Voegelin, a seguir a crítica feita por Kelsen e por fim um 
comparativo das teorias. A abordagem do tema na parte de Kelsen se iniciará com a explana-
ção do positivismo, que é a concepção metodológica adotada em seus estudos, e depois a teo-
ria do autor será abordada dos conceitos mais amplos aos mais restritos. Dessa forma, primei-
ro será apresentado o conceito de “Estado”, depois o de “Poder Político”, incluindo breve 
explanação sobre os três poderes do Estado (legislativo, executivo e judiciário). A seguir há a 
apresentação das diferentes formas de governo para se compreender a importância da demo-
cracia dentro da teoria de Kelsen. Após esse percurso será possível tratar sobre o tema da re-
presentação dentro de um Estado democrático, com destaque à democracia parlamentarista. E 
por fim caberá a análise do ponto fulcral do trabalho, que é a de legitimidade. Se analisará a 
relação da legitimidade com a representação e se é possível dizer que a representação é fator 
essencial da legitimidade ou não e se não for, o queé então? 
Já a abordagem do tema na teoria de Eric Voegelin não seguirá dos conceitos mais 
amplos aos mais restritos, em decorrência do fato de que este autor não manteve um pensa-
mento tão linear durante a vida, sendo sua teoria marcada por duas rupturas, ou seja, consiste 
em três fases. Após essa contextualização, haverá o enfoque metodológico, abordando a críti-
ca de Voegelin ao positivismo. E então sim, será possível a apresentação da teoria, que partirá 
da análise do conceito de representação na primeira fase do autor e depois o da segunda fase. 
A transição entre as duas primeiras fases é maior do que entre as duas últimas, de forma que 
se entendeu não ser necessário tratar da última fase neste trabalho, principalmente pelo fato de 
que o autor passou a se dedicar principalmente à filosofia da consciência, que é um assunto 
muito complexo para ser trazido desde a consciência individual até a legitimidade do Estado. 
Dessa forma, o conteúdo sobre a consciência será apenas brevemente pincelado neste traba-
lho. Por fim, haverá a relação entre o conceito de representação e legitimidade para esse au-
tor. 
19 
 
A seguir há um capítulo com as críticas de Hans Kelsen ao livro “A Nova Ciência da 
Política” de Eric Voegelin. Nessa parte será tratada a crítica ao método bem como à teoria. 
Por último, haverá as conclusões retiradas das teorias tratadas no trabalho, com levan-
tamento de qualidades e críticas de ambas em separado e comparativamente. Mais do que 
conclusões taxativas, que não são necessariamente as melhores, principalmente em um tema 
abrangente como o deste trabalho, a pretensão é que se consiga levantar a importância da aná-
lise da sociedade por diferentes métodos e compreensões possíveis. Por vezes, a análise da 
sociedade por diferentes lentes, mesmo que opostas, pode fornecer uma visão mais completa e 
ampla da própria sociedade, já que todo estudo voltado para um critério ou método diferente é 
específica e, portanto, excludente. Ou seja, toda delimitação de tema gera exclusão e por ve-
zes o estudo de delimitações opostas pode fornecer um panorama mais completo do tema 
abordado. 
 
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1. HANS KELSEN 
 
1.1. Biografia 
Kelsen nasceu em 11 de outubro de 1881, em Praga, na parte austríaca do império 
Austro-Húngaro, mas mudou-se com a família para Viena com três anos de idade. Ele inici-
almente pretendia estudar filosofia, mas teve que considerar por causa das perspectivas eco-
nômicas da carreira, e decidiu por fazer faculdade de Direto na Universidade de Viena. Na 
universidade acabou desenvolvendo um interesse crescente pela área, principalmente nos âm-
bitos de Direito Internacional e Constitucional, e após a licenciatura e o doutorado, em 1911 
começou a ensinar Direito do Estado e Filosofia. Em 1918 tornou-se professor associado na 
Universidade de Viena. 
Durante a 1ª Guerra Mundial, Kelsen serviu como conselheiro legal do Ministro da 
Guerra. Depois da Guerra, foi criada a República (independente) da Áustria e o chanceler do 
Estado Provisório, Karl Renner, confiou à Kelsen a tarefa de ajudar a realizar o anteprojeto da 
nova Constituição Austríaca. 
Para a realização da nova constituição, ele priorizou que houvesse uma suprema corte 
constitucional. Em 1921 Kelsen foi nomeado membro da Corte Constitucional. Mas como ele 
apoiava o divórcio, havia contra ele fortes oposições políticas, como a frente católica, o que 
resultou em sua destituição em 1930. Em seguida ele decidiu sair permanentemente do país. 
Mudou-se para Genebra e em seguida para Praga, sendo professor universitário em ambas as 
cidades. Em Praga havia fascismo e antissemitismo, de forma que Kelsen, que era judeu, dava 
aulas sob proteção policial. Quando foi descoberto um plano para matá-lo, decidiu deixar o 
país. Dessa forma, em 1940 ele se mudou para os Estados Unidos, sendo pesquisador e pro-
fessor em Harvard e na Universidade da Califórnia. Em 1945, tornou-se conselheiro legal da 
Comissão para Crimes de Guerra dos Estados Unidos, em Washington. Seu trabalho consistia 
em preparar legal e tecnicamente os aspectos dos julgamentos de Nuremberg. 
Ele sempre teve uma vida muito produtiva academicamente, escrevendo diversos li-
vros e aproximadamente 400 artigos, escritos em alemão, inglês e francês. Ele morreu em 20 
de abril de 1973, com 92 anos1. 
 
 
1 Introdução feita por A. Javier Treviño, em 2004 ao livro “General Theory of Law and State” (KELSEN, 2004) 
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1.2. Sobre o Positivismo 
No ano de 1911, Kelsen publica um trabalho intitulado Hauptprobleme der Staats-
rechtslehre, entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatz, cuja tradução é “Principais problemas 
da teoria do direito público, desenvolvidos a partir da teoria da norma jurídica”. Nesse traba-
lho, o autor desenvolve a perspectiva de que a essência do direito é ser norma, de que a teoria 
jurídica deve ter como objeto de estudo as proposições normativas (KELSEN, 2012, p. 24-
25). Disso ele depreende que todo direto subjetivo provém de um direito objetivo e que, por-
tanto, não se pode falar em uma “vontade do Estado”, pois ela nada mais é do que uma perso-
nificação do “dever-ser” do ordenamento estatal. 
A respeito do positivismo, é uma teoria que surge para se contrapor à teoria jusnatura-
lista. A teoria naturalista possui um âmbito transcendente, de caráter metafísico e, de acordo 
com Kelsen, teve predomínio no período do desenvolvimento do Estado na monarquia abso-
luta. Mas quando a burguesia liberal no século XIX ascende ao poder, passa a questionar as 
teorias naturalistas, criticando principalmente o aspecto religioso delas e passando a valorizar 
os estudos empíricos, típicos das teorias positivistas. Nesse momento a teoria jusnaturalista é 
suplantada pela juspositivista, mas não de forma total, de modo que o que se percebe é uma 
mescla entre as duas vertentes, tanto que Kelsen afirma haver na teoria do Direito uma junção 
com âmbitos da psicologia, biologia, ética e a teologia (KELSEN, 2006, p. 52). A “Teoria 
Pura do Direito” de Kelsen surge justamente como uma crítica a essa mistura da ciência jurí-
dica com elementos considerados estranhos ao que deve ser uma ciência do direito. 
Kelsen afirma que uma ciência do direito é aquela que “se propõe a investigar causas e 
efeitos daqueles eventos naturais que, qualificados pelas normas jurídicas, se apresentam co-
mo atos públicos” (KELSEN, 2006, p. 58), e afirma que uma teoria que queira, por exemplo, 
entender as causas de um legislador promulgar uma norma e não outra, ou quais os efeitos 
dessa norma, ou como os fatos econômicos ou religiosos influem na aplicação das leis ou co-
mo o comportamento dos homens se modifica pela ordem jurídica, é uma teoria que não pode 
ser qualificada como ciência jurídica, e sim como sociologia jurídica ou filosofia política. 
 O autor critica essas análises sociológicas e filosóficas por serem conhecimentos que 
fazem um juízo de valor e disso resulta que classificam o objeto de estudo, ou seja, o Direito 
como sendo justo ou injusto. Por meio dessa análise valorativa, afirma Kelsen que o teórico 
ou a teoria não se compromete com nada, ou seja, que os valores dados ao ordenamento ser-
vem de instrumento para interesses políticos, criando uma ideologia que pode servir tanto 
para legitimar quanto para desqualificar a ordem social (KELSEN, 2006, p. 63). Dessa forma, 
23 
 
Kelsen classifica a Teoria Pura do Direito como sendo anti-ideológica, e portanto uma “ver-
dadeira ciência do direito” (KELSEN, 2006), porque a ideologia encobre a verdade, buscando 
ou preservá-la ou destruí-la. A ideologia tem por base a vontade e não o conhecimento. 
Esse mesmo processo ocorre quando da análise do conceito de justiça, pois como é um 
conceito valorativo, de acordo com Kelsen a “Justiça é umideal irracional. Seu poder é im-
prescindível para a vontade e o comportamento humano mas não o é para o conhecimento. A 
este só se oferece o direito positivo, ou melhor, encarrega-se dele.” (KELSEN, 2006, p. 62). E 
em relação a busca de saber se o conteúdo do direito é justo ou injusto, ou mesmo compreen-
der o conceito de direito como associado ao de “justiça”, afirma o autor que “o direito – e isso 
é provado pela história do espírito humano, que há milênios se preocupa inutilmente com a 
solução desse problema – não pode ser de modo algum alcançado através do conhecimento 
racional” (KELSEN, 2006, p. 61). 
O autor afirma que embora os questionamentos sobre o Direito Natural feitos pela 
burguesia tenham modificado a teoria do direito, direcionando-a ao positivismo, ainda não 
houve uma teoria pura, pois mesmo no positivismo adotado se fazia uso de análises éticas, 
pelo chamado “mínimo ético” ou “mínimo moral”. E é assim, portanto, que Kelsen busca em 
sua “Teoria Pura do Direito”, fazer um estudo dos fatos da realidade, dissociando-os de juízos 
valorativos. 
 
1.3. Sobre o Estado 
1.3.1. O Direito e o Estado 
Kelsen afirma que um problema da teoria política, que é essencialmente uma teoria do 
Estado, decorre do fato de que a palavra “Estado” é utilizada tanto em sentido amplo, como 
“sociedade”, ou em restrito, como “nação”, ou “governo” ou “órgãos do governo” e por isso 
autores tratam assuntos diferentes com o mesmo termo e alguns ainda fazem uma mescla, 
empregando a mesma palavra com significados diferentes. E é por esse motivo que Kelsen 
deixa claro que pretende valer-se da palavra no sentido puramente jurídico. 
O autor defende que o Direito e o Estado são unos, mas explica que na teoria política 
moderna eles são considerados em um dualismo. Dessa forma, ele analisa vários modos de 
compreender o Estado, começando pelas teorias dualistas, a fim de as criticar. A primeira de-
las é o Estado como ordem e como comunidade constituída pela ordem, na qual o Estado é 
uma realidade, um fato, e surge anteriormente ao Direito, sendo este “criado “por” um Estado 
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ou válido “para” um Estado” (KELSEN, 2005, p. 262). Entretanto, Kelsen afirma que tal dua-
lidade não é defensável pelo fato de que o próprio termo “comunidade” significa que determi-
nado grupo de indivíduos tem a conduta regulamentada por um sistema normativo, ou seja, o 
ordenamento jurídico seria a característica básica e essencial para a existência de um Estado, 
de forma que não se pode dissociar os dois elementos, o Estado é a “sua” (própria) ordem 
jurídica. 
Para poder dissociar o conceito de Estado do de Direito, se deveria pressupor que o 
Estado existisse independentemente da ordem jurídica. Os que defendem tal teoria afirmam 
que o fator de união entre os indivíduos não é o sistema ordenador das condutas, mas pode ser 
ou a interação entre os indivíduos; uma vontade ou interesse comum da comunidade; ou que o 
Estado é um organismo ou uma dominação. Kelsen analisa e critica cada uma dessas teorias. 
A respeito da interação, o autor afirma que esse fator não é suficiente para afirmar que 
haja uma comunidade, pois todos os humanos e até mesmo fenômenos interagem de alguma 
forma. Tão pouco se pode afirmar que a interação seria maior entre indivíduos de um mesmo 
Estado pois há muitas vezes maior interação, seja econômica, política ou cultural, entre indi-
víduos de diferentes Estados do que dentro de um só. 
Quanto à teoria da vontade ou interesse comum, nela se defende que essa “vontade” 
ou “interesse” constituiria uma unidade, que o autor afirma ser uma ficção. É uma ficção pois 
é muito improvável que todos os cidadãos queiram as mesmas coisas, principalmente em co-
munidades grandes, mas mesmo nas pequenas as pessoas dificilmente têm uma vontade una. 
Isso ocorre porque os indivíduos estão em constante mudança e portanto as vontades compar-
tilhadas seriam válidas apenas nos momentos em que essa identificação prevalece, já que os 
cidadãos podem decidir de uma forma e posteriormente mudar de opinião, acabando com a 
unicidade. 
Há ainda uma teoria muito semelhante à da vontade, na qual haveria um sentimento ou 
consciência coletiva, uma espécie de alma coletiva. Kelsen, entretanto, critica essa teoria 
afirmando que a vontade coletiva não pode formar um ser diferente dos indivíduos que per-
tencem a um Estado, e que se assim o fosse, haveria uma transcendência aos dados da experi-
ência e isso degeneraria em uma especulação metafísica. O autor afirma que tal teoria tem 
caráter ideológico por querer mascarar a oposição de interesses de diferentes grupos dentro de 
uma mesma comunidade, tanto que se todos quisessem as mesmas coisas, obedeceriam volun-
tariamente ao ordenamento jurídico e ele não precisaria mais ser coercitivo. 
25 
 
Na teoria do Estado como órgão, o Estado é visto como um organismo natural, em 
analogia com o corpo humano, que é composto por órgãos que possuem funções diferentes e 
possuem hierarquia entre si. Kelsen critica o fato de que tal teoria serve para justificar a auto-
ridade dos órgãos do Estado e consequentemente para aumentar a obediência à eles e não para 
explicar cientificamente o fenômeno do Estado. Já na teoria do Estado como dominação, o 
autor concorda que um fator da essência do Estado é a dominação daqueles que governam 
sobre os que são governados, mas critica o fato de que na teoria sociológica, só se concebe 
como Estado aquele que possui uma dominação considerada legítima e somente é legítima a 
dominação estabelecida com base em uma “ordem jurídica cuja validade é pressuposta pelos 
indivíduos atuantes” (KELSEN, 2005, p. 270). Assim, mesmo nessa teoria sociológica, antes 
de haver a dominação, deve-se pressupor a existência de um ordenamento que legitime tal 
dominação. 
A definição de Estado que Kelsen considera válida é a jurídica, na qual Direito e Esta-
do são elementos indissociáveis. De forma clara e sucinta, a definição do autor é a seguinte: 
“o Estado é aquela ordem da conduta humana que chamamos de ordem jurídica, a ordem à 
qual se ajustam as ações humanas, a ideia à qual os indivíduos adaptam a sua conduta.” 
(KELSEN, 2005, p. 272), e afirma que existe apenas um conceito jurídico de Estado, qual 
seja, o de ordem jurídica, centralizada. 
Para reiterar o fato de que o Estado é uma ordem jurídica, Kelsen analisa a expressão: 
o “Estado é uma sociedade politicamente organizada” e afirma que nessa concepção o caráter 
político do Estado significa ser uma ordem coercitiva, que regula e monopoliza o uso da for-
ça. E essa ordem coercitiva é justamente o Direito, ou seja, o Estado é uma sociedade organi-
zada pelo sistema normativo. Mesmo que o caráter político se deva a uma relação de “poder”, 
esse poder só é possível de ser exercido se houver uma estrutura de ordem normativa que in-
vista alguém no poder e obrigue outro a obedecer. Só quando a ordem coercitiva, ou seja, o 
Direito, é eficaz, que se pode dizer que há esse poder político que se manifesta pelo monopó-
lio do uso da força. 
Kelsen então questiona de que forma o Estado se manifesta na vida social, haja vista 
ele ser invisível e intangível. E a resposta é que sua manifestação ocorre através de ações de 
seres humanos que sejam consideradas ações do Estado. Mas nem todos os indivíduos são 
capazes de realizar ações que sejam consideradas do Estado e mesmo para os que podem rea-
lizar tais ações, não se pode dizer que todas as ações por eles realizadas sejam necessariamen-
te ações do Estado. Sob esse questionamento acerca das ações, Kelsen conclui que o problema 
26 
 
do Estado é um problema de imputação: “uma análise demonstra que imputamos uma ação 
humana ao Estado apenas quando a ação humana em questão corresponde, de uma maneira 
específica, à ordem jurídica pressuposta” (KELSEN, 2005, p. 276). Cabe o destaque de que a 
ação humana é considerada como sendo do Estado quando a ordemjurídica da qual ela pro-
vém é uma ordem válida, ou seja, determinada por autoridade competente. 
As partes cujos atos são considerados como sendo do Estado são denominadas órgãos 
do Estado. Em outras palavras, são órgãos do Estado aqueles que são determinados pela or-
dem jurídica a cumprir funções de criação e aplicação das normas. Especificar o que são e o 
que fazem os órgãos do Estado serve para compreender que o Estado não é uma entidade su-
pra individual que age e tem vontade própria, mas é uma estrutura formada por órgãos, que 
são compostos por pessoas que atuam com determinadas funções prescritas em normas. Esses 
órgãos podem ser compostos por uma coletividade de pessoas bem como por uma pessoa só. 
Kelsen trata também da questão de como pode o Estado ter obrigações e direitos. Ele 
afirma que em uma teoria que admita a dualidade (Direito-Estado) a questão é posta como de 
difícil resolução por questionar como pode o Estado que cria e emana a ordem jurídica estar 
ele mesmo sujeito a essa ordem? Mas Kelsen afirma que esse é um pseudoproblema, haja 
vista que para esse problema existir, deve-se entender o Estado como sendo um ser supra-
individual, e que não faz sentido que se submeta à ordem que ele mesmo cria. O autor soluci-
ona a questão afirmando que não é o Estado que cria o ordenamento jurídico, são os órgãos 
que o compõem que criam e esses órgãos são formados por pessoas e nesse sentido, os órgãos 
criam um ordenamento jurídico regulando a conduta humana. O autor afirma que a única coi-
sa que pode ser objeto de regulamentação do sistema normativo é a conduta humana e que 
não há o menor motivo para duvidar que os seres humanos, mesmo que investidos em função 
de órgãos do Estado, devam ter sua conduta regulamentada pelo Direito. Em síntese, quando 
se diz dos direitos e obrigações do Estado, significa direitos e deveres dos órgãos do Estado. 
 
1.3.2. O território do Estado 
O território de um Estado deve ser entendido como a área na qual há uma mesma or-
dem jurídica que é válida em toda ela. Dessa forma percebe-se que o território não é uma uni-
dade geográfica ou natural e sim jurídica, podendo não ser contígua geográfica ou natural-
mente. Há uma limitação territorial na esfera de validade da ordem jurídica, diferentemente da 
ordem moral ou do Direito internacional, que não possuem uma esfera territorial de validade 
27 
 
limitada, a princípio, já que existem onde houver seres humanos. Essa limitação territorial de 
validade da ordem jurídica significa que somente dentro desse território o Estado pode exercer 
sua coerção e executar suas sanções. É o Direito internacional que “delimita as esferas territo-
riais de validade das várias ordens jurídicas nacionais.” (p. 301) 
Kelsen também trata dos aumentos e diminuições dos territórios, de ocupações, anexa-
ções e cessões, questões que se relacionam com a eficácia da ordem jurídica dentro do territó-
rio. A depender dos processos de modificação de um território pode-se falar do surgimento ou 
não de um novo Estado, a esse respeito, cabe a transcrição do trecho: 
“Um modo de perda de território que não corresponde a um modo de aquisição é o estabe-
lecimento de um novo Estado em uma porção do território de um Estado antigo por parte de 
sua população. O nascimento de um novo Estado tem lugar, como veremos mais tarde, de 
acordo com o princípio de eficácia, quer seja o estabelecimento de um novo Estado resulta-
do de uma secessão revolucionária de uma parte da população como, por exemplo, no caso 
dos Estados Unidos, quer seja resultado de um tratado internacional como, por exemplo, no 
caso de Danzig ou do Estado do Vaticano. O fato constitutivo é o de que uma nova ordem 
jurídica se torna eficaz para um território que, anteriormente, integrava o território de um 
Estado existente; e que, em consequência, a ordem jurídica nacional anteriormente válida 
deixa de ser eficaz para esse território.” (KELSEN, 2005, p. 312) 
Esse entendimento de Kelsen de que quando ocorre a mudança da ordem normativa 
que passa a ser eficaz e quando também mude o território, estabelecendo-se um novo Estado, 
é um assunto relevante para a questão principal do presente trabalho. É relevante pelo fato de 
que o surgimento de um novo Estado pode ser contraposto ao surgimento de um novo gover-
no e as mudanças que ocorrem nesses casos decorrem de transformações nos âmbitos de vali-
dade, eficácia e legitimidade do Estado. 
 
1.3.3 O tempo como elemento do Estado 
Outro elemento do Estado é o tempo. Podem existir dois Estados diferentes em um 
mesmo território mas não ao mesmo tempo, de forma que um Estado existe no espaço de 
tempo no qual a ordem jurídica é eficaz. A eficácia do ordenamento é determinante tanto na 
questão do território quanto na do tempo. Assim como o território é limitado, o tempo tam-
bém o é, de forma que Kelsen trata a respeito do nascimento e morte do Estado e há que se 
diferenciar entre o nascimento de um novo Estado e a mudança para um novo governo: 
“É de reconhecimento geral que a questão de saber se um novo Estado começou a existir ou 
se um antigo Estado deixou de existir deve ser respondida com base no Direito internacio-
nal. Os princípios relevantes do Direito internacional são comumente formulados da se-
guinte maneira: um novo Estado no sentido do Direito internacional, passa a existir caso 
um governo independente tenha se estabelecido proclamando uma ordem coercitiva para 
um determinado território, e se o governo for eficaz; i.e., se for capaz de obter a obediência 
permanente a essa ordem por parte dos indivíduos que vivem nesse território. Pressupõe-se 
28 
 
que o território no qual foi posta em vigor a ordem coercitiva não formou previamente, jun-
to com os indivíduos que nele vivem, o território e a população de um Estado. Ele deve ser 
um território que, junto com os indivíduos que nele vivem, não pertenceu, até então, a Es-
tado algum, ou então a dois ou mais Estados, ou apenas faz parte do território e da popula-
ção de um Estado. Caso haja se estabelecido um governo capaz de obter obediência perma-
nente à sua ordem, em um território e por parte de uma população que já eram o território e 
a população de um único Estado, se o território e a população forem idênticos, então ne-
nhum novo Estado, no sentido do Direito internacional, começou a existir; apenas foi esta-
belecido um novo governo. Admite-se um novo governo apenas se ele for estabelecido 
através de revolução ou coup d’état.”2 (KELSEN, 2005, p. 315-316). 
Para Kelsen a existência do Estado está essencialmente identificada com a eficácia da 
ordem jurídica e ele afirma que mesmo que haja uma revolução ou golpe de estado, se estes 
forem bem sucedidos, mantêm a identidade da ordem jurídica. Se o golpe ou revolução man-
tiverem o território da mesma forma que era, essa situação é considerada pelo Direito interna-
cional como sendo um governo legítimo e que mesmo que a modificação do ordenamento não 
ocorra de acordo com a constituição anterior, a mudança de governo é apenas um procedi-
mento para modificar a ordem jurídica nacional. 
O reconhecimento de uma comunidade como “Estado” se dá por meio de um proce-
dimento de Direito internacional, no qual “competentes para determinar a existência desse 
fato [o Estado] são os governos dos outros Estados interessados na existência do Estado em 
questão” (KELSEN, 2005, p. 319). Há dois tipos de reconhecimento, um deles é como ato 
jurídico e outro como ato político. O político significa que o Estado reconhecedor está dispos-
to a travar relações políticas com o outro Estado e embora tal ato possa ter grande significado, 
ele não é o bastante para constituir a existência do outro Estado. Já o ato jurídico depende 
exclusivamente do Estado em questão cumprir os requisitos do direito internacional, ou seja, 
possuir um ordenamento jurídico eficaz, em um território. A diferença entre um ato e outro 
consisteno fato de o ato político poder ser condicionado e o jurídico não. O ato político pode 
ser condicionado no sentido de, por exemplo, um Estado exigir o cumprimento de determina-
dos atos do outro Estado para reconhecê-lo, ou então decidir não o reconhecer para mostrar 
insatisfação com a mudança de governo ou a anexação do outro território, ao passo que o re-
conhecimento jurídico não pode ser condicionado, ou seja, se o Estado em questão possuir um 
ordenamento jurídico eficaz, ele cumpre os requisitos do Direito internacional e existe juridi-
camente, independentemente da forma como o ordenamento foi instituído. 
Assim como há o reconhecimento jurídico e político de um Estado, há também o reco-
nhecimento de um governo. E “o primeiro ato, como foi assinalado, é o estabelecimento do 
fato de que um indivíduo ou um corpo de indivíduos é efetivamente o governo de um Estado. 
 
2 Coup d’etat significa “golpe de estado ou subversão da ordem constitucional”. 
29 
 
O segundo ato é a declaração de disposição para travar relações mútuas com esse governo.” 
(KELSEN, 2005, p. 327). O que torna um governo representante do Estado em âmbito inter-
nacional é a constituição eficaz dele. Há que se ressaltar que para que um Estado seja reco-
nhecido, deve-se subentender que ele possui governo, ou seja, o reconhecimento jurídico de 
um Estado é também o reconhecimento de seu governo. 
Como se percebe, o tempo como elemento do Estado serve para diferenciar as mudan-
ças, surgimento de Estados ou governos diferentes do que havia antes em dado território. O 
autor trata sobre a sucessão de Estados e elas ocorrem quando há mudança territorial do Esta-
do, pois do contrário, se o território se mantiver, a identidade do Estado também é mantida. 
No caso de haver manutenção do território do Estado, pode haver uma mudança de governo. 
Kelsen fala em manutenção da identidade do Estado porque entende que a mudança de gover-
no, quando eficaz, é somente um meio de transformação do ordenamento jurídico do Estado, 
mesmo que por meio de um golpe de Estado. 
 
1.3.4. O povo 
Assim como em relação ao território, o povo não é um elemento determinado pela na-
tureza, mas é uma unidade jurídica. Essa unidade reflete o conjunto de pessoas que tem a sua 
conduta regulamentada pela mesma ordem jurídica nacional. E tem sua conduta regulamenta-
da aquelas pessoas que estão dentro do território de um Estado, que é a esfera de validade pra 
ordem jurídica, e é o local onde essa ordem pode ser coercitiva, executar as sanções estabele-
cidas. 
Entretanto, se nota que mesmo dentro de um território no qual há uma mesma ordem 
jurídica coercitiva para os que ali estejam presentes, há diferenças entre aqueles que são de-
nominados cidadãos e os que não são, cabendo, portanto, analisar em que consiste tal diferen-
ça. Kelsen afirma que a cidadania ou nacionalidade é um status pessoal, do qual decorrem 
direitos e obrigações específicas. Dentre os direitos comumente reservados aos cidadãos, cabe 
destacar os direitos políticos, sendo o principal deles o direito de votar, de participar das elei-
ções, assim como o de ser eleito. O autor afirma que os direitos políticos têm, portanto, maior 
importância para a criação e execução das leis do Estado e que aos cidadãos é dada a possibi-
lidade jurídica de participar desses processos. Ele ressalva o fato de que apenas na democracia 
todos os cidadãos tem direitos políticos, ao passo que nas autocracias, os direitos políticos são 
reservados a grupos maiores ou menores de cidadãos, de forma que algumas pessoas são con-
30 
 
sideradas cidadãs enquanto outras são somente sujeitos à ordem jurídica do Estado. A questão 
da democracia e da autocracia é um assunto que será tratado mais adiante. 
Outro destaque que pode ser feito é o de que os direitos políticos podem não ser exclu-
sivos de cidadãos. O autor exemplifica que são direitos políticos estendidos à não nacionais, 
por exemplo, a segurança, liberdade de expressão, direito contra busca e apreensões desarra-
zoadas. Nesse sentido, a diferença entre cidadãos e não cidadãos, ou seja, sujeitos, não é tão 
importante, é diminuída, já que a tendência é haver uma equalização entre os residentes em 
um mesmo Estado. Ele afirma que diversos são os casos em que possuir ou não cidadania não 
é fator relevante quando se consideram os deveres e direitos dentro de um só Estado, e que a 
cidadania é um conceito mais importante nas relações internacionais. Isso é percebido porque 
a determinação de cidadãos e sujeitos serve para estabelecer quais pessoas podem ser protegi-
das contra a violação de seus direitos por parte de outros Estados, como por exemplo, o fato 
de um Estado não poder extraditar seu nacional, mas poder fazer isso com um estrangeiro. 
 
1.4. Sobre o poder político e os três poderes 
O estudo do poder do Estado deve começar com a concepção mais ampla. Na análise 
comumente feita, o poder é identificado como a soberania do Estado. Kelsen, entretanto, en-
tende que é mais preciso analisar o poder como a validade e eficácia da ordem jurídica nacio-
nal. Por eficácia entende-se a capacidade coercitiva da ordem jurídica, que se manifesta pelo 
monopólio do uso da força e aplicação das sanções, sendo este um fator importante do poder 
político. 
Embora Kelsen analise os três poderes de forma separada, ele entende que essa sepa-
ração não se sustenta em relação aos fatos. Isso ocorre porque na teoria kelseniana não há três 
funções básicas do Estado, e sim duas, quais sejam a criação e a aplicação do Direito (legis 
latio e legis executio). O autor defende ainda que não se pode afirmar que haja uma separação 
tão clara desses poderes, pois todos os órgãos em certa medida criam e aplicam o Direito. A 
criação e aplicação do Direito são intimamente ligadas à validade e eficácia, que representam 
o poder político, como já dito. A criação diz respeito à validade, pois o ordenamento só é cor-
retamente criado, e portanto válido, se cumprir com certas formalidades, como ser feito por 
uma autoridade competente. Já a eficácia está diretamente relacionada com a aplicação das 
normas, pois só é eficaz um ordenamento coercitivo, que seja aplicado. Dada essa visão ampla 
dos poderes políticos, que ainda serão mais analisados no trabalho, cabe agora destacar a fun-
31 
 
ção de cada um dos três poderes e perceber como na teoria de Kelsen eles todos acabam por 
possuir as duas funções, ou seja, em maior ou menor medida, criam e aplicam as normas jurí-
dicas. 
Em relação ao poder legislativo, Kelsen afirma que em nenhum Estado moderno se 
pode dizer que a criação de normas jurídicas é feita somente por órgãos desse poder. O que se 
pode dizer é tão somente que a criação de normas jurídicas gerais são válidas independente-
mente do órgão que a criou, desde que o órgão do poder legislativo tenha dado autorização ao 
órgão de outro poder para gerar normas. Nesse sentido, o órgão legislativo é “a fonte de todas 
as normas gerais, em parte diretamente e em parte indiretamente, através dos órgãos aos quais 
delega competência legislativa” (KELSEN, 2005, p. 387). 
Para explicitar em que medida os órgãos do executivo e do judiciário atuam como ór-
gãos do poder legislativo, Kelsen dá alguns exemplos. Os órgãos do executivo exercem essa 
função quando podem regulamentar positivamente questões que o órgão legislativo ainda não 
positivou, mas isso não exclui a competência dos órgãos do legislativo depois positivarem a 
mesma matéria. Além disso, o chefe do executivo também apresenta competência legislativa 
quando pode ter a iniciativa dentro do processo legislativo, ou então quando a aprovação de 
uma lei depende de sua sanção ou veto. Já em relação aos órgãos do judiciário, eles exercem 
função legislativa quando podem anular leis inconstitucionais ou um decreto-lei, ou mesmo 
quando uma decisão judicial passaa servir de precedente para o julgamento de outras causas 
que sejam similares. 
Resulta que a maior diferença entre os órgãos do legislativo e os outros é o fato de que 
somente as normas emitidas pelo legislativo são denominadas “lei” ao passo que as dos outros 
poderes possuem diferentes denominações, como “decreto-lei” ou “súmula”. Embora as no-
menclaturas sejam diferentes, a função normativa é a mesma. 
Com relação ao poder judiciário, na teoria das duas funções do Estado de Kelsen, ele é 
na verdade um poder executivo na medida em que executa as normas. Desse modo, cabe es-
pecificar em que medida essa função executiva difere daquela atribuída ao poder executivo. A 
função executiva do poder judiciário consiste no estabelecimento de um fato como sendo um 
delito tanto civil quanto criminal e a respectiva aplicação da sanção. Essa função é caracteri-
zada também por possuir uma controvérsia entre as partes envolvidas. A função executiva do 
poder executivo pode ser caracterizada pela aplicação das leis que tenham caráter administra-
tivo, como as relativas ao fisco ou vigilância sanitária. Uma diferença entre os órgãos desses 
32 
 
poderes consiste no fato de que os juízes possuem independência ao passo que os órgãos do 
poder executivo devem obedecer a autoridade hierarquicamente superior. 
Uma função específica do poder executivo é o ato administrativo. Os atos administra-
tivos são atos unilaterais de vontade, por exemplo, as ordens decretadas por um órgão, como a 
de pagamento de impostos, ou a concessão de licenças ou alvarás para a realização de deter-
minadas atividades, mas podem ocorrer atos bilaterais também, como contratos. Os atos ad-
ministrativos quando não cumpridos podem dar ensejo a procedimentos judiciários, mas estes 
ocorrem ou podem ocorrer em órgãos administrativos, que estabelecem as sanções, pois de 
acordo com a teoria de Kelsen, o que se verifica é que os órgãos do judiciário atuam quando 
as causas são civis ou criminais. Os atos realizados coercitivamente pelos órgãos do poder 
executivo podem não ser necessariamente sanções. Medidas como a evacuação forçada de 
habitantes de construções que ameaçam desabar ou o sacrifício de animais, como o gado, in-
fectados por doenças e que possam trazer perigo à população são exemplos de medidas coer-
citivas administrativas que não são sanções, por serem decorrentes de situações que dependam 
da vontade humana. 
Tanto os atos do poder executivo quanto os do legislativo podem ser analisados e jul-
gados pelos órgãos do poder judiciário. Os tribunais ordinários (em oposição aos que são do 
poder administrativo) podem julgar tanto a constitucionalidade de uma lei que o poder execu-
tivo quer aplicar quanto os próprios atos administrativos e em relação ao poder legislativo, 
julgam a constitucionalidade de leis ou decretos. Kelsen afirma que essa característica do po-
der judiciário se deve a questões históricas e surge na mudança da monarquia absoluta para a 
constitucional, pois no início a independência dos órgãos do judiciário se deu em relação ao 
monarca, que continuou com as funções executiva e legislativa. Posteriormente a função le-
gislativa do monarca passou a depender da atuação do parlamento, que em determinado mo-
mento o ultrapassou em importância para a criação das leis. E por meio dessa contextualiza-
ção histórica é possível notar que “o controle da legislação e da administração por tribunais 
tem nítido significado político dentro de uma monarquia constitucional” (KELSEN, 2005, p. 
402), pois pretendia uma distribuição das funções do Estado em diferentes órgãos e uma des-
centralização do poder do monarca. Para Kelsen não houve uma “separação dos poderes”, 
tanto que os diferentes poderes cumprem determinadas funções que supostamente seriam de 
responsabilidade de outro órgão e dessa forma o autor afirma que o ocorrido foi uma divisão 
de competências entre o monarca, o parlamento e os tribunais. Historicamente o que houve 
33 
 
não foi uma intenção de separação de poderes, mas uma descentralização das competências 
do monarca. 
Mais especificamente, em relação à democracia, Kelsen afirma que essa divisão dos 
poderes deve ser entendida como resultante do processo histórico, mas que não significa que a 
separação é uma característica da essência da democracia. A característica essencial da demo-
cracia é o poder estar totalmente concentrado no povo e preferencialmente de forma direta, 
mas quando isso não é possível, deve haver uma eleição dos membros dos órgãos dos poderes 
e eles passam a ser juridicamente responsáveis para com o povo. Nesse sentido, Kelsen enfa-
tiza a eleição do órgão colegiado do parlamento e afirma que mesmo que os outros órgãos 
também sejam eleitos pelo povo, eles são responsáveis em relação ao legislativo porque é por 
meio das leis que ele edita que se estabelecem as competências dos outros órgãos, e é dessa 
forma que o legislativo exerce controle sobre os outros. Por fim, a conclusão é de que a divi-
são de competências dos órgãos depende do que estiver estabelecido na constituição de cada 
Estado e que esse processo só pode ser entendido de forma histórica, não precisamente pelo 
estudo dos elementos democráticos. 
 
1.5. Sobre as diferentes formas de governo e a importância da democracia 
Até este ponto, o presente trabalho analisou o que se poderia chamar de teoria ampla 
ou das bases do Estado – o que se entende por Estado, governo, poder, qual a fundamentação 
do Estado. E a partir de agora a explanação será em um sentido mais restrito, começando-se 
pela análise das diferentes classificações de governos, a seguir, a importância que Kelsen dá 
para a democracia e onde está a representação dentro dessa teoria. Esse percurso será feito 
com o fim de observar se a representação é um fator determinante nas questões práticas de 
crise e modificação do ordenamento normativo, do governo, constituição e do próprio Estado, 
ou seja, em que pontos pode-se relacionar a representação com a legitimidade. 
Dentro da teoria clássica de classificação dos governos, há três espécies que são a 
monarquia, a aristocracia e a democracia. Kelsen afirma que na teoria clássica o fator 
qualificativo é a organização do poder soberano, pois na monarquia o poder pertence ao rei, 
na aristocracia à uma minoria da população e na democracia à maioria da população. Mas o 
autor entende que o critério de classificação não deve ser o poder soberano, pois em uma 
teoria jurídica, o que difere as formas de Estado são as constituições. Nesse sentido, a 
34 
 
depender de como é criada a constituição, há dois tipos de governo, duas formas de Estado, 
que são a democracia e a autocracia. 
O que difere esses dois tipos de constituições é a liberdade política. Há liberdade 
quando a constituição é criada de modo que “o que ele [indivíduo] “deve” fazer, segundo a 
ordem social, coincide com o que ele “quer” fazer” (KELSEN, 2005, p. 406), pois do 
contrário o indivíduo não participa da criação do ordenamento, ou participa de forma precária. 
No primeiro caso a constituição é democrática e há liberdade dos sujeitos e no segundo é 
autocrática, não havendo liberdade. Quanto à democracia, Kelsen afirma que ela significa que 
a ““vontade” representada na ordem jurídica do Estado é idêntica às vontades dos sujeitos” 
(KELSEN, 2005, p. 406), ao passo que na autocracia não, pois os sujeitos são excluídos da 
criação da ordem jurídica. O autor esclarece que esses dois tipos de constituição não são os 
tipos historicamente verificados, mas sim tipos ideais, e o que ocorre na realidade é que 
nenhuma sociedade é puramente autocrática ou democrática, o que há é uma mistura entre os 
dois fatores e a depender do grau de cada um deles, se verificam diferentes formas de 
governo. Outros fatores que também incidem sobre o governo ser classificado como 
democrático ou autocrático são não só a criação da constituição, mas do ordenamentocomo 
um todo, nos diversos processos legislativos, além da responsabilização jurídica dos chefes do 
executivo ou órgãos governamentais por seus atos. 
Quanto à autocracia, a forma mais evidente historicamente verificada é a monarquia 
absolutista, na qual a ordem jurídica é criada e aplicada ou pelo rei ou por órgãos que ele 
nomeou. E o monarca não está sob a lei e portanto não é sujeito à sanções jurídicas, além de 
que é um governo hereditário, ou seja, aqueles que são sujeitos ao ordenamento não podem 
escolher o monarca. Outra forma de autocracia é a monarquia constitucional, nela já há a 
independência dos tribunais, que não estão, portanto, sujeitos às vontades do monarca, assim 
como há a participação de um parlamento que é em geral composto por duas câmaras e há 
também ministros de gabinete. Cabe o destaque à esses últimos por atuarem como chefes da 
administração em diferentes campos e pelo fato de que embora eles sejam nomeados pelo 
monarca, são responsáveis perante o parlamento. Destaca-se a responsabilidade jurídica, pois 
de acordo com Kelsen, os ministros estão sujeitos a “impeachment” por violação da 
constituição ou mesmo outras leis. O autor também menciona uma responsabilização política, 
no sentido de que os ministros seriam obrigados a renunciar caso perdessem a confiança de 
uma das casas do parlamento. A monarquia constitucional apresenta características de 
autocracia pelo fato de que o monarca ainda não pode ser responsabilizado, entretanto, seus 
35 
 
atos devem ser ratificados pelos ministros de gabinete, embora ele continue representando o 
seu Estado em relação aos outros Estados e seja o comandante-em-chefe das forças armadas. 
Kelsen ainda classifica como autocracia as repúblicas presidencial ou com governo de 
gabinete. Em relação à república presidencial, ele afirma que ela é estruturada de forma 
semelhante à monarquia constitucional, se diferenciando no que tange à legislação, pois neste 
caso o monarca possui mais poderes do que o presidente, já que enquanto este pode vetar um 
projeto de lei, o outro deve aprovar o dispositivo para que ele seja promulgado. Mas em 
comum com o monarca, o presidente também não responde ao parlamento por seus atos, nem 
respondem os membros do gabinete que foram por ele nomeados. Já na república com 
governo de gabinete, ou o chefe do executivo é eleito pelo legislativo e os membros do 
gabinete que forem nomeados pelo chefe do executivo respondem por seus atos, ou então há 
um colegiado eleito pelo legislativo e o chefe do Estado não é chefe do executivo, apenas 
cabendo a ele dirigir esse colegiado. 
A última forma governamental que Kelsen trata sob o título de autocracia são as 
ditaduras de partido. O autor usa como exemplo o “bolchevismo” russo, o “fascismo” italiano 
e o Estado social-nacionalista da Alemanha. O “bolchevismo” proveio do partido que 
defendia os interesses do proletariado, já o “fascismo” decorreu de um partido de classe 
média. Nesses três casos há um culto ao líder, a censura da imprensa e a proibição da 
liberdade de expressão, podendo tanto os órgãos do Estado quanto os do partido intervir na 
liberdade dos cidadãos. Kelsen afirma que a manutenção de tais regimes só é possível por 
meio de propagação sistemática de uma ideologia pelo governo e que enquanto na ditadura do 
proletáriado a ideologia é o socialismo, nas ditaduras burguesas é o nacionalismo. O autor 
ainda afirma que embora nessas ditaduras possa haver eleições ou órgãos democráticos, eles 
servem somente para dissimular a ditadura, já que no final ninguém poderia exprimir a sua 
opinião se ela não fosse condizente com as idéias do partido, sob o risco de danos ao 
patrimônio, liberdade e vida. 
Para a análise da democracia, o autor começa a teoria explicando a respeito do 
conceito de liberdade. Retomando um pouco, deve-se entender que dentro de um governo 
democrático aqueles que são sujeitos ao ordenamento normativo participam ativamente na 
criação dele, mas essa participação na formação da sociedade não é um processo livre de 
conflitos, como se verá a seguir. 
As sociedades são compostas por seres humanos e estes possuem algumas necessida-
des, com destaque para a liberdade, que deve estar contida na organização social. 
36 
 
Independentemente do tipo de regime governamental e das estruturas de organização do 
poder, em toda forma de convivência coletiva dos seres humanos se observam questões a 
respeito da liberdade e seu cerceamento. Isso ocorre pelo fato de que ao mesmo tempo em que 
o ser humano é um ser que naturalmente demanda e tem necessidade de liberdade, vive 
organizado em sociedades e a vida em conjunto depreende um esforço individual de limitação 
dessa liberdade. 
Há então a necessidade de organizar a amplitude de liberdade individual a fim de que 
a sociedade organizada possa compreender a coletividade de liberdades individuais, ou seja, 
buscar-se equalizar a liberdade das pessoas, de forma que a liberdade de um não impeça a de 
outro. Esta não é um elemento de simples realização, pois os indivíduos possuem vontades 
divergentes, podendo ser até opostas, e portanto a realização da vontade de um pode significar 
a não realização da de outro. Para organizar essas diferentes vontades, as sociedades 
estabelecem um poder centralizado, seja em uma ou algumas pessoas, que passam a ordenar, 
gerir e até certo ponto controlar a sociedade. 
Em relação à essa centralização surge o questionamento: “Ele é homem como eu, 
somos iguais, então que direito tem ele de mandar em mim?” (KELSEN, 2000, p. 27). A 
solução apontada por Kelsen para esse impasse consiste no fato de que a pessoa pode ser livre 
mesmo submetida à ordem do Estado. E que, pelo contrário, “o indivíduo que cria a ordem do 
Estado, organicamente unido a outros indivíduos, é livre justamente nos laços dessa união, e 
apenas nela” (KELSEN, 2000, p. 33). Há aqui uma transformação da ideia de liberdade, que 
deixa de ser natural para se tornar política, pois enquanto no problema levantado a liberdade 
teria um caráter de que os seres humanos, por serem iguais, não devem governar uns aos 
outros, ao transformar o conceito, passa a ser justamente na organização estruturada da 
sociedade que se garante e pode-se fiscalizar o cumprimento do direito à liberdade, o direito 
de se auto-governar em sua vida particular e de participar politicamente da sociedade. Dentro 
desse contexto, é livre politicamente aquele que participa da formação do ordenamento 
normativo. 
Kelsen analisa a teoria de Rousseau, na qual há o ideal de autodeterminação, do qual 
se depreende que a ordem social deve ser criada por meio de uma decisão unânime dos que 
são sujeitos à essa ordem. A ordem seria válida enquanto houvesse unanimidade, e para haver 
modificação, seria necessária a aprovação de todos os sujeitos. No caso de discordância de um 
indivíduo, ele poderia simplesmente se retirar da sociedade, já que essa sociedade não com-
preende contradições entre a ordem social e a vontade dos sujeitos. Mas Kelsen critica essa 
37 
 
teoria afirmando que nessa sociedade um ordenamento normativo seria desnecessário, pois se 
houver plena sobreposição entre a conduta dos indivíduos e a ordem social, a própria ordem 
não existiria ou seria útil, já que somente quando um indivíduo viola a ordem é que ele passa 
a estar sujeito à ela. Nesse sentido o autor conclui que “uma ordem social genuína é incompa-
tível com o grau máximo de autodeterminação” (KELSEN, 2005). 
Considerando o fato de que os indivíduos já nascem em ordens sociais preestabeleci-
das, a autodeterminação e liberdade individual existem quando há a possibilidade de modifi-
cação dessa ordem. O autor entende que o grau máximo de autodeterminação existe quando a 
modificação da ordem da sociedade se dá pelo consentimento da maioria simples dos sujeitos 
que pertencem à ela, pois assim o número dos que aprovam a ordem será sempre maiordo 
que os que desaprovam. A justificativa de tal teoria é de que se não fosse assim, se houvesse a 
necessidade de uma maioria qualificada ou da unanimidade, um único sujeito ou uma minoria 
de sujeitos bastaria para impedir a modificação da sociedade e a ordem estaria, portanto, em 
discordância com a vontade da maioria da população. 
O autor ressalva o fato de que o princípio da maioria não significa que deva haver uma 
ditadura da maioria sobre a minoria. Muito pelo contrário, o direito da maioria implica que 
haja uma minoria e que só há realmente uma democracia se a minoria puder participar, pois a 
democracia implica a participação de todos. Não obstante, uma minoria pode tentar influenci-
ar outros grupos por meio da livre argumentação, e se tornar posteriormente uma maioria. 
Essa multiplicidade de opiniões consiste em característica essencial da democracia. 
Kelsen une o conceito de autodeterminação máxima com a discussão livre da maioria 
com a minoria. Ele afirma que por meio da argumentação entre os diferentes grupos todos 
participam da criação do ordenamento, se autodeterminando, e assim criam-se compromissos 
entre as partes e todos passam a aceitar de maneira voluntária e mais facilitada a sujeição à 
ordem jurídica que seja democrática. 
Cabe um parêntese para clarear alguns pontos da teoria de Kelsen, pois ele descreve os 
elementos sociais com base no pressuposto da antítese entre ideologia e realidade. Ele afirma 
que há pessoas que fazem a análise da sociedade ignorando um aspecto ou o outro, mas os 
dois devem ser analisados, porque as teorias ideais possuem impedimentos de ordem prática, 
ao mesmo tempo em que a prática busca alcançar os objetivos ideais da melhor forma 
possível. E essa divisão entre a “ideologia” e a “realidade” acompanha todas as ideias que 
estão compreendidas dentro de uma teoria sobre a democracia, ou seja, os conceitos de 
“povo”, “representação”, e mesmo “democracia”. 
38 
 
Já foi tratada aqui a antítese do conceito de liberdade. O plano ideal consiste na teoria 
da liberdade natural, na qual os indivíduos tem uma demanda de liberdade, ou seja, a possibi-
lidade de exercerem suas vontades sem que haja interferência externa. O plano real, no entan-
to, evidencia que os seres humanos vivem em comunidade e que para tanto não é possível 
viver em plena liberdade, pois isso poderia acarretar a supressão da liberdade de outros. As-
sim, a síntese consiste na transformação do conceito de liberdade natural para o político, no 
qual somente há liberdade quando a pessoa participa ativamente da construção de sua comu-
nidade e que haja uma organização tal que a liberdade individual de todos seja garantida por 
meio de um controle de condutas num nível social, ou seja, as ações realizadas no nível da 
comunidade são controladas de modo a garantir a liberdade das ações do indivíduo em sua 
vida privada e particular. 
Outra antítese apresentada na teoria kelseniana é em relação ao conceito de “povo”. 
Vale retomar que em um plano ideal o povo seria aquele que é unido por meio de uma vonta-
de conjunta, geral que se une para a realização da ordem social. Já no plano real, o povo é 
aquele conjunto de pessoas que estão submetidos ao mesmo sistema normativo. Em relação à 
democracia, a atuação ideal do povo seria a participação de cada indivíduo, de forma direta, 
opinando e influenciando pela argumentação os outros indivíduos. Já no plano real, a atuação 
dos indivíduos não tem existência real, pois não exerce influência sobre a formação da vonta-
de do Estado. A síntese desses fatores é a união dos indivíduos com aqueles que possuem 
opiniões políticas assemelhadas e assim diferentes grupos dialogam e negociam, buscando 
influenciar-se mutuamente para a construção de compromissos e tomadas de decisão e os gru-
pos formam a vontade do Estado e não de pessoas individuais. Esses grupos de pessoas são os 
partidos políticos que serão melhor analisados adiante. 
 
1.6. Representação na democracia parlamentar 
Para compreender o estudo do parlamentarismo dentro da teoria de Kelsen, é 
necessário partir da compreensão de que, para este autor, o regime parlamentar surgiu como 
alternativa prática de tornar possível a transição de governos autocráticos para democráticos, 
do final do século XVIII e início do XIX. “A luta pelo parlamentarismo foi uma luta pela 
liberdade política” (KELSEN, 2000, p. 46), tanto que a eleição do parlamento feita pelo povo 
era o máximo que a população conseguia na sua atuação ante o monarca absoluto. 
Deve-se diferenciar parlamentarismo de democracia. É possível haver uma democracia 
sem parlamento quando a democracia é direta, pois o parlamento serve como um órgão que 
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atua no lugar, representando o povo. Kelsen afirma que no Estado moderno a democracia 
direta é praticamente impossível, pois seria necessária a formação da vontade estatal na 
assembléia do povo. Dessa forma, a importância do parlamento é a de conseguir realizar a 
democracia. O autor define o parlamentarismo como a “formação da vontade normativa do 
Estado mediante um órgão colegiado eleito pelo povo com base no sufrágio universal e igual 
para todos, isto é, democraticamente, portanto segundo o princípio de maioria” (KELSEN, 
2000, p. 113). 
O parlamento representa a união do postulado da liberdade democrática com a divisão 
do trabalho, que é uma condição do progresso da técnica social. Explicando melhor, há na 
união desses dois elementos uma espécie de paradoxo. Com base exclusivamente no princípio 
de liberdade, a vontade estatal, em todos os níveis de sua expressão e manifestações deveria 
emanar exclusivamente da assembléia popular, onde se reuniriam todos os cidadãos com 
direito de votos. A partir desse ponto, ressalta-se que a manifestação de vontade coletiva da 
sociedade não significa a unanimidade de votos, mas sim decorrente de decisões majoritárias. 
Além disso, o ponto de maior destaque deve ser feito no sentido de que os Estados modernos 
mostraram a necessidade de divisão do trabalho e ela se expressa pela formação de um órgão 
que se torna responsável por emanar a vontade geral, ou seja, o parlamento. Ele, ainda que 
eleito pelo povo, cria a vontade estatal de forma indireta. Há nesse processo, como se percebe, 
certa limitação da liberdade. 
Percebe-se então que o parlamentarismo surgiu de uma necessidade do povo. Para 
fazer cumprir alguns direitos e se poder atuar perante os monarcas, criou-se esse órgão que 
deveria representar as vontades das pessoas. Nesse primeiro momento a representação nao foi 
questionada e nem pensada, pois significava uma abertura política e um maior alcance de 
direitos. Entretanto, quando esse órgão adquiriu maior poder de atuação, começou-se a 
questionar mais a respeito da forma, o meio pelo qual a população era representada e tinha a 
sua participação e vontade políticas realizadas. Ou seja, o parlamento surge para suprir uma 
demanda de ordem prática, sendo um órgão que atua conjuntamente com o monarca e 
pretende limitar a atuação dele. A representação criada pelo parlamentarismo foi um avanço 
no sentido de democratizar o sistema autocrático que havia, mas posteriormente esse órgão 
passou a ser questionado e se pode notar que é sim uma maneira de representação, mas que 
possui falhas práticas que devem ser revistas. A principal crítica a esse órgão consiste no fato 
dele criar a ficção de que seja representativo. 
40 
 
Ainda assim, o autor afirma que o parlamentarismo é uma boa forma de organizar 
politicamente a sociedade e ela serve bem para manter a democracia. A democracia indireta é 
a forma mais viável de organizar o poder político, aliando a liberdade democrática com a 
divisão do trabalho, que se mostra necessária devido à dimensão dos Estados modernos. 
 
1.7. Representação como ficção 
Dentro do governo democrático, a democracia direta seria o mais alto grau de 
realização do tipo ideal. Nela,as principais funções executivas, legislativas e judiciárias 
seriam exercidas em assembléias populares pelos cidadãos. Mas esse procedimento é 
dificultado pelo fato de que somente funcionaria em grupos pequenos de pessoas, além de que 
o autor também esclarece que historicamente é difícil encontrar exemplos de democracias 
diretas, pois mesmo naqueles ususalmente citados, como a democracia grega ou de tribos 
germânicas, muitos indivíduos eram proibidos de participar politicamente da comunidade, o 
que o autor entende que é uma forma de exclusão de minorias. A democracia direta não 
possui papel importante na vida política moderna, principalmente por causa do tamanho dos 
Estados. 
Como forma de solucionar essa questão da democracia direta, surgiu, como ja foi 
visto, o parlamentarismo. Ele foi criado como um órgão alternativo aos poderes absolutos do 
monarca e, em relação ao povo, seria a forma de um grupo menor de indivíduos, eleitos, 
representarem a vontade do restante da população, cuja atuação direta seria impossibilitada 
por razões práticas. E ao mesmo tempo em que havia esse impasse prático, a impressão que se 
intencionava transmitir era a de que no parlamento se realizava a liberdade democrática e foi 
então que surgiu a ficção da representação. Essa ficção consiste na afirmação de que o 
parlamento é o representante do povo e que este só pode manifestar a sua vontade no e por 
meio do parlamento, mas que, ao mesmo tempo, ele é um órgão juridicamente independente 
do povo, ou seja, os deputados não são responsáveis perante a população que os elegeu. 
Kelsen aponta para o fato de que a divulgação de que o parlamento é um órgão que expressa a 
vontade do povo é uma forma de mascarar o fato de que na verdade criou-se um órgão 
independente que atua expressando uma vontade própria e que a atuação do povo seria restrita 
ao ato de escolher os membros do parlamento. 
Há então a questão de saber se os membros eleitos para o parlamento representam a 
vontade daquele grupo que os elegou ou se deve representar toda a popuação. Passou-se a 
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entender que o membro do parlamento não é representante daqueles que o elegeram, mas de 
toda a população. Dessa maneira o eleito não é responsável perante seus eleitores e não pode 
ser destituído por eles. Mas Kelsen afirma que essa independência é uma ficção política, pois 
a representação do povo pelo parlamento significa que este exerce o poder legislativo da 
população como se fosse por procuração, já que o povo não pode exercê-lo de forma direta. E 
essa independência é incompatível com a representação jurídica, pois se não houver nenhuma 
garantia de que a vontade do eleitorado será executada, a relação jurídica não existe. Assim, o 
órgão representaria a vontade da população tanto quanto um monarca hereditário. Kelsen 
afirma que os teóricos que defendem a independência dos órgãos eleitos de seus eleitores não 
estão fazendo ciência e sim defendendo ideologias políticas, dissimulando a realidade de que 
o povo tem apenas a função de criar o órgão legislativo, sob o véu de que o legislador é o 
próprio povo, e este atua por meio de seus eleitos. 
Esta relação entre democracia e parlamentarismo é, em síntese, que no Estado 
moderno a democracia é indireta e parlamentar e “a vontade geral diretiva só é formada por 
uma maioria de eleitos pela maioria dos titulares dos direitos políticos. Os direitos políticos – 
isto é, a liberdade – reduzem-se a um simples direito de voto” (KELSEN, 2000, p. 43), 
todavia quando o parlamento surgiu, a ficção da representação servia para legitimar o 
parlamento do ponto de vista da soberania popular. Ainda que a representaçaõ seja uma 
ficção, Kelsen não desqualifica a importância do parlamento, e, ao contrário, se vale dos 
problemas advindos dessa representação para sugerir algumas formas de melhorar o sistema 
parlamentarista para que haja maior representatividade. 
 
1.8. Solução do problema da representação 
Kelsen entende que o sistema parlamentarista está posto em diversas sociedades e que 
não seja possível criar a ordem estatal desde o início, então ele propõe uma série de medidas 
modificativas da ordem parlamentar existente. Assim, ao longo de sua teoria, ele apresenta 
algumas soluções em diferentes níveis que serão tratadas neste tópico. 
Nos Estados Modernos a autodeterminação passou a ser limitada à liberdade de 
escolha dos órgãos do governo, pela eleição, havendo então a democracia indireta ou 
representativa. Kelsen afirma que o governo, segundo a definição tradicional, seria 
“representativo” pois os funcionários eleitos, enquanto estivessem no poder, refletiriam a 
vontade dos eleitores e seriam responsáveis para com eles. A crítica de Kelsen é bem 
explicada a seguir: 
42 
 
“Não pode haver qualquer dúvida de que, julgadas por este teste, nenhuma das democracias 
existentes ditas “representativas” são de fato representativas. Na maioria delas, os orgãos 
administratio e judiciário são selecionados por outros méodos que não a eleição popular, e 
em quase todas as democracias ditas “representativas”, os membros eleitos do parlamento e 
outros funcionários popularmente eleitos, em especial o chefe de Estado, não são 
responsáveis juridicamente perante o eleitorado” (KELSEN, 2005, p. 414). 
A solução apontada por Kelsen para essa questão é de que não basta que os órgãos do 
governo sejam eleitos pela população, eles devem ser responsáveis juridicamente perante os 
eleitores, sendo obrigados a executar a vontade dos representados. O autor afirma que uma 
garantia para tanto é a possibilidade dos representados de cassar o mandato do representante 
caso a sua atuação esteja em desacordo com os desejos dos representados, mas ressalva que 
tal medida não é usual nas constituições modernas, citando que há alguns casos de Estados 
membros dos Estados Unidos da América, como a Califórnia, que criaram essa possibilidade, 
mas que em via de regra os representantes não são juridicamente responsáveis para com seu 
eleitorado e não podem ser destituídos por ele. 
Além da responsabilidade jurídica dos parlamentares em relação ao seu eleitorado, 
Kelsen também critica a imunidade dos deputados perante os tribunais, ou seja, a autoridade 
do Estado. Essa imunidade remonta à monarquia feudal e de acordo com Kelsen ela era justi-
ficada inclusive até a época da monarquia constitucional, pois como nessas épocas o poder do 
monarca era muito forte, em conflitos entre parlamentares e o monarca, este poderia abusar de 
seu poder e retirar os deputados de suas funções. Mas dentro das repúblicas parlamentares tal 
imunidade se mostra desnecessária, pois não há mais esse risco de abuso de poder, já que o 
próprio governo consiste na comissão do parlamento e há um controle mais rigoroso da opo-
sição. Kelsen afirma que não há nenhum caso em que se possa justificar tal imunidade e que 
se o parlamento deixou de possuir a simpatia tanto das massas quanto de pessoas cultas, isso 
em grande parte se deve aos abusos cometidos em decorrência desse privilégio da imunidade. 
Outro aspecto que o autor aponta falhas e que deve ser solucionado é o fato de a atua-
ção popular se restringir ao direito de voto para a escolha da composição do parlamento. Kel-
sen entende que além de escolher o parlamento, os eleitores deveriam ser consultados a res-
peito das próprias matérias que são decididas pelo parlamento, pois isso indicaria uma melho-
ria na formação da vontade do Estado. O autor indica que seria positivo se houvesse consultas 
ao eleitorado por meio de referendos ou plebiscitos legislativos (e não somente em matérias 
constitucionais), mesmo que fossem facultativos. Outra medida de ingerência direta da popu-
lação são as iniciativas populares de projetos de lei, que seriam posteriormente analisados 
pelo parlamento. 
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O autor também chega a mencionar que uma medida que poderia funcionar seria a 
transformação do parlamento

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